Tudo por um presente escrita por Creeper


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Oieee!
Tenham uma boa leitura :3 !
ATENÇÃO: Não tenho o intuito de ofender ninguém, levem no humor. (Porque hoje em dia tudo tem que avisar, né).



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Arrumei os botões de minha camisa social azul marinho com as mãos trêmulas.

Precisava estar apresentável igual um peru na ceia de Natal. Bem, todo suado eu já estava.

Engoli em seco e peguei meu celular para conferir minha aparência no reflexo da tela.

—B-Bom...-falei incerto.

Respirei fundo, levantei a cabeça e tomei coragem para tocar a campainha.

—NÃO SABE ABRIR UM PORTÃO NÃO? TUDO EU NESSA CASA, TENHO CARA DE PORTEIRA, POR ACASO? -ouvi um grito vindo de dentro da casa.

Arregalei os olhos e encolhi os ombros, arrependido por não ter ligado para a Lorena, a pedindo para me receber.

Observei a porta da casa se abrir, revelando uma mulher que limpava as mãos no avental.

—Ah, é você, Jun. -ela sorriu abrindo o portão. -Bem-vindo!

Aquela era a Marta, minha futura sogra. Dei um sorriso torto ao encará-la.

—Obrigado. B-Boa noite...Q-Quero dizer...Feliz Natal! -eu não sabia o que fazer com os braços/mãos.

Dar um abraço nela ou apenas um aperto de mão casual?

—Vamos entrar, sim? A comida está no fogo. -ela disse apressada me puxando para dentro de seu quintal.

—Falando em comida...Minha mãe mandou uma sobremesa. -comentei lhe mostrando a sacola pendurada entre meu braço e antebraço.

—Pois agradeça a ela por mim, muito gentil, mas não precisava! -Marta sorriu.

Ela entrou primeiro dentro da casa e gesticulou com as mãos para que eu a seguisse.

—Com licença...-falei baixinho e fechei a porta atrás de mim.

Olhei ao redor, a decoração ia do chão ao teto, a música da Sandy & Junior estava tocando e o cheiro da comida invadiu minhas narinas.

—B-Bela casa. -me pareceu educado elogiar.

—Eu tento. -ela disse orgulhosa.

—Marta, quanto tempo isso tem que... -um homem apareceu de repente na sala. -Ora ora, se não é o nosso convidado especial. -dirigiu seu olhar para mim.

Senti meu corpo se arrepiar só por ele ter me olhado. Aquele cara me assustava!

Ele andou até mim, me estendeu a mão grande e peluda e me olhou de cima.

—O-Olá...-apertei sua mão sem firmeza. E ele apertou a minha como se quisesse quebrá-la, pude sentir meus olhos se lacrimejarem.

Aquele era meu futuro sogro, Thiago.
Já havia visto aquele casal uma única vez em um feriado, mas passei poucos minutos com eles.

—Então é você quem está interessado em meu bebê? -Thiago franziu a testa.

—S-Sim, senhor...-estremeci.

—Essa noite veremos se você é digno de namorar com minha princesa. Já a impressinou, agora deve nos impressionar. -ele disse.

O pior é que não havia nenhum pingo de brincadeira em sua voz, ele estava falando bem sério.

—Pode deixar. -abaixei a cabeça, sentindo meu rosto esquentar.

—Thiago, você devia parar de assustar todos os rapazes que a Lorena trás aqui. -Marta revirou os olhos. -Bem, todos falharam em nos impressionar mesmo. -bocejou.

Não sei se devia considerar aquilo uma boa ou má notícia.

Boa, pois eu seria o primeiro namorado de Lorena.
Má, pois eu podia falhar igual os outros.

—Pai, você pode arrumar meu laço? -ouvi a voz mais angelical do mundo.

Lorena adentrou a sala, trazendo junto consigo uma doce fragrância, ela tentava ajeitar um laço que pretendia parcialmente seu cabelo.

—Jun! -ela sorriu de orelha a orelha ao meu ver e correu ao meu encontro.

—Oi...-retribui o sorriso, um pouco mais envergonhado.

Ela se aproximou e me deu um abraço. Quando eu ia passar meus braços por sua cintura, Thiago pigarreou.

Subi meus braços para suas costas e isso pareceu satisfazer o sogrão. Revirei os olhos.

—Você está uma graça. -ela falou me soltando e me olhando de cima a baixo.

—V-Você também está... -desviei o olhar.

Lorena trajava um vestido tomara-que-caía vermelho de saia rodada, usava saltos plataforma pretos e diversos acessórios dourados. Sua maquiagem leve destacava seus belos traços e as ondas em seu cabelo castanho eram um charme a mais.

—...Feito uma árvore de Natal. -continuei, pois meu olhar se fixava no pinheiro iluminado em um canto.

—E-Está muito exagerado?! Estou chamando atenção?! -Lorena arregalou os olhos. -Eu sabia...-murmurou.

—N-Não foi isso que eu quis dizer! -tentei consertar. -Você está...Brilhante... -isso fez ela sorrir, me deixando aliviado. -E...Pontiaguda. Seus joelhos são meio secos igual ao tronco e...

Eu continuei a falar sem pensar! O nervosismo me consumia!

Cale a boca, inútil!

—Secos...? -Lorena olhou para suas pernas, constrangida.

—Ei, moleque, qual a sua?! -Thiago não aguentou mais ficar calado. -Como ousa?! -me olhou mortalmente.

Recuei um passo, assustado.

—Querida, você está perfeita. -Marta abraçou a filha de lado. -Eu vou colocar o peru no forno, licença. -saiu dali.

A velha não ia me ajudar?!

—S-Senhor, com todo o respeito...Foi um elogio! Eu juro! -meus lábios tremeram. -É uma maneira nova de expressar a beleza e-exuberante da sua filha. -falei rapidamente.

—Fica esperto, rapaz. É bom você não cometer outras gafes essa noite. -Thiago semi cerrou os olhos para me encarar. -Venha, docinho, vou te ajudar! -sorriu para sua filha.

Ela me direcionou um pequeno sorriso e se dirigiu até o sofá.

Pude finalmente respirar. Sim, eu estava prendendo a respiração. Não era capaz de respirar perante a presença daquele homem intimidador!

—Será que eu...-comecei, porém fui calado com um único olhar de Thiago, como se dissesse: "Cala a boca, embuste".

Decidi ir até a cozinha por conta própria.

—Posso colocar isso na geladeira? -perguntei tirando a tupperware de dentro da sacola de papelão temática.

—Pode sim, querido. -Marta permitiu abrindo o forno.

Após colocar o doce na geladeira, peguei dois embrulhos de presente que restaram na sacola.

