Carabosse escrita por Nat King


Capítulo 7
Intervalo


Notas iniciais do capítulo

- O espetáculo retornará em poucos instantes -



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Pausa

Yakov não estava preocupado, ele estava apenas um pouco agitado.

Havia passado as últimas seis horas dando aulas, tanto para turmas de patinação iniciantes, quanto meia dúzia de pré-adolescentes ansiosos por fazer da patinação uma carreira. Não era muito tempo, assim, e embora a irritação entre um aluno e outro que não conseguia entender o que “não faça um quad!” significava, o expediente passara rápido. Só não devia ter sido uma passagem de horas assim tão rápida para Margosha, que sempre esperava pelo pai ao lado da arquibancada. Ele só notou que a menina não estava ali quando uma velha funcionária que passava pelo rinque, perguntou onde estava sua “adorável pérola”. Daquela pergunta para um ataque cardíaco, bastariam poucos segundos.

Andando rápido  afinal, Yakov não precisava correr , ele foi de um vestiário a outro em poucos minutos usados para uma revista completa, verificou cada nível que formava toda a arquibancada na espera de que Margosha tivesse dormido enquanto o aguardava, para, no fim de cada degrau e assento, ele aceitar que ela não estava em nenhuma parte do ginásio. Mas ele ainda continuava agitado, no controle da situação. Afinal, para onde uma coisinha pequena como Margosha poderia ir? Ela só tinha seis anos, suas perninhas roliças não conseguiriam ir longe.

Antes que começasse a chorar de agitação, não preocupação, Yakov respirou fundo e franziu o cenho, assustando as lágrimas que ameaçavam cair, obrigando-as a se conterem. Sabia que se começasse a derramar lágrimas naquele momento, não conseguiria fazer mais nada, nem mesmo buscar por Margosha.

Mas, Inferno, ela só tinha seis anos!!

As passadas rápidas foram substituídas por uma leve corrida, passos pesados que podiam ser ouvidos por outros alunos e professores, conforme Feltsman se aproximava de suas salas, interrompendo as aulas antes mesmo dele bater a porta, perguntando pela filha. Com a negativa, Yakov agradecia em um balbuciar que ninguém sabia dizer ser um resmungo ou lamento, partindo da mesma forma que havia chegado. Na terceira resposta infrutífera, ele começou a correr. Ali sim Yakov podia admitir estar preocupado, totalmente apavorado.

Yakov não era uma pessoa que demonstrava abertamente seus sentimentos pessoais tão facilmente, tanto os positivos quanto os negativos - foi por aquela razão que aos poucos, colegas de trabalho e funcionários locais começaram a se agitar, unindo-se na busca de Margosha, pois, se logo Yakov estava preocupado, a situação certamente era grave.

Enquanto parte se dividiu para buscar aos arredores do exterior do prédio, um pequeno grupo dividiu-se para procurar melhor a criança em turmas infantis, tentando achá-la fosse intrometida em alguma aula de balé, fosse acompanhando a leitura de partituras nos ensaios da turma de violino das terças-feiras, ainda que se meter onde não era chamada não fosse um traço da personalidade da menina. Naquela situação, no entanto, toda a possibilidade era considerada e todos preferiam pecar pelo excesso de procura à falta dela.

Andando ao longo dos corredores e sentindo o suor escorrer pelas têmporas, Yakov pensava se não devia procurar por Oleg, já que o garoto convivia mais com sua família que com o tio, seu responsável legal. Contudo, por mais sentido que fizesse a ideia de Margosha estar com Nikiforov, ele era um rapazinho de confiança, não iria levá-la para lado algum sem antes perguntar ao técnico e assim também faria sua filha. Não importava para onde tentava olhar uma solução, havia sempre algum buraco nas resoluções imaginadas.

Foi sem perceber que suas pernas, andando por conta própria, chegaram às salas alugadas por turmas externas de dança. Não tinha certeza se já haviam procurado por aqueles locais, mas não custaria nada dar uma segunda olhada, espiar pelas janelas de cada porta branca, esticar o pescoço tanto quanto possível para ver se Margosha não estava encolhida em um dos cantos espelhados ou pendurada nas barras de apoio, brincando ao lado de uma fileira de magrelas estudantes do Vaganova… Novamente, nada. Seria uma grande piada sem graça da vida se ele a encontrasse no último lugar procurado.

Ele encontrou.

