Nevasca de Natal escrita por


Capítulo 1
Dia branco




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Tudo estava branco.

Mitéra amanhecera no dia de Natal com um manto de neve em cima das casas, nas estradinhas de terra, nas florestas, cobrindo o Velho Poço e fazendo os lagos ficarem congelados como pistas de patinação. A feiticeira responsável por aquela magia branca, Miriã, e sua filinha de três anos foram vistas andando pela ilha, e as crianças faziam festa ao se aproximar. Sempre apaixonada pelos pequeninos e considerando os habitantes de Mitéra como sua família, Miriã erguia os braços cobertos por um suéter vermelho e fazia nevar, construía fortes de neve para guerras de bolinhas, dava vida á bonecos de neve e deixava sua magia correr solta para alegrar o reino mágico.

A praça do Memorial vertia alegria para todos os lados. Pais e mães sorriam ao ver seus filhos brincando e ao se juntarem á eles, e o sorriso da família Spring era um dos maiores do local. Nesse ano, Paula e Aster decidiram passar a noite de Natal em casa, apenas com os dois e sua filha, em vez de ir no jantar oferecido na Grande Árvore Prateada, onde muitos mitéricos se reuniam para passar a madrugada juntos. Antes que anoitecesse, então, Paula e Aster haviam decidido levar Pamella para se divertir um pouco.

Se aproximaram da praça onde acontecia uma longa guerra da neve e a menininha saiu correndo para se juntar a seus amigos e primos. Aster riu antes de correr atrás dela, e Paula se aproximou em silêncio da figura sentada em uma raiz de uma árvore qualquer. A moça era ligeiramente alta, aparentava ter 23 anos e seus cabelos eram castanhos, no mesmo tom dos cabelos de Pam. Paula se sentou juto dela, apertando o cachecol em volta do pescoço.

— Paula!  Que surpresa encontrar você aqui. E onde está Aster? — Calorosa como sempre, Miriã a abraçou. A sereia riu e retribuiu o abraço.

— Quanto tempo, Miriã — Paula comentou, olhando com carinho para a amiga de longa data. — Aster está nesse momento sendo atacado pelas crianças — A sereia riu novamente e apontou para seu marido, que estava deitado no chão cercado por crianças.

— O que estão fazendo aqui? — Miriã perguntou, curiosa. Paula, extremamente feliz, respondeu:

— Assim que escutamos que você estava criando nevascas e, sabe, dando uma de Elsa, decidimos trazer nossa filha para brincar. Suas tempestades de neve nunca decepcionam, cabeça de gelo.

Miriã riu, mas carregava uma expressão confusa.

— Filha? Nos vimos há menos de três meses, P, e você não estava grávida. — A feiticeira das nevascas comentou, distraidamente criando uma camada de gelo na árvore em que estavam.

— Eu sei — Paula riu também e depois apontou para a filha de Miriã, que conversava animadamente com Pamella. As duas tinham a mesma idade, mas eram bem diferentes. A filha de Miriã era muito parecida com a mãe e com o pai, enquanto Pamella não tinha nada de Paula e Aster. — Adotamos Pamella há algumas semanas depois de um incêndio no orfanato em que ela morava. Pam tem sido a luz que nos guia nesse fim de ano. — Ao terminar de falar, Paula tinha os olhos brilhando de admiração. Miriã nunca a vira assim.

— Ela é linda — Miriã respondeu, cruzando seu braço no de Paula. As duas sorriam ao ver suas filhas e seus maridos brincando na fraca nevasca.

— Feliz Natal, Miriã — Paula sussurrou, se aproximando mais da amiga. A feiticeira da neve sorriu, apertando seu braço no da amiga em sinal de carinho.

— Feliz Natal, P.

As duas foram interrompidas por seus maridos, que seguravam em suas mãos uma planta característica da época de natal. Eles pareciam adolescentes ao erguê-los em cima de suas cabeças.

— Visco! — Paula reconheceu a planta e beijou Aster apaixonadamente. O casal de amigos ao lado fez a mesma coisa, cada qual embaixo de seu próprio visco.

O dia passou rápido. No começo da noite, Miriã fez as nevascas pararem e aos poucos a multidão da praça se dispersou, uns em direção à Grande Árvore, outros voltando para suas casas. As famílias de Paula e da feiticeira das nevascas se despediram e Miriã, o esposo e a filha foram em direção da festa comunitária. Pamella foi posta nos ombros de Aster e ria alto, fazendo o coração de Paula –que caminhava mais atrás- se encher de amor.