—Eu não sabia o que lhes dar, então minha tia me ajudou...-comentei, ruborizando. -Ela é consultora da Jequiti. -avisei lhe entregando os presentes.

Era um perfume para o Thiago e uma colônia para a Marta.

—Muito obrigada! -Marta sorriu e me deu um breve abraço. -Me diga, fica entre nós...O que comprou para a Lorena? -arqueou uma sobrancelha.

Me deu um branco na cabeça.
Eu não conseguia encontrar uma resposta.

Talvez porque ela não existisse.
Talvez porque eu não tivesse um presente para minha pretendente.

Eu pensei a semana inteira em o que dar para Lorena. Nada do que eu pensava parecia satisfatório.

Comprei o presente de todo mundo, menos o dela. Mas claro que eu guardei dinheiro!

Às 20:00 do dia 25 de dezembro, eu saí de minha casa...SEM O PRESENTE DA MINHA GAROTA!

Eu não havia me lembrado!

—H-Hã...A-Ah...Bom...E...É...-comecei a entrar em desespero. -É s-surpresa...-forcei um sorriso e escondi a sacola vazia atrás de mim.

—Espero que a surpreenda! E com "a" eu quero dizer "Thiago", pois ele julga os pretendentes de nossa filha pelos presentes... -Marta revirou os olhos e lavou as mãos.

Ri nervosamente e ajustei o colarinho da camisa que me sufocava.

Droga! Por que eu esqueci uma coisa tão importante?

O que eu devia fazer?

Olhei para o relógio pendurado na parede da cozinha, ainda dava tempo de sair e comprar alguma coisa, nem que fosse para passar na casa de minha tia e pegar um perfume da Frozen.

Eu não iria deixar Lorena sem presente! Seria chato e constrangedor!

—E-Eu...Eu lembrei que...Preciso ir em casa. -comentei.

—Ué, como assim? -Marta estranhou.

—Preciso deixar as chaves com o meu irmão. -tirei do bolso um chaveiro e o balancei. -Mas eu juro que é rapidinho e logo eu volto...

Marta pareceu não gostar da idéia pois franziu a testa e fez uma expressão de insatisfação.

—Você não vai a lugar nenhum, Jun. -Thiago apareceu atrás de mim. -Lorena me contou que você gosta de todos os tipos de jogos! Faz tempo que não jogo, então vamos aproveitar. -me agarrou e me arrastou de volta para a sala

—M-Mas, senhor...Eu preciso realmente entregar as chaves...-murmurei.

—É falta de educação sair da casa dos outros dessa maneira e voltar como se tivesse ido comprar pão! -Thiago bufou.

—Pai! -Lorena o repreendeu, ela segurava uma caixa, a qual colocou sobre a mesinha de centro.

—D-Desculpa...-voltei a prender a respiração.

—Podemos começar com xadrez. Gosta de xadrez, não gosta? -Thiago começou a procurar o tabuleiro dentro da caixa.

—Eu vou ligar para a tia Adriana e perguntar se ela virá mais tarde, pai. -Lorena avisou. -Jun, fique à vontade. -sorriu timidamente para mim, aquilo me deixou mais relaxado.

Porém...Eu continuava frente a frente com um gorila assassino e sem presente.

As horas passaram arrastadas.
Eu estava quase tendo um treco ali naquela sala.

Jogamos desde xadrez até XBox.
E eu perdi em tudo, todas as partidas, pois não conseguia me concentrar.

Tentei várias vezes pedir educadamente para sair, mas sempre recebia respostas duras.

Tive de fingir que mandei mensagem para meu irmão para que ele mesmo fosse buscar as chaves. Porém meu irmão estava em uma festa com os amigos e nem podia me salvar.

—Você é horrível nisso! -Thiago comentou apertando seu controle. -Esperava mais de meu genro...Ou melhor ex genro...-riu sarcástico.

Eu sequer era capaz de reagir, mantinha uma expressão de desespero em meu rosto durante horas.

Nem pude conversar com Lorena, Thiago não me liberava um segundo que fosse.

Conferi a hora, já era 23:00. O jantar estava prestes a ser servido.

Muito bem...

Seria dia 26 em 60 minutos, adeus Natal, adeus clima de troca de presentes.

Pensei nas opções que tinha:
Entregar o presente somente no dia seguinte, dando uma desculpa sem graça.

Ou não entregar presente nenhum, dando uma desculpa comovente.

Bom, Thiago me mataria caso eu fizesse o brilho no olhar de Lorena desaparecer. E era isso que aconteceria se eu não trocasse presentes com ela.

Eu precisava sair daquela casa.

Situações desesperadas pedem por medidas desesperadas!

Ah, mas seria tão ruim deixar ela sem presente?

Jun!

Ok, ok...

Respirei fundo e tomei coragem para fazer uma pergunta crucial.

—P-Posso ir ao banheiro? Quero dizer...-Jun, você não estava falando com a professora do primário. -Aonde fica...?

Entre decepcionar por não dar um presente e decepcionar por ir ao banheiro (e talvez demorar mais do que o necessário), eu preferia a segunda opção.

—Mas já precisa ir ao banheiro? Nem bebeu direito. -apontou para nossos copos em cima da mesa.

Eu fiquei estático, já sentindo meu rosto esquentar ao pensar nas hipóteses dele.

—Pai! Pare de implicar, que saco! -Lorena revirou os olhos. -Fica naquela porta. -ela segurou em meu ombro com uma mão e apontou com a outra.

Seu toque era tão suave! E sua voz tão gentil!

—Obrigado...-sussurrei. -Já volto. -me levantei do sofá e trupiquei, pois minhas pernas estavam dormentes.

Me tranquei dentro do banheiro.

—Que merda! -bati com a cabeça no espelho.

Lavei o rosto diversas vezes, na esperança de acordar daquele pesadelo.

Minha cara estava péssima.

Comecei a escutar vozes diferentes preencheram a casa, significava que o resto dos convidados já havia chegado.

Precisava ser rápido.

Então eu faria o que pretendia fazer quando pedi a localização do banheiro: Fugir pela janela.

Eu devia passar facilmente.

Eu já havia pulado muitas janelas, me considerava um profissional.

Ah, qual é, sou um palerma apenas com garotas e seus pais assustadores, mas de resto...Eu sou o cara.

Exagerei...

Eu sou um merda, mermão.

Subi em cima da privada para ficar mais próximo a janela, era só um pouco apertada, porém consegui passar (com muito sufoco).

Caí em uma espécie de área de serviço aonde ficava a máquina de lavar e outra pia. A porta que levava a cozinha estava fechada, ouvia diversas vozes vindas dali e sons de panelas.

Olhei para os lados e vi que dava para dar a volta e chegar ao portão.

Para minha sorte, não havia ninguém do lado de fora.