Junto com o alívio em ter encontrado a filha, veio a necessidade de arrombar a porta daquela sala e virá-la em todos os ângulos possíveis em busca de algum arranhão, mas Yakov não poderia simplesmente dar uma de pai super protetor quando a sala estava mergulhada no mais profundo silêncio, era um escândalo desnecessário e não faria bem para sua imagem lá dentro, além de correr o risco de apavorar Margosha por nada. Apavorar a filha, sendo ele o primeiro a estar se recuperando daquele estado caótico de nervosismo.

O mais silenciosamente possível, Yakov abriu a porta, tentando não fazer tanto barulho quanto a maçaneta velha. Haviam poucos bailarinos revezando alongamentos e treinos silenciosos entre si, pas de due embalados por conversas paralelas, uma Esmeralda encenando sem o tamborim em mãos, ensaios diversos em um único espaço. Ele quase sentia saudade de quando fazia parte de ensaios daquele tipo.

“Margosha…” suspirou, sentando-se no chão ao lado da menina. Surpresa e muito contente por ter o pai ali, ela virou o rostinho redondo para Yakov e sorriu. “Filha, por que saiu sem me avisar?”

“Shh…” Com o dedinho em frente ao lábios, ela chiou um pedido de silêncio. “Ela vai entrar agora!”

Vencido muito facilmente pelos encantos da pequena, Yakov olhou para a bailarina que tinha toda a atenção dos olhos castanhos de Margosha; os cabelos, tão negros quanto os de sua filha, estavam esticados e presos firmemente em um coque característico, deixando evidente o rosto magro e os grandes e sonolentos olhos verdes. Pronta para qualquer execução que estivesse para fazer, a bailarina aguardou a entrada não anunciada e correu pelo piso de madeira, ombros alinhados, braços arqueados para trás e mãos fechadas como se segurassem o par de alguma coisa. De um impulso, ela saltou o maior pas de chat que Yakov já vira em sua vida, e assim que ela ergueu uma das delgadas pernas para o alto, ele soube se tratar de Kitri.

A variação de Kitri não possuía nem um minuto completo, mas era de tirar o fôlego quando acompanhada dos aplausos ritmados, atiçando o público do palco e da plateia, fazendo voar gritos de ovação junto à saia vermelha de babados. Era intensa, alegre e travessa, a ousadia de uma jovem apaixonada que envolve-se com seu amor proibido em uma festa incentivada por uma multidão estereotipada em vermelho. Don Quixote era um balé muito apreciado por Yakov.

O ensaio daquela bailarina não possuía aplausos, vermelho nem saiotes esvoaçantes, mas existia algo de fascinante em sua expressão endurecida e na flexibilidade que parecia quebrá-la ao meio a qualquer momento, restando um saco de ossos preso dentro do collant preto. Feltsman queria muito que seus alunos tivessem um quarto de toda aquela flexibilidade.

Com o fim da curta variação, as mãozinhas roliças de Margosha explodiram em ovação única, acompanhada de risinhos maravilhados que a princípio refletiram surpresa no leve arquear de sobrancelhas da bailarina, desmanchando a feição estóica para revelar um sorriso inesperadamente doce. Quando deu por si, Yakov também estava aplaudindo.

“O que achou, Margosha? Estou pronta para a apresentação?” perguntou ela, caminhando ofegante até a menininha sentada. Feltsman sentiu-se extremamente pequeno vendo-a crescer em suas direções.

“Está! Linda! Linda!”

Para a menina, tudo era bonito e perfeito, principalmente se acompanhado de roupas coloridas que atiçavam sua imaginação e a fazia enxergar vestidos de gala em pequenos lenços amarrados em suas bonecas. Apresentações de balé costumavam despertar aquele tipo de reação animada; enquanto garotas da idade de Margosha sonhavam com as sapatilhas, sua pequena pérola sonhava com os babados. Ela certamente adoraria o figurino de Kitri.

“Esse é o meu pai!” Erguendo-se do piso de madeira, Margosha fez questão de formalizar a apresentação de Yakov para sua mais nova adulta preferida. Seguindo a filha, ele fez o mesmo.

“Estou vendo…” Percebendo a mão estendida em sua direção, ela observou os dedos suspensos antes de aceitar o cumprimento. “Lilia Baranovskaya.”

“Foi a senhorita quem presenteou a minha filha com esse lenço bonito?” Ele referia-se ao echarpe azul-marinho com pequeninos pontos brilhantes que por si só já teriam conquistado o coração de Popovevna.

“E ela já agradeceu algumas trinta vezes.”

