Carabosse escrita por Nat King


Capítulo 3
Segundo Ato


Notas iniciais do capítulo

Em quem eu quero dar um mega abraço e por que na Mileh? (/*^*)/ Muito obrigada pelo carinho de sempre e por estar acompanhando a história! Espero conclui-lo até dia 31 MESMO e depois correr pro abraço (das suas fics, no caso lol).

O capítulo de hoje tem uma aparição toda brilhante e especial~ Não, não serei eu fazendo ponta na história, desculpe -apanha

Espero que façam uma boa leitura! :D Até as notas finais! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/750417/chapter/3

Segundo Ato

O sono de Georgi continuava leve, porém as horas passadas em sua cama não eram mais tão interessantes. Sozinho em um quarto ocupado unicamente por ele, mesmo com o dobro de móveis que um dia teve em Moscou, o cômodo nada lhe reservava de interessante para observar. As paredes eram muito claras e de pintura recente, e a cor do teto era lisa e uniforme, sem uma mancha sequer que pudesse roubar sua atenção. Georgi não conseguia reconhecer aquele lugar como seu lar, pois faltava todos os detalhes que faziam de sua antiga morada tão característica, como o rangido do aquecedor, as manchas nas paredes, a companhia falante de Minako e, principalmente, sua mãe.

Sua atual cama não era ruim, muito pelo contrário. O móvel não era novo — não que ele se importasse —, mas o colchão e a roupa de cama tinha cheiro de embalagem plástica, tirados de uma loja direto para seu quarto, onde os lençóis ainda guardavam os vincos de meses dobrado naquele lote parado em uma gôndola metálica qualquer. Alisando um desses vincos, Georgi lembrou-se da toalha de mesa usada tão raramente em sua casa — a outra, a verdadeira —, uma relíquia que de tanto tempo dobrada, ficava marcada como aquele lençol. Margosha estaria usando aquela toalha? Ela teria motivos para comemorar sem ele por perto? Triste, Georgi escondeu o rosto atrás do lençol cheirando a plástico e chorou em silêncio.

Mesmo com as dificuldades iniciais, ele não podia reclamar de Yakov. Seu café da manhã era o mais variado possível, com predileção por grénki, quase tão bom quanto os de Margosha, o que o fazia entender quem teria ensinado sua mãe tão bem. A reserva de quem agora chamava de técnico, era sempre superada nas poucas conversas ao longo do dia, perguntas sobre seu bem-estar e se queria alguma coisa. Georgi sempre negava, não sabendo se queria algo além de voltar para casa, coisa que não ousava pedir. Ao todo, Yakov lhe fazia a mesma pergunta seis vezes por dia, sete, se esquecesse já tê-las feito, e isso era um pouco engraçado.

A agenda de treinos era puxada, o suficiente para Georgi achá-la extremamente profissional. De segunda à sexta-feira, Yakov o deixava em um pequeno estúdio de dança antes de ir trabalhar, onde Georgi tinha uma hora diária de balé. A música calma embalava a aula toda e o menino ficava muito contente quando um dos repertórios era Tchaikovsky. Por alguns instantes, sentia-se em casa e aquele meio clássico o fazia fantasiar sobre Yulia entrando na sala com sua fala muito alta atravessando a aula e o fazendo rir, um cenário que misturava suas recordações com a imaginação sempre agitada. Quando percebia, Yakov já estava na porta, o esperando para, apressados, irem para a segunda aula do dia, no rinque de patinação onde Feltsman trabalhava, antes de uma pausa para o almoço reforçado e o resto da tarde voltado para o gelo.

Com patins de encaixe perfeito nos pés, Georgi sentia ter uma maior liberdade para patinar, ganhando mais confiança conforme o treino avançava. Yakov ainda precisava revezar a atenção entre Popovich e uma turma particular para a qual dava assistência, mas conseguia dar conta das duas coisas sem perder tanto cabelo. Ignorando os conselhos de colegas de profissão que o incentivavam a jogar Georgi em qualquer turma infantil para ter trabalho e tempo poupados, ele dava seu melhor para avaliar o desempenho da criança e corrigir postura e giros, recusando-se a retardar o progresso do jovem patinador e com isso condená-lo às sombras. Não importava o que dissessem ou os planos que Oleg tivesse para aquela criança, Yakov sempre foi muito bom em contrariar os outros e fazer o que bem queria. Nem sempre aquela sua atitude era uma qualidade.

Feltsman era uma pessoa de poucas palavras e, se forçadas a serem ditas, saíam elevadas em gritos raivosos que fariam as orelhas do atrevido se arrependerem. Contudo, por mais limitada que fosse sua capacidade de conversa, seus olhos e ouvidos estavam sempre afiados, observando a tudo e a todos e ouvindo o mais diverso tipo de ruído que denunciasse uma agitação naquele padrão estabelecido em sua rotina - e os últimos dois meses estavam sendo particularmente ruidosos.

Se Popovich achava estar sendo discreto, ficaria decepcionado ao descobrir seu insucesso. Não era culpa dele, no entanto, e Yakov achava muito nobre tamanha consideração em não incomodar partir de uma criança tão jovem. O menino só precisava saber que não estava incomodando e não o faria nem mesmo se assim quisesse, não com sua gentileza fora do comum. O único problema era Yakov, sentindo-se velho demais para lidar com uma situação como aquela - ou usando a idade como desculpa para se esquivar da conversa que poderia esclarecer aquela situação. Ele apenas desejava não precisar confrontar a culpa que sentia pela distância imposta a Georgi e Margosha; não ser responsável pela separação de mãe e filho não o livrava do tormento de não ter sido capaz de impedir o ocorrido. Uma vida inteira de arrependimentos… E seu tio-avô ainda costumava dizer que Deus era um pai bom e justo… Quanta ironia.

“Georgi!” O tom raivoso era consigo mesmo, mas sem calcular suas emoções, expressou a repreensão no nome do menino, que endureceu na finalização de um spin. “Tire esses patins, chega de treino por hoje!”

O garoto sentiu que poderia chorar. O que teria feito de errado?

“Eu posso tentar mais uma vez?” perguntou sem forçar muito a voz. Se a elevasse um pouco mais, perceberiam como estava embargada e ele precisava ser forte, havia prometido a tantas pessoas que o seria!

“Não, chega de treino, eu já disse.” Dando as costas para o rinque, Yakov seguiu caminho para fora do ginásio. “Te espero na entrada, não demore.”

Com Feltsman, Georgi nunca sabia como se portar. Estava tentando cumprir com a promessa de não dar trabalho ao técnico, mas era difícil saber quando sua presença era ou não um incômodo, principalmente quando o cenho vincado o dava um eterno semblante mau humorado. Queria poder perguntar para Margosha o que cada inexpressividade carrancuda deveria dizer, mas Yakov estava sempre por perto do telefone e o menino via-se receoso que o técnico ouvisse. Se ele o fizesse, Popovich não tinha uma única pista de como seria sua reação e isso o deixava um tanto temeroso. Era tão fácil quando as pessoas ao redor conversavam com ele…

De tênis calçados e as mangas compridas do gelo substituídas por uma camiseta mais leve, Georgi guardou seus pertences na mochila e correu até a recepção, diminuindo o ritmo até alcançar Yakov, que ele teve a impressão de estar distraído olhando a movimentação dos carros na rua.

Um olhar de lado e Georgi percebeu ter subestimado a atenção de seu técnico e atual responsável. Feltsman segurou-se para não rir do menino, encolhendo-se como uma tartaruga, ombros juntos, cabeça para baixo, quase fazendo da mochila um casco protetor. Sabia que não deveria estar achando graça, mas não conseguia evitar as comparações com Margosha. Se sua casca em nada lembrava a mãe, por dentro ele era igualzinho.

“Eu não te mostrei a cidade ainda” comentou em seu tom habitual, muito similar a uma reclamação. “Vamos almoçar e depois passear um pouco.”

“Oh!” Então era isso! Yakov não estava bravo! “Verdade? Tudo bem não treinar, hoje?”

“Você está bem adiantado, não vejo porque não tirar uma tarde de folga.” Dando de ombros, Feltsman começou a andar na direção pretendida, logo notando estar sozinho naquela caminhada. Olhando para trás, viu Georgi o encarando em expectativa, uma das mãozinhas erguidas esperando amparo. Ele quase sempre se esquecia disso. “Certo, me dê essa mão, aqui.”

De mãos dadas, ambos caminharam pelas calçadas já conhecidas, cruzando ruas de sua rotina até dobrarem esquinas totalmente desconhecidas para Georgi. Muito concentrado na promessa de força e dedicação feita antes de chegar em São Petersburgo, a criança havia quase se esquecido de como gostava de conhecer lugares novos e coisas diferentes. A normalidade de seu quarto o cegou para as inúmeras distrações que a cidade poderia oferecer e seguir um novo caminho em companhia de Yakov, estavam atiçando novamente sua curiosidade.