Sem perder tempo, corri até a frente da casa e abri o portão com cautela, evitando qualquer rangido.

E foi pernas pra que te quero. Eu dei fuga.

☆☆☆

Enquanto andava sem rumo, pensando aonde iria naquele horário, passou por minha mente a má fama que eu teria entre a família da Lorena.

Bati com a mão na testa e suspirei pesadamente.

—Só me ferro nessa vida.

Enfim, aquele era o menor dos problemas. Eu sabia que nenhuma lojinha de bairro estaria aberta, por isso fui direto ao centro comercial (o qual ficava a poucas quadras da onde eu estava).

No centro também não havia muitas opções, a maioria das lojas estavam de portas fechadas e luzes apagadas, exceto pelas conveniências.

Lorena gostaria de ganhar uma Bavaria?

Jun!

Tá, tá...

As ruas estavam todas decoradas, era bonito de se ver.

Era 23:15, o desespero me engolindo cada vez mais. Meus passos já apressados e meus olhos percorrendo todas as extensões na esperança de encontrar alguma loja aberta.

E como um milagre de Natal...Eu vi uma lojinha de lembranças aberta. Ela parecia um anjo! As luzes iluminavam todo meu ser, seu ar-condicionado me abraçava e sua estrutura era meu porto seguro.

—Eu te amo! Eu te amo! -comecei a beijar a placa pendurada na porta de vidro.

—Tá chapado, guri? -a balconista me encarou de maneira estranha.

Então percebi o mico que estava passando.

Ajeitei minha postura e andei até a moça. A coitada estava com o uniforme amarrotado, a maquiagem borrada e uma expressão de "Queria estar morta.".

—O que tem aqui para dar de presente a uma garota? -perguntei.

—Meu bem. -ela disse irônica. -Se não percebeu, a loja está vazia, zero. Hoje é Natal, claro que compraram tudo. -bocejou.

Arregalei os olhos, assustado com o que ela disse.

Virei-me e fitei as estantes vazias, a única coisa que restou eram as etiquetas de preço jogadas pelo chão.

Além de estantes vazias, havia um garoto e uma garota gritando um com o outro enquanto brigavam por um pacote.

A garota era minúscula, com cabelos curtos de cor clara e roupas de festa.

O garoto devia ser menor que eu, tinha o cabelo tingido de azul e usava uma camiseta de Yuri!!! On Ice.

—Qual é a deles? -arqueei uma sobrancelha.

—Eles estão no mesmo poço que você. E o único presente nessa loja é aquele, o qual eu entregaria ao meu namorado...Caso ele não tivesse terminado comigo. -a balconista deu de ombros.

Cerrei os dentes.

—Bem, ainda não é tarde...Deve haver outras lojas na cidade... -comentei pronto para sair dali.

—COMO ASSIM?! NÃO TEM NENHUMA LOJA ABERTA NESSE FIM DE MUNDO?! -uma garota adentrou a loja, bufando e pisando pesado.

Seus cabelos pretos estavam presos em um rabo-de-cavalo, era da minha altura e vestia roupas esportivas.

—O que você disse?! -perguntei engolindo em seco.

—O que você ouviu! Moramos em uma cidade caipira, não tem nada aqui nesse fim de mundo! -ela chutou a porta de vidro.

Eu estava definitivamente perdido.

—Pelo que eles estão brigando?! -a garota me perguntou apontando para o menino e a menina.

—Pelo último presente da cidade. -respondi passando a mão por meus cabelos.

Eu estava ferrado...

—Último, é? -ela arqueou as sobrancelhas, fez cara de pouco caso e se dirigiu até eles. -Vocês querem decidir no braço quem vai ficar com isso?!

—Saí pra lá, chegamos primeiro! -o garoto respondeu, puxando o presente para si.

—Esse presente já tem dono e sou eu! -a baixinha também puxou para si.

—Pois agora eu sou uma das candidatas à dona! -a garota que chegou por último avançou na primeira.

E os três caíram no chão, lutando pela sacola que guardava o embrulho.

—Patético. -a balconista suspirou e se debruçou sobre o balcão.

Eu estava parado, pensando no que fazer. Não havia outras lojas, somente aquela com três loucos brigando por um único presente.

—Por que não briga também? Você é fortinho. Só perde pra fera de cabelo preso ali. -ela opinou.

Me arrepiei ao ver como a mão pesada daquela garota ia contra o rosto do garoto. Ele podia ficar com traumatismo craniano.

—Qual seu nome? -perguntei me aproximando.

—Gabi e o seu? -ela perguntou sem tirar os olhos da treta.

—Jun. -falei abaixando a cabeça.

—Isso é apelido, né? -Gabi perguntou segurando a risada.

—Sim, é... -encolhi os ombros.

Não curtia meu nome e até que meu apelido me favorecia. Okay, o apelido era ridículo também...

—Você...-mudei de assunto. -Disse que era para o seu namorado. Então é um presente masculino?

—Não. É unissex, bem útil, uma gracinha. -Gabi respondeu.

Estava começando a considerar a idéia...

Eu ainda podia passar na casa da minha tia e...

—Olha quem está aqui! -ouvi uma voz familiar, ao me virar para a porta, tive a visão da minha ex-namorada.

Ainda de cabelos cacheados e longos, estatura média e roupas que valorizavam seu corpo.

—Oi, Samantha. -suspirei.

—Também não tem presente para dar a namoradinha? -Samantha debochou.

—E o que você faz aqui, então? -arqueei uma sobrancelha.

—A procura de um presente como qualquer pessoa desligada nessa cidade. -ela colocou as mãos na cintura. -Que foi? Esse ano quis inovar? Não vai dar pra ela um perfume da Jequiti?

—Ainda vai falar disso?! -cruzei os braços.

—Você sabia que aquele era um perfume barato! Ou melhor, água de chá! E que me deixou com alergia! -Samantha reclamou.

Era verdade. No penúltimo Natal, eu havia dado um perfume para a Samantha, porém ela ficou com manchas no pescoço e espirrou por dias.

Ela era humilde e gostava de tudo que eu lhe dava, o perfume foi a única coisa que ela reclamou, ou seja, eu havia errado rude.

Não daria uma água de chá para a Lorena! Ela era delicada e pelo visto, mais seletiva. Merecia coisa melhor.

Dava tempo de passar em casa e fazer uma lembrancinha? Sim!
Mas isso seria simples demais.

E eu não tinha 6 anos.

—O que está...-Samantha perguntou.

—Lhe apresento o último presente. A última salvação de todos aqui. -falei aflito.

—E tem que brigar pra conseguir? -ela perguntou dando um passo a frente.

—Sim. -mordi o lábio inferior.

