Dating Simulator escrita por Kurai


Capítulo 2
Capítulo 1 - Tanki Baito & Kimodameshi


Notas iniciais do capítulo

Tanki Baito é um trabalho de meio período que dura por pouco tempo (de dias a semanas).
Kimodameshi é o típico teste de coragem japonês.



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Estranho.

Era a única coisa na cabeça de Muramasa, como se estivesse em loop a tarde inteira. Ele sempre foi o ignorado. O invisível. Nunca em sua vida imaginaria que teria um emprego lidando com pessoas. Claro, havia os clientes da loja, mas era algo completamente diferente. Não precisava fazer nada além de perguntar o que o cliente queria e dar o preço depois, mal falava duas frases com eles, isso quando não era seu pai quem os atendia. Ali, esperavam que ele fosse... Cortês, e gentil, e... Alguns até esperavam que ele puxasse conversa.

A cafeteria do irmão mais velho de Alyshie, embora modesta, era confortável e ficava numa rua excelente, ladeada por cerejeiras que, agora na primavera, estavam completamente floridas. Era o tipo de lugar que ele gostaria de passar algumas horas sossegado se pudesse, com uma temática de tranquilidade e relaxamento. ‘Um lugar onde a pausa para o café seja realmente uma pausa’, explicou Ingram, o outro irmão mais velho de Alyshie que era o gerente. Muramasa só o viu no primeiro dia, e depois ele sumiu na sala dos fundos, enquanto o dono mais velho jamais apareceu. Todd, o irmão mais novo, porém, era um estudante como ele embora dois anos abaixo, e também trabalhava como garçom ali, em um ‘baito’, como Alyshie insistia em chamar.

Todd era tímido e nervoso e se atrapalhava com os pedidos, mas isso o tornava bastante popular entre as mesas com garotas, e reclamações não eram feitas sobre ele. O mesmo não podia ser dito do carpinteiro, que apesar de partilhar a mesma falta de jeito com palavras e inabilidade de lidar com pessoas, era grande e com ar ameaçador, portanto não se beneficiava de um ar fofo ou bonitinho com os erros. Ao menos, era eficiente graças a costumes de sua loja, e até então não errara um pedido.

Ele trabalhava ali todos os dias depois das aulas por quase duas semanas agora, e viu o lugar, que já tinha um movimento razoável, se tornar cada dia mais e mais cheio. Aquele dia estava particularmente árduo, e sua pausa para o lanche foi a primeira vez em que pôde parar pra respirar em horas. Sem fome, Muramasa se recostou junto à grande janela da sala de descanso para espiar o motivo daquele movimento súbito.

Sora rapidamente se tornou o garçom favorito de toda a clientela. Tinha conversa fácil, senso de humor, e muitas vezes parava de trabalhar pra papear com os clientes de alguma das mesas, acumulando trabalho para os outros quatro (Muramasa incluso) garçons. Ainda assim, seu jeito carismático não deixava com que ninguém se zangasse. Muramasa precisou admitir, enquanto o assistia atender a um casal com um sorriso, que ele merecia o talento que tinha.

Muramasa só notou que estava encarando quando outro garçom, um garoto sarcástico e pervertido de nome Hikaru, se aproximou sorrateiramente pra lhe cutucar com o cotovelo. Fazendo um ar de quem sabia das coisas, ele falou baixo ao carpinteiro.

— Tá vigiando a mercadoria? Todo mundo aqui já tá sabendo.

— Sabendo..?

— Que vocês se gostam! A irmã mais nova do Nescau contou.

— Nescau..? — ele demorou um instante pra perceber de quem se tratava. Ah, teoricamente, tudo aquilo era pra que ele pudesse fingir sair com Sora, ele se lembrou. Concordou com a cabeça. — Mas eu não sei o que fazer.

— Então tá com sorte, companheiro gigante! O que acha de um teste de coragem? É o tipo de coisa que geralmente se faz no verão, mas nenhum de nós vai trabalhar aqui por tanto tempo.

— O que é um teste de coragem..?