O almoço foi em um restaurante pequeno e durou o tempo necessário para não chegarem a esquentar a cadeira. Margosha certamente ficaria horrorizada se visse a velocidade com a qual comeram, mas aquele era um segredo que poderiam manter dela para preservar o bom coração preocupado.

Era a primeira vez desde sua chegada, que Yakov via Georgi menos tenso, mais parecido com a criança curiosa que era ao lado da mãe. Atento aos móveis sóbrios que o restaurante ainda preservava do período soviético, um período recente na memória da população, principalmente a mais velha. Era engraçado ver o deslumbramento nos olhos de uma criança com aquele tipo de cenário para Yakov tão comum, um mundo cinzento conhecido por ele desde sua infância e existente muito antes — embora ele nunca tenha visto nada de mais, mesmo quando criança. Pelo jeito, Feltsman já era um velho rabugento muito antes de ter idade para tal.

“Quer ir conhecer o prédio onde sua mãe morava quando tinha sua idade?”

Por trás do guardanapo de papel barato, o queixo de Georgi caiu. Era muito incrível poder conhecer um lugar onde sua mãe já havia vivido, imaginar o que tanto ela teria feito e brincado, embora fosse também um pouco esquisito constatar que nem sempre Margosha havia sido a bela mulher adulta que ele conhecia.

“Vou pagar a conta, então.” Tomando a falta de palavras da criança como consentimento, Yakov ergueu-se da mesa simples e foi em direção ao caixa. Lá, onde doces de embalagens desbotadas pelo tempo ficavam expostas, ele comprou um punhado de caramelos e ofereceu a Georgi, grato em palavras e sorrisos. A familiaridade daqueles doces o deixou feliz e saudoso de casa.

Andar ao lado de Yakov era medir quantos passos ele conseguia dar a cada dois do técnico. Acompanhar o que para Feltsman era uma caminhada tranquila, exigia de Georgi de três a quatro passadas rápidas, uma ligeira corrida para não perder seu ritmo. Quando já estava acostumado com o padrão de passadas, percebeu que saltitar o faria acompanhar melhor, sincronizando cada pulo como o pas de quatre que Georgi lembrava ter assistido, da coxia, Minako e Yulia fazerem ao lado de outras duas bailarinas. Se elas o vissem agora, pensariam o mesmo?

Algumas quadras depois e meia dúzia de esquinas dobradas, Yakov deixou de agitar os pés com tanta rapidez, e Georgi foi capaz de acompanhar a caminhada com o ritmo reduzido que suas pernas curtas podiam percorrer. Não mais se lembrava da razão do passeio quando Feltsman deixou de andar, parando de frente para uma alta e manchada construção com andares demais para Georgi contar.

“Morávamos aqui” disse antes de se abaixar à altura da criança. Com o indicador apontado para cima, ele mostrou o apartamento com que dividiu lar com Margosha e outras três famílias. “Sétimo andar, bem naquele pneu.”

“A mamãe morava em um pneu?” O estranhamento de Georgi fez Feltsman rir.

“Não no pneu, mas no apartamento onde tem aquela sacada com o pneu pendurado.”

“Oh…”

Admirado e com os lábios entreabertos, Popovich não desgrudava os olhos azuis da sacada entulhada, fazendo Yakov se perguntar para onde a mente daquela criança estava viajando e em quais situações imaginava Margosha, vivendo naquele lugar.

“Por que tem um pneu pendurado, lá?”

Dúvida tão diferente à pensada por Yakov, fez o ex-patinador gargalhar alto, uma manifestação bem humorada que Popovevna teria adorado ver. Contagiado pela risada rara, Georgi se deixou rir de igual forma, bem mais relaxado com a companhia daquele homem sempre tão sério. Talvez não tivesse nada a temer, como a mãe havia dito antes, embora ele não tenha acreditado totalmente.

“Eu posso ir lá ver como é?” questionou, encorajado pelo dia de folga.

“Infelizmente não.” Tão decepcionado quanto a criança se mostrou, Yakov ergueu-se do chão e Georgi pôde ouvir os joelhos estalando dolorosamente. “O apartamento tem um novo inquilino há muitos anos e nós não podemos entrar.”

Popovich não estava muito conformado, mas aceitou, mesmo assim. Esperando ter a mão pega por Yakov novamente, viu quando ele caminhou em seus passos firmes até a entrada desbotada do prédio, olhando demoradamente os grandes containers metálicos estufados de lixo e caixas vazias empilhadas ao redor, uma bagunça de restos aguardando ser recolhido. Ao lado do técnico e empatizando com o olhar distante, Georgi apertou os dedos nos de Yakov, arriscando perguntar:

“Achou alguma coisa?”

Devolvendo o aperto reconfortante, Feltsman só conseguiu sussurrar.

“Não… Hoje, não.”

Deixando tanto o prédio quanto suas lembranças para trás, os dois voltaram a caminhar pela cidade, desviando por atalhos que os levaram para lojinhas aparentando estarem parados no passado, a qual visitaram uma por uma, em busca de algo só encontrado no último comércio que ambos encontraram. Interessado naquele tipo de caixinha retangular, muito longe de seus olhos para distinguir o que era, Georgi esperou a boa vontade de Yakov em lhe mostrar o que era aquele objeto e qual sua finalidade, até, em um gesto imprevisto pela criança, Feltsman virar a objeto para ele e apertar um botão, liberando um estalar e um flash que o cegou momentaneamente. Sorrindo após testar a máquina fotográfica, Yakov pagou o valor pedido. Coçando os olhinhos, Georgi até se esqueceu de comentar que a mãe tinha uma igual.

Com pequenas pausas para descansarem em bancos de praça enquanto bebiam um refresco gaseificado que Yakov dizia ser “o melhor do mundo, não essas porcarias americanas”, ambos desfrutaram aquela tarde com fotos de tudo o que o garoto achou interessante, dentre eles o seu preferido, o Canal Griboiedov. Ver um rio cortando parte daquela cidade parecia o tipo de coisa fantástica que Minako contaria em uma história.

“Você sente muita falta de casa, Georgi?” Temendo ter deixado transparecer sua saudade de Moscou, o garoto achou melhor não falar nada. Se Yakov não ouvisse nada, não teria do que desconfiar. “Se eu te fiz uma pergunta, é porque quero saber a resposta, independente de qual seja.”

A frase parecia uma bronca, mas o tom era compreensível e minimamente encorajador. Com os olhos começando a marejar, ele engoliu em seco antes de responder com a voz embargada.

“Preciso ser forte.”

Com esforço, ele respirou fundo e prendeu a respiração até todo o rosto ficar vermelho. Seria engraçado, se Yakov não estivesse apiedado.

“Força não tem nada a ver com não chorar” disse, e esperou que aquilo fosse o suficiente para o menino entender.

“Mas você nunca chora.”

Por que aquela criança sempre sabia como rebatê-lo?

“Não choro por bloqueio, não por força” explicou, um tanto incomodado em abrir aquela brecha de seu coração para uma criança de seis anos. “Pessoalmente, acho um ato de muita coragem chorar publicamente, principalmente porque todas as pessoas estão acostumadas a esconderem o que sentem. Um coração sincero é admirável.”

Um coração sincero como o de Margosha.

Olhando para Yakov, Georgi parecia estar considerando verdadeiramente cada palavra do técnico. Contudo, ainda havia uma coisa que o incomodava; apertando a pedra em seu pescoço, ele se viu recorrendo a outro argumento que justificasse sua recusa em chorar.

“Minako me disse para ser forte.”

“Não acho que a japonesa tenha dito isso no sentido de não chorar, mas sim o de suportar.” Georgi não vinha nenhuma diferença entre as duas coisas. “Vamos, eu sei que você sente falta da sua mãe… E está tudo bem chorar essa falta. A força não está em não sentir falta dela, mas em aguentar até o próximo encontro.” Bagunçando os cabelos negros, que de tão arrepiados nunca desmanchavam o topete, Yakov deu aquele conselho disfarçado em conversa por encerrado e Popovich sentiu o coraçãozinho um pouco mais leve agora que sabia que Feltsman não o repreenderia por lamentar a falta da mãe. Margosha até tinha razão em dizer como o pai era uma pessoa legal.

Cruzando uma das pontes para pedestres que cortava a extensão do canal, Yakov parou junto a Georgi, ignorando transeuntes que pudesse vir a incomodar. O pequeno não notou estar bloqueando a circulação de pessoas, muito impressionado com o que pareciam dois leões alados no lado extremo da ponte cujo o nome era Bankovsky. Georgi repetiu o nome tantas vezes quanto possível para decorá-lo o mais fielmente que sua cabeça pudesse lembrar, a fim de poder contar para Margosha no próximo telefonema.