—Será que presentear é tão importante? -Samantha pensou. -Tipo...Deixar passar batido...

—Acredite...É importante. -dei tapinhas em seu ombro.

—Não me toque, mão de vaca! -ela bateu em minha mão e se afastou.

—E-Ei! -a repreendi.

Eu não acreditava que terminamos por causa do perfume.

Claro, nosso relacionamento não era um dos melhores...Mas...

—Aqui tem algo pra vender?! -outro desesperado chegou, esse era um garoto, aparentemente mais velho que eu, ruivo e todo aquele starter pack de "nerd clichê by: fanfics".

—Sim. Quem pegar, leva. -Gabi apontou para o presente disputado.

—Sério? Tipo, sério mesmo? Eles estão igual animais por causa de uma lembrancinha? -ele perguntou desacreditado.

—Nos chamou do que?! -a mais forte saiu do ringue.

—Animais. -ele repetiu, se colocando frente a ela.

E os dois começaram a bater boca.

—Eu tenho que voltar logo...-murmurei olhando o relógio no visor de meu celuar.

Eu não fugi para voltar de mãos vazias!

Gabi havia me dito que era algo útil! Na dúvida, leve algo que tenha utilidade.

Aproveitei que a brigona estava fora de campo, ergui as mangas de minha camisa e me dirigi até os guris.

—Aonde vai? -Samantha questionou.

—Pegar um presente. -respondi.

É, eu ia entrar na briga também.

—Ah, nem vem! -o garoto entrou em modo de defesa.

—Qual seu nome? -perguntei.

—Leonardo. -ele respondeu de má vontade.

—E esse presente é pra quem? -arqueei uma sobrancelha.

—Pro meu namorado. -sua pele alva ficou salpicada de vermelha.

—Own, que fofo! -ri. -E você? -olhei para a menina.

—Érica. Para minha sogra. -ela disse brevemente.

—Que tal decidirmos no JoKenPo? -sugeri. -Vocês aí no chão parecem crianças...

—Ah, e quem sugeriu JoKenPo não é uma... -Érica ironizou.

Me ajoelhei no chão junto a eles e coloquei a mão sobre o presente. Ficamos puxando a sacola para lados diferentes, em um ritmo até que coordenado.

Eu gostaria de voltar no tempo e meter um tapa na minha cara por ser tão desligado.

☆☆☆

Em algum momento eu desisti da briga. Aquelas crianças não eram fáceis de se lidar, ainda mais porque Samantha havia entrado no meio.

—Eu estou perdido! -falei indignado.

—Quer um mapa? -Gabi ironizou.

—Você não tem outro presente não? -perguntei criando falsas expectativas.

—Negativo. -Gabi balançou a cabeça. -Ei...Aqui está um tédio. Que tal uma brincadeira?

—Que tipo de brincadeira? -conferi o horário mais uma vez, faltava 30 para o fim do Natal.

—Eu pego o presente, pois ainda sou dona dele, já que ninguém pagou. E aí eu me escondo. Quem me achar, leva. -explicou dando de ombros.

Pensei na proposta. Era bem aleatório quem a encontraria.

Mas a loja era grande.

—E se todos encontrarem você? -perguntei.

Gabi olhou para cima, pensativa.

—Eu tenho armas de tinta no depósito. São as defeituosas, que não podiam ir à venda. -Gabi comentou. -Caso você encontre alguém, atire. E assim é um concorrente a menos.

Aquilo estava ficando interessante! E perigoso...

Bem, naquela altura, eu toparia tudo por um presente.

—Aceito! -cerrei os punhos e sorri desafiador.

Gabi retribuiu o sorriso e saiu de detrás do balcão.

Chamamos a atenção de todos ali presentes.

Do nerd chamado Matheus.
Da miúda chamada Érica.
Da brigona chamada Rebeca.
Da ex chamada Samantha.
Do azulado chamado Leonardo.
E da mimada chamada Sophia, que havia chegado por último.

—Vem cá, você é rica, não é? -Matheus questionou, e sim, ela era, já havíamos estudado juntos. -Podia pegar um jatinho particular e ir em outra cidade comprar algo. -revirou os olhos.

—Estou de castigo, papai me tirou meu jatinho! -Sophia choramingou.

Ela estava meio zonza, talvez tivesse bebido. Seria mais fácil nos livrar dela.

Explicamos a brincadeira que eu e Gabi havíamos bolado e todos concordaram sem questionamentos.

—Então, isso daqui é uma espécie de Jogos Vorazes menos adulto? -Matheus debochou.

—Chame como quiser. -Gabi entregou uma réplica de arma de paintball (para crianças) para cada um. -Eu me escondo primeiro. Fechem os olhos e contem até 60. -pegou o presente da mão de Rebeca.

—Depois recomeçaremos a contagem, dessa vez até 120. -expliquei. -E um por um irá sair para se esconder, por ordem alfabética.

—Fechado? -Gabi arqueou uma sobrancelha.

Todos afirmaram.

Formamos uma rodinha, todos de costas um para os outros.

Fechamos os olhos e começamos a fazer a primeira contagem. Pude escutar os passos apressados de Gabi.

Eu não conseguia me concentrar na contagem, pois estava pensando em Lorena.

O que ela pensaria de mim se eu não conseguisse aquele presente?

O que falariam de mim quando eu saísse do banheiro uma hora depois?

Lorena era muito importante para mim. Havíamos nos conhecido no primeiro colegial, há um ano, então começamos a sair.

Me apaixonei pela personalidade adorável dela e por sua beleza encantadora.

Pareço um bobão falando, né? Eu sei.

Bom, o sentimento era recíproco e depois de um tempo de preparação, ela me chamou para passar o Natal em sua casa.

E eu dou essa falta! Burro, burro, burro!

—36...-todos falaram ao mesmo tempo.

Abri os olhos e me retirei da rodinha rapidamente.

A loja era dividida entre: Primeiro andar, segundo andar, depósito e sala dos funcionários.

Arriscar um lugar fechado não era muito bom, então risquei a opção de me esconder no depósito ou na sala dos funcionários.

Decidi que me esconderia entre as estantes do segundo andar.

Conferi minha arma, ela estava carregada, a segurei firmemente contra meu peito enquanto olhava para os lados.

Enquanto subia as escadas, não vi nenhum sinal da Érica, a primeira a sair da rodinha.

Logo escutei um barulho alto vindo do andar debaixo, significava que o último da rodinha já havia se escondido.

O jogo começou!

Escutei passos apressados subindo as escadas, tratei de me encolher em meu lugar e rezar para que a pessoa não se aproximasse.

Ah, mas claro que nada é perfeito.

A parede atrás de mim foi tingida em um segundo após um som de plástico sendo pressionado.