— É uma desculpa pra todo mundo se separar em pares e, quando as garotas se assustam, podem segurar nossos braços com força e podemos mostrar a elas o quanto somos corajosos e--! — Ele parou de falar um instante e recomeçou — Seguinte, eu vou manipular o sorteio. Daí você cai com o seu amigo e eu caio com a Honda-chan! O gerente idiota não vai poder fazer nada dessa vez. O que acha?

— Ah... — Honda era a única garota a trabalhar ali. A maioria se demitia porque Ingram, o gerente, dava em cima de todas. Muramasa imaginou que aquela situação estava nos planos de Alyshie, então concordou com a cabeça. — Pode ser. Parece bom. — Ele ainda estava confuso sobre o que era pra fazer, mas Hikaru pareceu empolgado. Quando saiu, foi gritando que arrumaria tudo pro mais rápido possível.

‘O mais rápido possível’ acabou sendo naquela mesma noite. Quando Hikaru deu a ideia pros outros funcionários, todos se animaram, e ele pediu ajuda de alguns amigos pra montar tudo ao longo de alguns lugares próximos à cafeteria. Às onze da noite, os seis estavam reunidos em uma praça próxima pra que ele sorteasse os papéis. Como avisado, ele tirou Muramasa com Sora, e ele próprio com Honda, sobrando os dois irmãos para irem juntos.

Esses últimos foram primeiro, com Ingram aproveitando da oportunidade para implicar com o caçula a cada susto, e logo desapareceram. Muramasa e Sora deveriam ir vinte minutos depois. O diplomata se aproximou dele quando deu a hora, com um sorriso, e estendeu a mão.

— Nessas situações, vocês teriam de ir de mãos dadas. — ele explicou, segurando firme a mão enorme do carpinteiro e o guiando em busca dos pontos marcados no mapa.

O teste de coragem em si era uma rota por algumas ruas do bairro, onde pessoas aguardavam pra tentar assustar o casal. Ela terminava por uma caminhada no bosque de cerejeiras da cafeteria, e nessa última, deveriam entrar pra esperar os outros. Sora tinha uma lanterna e um mapa apenas.

O carpinteiro fez seu melhor para esconder, mas tinha medo de espíritos. Com monstros e demônios e coisas que podia tocar ele conseguia lidar; era enorme e havia pouca coisa que o fizesse frente. Mas espíritos e fantasmas eram intangíveis, e ele nada poderia fazer contra um desses. Desde criança tinha pavor desse tipo de coisa. Ao longo do caminho, porém, talvez Sora tivesse notado, ou talvez apenas sua mão tivesse doído com os apertos que recebia vez ou outra, mas ele se manteve mais próximo, e começou a fazer piadinhas.

Deu certo. Enquanto atravessaram o bosque, Sora narrou caso atrás de caso cômico de sua carreira como diplomata, e Muramasa estava tão focado nele, sorrindo, que quase não notou as armadilhas e aparições armadas pelo caminho. Viram o final do bosque rindo. Estavam quase nele quando Sora sentiu a primeira gota e olhou para o céu.

— Oh oh. Parece que vai chover, vamos entrar depressa e nos juntar ao gerente e o Todd pra esperar os outros, está bem?

Os dois seguiram pra cafeteria correndo enquanto os pingos ficavam cada vez mais grossos e se tornavam uma chuva. Ainda tinham as mãos dadas ao entrar.

A cafeteria estava escura e vazia, sem sinal dos irmãos que já deveriam ter chegado. Sora sacudiu a água dos cabelos loiro-morango e por fim o soltou pra ir se sentar sobre uma das mesas. Muramasa o observou ir, mas permaneceu parado em pé quieto.

— Nossa! Que pé d’água. Está caindo o céu ali. Espero que os outros tenham ido pra casa. — Sora exclamou ao encarar a vitrine da rua, observando a chuva cada vez mais grossa. — Acha que Todd e o gerente se perderam?

— ...Talvez tenham ido embora. O gerente não parecia muito feliz. Acho que ele queria ir com a Honda.

— É, você tem razão. — Ele assoviou baixo quando um trovão soou — Acho melhor esperarmos aqui até passar. Não vai dar pra enxergar nem onde estamos indo com essa chuva, e é madrugada, não tem nada funcionando.

— Está bem. — Muramasa deu de ombros, se sentando em uma das cadeiras ainda encharcado. Sora o olhou erguendo as sobrancelhas.