“Você sabe qual é o nome daquela igreja?” Voltando sua atenção para onde o dedo de Yakov apontava, ele notou a cúpula retorcida em tons coloridos. Georgi sabia nunca ter entrado naquele lugar, mas algo lhe dizia já ter visto aquela construção antes…

Recordando-se de onde teria visto aquela catedral a qual não conseguia lembrar o nome, Georgi soltou a mão de Yakov e imitou o gesto de apontar, começando a pular como se a agitação pudesse pôr para fora as palavras esquecidas.

“É aquela…! Aquela lá…! Do meu cartão!!” vibrou e riu, incapaz de recordar-se do desnecessariamente comprido nome da Catedral do Sangue Derramado.

Achando graça da empolgação daquela criança, Yakov se virou para Georgi e mostrou a câmera, pedindo pela primeira vez, sua autorização para ter o momento registrado.

“Acho que ainda não tirei nenhuma foto decente para mandar para a sua mãe, não?” Erguendo a câmera à altura aos olhos, Yakov centralizou a imagem do garoto com os grifos atrás. “Vamos, faça uma pose.”

Voltando a se envergonhar com tamanha atenção, Georgi olhou para os pés e escondeu as mãos atrás das costas, rubro até as orelhas. Sem graça, ergueu parte do rostinho para cima e torceu para seu tremor não sair no clique de Feltsman, desejando mais do que tudo que a foto pudesse preservar o sorriso até chegar em Margosha.

.:.

Pulando do chão ao assento frio e dele ao piso cimentado, Georgi estravazava sua ansiedade em rever a mãe em uma agitação que Yakov não via desde que o garoto havia chegado em são Petersburgo. Contente e vibrando com a visita tanto de Margosha quanto de Yulia, Georgi não parava de tagarelar sobre toda sua alegria, usando os conhecimentos de poucos meses na escola primária, para fazer a contagem regressiva da chegada de Popovevna. Agora que enfim chegava o dia, ele não estava disposto a esperar o horário do trem, querendo Margosha em sua frente desde a virada da meia-noite — tamanha empolgação, é claro, custou o sono de Yakov e lhe rendeu grandes círculos escuros embaixo dos olhos inchados. Georgi tinha sorte de Feltsman estar tão ansioso quanto ele por aquele reencontro.

“É aquele trem?!” Não esperando resposta, Popovich saltou do banco e correu em direção ao vagão que se aproximava. Temendo a agitação sem freios do pequeno perto dos trilhos, Yakov rapidamente o alcançou, afastando-o de qualquer tragédia que seu cérebro cansado estava imaginando.

“Não saia correndo assim perto dos trilhos, Gosha!” Chamá-lo pelo apelido não fez a bronca surtir o efeito que gostaria. “Quer que alguma tragédia aconteça? Sua mãe me mataria!”

“A mamãe vai chegar quando?!” De tudo o que o técnico havia dito, apenas “mãe” foi compreendido. Exausto, ele desistiu do sermão.

“Não sabemos, ainda, ela pode chegar no próximo trem ou em trinta minutos, ficar pulando não vai fazer o trem chegar mais rápido.” Contrariado, o garoto desviou a atenção para a saída de passageiros do último vagão, ansiando ver Margosha entre eles. “Tenho certeza que sua mãe vai adorar te ver esperando por ela, quieto e bem comportado, sentado naquele banco.” Acalmando aos poucos, Georgi deixou de quicar, respirando com mais calma. Yakov podia ter razão, já que um dos pedidos de Margosha havia sido o de se comportar e ele queria muito orgulhá-la. Reprimindo a energia que tinha de sobra, ofereceu a mão para Feltsman, observando-o suspirar aliviado enquanto voltavam para o banco.

Pessoas foram embora nos mesmos vagãos dos desconhecidos que chegavam, mas nenhuma delas era Margosha. Aos poucos, todos os rostos tornaram-se uma única mancha sem traços definidos, chato e desinteressante, o suficiente para fazer Georgi fechar os olhos, apenas um pouco, como tentou se convencer antes de entregar-se ao sono, negligenciado durante a noite. Antes que pudesse lutar contra o cansaço, já estava dormindo com a cabeça apoiada em uma das pernas de Yakov, distante em imagens passadas ao lado da mãe, recordadas em forma de um sonho sem muitas cores ou falas. A única coisa dita era sua saudade, e ela refletia no constantemente repetido sorriso de Margosha.

Em seus sonhos nebulosos, enxergava-se estendendo os braços para a mãe, única forma de pedir seu abraço sem usar de palavras, algo aparentemente proibido nos domínios de Morfeu. Para seu desespero cada vez mais crescente, Margosha não o enxergava, continuando a rir para o nada, ignorando o filho de braços erguidos, paralisada naquela memória risonha. E se ele nunca mais a alcançasse? E se Margosha nunca mais olhasse pelo filho? Uma mão acarinhou os seus cabelos, o convidando a sair daquele sonho, mas deixar a mãe para trás o assustava e ainda de olhos fechados, Popovich começou a chorar.

“Gosha?”

Não foi no próximo trem, nem trinta minutos mais tarde; depois de quatro horas, o trem de Moscou parava em São Petersburgo, desembarcando entre tantas pessoas, Margosha Popovevna. Os olhos molhados de Georgi quase não acreditaram quando viram o borrão da costureira — culpa das lágrimas embaçando sua visão —, tão mesclado com seu sonho que ele não conseguiu reagir de imediato. Ainda podia ver o sorriso da mãe e sentir a mão macia que alisava seus cabelos, mas a proximidade era tão quente e acolhedora que chegava a ser boa demais para ser real e ele não queria se desapontar novamente.

“Está muito cansado, filho?” Riu ela, tocando com a ponta dos dedos, as sobrancelhas finas, contornando as pálpebras cerradas para acabar secando delicadamente as lágrimas. “Te fiz esperar tanto assim?”

“Ele sequer dormiu de noite.” A voz de Yakov soou longe, confundindo ainda mais Georgi e sua percepção da realidade.

“Pobrezinho…” O tom brincalhão da voz de Yulia, por outro lado, foi alto demais em seu sonho de sons suaves e isso lhe tirou um resmungo chateado.

“Vem, Gosha, vamos sair daqui.” Georgi viu o belo rosto redondo se aproximar e o carinho em seus cabelos ser substituído pelo abraço que o ergueu do banco gelado, com um beijo no rostinho amassado para compensar pelas horas dormidas desconfortavelmente. Foi naquele momento que ele se deu conta que somente a Margosha de um mundo fora dos sonhos o trataria com tanto amor, a Margosha real.

Forçando os braços relaxados pelo cansaço ainda presente, Georgi envolveu o pescoço da mãe e o abraçou com toda a força que podia. O perfume doce que exalava da echarpe escura terminou de despertar qualquer desconfiança sobre a presença dela ser ou não verdadeira e, nostálgico, ele afundou a ponta do nariz no tecido perfumado, abafando nele os soluços de um choro que vinha se repetindo há meses.

“Eu senti tanto a sua falta, mamãe…” balbuciou entre um engasgar e outro. A resposta foi um abraço ainda mais forte e uma resposta em mesmo tom embargado.

“Eu também, Gosha…”

.:.

A agitação dentro do apartamento era quase idêntico à bagunça que faziam junto a Minako, nas vésperas de suas estreias. O cenário era o mais divertido possível, com cartões postais novos e sua mãe e Yulia correndo para todos os cantos imagináveis, gritando de dentro de todos os cômodos, mal acostumadas com o apartamento de Margosha que poucas paredes possuía para separar a privacidade dos moradores. Estressado com toda aquela comoção, estava Yakov, que não suportou dez minutos e se retirou para “espairecer” — como havia dito a Georgi —, desejando sorte ao menino. Popovich, no entanto, pensava ter muita sorte, não desejando estar em qualquer outro lugar no mundo se não fosse aquele.

Margosha havia viajado ao lado de Plisetskaya para juntas assistirem à primeira apresentação de patinação artística de Georgi e com isso, as duas somavam semanas de ansiedade, sequer conseguindo dormir no trajeto de Moscou à São Petersburgo. Por mais vezes que Yakov tivesse dito à filha que aquela era apenas uma competição local, que não valia nada além de uma medalha de plástico pela participação, ela não conseguiu se acalmar e o mesmo valeu para a bailarina. O pequeno evento, organizado para as turmas infantis do espaço onde Yakov costumava dar suas aulas e treinar Georgi, serviria apenas para medir quão bem Popovich saberia lidar com a exposição e qual seria a recepção do público. Ele pretendia expor o garoto mais algumas vezes além daquela para descobrir em qual perfil Georgi se encaixaria e, a partir disso, já saber de onde partir o treino e como moldá-lo para o futuro. Inconsciente de todo o plano por trás daquela apresentação, Gosha contentava-se com a possibilidade de poder patinar como Oleg Nikiforov, fantasiando encontrá-lo na competição e quem sabe receber um elogio? Ele poderia sonhar.