Meu coração falhou uma batida ao ver a tinta escorrer.

Tão cedo e já ia ser eliminado?

O que eu devia fazer?

Lutei contra a vontade de: Correr, atirar de volta ou olhar quem havia atirado.

Meu adversário podia estar "jogando no verde, para colher maduro", eu continuaria quieto em meu canto.

Novamente, ouvi passos. Passos que iam ficando cada vez mais altos. Alguém estava se aproximando.

Mas os passos foram abafados pelo som oco do tiro de tinta acertando alguma superfície.

Cerrei os dentes e abracei meus joelhos, desesperado.

—FORA! -aquela era a voz do Leonardo.

—Argh! Você podia ter atirado na cabeça, eu pretendia usar essa roupa amanhã... -a vítima havia sido a Samantha.

Será que eu era capaz de sair dali sem ser visto?

Mais alguém subiu as escadas, essa pessoa teve mais cautela que Samantha.

Os barulhos de tiro foram contínuos, sem cessar, acompanhados de rosnados e murmúrios.

Tentei indentificar de quem era aquela voz...

Matheus.

Pelo visto, nenhum havia sido acertado, a tinta começou a se espalhar pelo chão e paredes ao meu redor.

Eles deviam ter trombado em alguma estante, porque houve um rangido alto.

Meu coração começou a se acelerar. Eu tinha que sair dali antes que eles chegassem perto.

Engantinhei para um canto aonde as paredes não estavam tingidas e tive a visão do campo de batalha.

Samantha estava deitada no chão, toda manchada de vermelho, pensando na vida.

Leonardo havia subido em uma estante e Matheus em outra, ambos aportando suas armas para frente.

Nenhum atirava.
Nenhum se mexia.

Eles eram duas sucuris.

PERFEITO! Eu ia era vazar.

Calculei a distância entre uma estante e outra.

Franzi a testa. Olhei novamente para Matheus e Leonardo, depois olhei para o chão a minha frente e virei uma cambalhota.

Acabei batendo a cabeça no pé de uma estante, a fazendo tremer, chamando a atenção de meus concorrentes.

Cara, não deu tempo nem de raciocionar, dois tiros de diferentes direções acertaram a parede atrás de mim.

Sentia como se minha vida tivesse passado diante de meus olhos.

E com o alívio de não ter sido acertado, veio o impulso:

—HAHAHA, ERRARAM, SEUS OTÁRIOS!

A cara que eles fizeram não foram lá as das melhores e logo me apontaram as armas novamente.

Nem pensei, só agi. Me levantei rapidamente e corri de maneira desengonçada até a escada.

—VOLTA AQUI! SEU NOME JÁ TÁ NA LÁPIDE! -Matheus ameaçou.

Para um nerd, ele era bem nervosinho.

—Cara, eu espero que você saiba que isso é um jogo...-parei de correr para comentar. -E que ninguém aqui vai morrer...

—Eu jogo pra vencer e pra vencer, é preciso matar! -ele desceu da estante em que estava.

—Tá jogando muito CS, filho...-franzi a testa.

E de repente, uma bola de tinta passou de raspão por meu rosto.

Paralisei.

Gente, eu sou cardíaco, assim eu não aguento...

—Errei, merda! -Leonardo inflou as bochechas.

—Pode deixar que eu acerto! -Matheus apareceu de repente, se jogando e atirando ao mesmo tempo.

Esse povo não pensava! Eles já chegavam atirando!

E eu? O patético?

Fiz o que qualquer ser humano comum faz quando tem que fugir.

Rolei escada abaixo, pouco me lixando se minha roupa ficaria amassada.

Assim que atingi o chão, ergui o braço que segurava a arma, apontei para cima sem mirar e puxei o gatilho.

Não mirei, pois planejava apenas assustar.

Matheus nem se deu o trabalho de desviar, apenas desceu degrau por degrau, tentando passar a imagem de foda.

Mas adivinhem? Bastou o nerd puxar o gatilho, que a arma entupiu e não saiu nada dali.

Era Deus me dando uma segunda chance, não era possível.

—Que merda! -ele gritou raivoso.

Muito ligeiro, levantei e saí correndo para o depósito.

Apenas escutei um som de tiro, o qual deu brechas para o silêncio mortal.

Isso arrepiou minha espinha.

Quem será que foi acertado? Matheus, talvez?

O depósito estava escuro quando entrei, imaginei ser uma armadilha, por isso hesitava a cada passo.

Engoli em seco, pois senti a incerteza me abraçar.

Consegui encontrar o interruptor após tatear toda a parede e acendi as luzes.

Olhei ao redor, havia caixas de papelão abertas e vazias por toda parte.

Nenhum sinal de algum oponente. Suspirei.

O silêncio assustava mais que os sons dos tiros.

Ainda não podia aceitar que todos os presentes da cidade haviam se esgotado e o último restará era uma surpresa.

Foi quase inaudível o som de plástico sendo apertado.

Sabia muito bem o que era aquilo.

Virei para trás bruscamente, dando de cara com Érica saindo de dentro de uma caixa.

Devo ter ficado pálido com o susto, meu coração se apertou.

Omae wa mou shindeiru.—ela anunciou fechando um de seus olhos.

Nani?!—fui obrigado a falar, não sabia se ficava aliviado ou mais aflito.

—Ai, meu Deus...Você é otaku?! -ela sorriu empolgada.

—Sou! -respondi na mesma empolgação. Isso é orgulho?

—Um a menos, então. -seu sorriso inocente tornou-se psicopata.

*Facepalm*.

—Filha da p... -rosnei.

Teu nome tá no meu Death Note, só aguarde.

Mais nenhum som saiu de minha boca, apenas agarrei minha arma.

Não daria tempo de atirar, por isso optei por me abaixar e rastejar no chão feito perderdor. Ah, isso eu sabia fazer. Sabia desde que nasci.

Lógico que a smurf terrorista mirou no chão, na tentativa de me acertar, tive de ficar rolando feito cachorro.

Eu seria um fraco a minha vida toda? Deixaria ser pisoteado?

Sim.

Jun!

Certo, certo...

Era tudo ou nada, me joguei atrás de algumas caixas e me levantei, tendo Érica em minha mira.

—Vá em frente. Eu sou só uma criança. -ela disse com sarcasmo abrindo os braços.

—Você é baixa. -comentei.

Ela cerrou os dentes e voltou a me apontar a arma, me abaixei automaticamente.

—Não e-estou falando de sua altura! Estou falando que você joga sujo, tentou me acertar pelas costas. -gritei.

—Em um mundo imundo desses, qual a diferença de uma sujeira como eu? -Érica disse friamente.