“Bom…” riu, antes de finalmente se apresentar. “Yakov Feltsman.” Sorridente, Margosha contemplava aquele que já lhe era o melhor encontro do mundo.

“Isso eu já sabia.” Soltando a mão de Yakov, ela cruzou os braços sobre o peito reto, em uma postura muito próxima a uma reprimenda. “Acho que é difícil quem não conheça o senhor.”

“Já faz um tempo desde que eu fui um rosto memorável,” riu, sem graça pelo reconhecimento.

“O rosto pode mudar, mas o nome continua lá, imbatível desde as Olimpíadas de 64.” Depois ele descobriria que aquela era a forma da jovem elogiar as pessoas - e ela não elogiava qualquer um.

“O meu pai ainda patina!” Margosha estava muito feliz em contribuir com os argumentos de Lilia. Yakov seria sempre o melhor patinador do mundo, ainda que a eternidade de uma criança não fosse assim tão longa.

“Não patino, não, eu sou técnico hoje em dia,” explicou à ela, antes de voltar-se mais uma vez à jovem bailarina. “A propósito, muito obrigado por ter deixado Margosha ficar aqui, sinto muito se ela atrapalhou de alguma forma.”

“Sua menina não incomoda, todos aqui a adoraram.”

“Verdade?!” Por Margosha, a partir daquela afirmação, todos os dias poderiam ser passados ali, assistindo aos ensaios e imaginando todos os bailarinos em diferentes figurinos brilhantes.

“Mesmo assim, Margosha, não deveria ter deixado o ginásio sem me avisar. Você teve sorte da senhorita Baranovskaya ter te recebido bem, mas e se fosse o contrário? Teriam brigado com você, ou pior.” E Yakov não gostava nem de pensar quantas nuances aquele pior poderia significar.

“É que você estava demorando muito…” Triste em estar se vendo como errada naquela situação, ela ainda tentou argumentar.

“É o meu trabalho… Você sabe que nem sempre eu tenho hora para acabar quando estou treinando os meninos.”

“Mas Olezhka já tinha ido embora...” Erguendo uma embalagem transparente, Margosha exibia a prova de seus argumentos; o garoto sempre despedia-se da menina com uma bala de canela.

“E desde quando você e Nikiforov se uniram contra mim?” A piada dita naquele tom incerto acabou por tirar um sorrisinho de Margosha. “Certo, talvez eu tenha demorado um pouco mais, hoje.” Treinando, coisa que não deveria fazer e que mesmo assim continuava porque era mais teimoso que a pior das mulas. “Garanto que não se repetirá.” Aquela garantia era feita à Lilia.

“Ah, mas eu protesto.” A seriedade da jovem por pouco não confundia o tom de piada. Tal qual Yakov, Lilia não era nenhuma estrela de stand up. “Como assim o senhor irá levar minha nova estilista para longe? Ela me prometeu um vestido maravilhoso para minha próxima apresentação.”

Se a personalidade de Feltsman não o fazia o convidado mais divertido nas festas, orgulho era algo que não podia ser disfarçado, transbordando de seus olhos e visível no sorriso contido enquanto alisava os cabelos da filha com cuidado o bastante para não desmanchar o par de tranças.

“E para quando será essa apresentação?”

“No próximo sábado, teremos uma apresentação especial, um debut dos bailarinos recém-formados. Não consigo mais nenhum lugar na plateia, mas posso colocá-los no camarim, perto dos figurinos,” piscou para Margosha, que ao perceber aquela oportunidade única, saltitou e aplaudiu, sorrindo largo e com isso fazendo Lilia e Yakov sorrirem junto.

Margosha sempre teve algo de especial, algo que despertava seus sorrisos com enorme facilidade. Tamanho era essa quase mítica especialidade, que Lilia atravessou a entrada do cemitério com um sorriso no rosto, até um esbarrão acidental despertá-la para a realidade fúnebre daquele lugar.

Abrindo espaço para a totalidade de cinco homens passarem carregando flores aos montes, ela ficou ali, parada, olhando para o ramalhete de cravos rosados, reconsiderando deixá-los ali ou jogá-los para o lado. Perto de tantas flores, as suas pareciam uma ofensa.

O memorial em homenagem aos falecidos pela tragédia que havia chocado Moscou e o mundo, estava coberto de arranjos mil, restos de vela e outras pela metade, com fotos e dedicatórias de desconhecidos sensibilizados pela morte alheia. Mas não foi nenhum cartaz, nenhuma imagem sagrada ou arranjo florido que Lilia viu por primeiro; fora Yakov.