Por insistência das duas visitantes, eles chegaram ao espaço onde a apresentação aconteceria com duas horas de antecedência, olhando cada canto da pista fechada com deslumbramento, ainda que não houvesse nenhum cartaz ou fita colorida enfeitando o ambiente. Feltsman não se conformava com aquilo, principalmente quando Margosha por tantos anos frequentou eventos a nível nacional e mundial. Estaria desacostumada do ritmo de uma competição séria ou era apenas nervosismo pelo filho? De qualquer forma, nenhum dos outros competidores inscritos haviam chegado, o que deixaria a pista livre para Georgi repassar a coreografia quantas vezes quisesse.

Familiarizado com o rinque o qual visitava todos os dias, Georgi aproveitou a ausência de pessoas para deslizar pelo gelo e se exibir para a mãe. Queria que ela visse o quão bom tinha ficado ao longo daqueles meses longe de casa e compensar as cansativas horas de viagem feitas por ela até Moscou. Precisava fazer aquela apresentação valer, precisava orgulhá-la, precisava…

“Vai me mostrar o que tem pronto para hoje, Gosha?” perguntou ela, atravessando os receios infantis ocultos em sua mente. Curvada sobre o muro de contenção, Margosha sorria para o filho, atenta a qualquer sinal que ele pudesse dar sobre a coreografia montada por Yakov. “Eu estou tão curiosa para assistir… Você não me contou nem mesmo qual é a composição!”

“É um segredo…” sussurrou ele, colocando um dos indicadores na frente dos lábios. De cabeça baixa e espiando o arredor, reforçava quão misteriosa era aquela apresentação.

“E não pode contar nem para a sua mãe?” Fingindo tristeza, a costureira juntou as sobrancelhas em uma expressão triste, quase enganando o pequeno.

“Se eu contar vai estragar a surpresa…” tentou explicar, se afastando lentamente. Era melhor manter distância ou acabaria vencido pelos tristonhos olhos castanhos. Lembrou por acaso de quando Yakov contou que Margosha conseguia tudo o que queria com o poder de seus olhos, poder esse que agora Georgi podia entender e confirmar.

O passar dos minutos conseguiu piorar a ansiedade de Yulia e a mãe do competidor, bufando alto toda ansiedade com o começo do evento. Agitadas, perturbaram o sossego do recepcionista inúmeras vezes, questionando todos os detalhes de que se lembravam, confirmando o horário de início sete vezes e perguntando sobre o número de participantes outras quatro. Quando o rapaz não aguentava mais repetir as mesmas respostas, Yakov apareceu pedindo desculpas e as levando para longe, fazendo Georgi achar graça em vê-las repreendidas como duas meninas de sua idade.

A chegada das demais crianças, ao invés de acalmá-las, piorou o nervosismo. Yulia, assistindo a circulação daquele amontoado de projetos de gente, começou a roer as unhas, um gesto que seria duramente repreendido por Lilia se a ex-prima ballerina ainda estivesse na Rússia. No auge de sua preocupação, ela se aproximou de Georgi, calado em um canto, folheando um livro ilustrado com letras do alfabeto cirílico, e o abraçou tão forte quanto pode. Sempre feliz com demonstrações de afeto, ele riu e a abraçou de volta. Havia sentido muita falta da jovem bailarina

“Margosha?” chamou ela, preocupada, alisando e ajustando o punho bordado de pedrarias da camisa que tinha ajudado a fazer. “É impressão minha, ou Georgi cresceu muito?”

Olhando para si mesmo, Popovich não viu nada de diferente, nem sentiu estar mais alto, principalmente porque ainda precisava olhar para cima se quisesse conversar com os adultos.

“Cresceu, sim” zombou Yakov, aparecendo para tirar o garoto dos mimos exagerados de Plisetskaya. “Já está de casamento marcado para o próximo mês.”

Com as crianças, também chegaram seus pais, familiares e demais responsáveis e, o que ninguém esperava, a mídia local, trazendo consigo grandes e pesadas câmeras, com os spots de luz roubando a cena do repórter que vinha arrumando os botões do punho, enquanto outra pessoa ajeitava ajeitava gravata. Georgi estava muito ocupado se alongando para dar atenção ao burburinho crescendo ao seu redor. Para tal acontecimento, foi Margosha a tomar a preocupação para si.

A criança só percebeu a atenção da mídia quando a mãe se prostou como um escudo à sua frente, o cobrindo com sua sombra, o que para ele foi a maravilhosa deixa para abraçar Popovevna na altura da cintura. O apego daquela criança com Margosha foi capaz de dar ao repórter um ponto de partida para a entrevista não autorizada, uma ansiosa busca por um furo de reportagem bom o bastante para lhe render um espaço no telejornal local. O homem que ainda sustentava o título como maior estrela da patinação, um herói do período soviético, patrocinando a carreira de uma criança que não era a dele; aquilo por si só já era um chamariz e tanto, mas que poderia ficar mais atrativo com as perguntas certas.

“Georgi Popovich?” perguntou, curvando-se à altura do menino, forçando bom humor e sorrisos largos. Não sentindo veracidade naquele gesto, Gosha escondeu o rosto na barra da camisa da mãe, murchando o sorriso. Mudando o foco da entrevista, o microfone foi direcionado ao rosto tenso de Margosha. “Começaremos uma entrevista agora, para exibição ao vivo, também queremos fazer uma edição com a apresentação do menino para exibirmos no jornal mais tarde.”

“Entramos em dois minutos!” Para desespero de mãe e filho, o aviso estabeleceu a contagem regressiva para o programa, ignorando os maiores interessados.

Popovevna tentou negar, mas antes que pudesse erguer a voz, seus argumentos travaram na garganta e o holofote a paralisou. Iluminando o rosto com dois sposts de luz e centralizando o foco da câmera na expressão levemente consternada da mulher, a equipe iniciou as filmagens sem dar abertura para negação. Grato pelas sombras projetadas pelo corpo da mãe, Georgi permaneceu agarrado à ela, escondido de toda aquela luz a qual não estava acostumado.

“Bom dia, Vlad!” cumprimentou o repórter ao jornalista ocupando a bancada no estúdio longe dali. “Foi isso mesmo que você falou, estamos aqui hoje para presenciarmos a competição do grupo infantil de patinação. As crianças são alunos da própria instituição e as idades variam dos cinco aos dez anos, mas o que temos como grande destaque é o jovem Georgi Popovich de apenas seis anos! Como todos já sabem, Popovich foi apadrinhado por Oleg Nikiforov em fevereiro desse ano, criando um burburinho desde então quanto seu treinamento profissional começou, liderado por Yakov Feltsman, principal responsável por catapultar Nikiforov para o topo do pódio quando o patinador ainda estava na ativa! Estamos ansiosos para assistir na íntegra todo o potencial visto por nosso maior herói da patinação artística!” Virando-se para Margosha, ele empurrou o microfone em sua direção, acuando-a com o gesto. Usando a cola que tinha em mãos, o repórter leu o conteúdo do papel e começou a falar todas as informações coletadas sobre a costureira, como forma de apresentação.. “Quem também veio de Moscou unicamente para assistir à apresentação do filho foi Margosha Popovevna! Ela, que no passado trabalhou no fornecimento de figurinos para apresentações, hoje mudou o foco da carreira para embelezar o corpo de baile do Bolshoi! Nos diga, Popovevna, como é, depois de ter saído desse meio, voltar a ele através do seu filho?”

Sem ter absorvido uma só palavra até o momento, Margosha engoliu em seco e ouviu a própria respiração chiar no bocal do microfone. Os poucos segundos de hesitação fizeram o repórter e sua equipe se cansarem, dado o tempo limitado que tinham de exibição, partindo novamente para o plano inicial de entrevistar a criança.

Abaixado mais uma vez, não houve sombras ou Margosha que pudessem proteger Georgi daquela exposição. Apertando o abraço, sentiu-se um pouco mais calmo quando uma das macias mãos de Popovevna alisaram seus cabelos, o confortando da maneira que podia.

“Olá, Georgi! Estamos te assustando?” Com o rostinho balançando em negativa, a equipe, a bancada do estúdio e os telespectadores riram da timidez adorável — aquela pequena criança sequer imaginava o tamanho da expectativa posta em seus estreitos ombros. “Então por que está escondido?” Georgi buscou formas de responder, mas tal como havia sido feito com Margosha, não aguardaram sua réplica. “Nos diga, Georgi, como está se sentindo com a apresentação de hoje?”