—Vem cá, vocês não tão sacando que isso é uma brincadeira? -voltei a me erguer. -Não precisam levar tão a sério! É só um jogo de paintball amador e o prêmio pode ser um par de meias. -usei a lógica.

Esse povo de hoje em dia leva tudo tão a sério.

—Não me importa se é um par de meias! Se eu não presentear minha sogra, ela falará mal de mim até encher a cabeça do meu namorado! -Érica cerrou os dentes.

—Mas se seu namorado te ama, ele não se deixaria levar por...-franzi a testa.

—CALA A BOCA! -Érica gritou histericamente e começou a atirar para lados aleatórios, mas em nenhum momento me acertou.

Ela era louca!

Ouvimos um barulho ALTO de algo acertando o chão...

Automaticamente nosso pensamento ligou a: Uma arma!

Arregalamos os olhos e olhamos na direção do som, pasmos.

Ah, não...Era somente a Sophia, caindo de bêbada.

Pois Érica não perdeu tempo, abaixou a arma para mirar na embriagada.

Ela ficou de costas para mim.

ELA FICOU DE COSTAS PARA MIM, A APENAS UM OU DOIS METROS DE DISTÂNCIA!

Isso fez tudo em meu corpo acordar para a vida (Tá, nem TUDO, não sou depravado). Parece que o sangue começou a correr por minhas veias.

Eu aceito a hipocrisia, aceito ser um imundo.

Respirei fundo, fechei um de meus olhos e ergui a arma de brinquedo.

—Sinto muito. Sou eu ou você. -engoli em seco apertando o gatilho.

A cena passou em câmera lenta, enquanto meu coração batia a mil por hora.

A bola de tinta saiu em linha reta, rápida e certeira, estilhaçou-se nas delicadas costas de Érica, as manchando de vermelho e produzindo um som oco.

A garota baixou seus ombros antes arqueados, seu corpo ficou mole e ela caiu para frente, derrubando a caixa em que estava.

Franzi a testa e determinado, saí detrás da caixa em que estava, andando até ela.

—Como p-pode?! -Érica falou com a voz rouca, estendendo sua mão trêmula na tentativa de tocar em sua arma.

A sangue frio, chutei sua única esperança de deixar o jogo kite para nós dois.

—Você teria feito o mesmo em meu lugar. Só fiz o que era preciso para minha sobrevivência. -a olhei por cima, como se fosse superior.

—M-Maldito...-Érica me encarou com ódio. -Espero que seja acertado.

A encarei com tédio.

—Como eu pude p-perder para um otaku? -ela até parecia estar perdendo o fôlego.

Aqui é muito anime shounen na veia, filha.

—Saí do chão, tá frio. Você não morreu de verdade. -revirei os olhos e segui meu trajeto para fora do depósito.

Protagonismo é um truque que nunca falha, não é mesmo?

Até onde eu sabia, os únicos que restavam eram Leonardo e Rebeca.

Eu devia ficar atento.

No primeiro andar, Matheus estava caído na escada, com o peito manchado, e as mãos na barriga. Não havia brilho em seu olhar.

—Qual é, cara? -perguntei pisando no primeiro degrau.

—Quer dizer que você ainda está vivo? -Matheus fez um esforço para me olhar.

—Sim. -dei de ombros dando uma conferida em minha arma.

—Queria ter tido a chance...A chance de fazer minha ex feliz. -Matheus comentou.

—Sua ex, sério? Se ex fosse bom, não seria ex. -arqueei uma sobrancelha.

—Eu prometi a mim mesmo que reconquistaria seu coração nesse Natal. Isso incluía lhe dar um grande presente. -Matheus fechou os olhos.

—Fica pro próximo ano, se ela não arranjar um outro namorado. -eu dando conselhos, era uma maravilha. -Então, será que dá pra você sair daí? Eu queria subir...

Imediatamente Matheus se levantou e me agarrou pelos ombros.

—Não suba. -sussurrou com os olhos arregalados. -A fera está lá. -balançou a cabeça negativamente.

—A Rebeca?! -indaguei.

Ele apenas olhou para trás por cima do ombro e voltou a me olhar, afirmando com a cabeça.

Engoli em seco. Talvez eu não estivesse pronto para lidar com ela.

—Obrigado. -afirmei.

Me dirigi até a sala dos funcionários, o lugar até onde então eu não havia explorado.

As luzes estavam acesas, havia alguns armários com combinações, uma mesa e dois sofás...

—Jun, ainda de pé? -Leonardo debochou.

Senti meu corpo gelar ao encarar o garoto deitado em um dos sofás segurando uma arma em cada mão.

Não perdi tempo, saquei minha arma e...

—Não perca seu tempo. Eu não me permtiria perder pra você. -Leonardo me olhou de soslaio.

—Mano, cê tá usando uma camiseta de YOI e ainda acha que tem moral? -fiz cara de indignado.

Leonardo ruborizou e inflou as bochechas.

—Escuta aqui! -ele se levantou e avançou em minha direção, protegi meu rosto com os braços.

Entretanto, ele apenas me empurrou para abrir passagem.

Atrás de mim estava Rebeca, recarregando sua arma.

E era ela a quem ele queria, não eu.

Fiquei apenas parado, observando a troca de tiro que ambos começaram a ter.

Tomei cuidado para não ser acertado por uma tinta perdida.

Os dois pulavam, davam cambalhotas e desviavam feito profissionais.

O que será que eles faziam da vida?!

Olhei mais uma vez para a hora e faltavam exatos 15 minutos.

Todos se preocuparam apenas em tirar uns aos outros da jogada, mas ninguém pensou em procurar o presente.

Minha cabeça deu um estalo.

Aproveitei a oportunidade e corri para o depósito. Afinal, Gabi não estaria no andar de cima e nem na sala dos funcionários.

Comecei a correr por entre as caixas, batendo nelas e as derrubando.

—Vamos, vamos... -mordi o lábio inferior, cada vez mais ansioso.

Foi quando percebi que havia tocado caixa por caixa e Gabi não estava atrás de nenhuma.

Voltei correndo para o primeiro andar e tive uma terrível visão.

Leonardo estava ajoelhado de frente para Rebeca, desarmado.

Ela apontava sua arma na testa do garoto.

—Suas últimas palavras? -perguntou com uma expressão sombria.

—Otayuri é c-cannon...-Leonardo disse baixinho fechando os olhos e engolindo em seco.

Após seu último fio de voz, o som a seguir foi o do tiro e da tinta entrando em contato com sua pele.

Ele caiu de lado, se esparramando pelo chão.

Cobri minha boca com as mãos, horrorizado.

Horrorizado por atuarem tão bem, puta que pariu.

Eu não seria o próximo! Corri para o corredor de estantes na expectativa de que Gabi estivesse atrás de alguma delas.