*

— O que está passando na sua cabeça, loirinha? — Aster perguntou para sua esposa, que estava sentada entre suas pernas, envolvendo-a com seus braços fortes. Paula riu enquanto deitava a cabeça em seu peito e observava, encantada, sua filha adotiva dormir serenamente em frente da lareira, os cachos por cima do travesseiro, os bracinhos magros abraçando a raposa de estimação da família.

— Estava agradecendo à Neró por ter me transformado. Sem ela isso nunca seria possível. — Ela apontou com o queixo para Pamella e depois olhou para os olhos verdes dele, fazendo-o franzir as sobrancelhas. Ela riu. — Nós não teríamos nos conhecido e não teríamos adotado a Pam se Neró não tivesse me transformado, porque eu certamente teria morrido naquela tempestade que destruiu o navio em que eu estava. — Ela ergueu o pescoço e beijou a ponta do nariz dele, para deixar o clima mais descontraído. Ele sorriu e a apertou mais forte, passando-lhe a sensação de carinho e proteção.

— Me lembre de agradecer à entidade quando nos encontrarmos novamente. — Os dois trocaram sorrisos e Paula voltou a deitar a cabeça no peito quente dele, suspirando pensativa. — No que está pensando agora? — Aster perguntou, preocupado. Ela estava com olhos tão brilhantes que ele não sabia se sua esposa estava a ponto de chorar ou se era apenas reflexo das chamas da lareira. Quando Paula começou a sussurrar, sua voz embargada respondeu à dúvida de Aster.

— Eu sempre quis ser mãe, essa é a verdade. Foi um sonho que por muitos anos ficou guardado no fundo da minha mente, enquanto eu vivi apenas com meu pai, e que eu achei que seria impossível quando vim pra Mitéra e fui transformada em sereia. Mas... olha ela — Paula apontou para a filha adotiva.

— Nenhum de nós esperava isso, não é? Uma família, um lar... — Aster também estava sussurrando, não porque não queria acordar Pamella, mas porque ali era um momento que não merecia palavras ditas em alto tom.

— Não. — Paula confessou. Sentiu uma lágrima escorrer por seu rosto ao mesmo tempo que o dedo de seu marido a secava.

— Por que está chorando?

— Só estou pensando em como você é um pai maravilhoso. Eu vi como você olhava para ela no parque, como tinha cuidado com as brincadeiras, como está sempre zelando por ela... acha que não percebi que você levanta no meio da noite para ver se está tudo bem? — Paula ria enquanto mais lágrimas escorriam por seu rosto. Desesperado, Aster tentava entender porque a esposa chorava tanto.

Ele com certeza não tinha jeito com lágrimas.

— Ei! Eu amo nossa filha, e eu amo você. Mas por favor para de chorar — Ele pediu, angustiado. Paula riu novamente.

— Desculpa, não consigo. É por causa do seu presente de Natal.

Eles já haviam aberto os presentes. Nenhum era do protetor.

— Se está chorando porque esqueceu de comprar, não tem problema. Você não precisa me dar nada, mesmo. Já tenho tudo que quero. Tenho uma casa, tenho você. Temos uma família.

— De qualquer jeito, seu presente só vai chegar daqui há uns nove meses. Não ia adiantar eu te dar antes.

Paula viu o rosto de Aster mudar em questão de segundos. Seus olhos transmitiam tudo: confusão, depois incerteza, compreensão, alegria, e eles começaram a brilhar ao entender. Mesmo assim, ela segurou a mão de seu amado e a colocou carinhosamente por cima de seu ventre, ainda liso.

— Você sente?

— Sim. Há mais vida aqui. — Ele murmurou, abraçando-a forte e escondendo o rosto enquanto chorava baixinho. Paula também estava emocionada e o amparou em seus braços.

— Feliz Natal!

Do lado de fora da casa, a nevasca recomeçara, fracamente. Mais uma noite de Natal que Miriã cobria com seus poderes, trazendo alegria, paz e um sentimento que percorria todos os lares de Mitéra.

Recomeço.


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Notas finais do capítulo

Miriã, espero que goste ♥
(O visco é uma tradição de Natal em alguns países do hemisfério norte, onde um casal se beija embaixo de um ramo dessa planta para trazer boa sorte, felicidade, celebrar o amor, longevidade ou qualquer outra coisa positiva neste sentido)