Apertando a pedra em seu pescoço, ele procurou no significado dela, a força que precisava para ter coragem o suficiente e enfrentar o excesso de luz.

“Feliz.” A resposta curta, porém sincera, pegou o repórter de surpresa. Para um escolhido de Nikiforov, o menino era muito discreto.

“E o que mais?” incentivou, revezando olhares com a câmera. Se não conseguisse arrancar nada mais interessante, levaria um puxão de orelha quando voltasse ao estúdio.

Para Georgi, no entanto, não existia nenhuma outra palavra que definisse melhor o sentimento. Oleg Nikiforov, o patinador que mais admirava no mundo, acreditava em seu potencial, Yakov cuidava de seu treinamento e lhe dava o mais próximo de um lar que podia. Além disso, Margosha estava lá para assisti-lo e Yulia também tinha conseguido viajar apenas para a apresentação, trazendo com ela caramelos mandados por Nikolai e inúmeros cartões de Minako, uma forma a mais de tê-la presente além do pingente escuro presenteado há quase dois anos. Se “feliz” não traduzia perfeitamente o sentimento que era todo aquele apoio, Georgi desconhecia outras palavras com o mesmo significado. Talvez se estudasse um pouco mais ele pudesse descrever com mais riqueza de detalhes.

Incapaz de apreciar tanto sentimento naquela única palavra, o repórter improvisou, novamente com a atenção em Margosha:

“E como os pais do pequeno estão lidando com isso?”

A pergunta quase parecia uma piada de mau gosto. Erguendo o queixo para cima, uma postura aprendida de tanto ver Yakov se impondo no mais variado tipo de situação, ela puxou o fôlego e declarou de boca cheia e orgulho inflado:

Eu estou muito feliz pelo meu filho.” O tom ligeiramente mais alto impressionou Georgi. Acostumado com o timbre sempre suave e baixo, ouvi-la erguendo a voz estava sendo o grande acontecimento do dia, de sua vida. “Ele se esforça muito e tem sido assim desde sempre.”

“A senhora deve estar muito orgulhosa com o apadrinhamento do astro Oleg Nikiforov! Nos diga, qual a sensação de ter uma figura pública como ele, apoiando seu filho desde tão cedo?”

Sem se preocupar em atravessar a entrevista e encerrar de uma vez por todas aquela exploração de imagem para benefício da mídia, Yakov empurrou o microfone para longe e exigiu a presença de Georgi, provocando propositalmente um constrangimento a nível regional. Com o semblante pesado e a voz profunda, Feltsman impôs medo, resgatando sem muitas palavras, a memória do público que o conhecera na década de setenta e o reconhecera como técnico dez anos depois. Não havia mais censura, mas todos sentiram a reprovação. Sorrindo amarelo para as câmeras, o repórter falou uma frase de efeito genérico e foi esquecido pela bancada da emissora, tal como por Georgi; apenas Margosha ficaria com aquela situação incomodando sua cabeça durante algumas horas, mas saberia sobreviver ao estresse.

Como modo de incentivar a participação das crianças, principalmente as menores, a ordem das apresentações foi definida por sorteio, bolinhas coloridas em que cada cor definia a posição de entrada. Georgi, contente, sorteou uma esfera roxa, que indicava a última posição, uma alegria para ele que queria assistir as outras apresentações, e uma soma à ansiedade de Margosha e Yulia. Com programas dificilmente alcançando dois minutos de coreografia, não demoraria para o nome de Popovich ser chamado, mas nenhuma das duas se convenceu disso até a hora de Georgi chegar — quando aconteceu, ambas começaram a chorar.

Afastado da comoção, ele tentava entender o que estava sendo responsável por tantas lágrimas, uma vez que a maioria delas era associada à tristeza. Deveria perguntar? Se pedisse aos jurados, eles esperariam que fosse consolar a mãe antes de começar?

“Não se distraia com elas, são duas choronas.” O leve sorriso no rosto sério era de um contraste inusitado e por isso mesmo precioso. “Você está pronto.” Não era uma pergunta, pois não havia dúvidas; Yakov sabia que Georgi estava pronto e o menino só precisava mostrar isso à plateia desfalcada. “Dê seu melhor. Sei que você consegue.”

Se sorrisos por parte de Yakov eram uma raridade, reagir à demonstrações de afeto era ainda mais constrangedor. Abraçado por Georgi, ele tentou retribuir o carinho com alguns tapinhas na altura das costas, sentindo nas bochechas quentes estar corado de constrangimento. Esperava que os intrometidos da mídia local não estivessem filmando, ele não saberia lidar com aquele tipo fraternal de exposição.

Nenhuma iluminação diferenciada foi exigida para a ocasião, o que ajudou a não intimidar Georgi, preferindo holofotes apenas em sua imaginação, por enquanto. Sua única preocupação era a possibilidade de Oleg assisti-lo. Queria ser capaz de fazer uma boa apresentação e honrar a confiança, sentindo os joelhos tremerem conforme Yakov removia os protetores das lâminas. O que o técnico havia dito, mesmo? Que ele estava pronto? E Nikiforov também não tinha o elogiado, ainda que uma única vez? Com aquela apresentação, teria mais chances de ser elogiado, Oleg poderia até mesmo aparecer para vê-lo ao invés de mandar recados por Yakov. Quantos significados aquele primeiro passo no gelo poderia ter? Crendo que a fonte de sua coragem morava no pingente rabiscado em kanji, Georgi apertou a pedra mais uma vez e, em um só fôlego, se lançou sobre o gelo.

A composição era de Tchaikovsky. Como seria o contrário? Sorrindo, Margosha deixou as primeiras lágrimas caindo já no anúncio do tema de A Fada Açucarada, aplaudindo com o triplo de intensidade que o restante da plateia. Ele estava pensando em Minako depois de tanto tempo sem contato direto e a atitude saudosa naquela discreta homenagem deixou Popovevna sensível. Pelas lágrimas abundantes de Yulia e a ovação agitada, ela percebeu que a bailarina também havia notado.

Centralizado na pista de gelo, conforme combinado com Yakov nos ensaios das últimas semanas, Georgi aguardou os primeiros acordes da variação clássica para começar a contornar o gelo. Apostando em curvas suaves como o ritmo adocicado, esperou a sequência ditada pela flauta doce para o primeiro spin simples. Com o ritmo picado da celesta, fez o mesmo com seus spins, aumentando o ritmo e arriscando um salto com finalização de dois giros, alongando a coreografia com os braços erguidos para cima, como bem se lembrava de ter visto Minako fazer. Emocionadas no improvisado Kiss and Cry, Minako e Yulia não conseguiam piscar. Feltsman sabia que ainda tinha onde melhorar, podia ver a dificuldade dele no sit flip, contudo Georgi era tão expressivo com seus olhos brilhantes, o sorriso leve e a total entrega àquela interpretação, que fazia de sua presença uma inevitável comparação aos demais competidores, e os pais já não sabiam mais dizer se ter Popovich naquele gelo era uma injustiça às suas crianças ou ao próprio garoto, limitado ao amadorismo de uma competição local. Se a equipe de televisão não tivesse filmado a apresentação de pouco mais de um minuto, ninguém acreditaria em suas palavras de admiração; Georgi Popovich parecia tirado de um livro encantado e todos podiam entender e confirmar com seus próprios olhos a razão de Oleg ter escolhido apadrinhar aquela criança.

Os aplausos estouraram de uma só vez, assustando Georgi e o fazendo perder a postura quando curvou-se para agradecer. Não existiam holofotes, jurados internacionais ou um pódio de três diferentes elevações, mas sentiu estar dentro da fita cassete esquecida em Moscou. Seu rostinho incrédulo foi filmado e exposto naquele mesmo dia, com garantia de reprises no decorrer da semana, a tímida, porém brilhante estreia do nome que provocava e questionava se seria ele a suceder aquele que continuava sendo o melhor da Rússia.

Ele sabia, de tanto ouvir Yakov falar, que aquela apresentação não valeria para nada, mas a reação emocionada de Margosha com a conquista da medalha plástica da primeira colocação, valeu para Georgi o mundo.

.:.

Comparado com as enormes salas do Bolshoi, o estúdio comprado por Minako era ridículo, quase um armário para vassouras, estreito e extremamente limitado para treino de saltos, de teto baixo, abafado e sem estrutura alguma para receber um piano de cauda para as aulas de alongamento, uma tragédia total. E o espelho então? Ele sequer acompanhava a parede inteira, faltando pedaço na parte inferior para que pudesse acompanhar o trabalho de pé de futuros alunos, formado pelo encaixe mal-feito de espelhos de má qualidade, com emendas horríveis que dividiam o bailarino pela metade. Que horror... Em quê ela havia investido suas economias?