Claro, fui seguido pela tirana.

Mas eu não deixaria ela me atrapalhar, justo no último momento!

Me restavam 10 minutos.

—AUCH! -alguém resmungou logo após eu tropeçar em algo e cair.

Olhei para trás em um susto.

Gabi estava sentada no chão, massageando sua cabeça.

Eu havia tropeçado nela!

—A-A-AC-CHEI! -gritei desesperado, partindo pra cima da garota, a imobilizando. -Oh, céus, eu te achei! -a abracei.

Nunca fiquei tão feliz por ganhar um jogo de esconde-esconde.

—Me larga! -Gabi me deu uma cotovelada. -Você ainda tem que voltar ao ponto de contagem e bater!

Arregalei os olhos. Olhei para o final do corredor e fitei Rebeca paralisada.

Ela havia escutado! E saiu correndo antes de mim.

—NÃO! -me levantei e cambaleei até o último lugar em que a garota esteve.

Corri o mais rápido que pude, batendo em algumas estantes que estavam viradas.

O coração batendo rápido, as pernas não sendo mais capazes de sustentar meu corpo e meu suor escorrendo de modo que livraria a seca do Nordeste.

Porém eu tinha força de vontade e continuaria!

Avistei minha última inimiga a alguns metros do "bate ponto", eu não seria capaz de acertá-la em movimento.

Bem, não dá pra acertar com um tiro? Pois acerte com a arma!

Eu juro que eu levei meu braço para trás para tomar impulso e lancei meu brinquedo sobre a cabeça de Rebeca.

Ela parou de correr no mesmo instante, largou sua arma e colocou as duas mãos sobre a nuca.

—Isso dói! -reclamou.

Eu achei que ia errar...Jurava pelo meu fracasso que ia errar!

Não errei? NÃO, ENTÃO CORRE!

Quando passei por Rebeca, a empurrei para trás para dar-lhe ainda mais desvantagem.

Consegui alcançar o "bate-ponto" e gritei bem alto:

—Um, dois, três! Gabi pega!

Respirei fundo e caí de joelhos ao lado de Leonardo que mexia em seu celular.

—Parabéns. -Matheus disse se levantando.

—Tanto faz. -Leonardo revirou os olhos.

—Idiota! Nunca ouviu que em uma dama não se bate nem com uma rosa?! -Rebeca chutou minhas costas.

Resmunguei porque a dor foi um incômodo.

—Você é uma dama?! -arregalei os olhos. -E eu não bati. Eu lhe acertei. -minha respiração estava ofegante.

—Então...Temos um vencedor. -Gabi bateu palmas, satisfeita.

—Me dá logo esse presente e me deixa vazar! -me levantei (quantas vezes eu havia ficado no chão naquela noite?) e encarei a balconista.

—Me deve R$ 9,99. -Gabi estendeu a palma da mão e deixou o presente fora de meu alcance.

Bufei e comecei a vasculhar meus bolsos. Tateei todo o meu corpo de maneira apreensiva.

Foi quando me lembrei que meu irmão havia deixado uma nota de vinte reais na capinha de meu celular, foi a qual eu usei como pagamento.

—Olha, eu pego o troco amanhã, hoje eu estou realmente com pressa! -engoli em seco, agarrando o presente e o guardando debaixo do braço.

YES, VITÓRIA!

Eu já estava indo até a porta, quando Gabi pigarreou.

Olhei para trás. Todos estavam sentados no chão, manchados em diversas partes do corpo, com cara de poucos amigos.

—Eu acho que o Natal não significa apenas presentear. Acho que vocês não precisavam ter quase se matado por um presente que nem sabiam o que eram. Apesar de tudo, o meu presente foi ter essa diversão essa noite, muito obrigada. -Gabi discursou.

Todos se entreolharam e aliviaram suas expressões.

—E se vocês realmente amassem essas pessoas, teriam se lembrado de seus presentes antes...-Gabi colocou as mãos na cintura.

Abaixamos nossas cabeças, constrangidos.

—Eu não amo minha sogra. -Érica murmurou.

—E se essas pessoas realmente os amam, elas não irão se importar se vocês deixarem de presenteá-las em um dia específico. Elas irão entender e aceitar, pois o amor já basta. -Gabi continuou. -Tem outras formas de demonstrar como uma pessoa é importante.

Aquilo por um momento fez eu me acalmar.

Meu coração pela primeira vez naquela noite bateu no ritmo certo.

Lorena era compreensiva...Mas será que ela me amava?

Bem, Thiago não me amava, então eu tinha de presentear sua filha de qualquer jeito ou não seria aceito na família.

—Você fez a gente brigar pra só agora vir dizer tudo isso? -Samantha franziu a testa.

Gabi deu de ombros.

—É para vocês notarem o quão egoístas podem ser. Podiam ter resolvido na paz, mas aceitaram partir pro "esportivo". -Gabi cruzou os braços.

Começamos a olhar uns para os outros após isso. E permitimos que o silêncio reinasse.

—Desc...-Rebeca até tentou falar, porém foi interrompida.

—Eu vou ir encontrar meu mozão! -Leonardo cruzou os braços atrás da cabeça e bocejou.

—E eu vou voltar para minha festa. -Sophia tentou se levantar, porém caiu, estava tonta.

—Vá com calma...-Matheus a amparou.

—Como eu vou chegar em casa de mãos abanando?! -Érica inclinou a cabeça para trás.

—Galera, eu quero fechar a loja, dá pra fazerem o favor de meterem o pé daqui? -Gabi cruzou os braços.

Eu fiquei estático diante daquilo.

Gabi tentou nos fazer sentir arrependimento.

Mas o receio dura um único segundo e depois vai embora.

Ninguém mais ligava para o que ela havia dito, nem a própria.

Por que? Porque todos preferem deixar os receios debaixo do tapete e fingir que tudo está normal.

Porque você não quer demonstrar que está errado na frente de todos, mas na hora que for dormir, a culpa vai te consumir.

Mas quem se importa, né? E do que adianta eu dizer? Nada.

Eu havia chegado até ali e continuaria. Afinal, todos continuaram.

Eu precisava voltar para a casa de Lorena.

Me restavam somente 5 preciosos minutos.

Estava prestes a atravessar a porta, quando uma certa baixinha me parou.

—Ei, ota...Jun. -cerrou os dentes e engoliu em seco. -Parabéns, faça bom proveito do presente. -ela disse virando a cara. Tava escrito (na minha imaginação) na testa dela: "Facada no orgulho".

Ri, apesar de tudo, ela era fofa.

—Feliz Natal! -falei alto. -Valeu! A noite foi incrível! -sorri de maneira sincera.

Realmente, apesar de todo o pânico, eu achei divertido.