— Você sempre concorda com tudo? — o carpinteiro ficou sem graça com a pergunta, baixando o olhar sem responder. Com a ajuda de Melissa, Emma, Pietra e Alyshie, estava devagar trabalhando pra melhorar isso, mas ainda era mais forte que ele. Sora ergueu a mão ao notar a reação do garoto. — Tudo bem, não tem problema. Vou procurar umas toalhas antes que a gente fique resfriado.

Sora sumiu para trás do balcão após falar isso. Muramasa encarou o temporal pra fora da vitrine, o olhar começando a se tornar preocupado. Não parecia parar tão cedo. Estavam, aparentemente, presos ali. Ele fechou os olhos para dar um suspiro contido, e acabou dando um espirro baixinho, água voando de seus cabelos brancos.

— Você não é exatamente acostumado a se cuidar, é? — a voz de Sora soou atrás dele, então o carpinteiro sentiu uma toalha ser colocada sobre sua cabeça. Antes que se desse conta, o diplomata estava em pé atrás de sua cadeira, esfregando com a toalha a água de seu cabelo. — Imagino que tenha sido a criação, ou talvez seja só da sua personalidade mesmo. Temos que nos secar depois de pegar chuva ou ficamos resfriados, sabia?

— Eu não... Uh... É. Acho que é os dois. — Muramasa murmurou em resposta, ainda sem graça. Não recuou ou impediu o rapaz, deixando-o secá-lo.

— Você sabe por quê? Temos muito tempo pra matar e eu sou um bom ouvinte.

— Acho que... Bom... — o carpinteiro baixou o olhar às mãos e pulsos cobertos de cicatrizes um instante — ...Nunca me ensinaram que isso era importante. Então eu... Não me importo muito.

— Isso não é muito bom. Se você não se cuidar, ninguém mais vai poder fazer isso por você. Quer dizer — ele se afastou com a toalha em uma das mãos, e coçou a cabeça com a outra — Podemos tentar, mas tem um limite pra até onde dá.

Muramasa arregalou os olhos a ele ao ouvi-lo, então ruborizou de imediato, esfregando a nuca sem conseguir olhá-lo.

— É... Acho que sim.

— Então — Ele voltou a se sentar sobre a mesa de forma largada, usando uma das pontas secas da toalha pra secar o próprio cabelo — Aprendeu algo de útil hoje?

— ...Acho que sim. — repetiu, e demorou a perceber que Sora esperava o resto. Não era acostumado a ser ouvido. — Assistir alguém trabalhar pode dizer coisas sobre a pessoa... Andar de mãos dadas, e... Ajudar a pessoa a passar por um momento difícil... — enumerou, erguendo os dedos — Cuidar dela. Da saúde, quero dizer.

— Bom, muito bom. — o rapaz esticou as pernas, erguendo o olhar pro teto com um sorriso um tanto quanto estranho; parecia quase melancólico. — Ele vai gostar disso. Você vai ser bom pra ele.

Muramasa agora o encarou por um longo tempo. Não era muito esperto quanto a essas coisas, mas a essa altura até ele começava a desconfiar de algo. Queria fazer uma pergunta, mas era acostumado a só observar, sem manifestar opinião. Sora porém percebeu que estava sendo encarado e o olhou curioso.

— O que foi? Minha cara tá suja?

— Não, eu... Fiquei curioso com uma coisa.

— Bem, com o quê? Se não perguntar não posso responder.

— Uhm... Você e Jon... Vocês são... Amigos desde criança, não é?

— É, sim. Já nos ajudamos várias vezes quando o outro entrou em problemas, também.

— Então você não... Quero dizer... — o rapaz tornou a esfregar a nuca, constrangido — Você não... Gosta dele? Meio que... Pareceu um pouquinho.

— O-O quê..? — Pela primeira vez desde que se apresentara ao carpinteiro, Sora pareceu sem graça, e se embolou com as palavras. Sacudiu rapidamente as mãos à frente do rosto, corado. — Claro que não..! Digo... — ao ver que se embolava ainda mais, ele desistiu, deixando os ombros caírem com um suspiro desanimado. — Está óbvio assim? Ele é mesmo batata se é a última pessoa do planeta a não saber.