Ponderando consigo mesma, Minako tirou as mãos do quadril e encerrou definitivamente aquela discussão com o nada. Ela precisava parar de comparar tudo aquilo com o Bolshoi. O grande teatro era um passado e ela precisava se conformar que aquele era seu presente e futuro, por mais desencorajador e frustrante que fosse.

Um pouco humilhante, também.

“Oh, aqui é tão bonito, senpai!”

Entrando na sala empoeirada com Yuuri nos braços, Mari agarrada na barra da blusa comprida e grande brilhos nos olhos, Hiroko achou cada canto daquele espaço feio, maravilhoso. Ela sempre fora, desde muito pequena, pessoa de fácil deslumbramento, encantando-se com qualquer novidade, fosse ela na vida das outras pessoas ou na própria. Quando ainda morava no Japão e cuidava da pequena, Minako conseguia conquistar sua simpatia sem maiores preocupações, fosse presenteando-a com tranqueiras baratas do hyaku-en, bichinhos virtuais que não sobreviviam uma única tarde, ou suas antigas revistas importadas de balé. Hiroko ficava especialmente deslumbrada com idiomas estrangeiros, achando-os “muito bonitos” ou “chiques”. Era uma graça ver que depois de anos, crescida e casada, ela ainda carregava aquele brilho infantil nos olhos e genuíno contentamento com o pouco oferecido por Hasetsu. Okukawa perguntava-se naqueles momentos se, caso ela não tivesse insistido tanto em fazer carreira internacional, teria se acostumado com o ritmo da cidade, se conformado com os limites que uma região de apelo unicamente turístico, aceitado nunca ter posto os pés fora daquele lugar… Quanto não teria poupado para sua saúde física e mental? Quantos problemas não teria evitado, todos os obstáculos, o choque cultural, o preconceito, as amizades, a dor.

“Obrigada, Hiroko-chan” sorriu abertamente, apertando os olhos e com isso evitando que as lágrimas caíssem. Depois de tudo, ela não podia recomeçar a chorar. “Mari-chan vai querer ser minha primeira aluna?”

Calada, a menina pensou um pouco no que aquela oferta significava e torceu o nariz para as sapatilhas e tutus que a esperavam.

“Não, obrigada.”

Rindo da honestidade da criança, Okukawa relevou.

“Vai precisar de ajuda na reforma, senpai?”

“Oh não, apenas uma faxina pesada, dou conta sozinha.” Olhando ao redor, confirmou que sim, nada que ela sozinha e muita disposição não dessem conta de tornar aquele lugar apresentável. “É apenas uma sala, afinal de contas.”

“Toshiya disse que se precisar, ele ajuda na pintura da fachada” ofereceu mais uma vez. “Compramos tinta para a pintura da entrada do onsen e sobrou uma lata e meia, acho que o estabelecimento merece!”

Sim… Hiroko continuava gentil e amável como sempre. Margosha com toda certeza gostaria dela.

“Podemos negociar o valor da tinta, há manchas na parede que eu duvido conseguir tirar apenas limpando.” Abanando a mão livre, a senhora Katsuki fez questão de dissipar a ideia de qualquer gasto que a amiga pensasse em ter.

“É um favor, senpai, Toshiya e eu ficamos mais do que felizes em ajudar uma amiga de longa data!” Para o contido e meigo sorriso de Hiroko, Minako não teve como negar o seu próprio. “E as crianças também! Não é, Mari? Yuuri?”

Mari, mais comunicativa que o irmão, embora o semblante pesado herdado do pai parecesse o oposto, concordou prontamente, porém o mesmo não se repetiu com o irmão. Acanhado, o bebê de pouco mais de dois anos abaixou a cabeça e escondeu o rosto corado no pescoço da mãe. Tentando encorajar o filho, Hiroko tentou balançá-lo, conversar usando de palavras suaves, mas não teve argumento que fizesse o pequeno Yuuri Katsuki parar de tremer. Achando graça daquele comportamento e podendo considerar ter alguma experiência na área infantil, Minako se aproximou e estendeu os braços para Hiroko, pedindo assim permissão para tomar Yuuri no colo. Em silêncio, ela entregou o filho, tão encolhido na postura endurecida, que Okukawa sentiu como se estivesse pegando um boneco.

“Hey, Yuuri, que vergonha toda é essa?” A pergunta o fez escolher ainda mais, com o rostinho escondido nas mãos pequenas. Talvez fosse a saudade, mas ela á começava a enxergar Georgi naquele acanhamento todo. “Eu queria poder ver melhor o seu rosto… Sinto como se só te conhecesse por fotos…”

Tocando os dedos roliços com os próprios, Minako esperou ganhar confiança daquela criança; ela sentiria-se muito ofendida e abandonada ao descaso se não conseguisse. Aos poucos seus anseios pareceram ter sido ouvidos e ela já podia senti-lo relaxando um pouco, soltando o peso em seus braços e afrouxando a mão em contato com o rosto igualmente rechonchudo. Delicadamente, sem quebrar o começo daquela confiança, ela separou os dedinhos e encaixou entre eles os seus. Curioso com a diferença de tamanho e expessura, Yuuri espiou melhor aquele primeiro contato, olhos bem presos na curiosa e impressionante imagem que era ter toda sua mão ocupando apenas a palma de Okukawa.

“Agora sim eu consigo te ver…” Ele a ouviu rindo, corando ao ver o sorriso aberto e os olhos curiosamente marejados. “Você é um bebê lindo, Yura.”

“Yura?” Hiroko riu, achando divertido aquele apelido.

“Oh, me desculpe, estou mal acostumada com o russo…” A própria bailarina tirou sarro de si mesma. Satisfeita em perceber que o novo interesse de Yuuri era a diferença entre suas mãos, ela arriscou acomodá-lo melhor em seus braços, não encontrando resistência dessa vez.

“Ele é muito tímido e meio desconfiado, mas quando confia, cria grande apego” esclareceu Hiroko, muito acolhedora com suas crianças. “Yuuri é um bebê muito bonzinho.”

Minako também conhecia um bebê bonzinho. Ela queria chorar toda vez que se lembrava de como foi deixá-lo para trás. Yuuri, em sua imaturidade e inocência pela pouca idade, não entendeu o porquê do abraço de Minako ficar mais apertado, mas aceitou o afeto e riu baixinho; a mãe sempre costumava fazer o mesmo com ele.

“Seus filhos são muito preciosos, Hiroko-chan, parabéns pela linda família, você merece.” A senhora Katsuki sorriu, muito satisfeita e orgulhosa dos filhos. Mari não estava lá muito entretida com a troca de afeto, andando pela sala e olhando cada canto desconhecido.

Antes da compra de Okukawa, aquele estúdio de dança havia sido condenado a anos fechados, acumulando poeira, insetos, um pouco de mofo e histórias de terror. Ela, que desde muito nova nunca teve medo de nada, havia vencido inúmeras apostas ao entrar sozinha naquele lugar, conquistando o tipo mais variado de prêmio, de cartas colecionáveis a mangás autografados. Mari achava as pessoas muito bobas e ingênuas, e imaginava-se rica se continuasse crescendo apostando a própria coragem.

“Mari-chan, Minako-senpai está falando com você…” A garota ouviu a voz da mãe chamá-la. Voando longe em sua imaginação, sequer se deu conta do restante da conversa.

“Oh, me desculpe…”

“Achou algo por aí, mocinha?” perguntou a bailarina, ainda tendo Yuuri no colo. Mais confiante com o contato dela, ele já se pegava olhando ao redor, expressando sua curiosidade infantil nos grandes olhos castanhos.

“Nada interessante, só uma barata.”

Minako quase abriu um buraco na parede para sair correndo, com Yuuri e tudo. Agora, além da faxina e pintura novas, ela precisaria desembolsar um detetizador. Erguer aquele estabelecimento estava lhe custando mais do que previra. Achando graça do pavor de Okukawa e da breve corrida para o lado oposto da sala que o chacoalhara por inteiro, Yuuri riu abertamente, definitivamente conquistado por aquela moça estranha.

“Viu, eu não falei?” A mãe do menino sorriu discretamente. “Yuuri é um bebê muito bonzinho…”

A bailarina teve de concordar, não podendo evitar comparar aquele abraço com os inúmeros compartilhados em solo russo. Ela ainda não conseguia enxergar a terra natal como lar e estar separada do país que por mais de uma década foi sua casa, a deixava profundamente melancólica.

Abraçando aquela criança, tão gentil quanto a deixada em Moscou, Minako imaginou se algum dia poderia visitar a antiga casa, beber o whisky caro de Nikolai, rir da irritação de Yulia, dividir tardes e noites com Rurik e dar novamente todo carinho e afeto do mundo ao doce filho de sua melhor amiga.