Feltsman não esperava ninguém ali, muito menos a ex-esposa que após os dez forçados anos ausentes em solo alemão, devolveu o abandono russo com seu silêncio, permanecendo oculta do mundo até aquele momento. Lilia mantinha residência em Moscou há poucos meses, cuidando para que sua imagem não fosse noticiada, negociando novos trabalhos discretamente, exigindo inclusive um contrato de silêncio. Ela colocaria tudo a perder para aquela última homenagem e chegar àquela conclusão, lembrava-o de que Baranovskaya era uma mulher de extremos, o tudo ou o nada. Ela já havia definido quem merecia seu tudo.

Ambos trocaram olhares, mas nenhuma palavra saiu de seus lábios. Cortando contato visual, Lilia abaixou-se e colocou o ramalhete ao lado do mármore gravado, quase permanecendo no chão quando acidentalmente leu os nomes de Yulia e Margosha na lápide coletiva. Era como se finalmente a morte delas tivesse se confirmado.

“E Georgi?” A pergunta veio em um sussurro. Ela não sabia nem como imaginar o emocional do garoto depois do ocorrido.

“Com Plisetsky. Precisei dopá-lo para que conseguisse dormir.” Uma dose cavalar que por pouco não o mataria. “Veio em estado de choque da Suíça até a Polônia, quando começou a chorar, gritar.” Sentindo em si a dor que Georgi deveria ter sentido, a obrigou a fechar os olhos. “Soluçou da Bielorrússia a Moscou, e eu…”

Impotente, Yakov ergueu os braços, que voltaram a tombar ao lado do casaco cinza. Estava claro que ele não sabia o que fazer, e Lilia não podia culpá-lo, ninguém podia.

O silêncio voltou, restando o baixo assovio do vento contornando outros túmulos e tremendo as pétalas multicoloridas. Era um arranjo e tanto.

“São lindas,” disse Lilia, apontando para as coroas de flores. “Margosha nunca teve uma flor preferida, não é? Ela gostava de todas.” O silêncio de Yakov poderia ser o de consentimento ou desinteresse. “Tenho certeza de que ela teria adorado.” Recompondo-se, ela alisou melhor o sobretudo, procurando ocupar as mãos agora que não tinha mais nada para disfarçar o tremor delas.“Deve ter sido difícil achar tantas fora de época.”

“Não foi envio meu.”

Baranovskaya não saberia dizer se não havia entendido naquela frase ou não conseguido acreditar. Se aquela bagunça de margaridas, girassóis, rosas e begônias, uma floricultura inteira de diferentes botões e folhagens, não havia sido o último ato paterno exagerado de Yakov, só existia uma pessoa extra o bastante para gastar uma pequena fortuna naquilo.

Independente do motivo dos tremores de Lilia, naquela hora, a razão foi um tipo muito feio de raiva. Quando Yakov percebeu, os dedos trêmulos golpeavam pétalas púrpuras, deformava miolos perfumados e arrebentava caules enquanto ela dizia com a voz tão tremida quanto, um punhado de palavras incompreensíveis possivelmente até para Lilia. Ainda baqueado pelos últimos acontecimentos, levou algum tempo e muitas flores destruídas para que ele pudesse erguer as mãos e conter nelas, os punhos da ex-esposa. Na tentativa de acalmá-la, acabou alvo de tapas acidentais, testemunhando de perto os olhos verdes que tanto amara — e ainda o fazia — repletos de um sentimento já deformado da revolta inicial, a incredulidade, a descrença, a mágoa.

“Como ele ousa…?” Yakov ouviu-a perguntar para ninguém em especial. Cansada de sentir raiva, de sentir tristeza, de sentir qualquer coisa, ela ofegava, tendo os poucos fios soltos do penteado bagunçados em seu rosto transformado pela perda. “Como, Yakov?”

Ele também não havia gostado de ver o cartão de condolências assinado por Oleg quando chegou ao local, mas estava ferido demais para brigar. A dor havia servido para conter a rixa com o ex-aluno e perceber por acaso que o número total daquelas flores não era par. Aquele era um pedido de desculpas.

Não que fizesse diferença, depois de tanto tempo.

Os joelhos de Lilia vacilaram e ela foi ao chão, levando Yakov junto. Expostos ao relento, ambos permaneceram unidos, Baranovskaya protegida pelos braços de Feltsman, como há muitos anos, tantos que até parecia mentira, não acontecia. Mas de quê ele poderia protegê-la, se era por dentro que Lilia sangrava?