— Não é isso, você só... Parecia triste. — Muramasa inclinou a cabeça de leve ainda o observando. — Eu não entendo. Se gosta dele, por que você mesmo não sai com ele pra impedir a garota? Por que pedir a mim?

­— ...É complicado. Olha, o Jon... Não tem muitos amigos. Digo, aqui na escola isso melhorou muito e muita gente gosta dele, mas por muito tempo, eu... Eu era a única companhia dele, além do irmão. Ele é muito... Vulnerável, e depende muito de mim. Acho que se eu confessasse... Eu não sei o que seria pior, ele me rejeitar e parar de confiar em mim, ou ele aceitar por ser inocente demais e ficar parecendo que me aproveitei da confiança dele. Não, eu prefiro que você... Prefiro que seja você. Alguém novo. Alguém que pode conquistar ele de verdade, sem truques ou trapaça.

— Então nunca vai contar a ele?

A conversa foi brevemente interrompida por um trovão estrondoso, que sucedeu um relâmpago claro o suficiente pra que Muramasa enxergasse a expressão de dor no rosto do diplomata. Ele reconhecia bem aquela expressão.

— Não. É melhor assim.

— ... — Muramasa o encarou por alguns segundos, antes de perguntar, o tom de voz propositalmente mais leve. — Então... Eu não sabia que ele tinha um irmão. Você tem irmãos?

— Uma irmã. A gente não se dá tão bem assim, mas eu faço o que posso. Você tem? — o sorriso voltou ao rosto dele ao responder.

— Não que eu saiba. Moro sozinho com meu pai, mas minha mãe fugiu de casa há muitos anos. Se teve outros filhos eu não sei deles. — explicou, segurando um suspiro de alívio. Muramasa percebeu que gostava mais quando Sora estava sorrindo e falando.

O carpinteiro falava muito pouco, acostumado a ser ignorado e só observar, mas Sora falava pelos dois, e nas raras vezes em que falava, o ouvia com atenção. Era uma experiência bem nova para o garoto, que descobriu, contente, que gostava daquilo. Antes que se dessem conta, conversavam há mais de três horas, as frases pontuadas pelos sons de trovão, até que em algum momento não soou mais nenhum.

— Ah! Acho que a chuva parou. Olha lá. — o diplomata apontou para a vitrine com o copo de café pela metade que preparara para si na cozinha. A chuva tinha finalmente arrefecido. — Está bem tarde. Devíamos voltar pro dormitório. Vamos, eu chamo um táxi e deixo você no seu prédio.

—-------

— E aí você foi pra casa dormir? — Alyshie indagou, em seu modo ‘confiante’ ao ouvir a história do alto do teto do trailler enquanto se empanturrava de sata andagis. O dono da lanchonete já nem parecia se importar mais. Muramasa – que fora convocado para vê-la sozinho pra reportar o progresso – assentiu a ela, com uma sensação esquisita ao ter de olhar pra cima pra conversar com a alpinista. — Mas vocês passaram horas conversando. E foi divertido, não foi esquisito ou constrangedor, quer dizer, não na maior parte do tempo. — ela confirmou, assentindo consigo mesma satisfeita. — Hm! Parece bom. Parece muito bom. Bonding! — Ela uniu uma mão cheia de açúcar à outra, entrelaçando os próprios dedos empolgada — O teste de coragem também foi ótimo! Baki-onii-chan teria feito melhor, se eu soubesse que ia ter um, mas foi o suficiente. Você deveria ter tomado a dianteira e protegido o ‘Jon’, mas deu certo de todo jeito. E presos na chuva... É como se até o clima tivesse conspirado!

— Mas agora o mês do trabalho de meio-período acabou. Como vamos fazer?

— Hmmm... — ela levou um dedo ao queixo, inclinando a cabeça, as engrenagens da cabeça quase visíveis enquanto ela pensava no próximo passo — Ah, ahh, eu sei! Yuki no Hi!


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Notas finais do capítulo

O nome do Hikaru foi dado pelo Sinis. Da Honda, pela Ana. São os Figurantes Genéricos Amigos de Shoujo #1 e #2.



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