.:.

Poucas fotos foram autorizadas, a fim de proteger a imagem do patinador — ou era isso que alegava Oleg, autorizando a presença da imprensa local com grandes ressalvas. A mídia estava coçando suas grandes e oportunistas mãos para divulgar como certo o boato de que Nikiforov estava voltando para as pistas de gelo, mas ele, ciente da expectativa que estava criando, liberava informações pela metade e ria quando perguntas diretas sobre seu regresso eram feitas, dando um “é quase isso” como resposta. Não era algo que podia mentir; adorava a atenção recebida e mais ainda estar cercado de olhares e câmeras, como nos tempos áureos que iria resgatar.

Sendo a patinação artística um esporte tão belo quanto ingrato, sua idade não lhe dava mais a elasticidade e condições físicas de antes, tornando as saídas para os saltos e suas finalizações bem mais difíceis. Ele ainda tinha graça, interpretação artística e milhares de fãs a favor, mas para Oleg não bastava ter sido bom, ele queria continuar sendo, uma espécie de complexo de Branca de Neve, onde era ele quem não admitia uma nova geração mais bela de todas. Se a rainha era irredutível quanto passar sua coroa e vaidade adiante, o mesmo acontecia com Nikiforov e seus patins de lâmina dourada. Seu legado não tinha herdeiros e, se dependesse de sua vontade, tampouco seu nome teria.

Era essa a boa sensação que patinar o dava; poder e exclusividade, ser o único de seu tempo sendo mantido, rara peça a ser preservada com cuidado e elevação, cercado por uma redoma formada de fãs e pôsteres passados, insubstituível. Por outro lado, o passado, fosse em forma de recordações ou objetos que o representasse, era uma relíquia guardada em museu, e por mais admirada que fosse, seria para sempre isso: o que passou. Oleg não poderia ser apenas uma passagem.

Depois de anos ausente, as pessoas começaram a questionar em quem Nikiforov apostava seus rublos na nova geração de patinadores, pergunta essa que o impactou de forma profundamente negativa na primeira vez, não sendo pior que o interesse em saber se Oleg treinaria seus sucessores. Nikiforov era um tipo muito egoísta de patinador, detalhe esse desconhecido — ou ignorado — por seus admiradores. Ele, assim como contava as lendas de piratas que Georgi tanto gostava de ouvir, preferia morrer abraçado ao tesouro que era sua técnica, afundar sozinho estando em posse do que não precisava ser patenteado para reconhecer pertencer a ele, do que fazer daquela jóia um presente para o mundo. Aquela escolha mesquinha funcionava como uma distorcida fonte da juventude; se ninguém mais pudesse ser como Oleg, então ele seria eterno.

Suspiros de admiração e cochichos agitados comentavam o triplo axel e o burburinho alimentava o ego nunca satisfeito do patinador que ameaçava voltar à ativa. Sorrindo para si mesmo, Oleg aumentou a velocidade, contornando a pista propositalmente pelas laterais, deixando seu melhor ângulo ser fotografado. Preparado para a execução de um quad que ficaria perfeito em uma capa esportiva, percebeu de relance o grupo de jornalistas se erguer dos assentos, expressões incrédulas e uma expectativa que crescia junto com o ego de Oleg. Quando o corpo de Nikiforov foi lançado ao ar, com uma saída para o salto que sequer se fez notar, sentiram estar de volta ao passado, assistindo às Olimpíadas pela televisão, porém com qualidade de imagem e cor. Quantos teriam a mesma sorte de ver aquele salto? Logo feito por Oleg? Era como sonhar acordado.

No entanto, tal qual um sonho, o momento durou pouco e Nikiforov não foi capaz de concluir o quad, oscilando na finalização e caindo sentado no gelo, parecido com uma criança em seus primeiros dias de aula prática. Patético.

Se o fim do salto foi ridículo, assim também eram os representantes da mídia, o aplaudindo incansavelmente por nada, com palavras de encorajamento e adulações que pareciam consolar Oleg naquela falha, quase um “você consegue na próxima!” disfarçado em elogio. Ele não poderia deixar que duvidassem de sua capacidade, não quando seu posto pudesse ser ameaçado por uma nova geração sedenta para fazer história.

“Lamento a finalização vergonhosa, estou um pouco enferrujado, ainda…” desculpou-se em falsa modéstia. Dando mais um de seus belos sorrisos, ele arrebatou corações sem se importar com os platonicamente apaixonados. “Prometo estar em forma até a exibição.”

O anúncio parcial do que os jornalistas queriam saber, agitou o pequeno grupo e ergueu uma infinidade de gravadores prontos para registrar algum depoimentro bombástico. Manipulá-los era sempre muito fácil.

“Alguma chance de vermos o nome Nikiforov na próxima temporada?”

“Não foi isso que eu disse…” riu em falso constrangimento, erguendo as mãos como se pudesse provar elas estarem limpas de todo tipo de promessa.

“O senhor tem sido visto em reservas de pistas, fechadas apenas para seu uso.” Outro repórter refez a abordagem. “O que é tão secreto?”

“Se eu contasse, deixaria de ser.” A risada de Oleg repetiu-se entre os jornalistas, uma extensão de sua comédia forçada que todos sempre engoliam.

“Senhor Nikiforov!” Uma terceira repórter o chamou, atenta ao bloquinho em que trazia listada, uma série de perguntas. “Cogitando que o senhor retome a patinação, isso significa que não irá dar assessoria ao seu protegido, Georgi Popovich?”

O sorriso de Oleg só permaneceu intacto em seu rosto, pois anos de experiência tinham o ensinado a manter as aparências. Não esperava ouvir sobre aquela criança tão cedo, aliás, não esperava ouvir sobre Georgi pelo resto de sua vida, uma vez que esse problema era de Yakov. Além disso, ele havia sido categórico quanto a educação de Popovich; nada faltaria na criação do menino, desde que Feltsman o mantivesse nas sombras. Pelo que conseguia perceber, alguém não estava mantendo parte no acordo e essa pessoa não era Oleg.

Nikiforov com certeza precisava de uma bebida. Em dose dupla.

“Eu o encaminhei aos cuidados de Yakov, pois sei que ele estaria em boas mãos.” Pausadamente, ele disse cada uma das palavras. Quase um ano havia se passado, Oleg esperava que tivesse sido o bastante para a existência de Georgi cair no esquecimento.

“Apenas quem treinou o melhor poderia treinar seu sucessor, certo?” Todos riram, conforme mandava o protocolo social e por pouco Nikiforov deixou de fazer o mesmo. Se estava treinado para sempre agradar, não estava pronto para o desvio de atenção; por que pareciam tão entusiasmados com a ideia de o terem definitivamente de fora?

“E quanto a Victor?” Aproveitando a deixa da colega, outro jornalista decidiu arriscar e incluir o herdeiro Nikiforov no interrogatório. Pelo que imaginavam ser reserva do patinador em relação ao filho, Oleg sempre evitava falar sobre a criança que teve com Narkissa — pelo menos, até aquele momento. “Não está treinando Georgi Popovich para se ocupar com a formação dele?”

“Victor não apresentou nenhum interesse na patinação artística até agora, não sei se ele seguirá carreira” respondeu com o sorriso já não mais radiante.

“Mas correm boatos de que um de seus passatempos preferidos é patinar! Algumas fotos vazadas o mostram muito contente na pista de patinação local, onde o senhor mantém residência na Suíça!”

Existia algo de muito contraditório nas pessoas que trabalhavam na mídia sensacionalista; às vezes, elas queriam fazer viralizar sua glória, em outras, desejavam substituí-la por algo maior ou melhor. O espaço de tempo entre esses dois extremos podia ser longo ou assustadoramente rápido, como era o caso de Oleg, vendo o interesse sobre si dissipando como um frágil torrão de açúcar em chá quente, chá esse que jornalistas bebericavam lentamente, sugando dele até nada mais restar. Para fazê-los desistir de acabar com sua existência artística, restava fazer aquela bebida borbulhar novamente, a tornando intragável como a pessoa que Oleg era:

“Victor está apenas repetindo o que vê em casa” riu, dando de ombros. “Tenho algo grande para anunciar em janeiro, espero que fiquem de olhos e ouvidos bem abertos até lá.”

Aquele era um amontoado de palavras que nada diziam, mas que eram o bastante para fazer o nome de Oleg fervilhar mais uma vez.

.:.