Todos acenaram para mim e fizeram sinal de positivo:

—Feliz Natal! Boa sorte com sua garota!

E antes de sair completamente, ouvi um último grito, este vindo de Leonardo:

—DAVAI!

☆☆☆

Corri como se tivesse visto dois caras numa moto, por sorte não havia ninguém no quintal da casa de Lorena.

Fiz o mesmo trajeto de antes, mas mil vezes mais rápido.

Ao cair no banheiro, fui direto dar descarga na privada e me olhar no espelho.

Eu estava todo suado e ofegante, meu cabelo grudado em minha testa, minha camisa amassada e colada ao corpo, minha calça suja de tanto me estirar no chão...

Que nojo de mim.

Se Lorena ainda me amasse daquele jeito, tudo bem. Ela era uma mulher pra casar.

Peguei o embrulho de dentro da sacola, era um papel prateado com flocos de neve que guardava um conteúdo macio.

Respirei fundo de uma vez e abri a porta.

Dei de cara com a família toda de Lorena olhando para mim, sério, até pararam de conversar.

—Ai, que bom, você não estava desmaiado! -Lorena arregalou os olhos ao me ver.

—Ele tava cagando, isso sim. -Thiago debochou.

—Olhe os modos, querido! -Marta o repreendeu.

Senti meu rosto queimar. Congelei no lugar de tanta vergonha.

—Estávamos só te esperando para comer. -Lorena se aproximou e me olhou fundo nos olhos. -Não ligo para o que estava fazendo, okay? -sorriu de canto. -Ainda gosto de você. -sussurrou.

Ai, eu podia morrer.
Ela era tão fofa! Fazia todo meu corpo se derreter!

—E-Eu q-queria te dar...I-Isso...-lhe estendi o embrulho com as mãos tremendo feito vara verde.

Ela me pareceu surpresa.

—O-Obrigada...! -Lorena corou levemente, aceitando o presente.

Lorena tirou a fita que fechava o presente e abriu o embrulho delicadamente.

Ela tirou de lá um plástico contendo...Meias brancas.

SÉRIO QUE EU PASSEI POR TUDO AQUILO POR MEIAS (Leve 4 por 10,00 R$)?

E não era só meia não. Veio junto um sabonete da Natura.

Cerrei os dentes e afundei os rostos nas mãos.

Mandou bem, Jun.

Até a água de chá seria uma melhor opção.

—Qual o problema? -Lorena perguntou, hesitei em olhá-la.

—Desculpa. -sussurrei.

—Eu amo o cheiro desse sabonete. -ela riu. -E agora que entrei no clube de vôlei, vou passar a usar tênis mais vezes na semana...

A fitei, receoso.

Ela estava abraçando o presente contra o peito e sorrindo para mim.

—Eu s-sei que é um p-presente ruim...É só que...Hã...E-Eu posso e-explicar...-engoli em seco, constrangido.

—Não existe presente ruim se vem da pessoa que a gente...Ama. -Lorena sussurrou em meu ouvido.

Minhas bochechas ferveram e meu coração voltou a bater descompassado.

—Então, chegou a hora da avaliação? -Thiago se juntou a nós, rindo de maneira sádica.

Quem era Érica e Rebeca perto daquele cara? Imagine ele com uma arma de paintball.

—Ele me deu algo útil, algum problema? -Lorena fez biquinho.

—É, mas ano passado você ganhou um colar daquele...-Thiago comentou.

—Eu já tenho muitos colares. Gostei muito do que ele me deu, porém esse ano eu não precisava de mais um. Esse ano eu ganhei algo que realmente precisava. -Lorena explicou.

—Sim...Mas...-Thiago não soube o que dizer.

—Está na hora de comer! -Marta anunciou, todos os parentes de Lorena foram até a cozinha.

Eu tava cagado de fome, por falar nisso.

—Eu ainda não vou deixar você namorar minha filha. -Thiago me olhou duramente. -Tente novamente no Ano Novo. -e se retirou.

Tá de zoas, tio?

—Really?! -reclamei inclinando a cabeça para trás.

—Ele só está implicando porque não quer me entregar fácil. -Lorena revirou os olhos e riu. -Mas...Por mim...Estamos namorando.

—QUE?! -a encarei com os olhos arregalados.

—A-Ah...I-Isso se você q-quiser! -Lorena ficou vermelhinha. -Quis dizer que e-estaríamos...

Sabe o que é felicidade?! Foi o que senti naquele momento!

Céus, eu estava tendo um infarto.

Ao menos morreria tendo uma namorada.

—C-Claro q-que eu q-quero...-falei baixinho, me enrolando todo.

Lorena sorriu aliviada e me pediu para lhe informar as horas.

—23:59...-respondi, um pouco chocado.

Suspirei pesadamente, havia conseguido a tempo...

—É quase dia 26...Mas...Feliz Natal. -Lorena disse suavemente, aproximando seu rosto do meu.

—Feliz Natal...-respondi fechando meus olhos.

Senti seus lábios tocarem nos meus, eles eram macios e adocicados.

Entre abri meus lábios na tentativa de tocarmos nossas línguas, só que...

—SERÁ QUE EU TO ATRAPALHANDO O CASALZINHO AÍ?! -Thiago interrompeu.

Nossa cara nem queima, né.
Imagina, só pega fogo.

—PAIÊ! -Lorena se afastou de mim e bufou, ela estava toda corada.

—AH, PELO AMOR DE DEUS, EU MEREÇO UM FINAL FELIZ! -exclamei.

—Tu merece é que eu corte tua língua, rapaz! Aonde já se viu ficar metendo ela na boca da minha filhinha?! -Thiago estava indignado.

Cobri minha boca com as mãos e balancei a cabeça negativamente.

—MÃE, TIRA O PAI DAQUI! -Lorena gritou.

Gostaria de ser um avestruz para esconder meu rosto naquele momento. Que vergonha!

De qualquer forma...

Foi a melhor noite da minha vida (E eu ainda beijei a crush, eu venci na vida).

Ah...

Fica a dica: Nunca se esqueça de comprar presentes, haha. Você pode não ter tanta sorte como eu, porque talvez sua vida não seja uma fanfic.

—Jun.


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Notas finais do capítulo

YOOOO!
Gostaram? Comentem, campanha: "Faça uma autora feliz" !
Bateu uma nostalgia enquanto escrevia, pois por volta dessa mesma data no ano passado, estava tendo a vibe de Yuri!!! On Ice e por isso eu coloquei as "referências". (Não estou ofendendo YOI, tanto que minha foto de perfil/capa é do tal).
Acho que é só...
Lhes desejo um Feliz Natal ♥ e a gente se vê aí!
Bjs.
??”☆Creeper.



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