“Eu não acreditei…” confidenciou Yakov, em voz tão baixa que ela precisou se distrair do inferno que sentia para prestar atenção. “Não acreditei quando a encontrei, tão pequena dentro de uma caixa…” De repente o abraço ficou mais apertado — Lilia sabia que na cabeça de Yakov, ele estava abraçando a filha. “Agora ela está em outra caixa… E eu ainda não consigo acreditar.”

Lilia queria poder falar alguma coisa, mas sabia que não existiam palavras que pudessem consolar a perda de um filho. Ela mesma nunca havia ouvido uma palavra sequer que tivesse aquele feito.

“É a segunda vez que eu perco um filho e não chego a tempo de velar por ele.” Existia mais indignação naquela frase que dor. Yakov sentia-se culpado: que tipo de pai não está presente para enterrar a prole? O erro já estava na partida precoce, no script da vida onde o esperado era completamente o oposto.

“Não foi sua culpa, Yakov…”

“Nós nunca falamos sobre isso, não é?” Um soluço reprimido foi a resposta dela. “Bom, eu nunca falei… Mas você acha que eles se encontraram?” Confusa, Lilia voltou os olhos marejados para o ex-marido, tentando naquele gesto entender o que ele queria dizer. “Sabe que eu nunca acreditei muito nessas coisas, mas eles mereciam o céu ou algo assim, não? Um lugar cheio de sol, onde Margosha ficaria sentada sobre uma toalha enfeitada e Pavel pudesse correr sem ajuda de talas…” Mesmo sem querer, Lilia imaginou aquele cenário, quem sabe uma praia, onde conseguia ver a doce Margosha aproveitando a vista do mar enquanto acenava para o irmão, correndo atrás de uma bola, como ele sempre tentou. “Pasha sempre gostou tanto de Margosha… Será que…?”

Ele não conseguiu terminar. O soluço veio alto daquela vez, o luto pelos dois filhos vindo à tona em forma de lágrimas. Não bastava o buraco em seu coração pela falta de Pavel, agora ele teria um espaço para Margosha, sem tê-la por perto para preencher. Yakov estava ficando velho demais para lidar com a perda.

“Me perdoe, Lilia.” O choro quase não o deixou fazer o atrasado pedido de desculpas. Ainda entrecortado, ela conseguiu entender o que aquelas poucas palavras pediam e Lilia, que sempre pensou ser incapaz de fazer isso, percebeu naquela hora já tê-lo perdoado há muito tempo. Ela esperava que estar ali, dividindo as lágrimas, fosse resposta suficiente.

Em frente ao memorial, eles permaneceram sentados, sentindo o vento gelado bater em seus rostos, levantar as pétalas caídas no chão pisoteado, agitar as fitas decoradas e envolvê-los como um abraço. Por uma fração de segundo, Lilia e Yakov puderam jurar estarem sendo abraçados por Margosha e Pavel.


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Notas finais do capítulo

Em uma apresentação de balé, é normal que hajam intervalos entre as principais partes. Dependendo do tamanho do ato, os intervalos os separam também. Uma apresentação de balé costuma ter entre um a dois intervalos.

Os outros atos deveriam ter tido um "intervalo", também, cenas soltas que não cabem nos demais capítulos, mas que ainda assim cabem dentro da história, mas infelizmente só consegui trazer esse. Uma dose triste de Liliakov para vocês :'D

— No flashback Yakov tem vinte e cinco anos e Lilia tem dezoito, foi o primeiro encontro deles.
— Ela era recém-formada do Kirov e apresentou para o debut, o primeiro ato de Kitri e a variação de Giselle. As duas composições são maravilhosas na interpretação de Natalia Osipova (qualquer semelhança entre o sobrenome dela e de Górki é mera nerdisse em balé da autora).
— Olezhka é apelido de Oleg.
— Pasha é apelido de Pavel. Ele foi o único filho nascido do casamento de Lilia e Yakov e tinha poliomielite. Morreu ainda criança e mais da história dele será mostrada em capítulos posteriores. Era muito apegado a Margosha e ela a ele.
— Na Rússia, o número par de flores só é usado em velórios e enterros. Buquê com doze rosas para namorados, como é mais comum vermos no Brasil, não se aplica lá.
— Cravos são normalmente associados à flores de enterro, mas no Japão, são dadas de presente nos dias das mães, principalmente as cor-de-rosa. Lilia aprendeu isso com Minako e as flores deixadas para Margosha e Yulia são a homenagem final dela para as duas mães :')



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