Conhecendo Nikiforov há muitos anos, não foi nenhuma surpresa para Yakov ver diferentes jornais e revistas em polvorosa com o possível retorno do ex-campeão mundial ao gelo. Oleg sempre teve certo dom para brincar com a mídia e iludi-la com meias-promessas e palavras sem nenhum significado. Na época, ele não dava muita importância, talvez pelo retorno fantástico e um reconhecimento que Yakov jamais pensou possuir depois de sua aposentadoria forçada como patinador. Agora, tendo passado da fase onde possuía paciência, sua reação ao circo montado por Oleg era o de revirar os olhos, muito velho para lidar com o mesmo artifício forçado novamente. “Espero que fiquem de olhos e ouvidos bem abertos até lá”? Prestes a fazer trinta e cinco anos, quais oportunidades ele esperava ter na patinação artística? Não, aquele tipo de discurso não o enganaria facilmente.

Mas enganaria Georgi.

Animado com a insinuação de Oleg, o menino colecionou todas as matérias sobre seu possível retorno e recortou todas as notas que vibravam junto com ele, independente se todas diziam a mesma coisa. Sua empolgação com os treinos se tornou maior, e a agenda repleta de recortes, um novo companheiro para suas noites de sono parcial, que ele adorava folhear enquanto matava a saudade da família pelas fotos e cartões que vinham de Moscou antes de dormir, ou antes do café da manhã. Não era algo reclamado pelo técnico — somente resmungado —, contudo, naquele dia, Georgi quase pensou serem seus pertences os culpados pelo acesso raivoso de Feltsman.

O humor de Yakov nunca era fácil pela manhã. Na verdade, não era fácil na maioria das circunstâncias, mas com o raiar do dia conseguia ser pior, muito pior. Ele era o tipo raro de pessoa que conseguia abrir a janela, olhar para o céu e amaldiçoar ele é todas as nuvens que enfeitavam a extensão azul, conseguindo com apenas uma careta, reverter o dia ensolarado em um céu cinzento como seus cabelos estavam começando a ficar.

Naquela manhã, cedo demais para ser hora de Georgi tomar café, uma nova faceta do humor de Yakov foi revelada, repleta de murros pelos móveis e paredes, acompanhada de xingamentos tão pesados que o menino duvidava serem russo, tamanho desconhecimento dele naquele tipo de dicionário ofensivo. Margosha certamente engasgaria se o ouvisse praguejar uma palavrinha sequer, agora, um palavrão que para ser dito exigia um fôlego extra, seria capaz de matar Popovevna — do coração e de vergonha.

Lembrar da mãe o fez suspirar a saudade não curada da última visita, somada à nova sensação de vazio, uma dívida emocional de saldo sempre pendente. Não fazia nem um mês que tanto ela quanto Yulia haviam ido embora, mas parecia um século — que ele tinha aprendido na escola ser bastante. Apegado às fotos e presentes que aquela visita tinha rendido, Georgi deixou a agenda de recortes de lado e tirou com cuidado debaixo da cama, uma caixa de papelão que antes abrigava um par de sapatos. Ela nem se comparava à sua caixa encantada, guardada pela mãe em Moscou, mas era o bastante para guardar nela todas as miudezas presenteadas por Plisetskaya, entradas de museus visitados ao lado de Margosha, fotos recentemente reveladas e os últimos cartões enviados por Minako, um total de doze pontos turísticos variados, traduzidos na parte de trás. Ele não entendia todas as letras escritas que sua mãe lera, mas conseguia lembrar da maioria. Contornando os kanjis com a ponta dos dedos, perguntava-se qual deles queria dizer Hasetsu.

“Georgi!” Primeiro Yakov o chamou, depois escancarou a porta. Apavorado como se tivesse feito algo de errado, ele escondeu os pertences embaixo da coberta e aguardou uma bronca por fosse lá o motivo. Notando o tamanho susto dado, o homem relaxou um pouco a postura e suavizou o timbre. “Levante-se e troque de roupa, precisaremos sair um pouco.” Desconfiado, os olhinhos azuis sequer piscavam. “Por favor.”

Diante a palavra que tornava o pedido educado, Georgi não teve o que negar, aceitando a saída repentina sem questionar a razão ou o céu escuro. A experiência nova de sair tão cedo e ver a noite refletida às cinco da manhã era encantadora e Georgi passaria horas olhando para cima, só esperando pelo momento que o Sol faria sua magia, espantando as sombras resquícias e protagonizando sozinho um céu todo dele.

Dentro do táxi — e Georgi achou incrível estar dentro de um! —, Yakov não dizia nada, nem ele sentia falta das palavras. O lado de fora passava rapidamente, calçadas deixadas para trás com as poucas luzes acesas seguindo o veículo de perto, deixando rastros luminosos em cada curva e esquina desviada. Aquela cidade era repleta de detalhes a serem descobertos e embora Georgi sentisse falta de todas as recordações deixadas em sua caixa encantada em Moscou, já não podia mais dizer não gostar daquele lugar. Existia magia em São Petersburgo, ele podia sentir ela emanando de cada sombra tímida, discreta aos olhos da maioria, mas presente o suficiente para não ser ignorada. Georgi com certeza não ignorava.

A estação ferroviária era como se fosse um outro prédio naquela iluminação forçando presença no escuro. A fachada iluminada brilhava em dourado e o nome da estação Moskovskiy podia ser vista de longe, brilhando em neon e fazendo doer os olhos, caso Georgi as olhasse por muito tempo. Um de seus cartões era daquela estação, mas a iluminação diurna sequer se comparava com aquilo. Era a magia da cidade agindo mais uma vez, ele tinha certeza.

Pelo horário, pouco se via de pedestres no local, e a solidão estendia-se nas portas fechadas e cadeados trancando a entrada do mais variado tipo de loja, escondendo suas marquises e fachadas pelas sombras. Georgi gostava do escuro e de como ele transformava qualquer coisa com a falta de luz. Era uma pena que quase ninguém estivesse acordado para ver aquela solitária demonstração de mágica.

As sombras, constantemente confundidas com o mal, um grande poder negativo capaz de tragar com ele toda felicidade, eram as maiores injustiçadas naquele julgamento errôneo. Ele não sabia enumerar todas as qualidades de uma noite sem lua, e também seu limitado conhecimento gramatical o impedia de argumentar esse gosto tão peculiar, mas tinha certeza que Margosha o entenderia; ela nunca mostrou ter medo do escuro. Ela nunca mostrou ter medo de nada.

Sendo ela tão corajosa, julgaria o filho ao vê-lo sentir medo? Porque era isso o que Georgi estava sentindo diante de tanta luz.

Aquele menino não somente brilhava, como também faiscava, fazendo o letreiro do Moskovskiy sentir inveja, e as poucas estrelas aparentes no céu de São Petersburgo apagarem por completo. Georgi nunca em toda sua vida — que a criança considerava muita coisa — havia presenciado alguém que trazia em todo seu ser um pequeno sol radiante. O brilho não concentrava-se apenas nos finos fios prateadas ou na palidez suave de sua pele; aquela luz estava além, vindo de dentro e pulsando para fora cada vez que seu sorriso abria em um coração incandescente. Com suas sombras, Georgi sentiu-se terrivelmente tímido.

“Sou Yakov Feltsman.” Dispensando cumprimentos ao homem uniformizado que acompanhava a criança, Georgi pode ver uma veia começar a pulsar no pescoço do técnico. Perguntava-se quanto faltava para ele sair socando a estação, como havia feito no apartamento na última hora passada.

“O senhor Nikiforov lamenta muito não poder vir…!” rapidamente o funcionário tentou explicar, sendo interrompido pela criança a qual cuidava.

“Foi você o técnico do meu pai?”

“Sim.”

“Mas você nem é tão velho!”

Georgi não havia entendido nada, apenas a citação do nome de Oleg.

“Eu separei parte das roupas e mandarei o restante ao longo da semana.” Visivelmente aterrorizado pelo olhar duro de Yakov, o homem encolheu-se de medo e com isso aproveitou para pegar as alças das grandes malas escuras.

“E quem é ele?” Novamente o garoto atravessou a conversa alheia com seu brilho. Era como se ele não conseguisse controlar tanta intensidade. “É seu filho?”

Georgi levou certo tempo para entender que o indicador pálido tentava conectar um parentesco entre ele e o aposentado patinador. O faiscar daquela outra criança já estava começando a cegá-lo.

“Não, ele não é meu filho.” Popovich tentaria se lembrar de agradecer Yakov por ter respondido por ele.

“Ah bom, porque você é muito velho para isso!”

Feltsman fechou os olhos e respirou fundo, como se pudesse inflar um pouco mais sua limitada paciência com um pouco de ar. Georgi, por outro lado, não entendia porque seu técnico — e tecnicamente avô — era jovem para algumas coisas e velho demais para outras.

“Victor, não seja indelicado…” o funcionário tentou corrigi-lo, mas o medo causado pela presença de Yakov não o deixava erguer a voz, e sua tentativa em amenizar as gafes infantis acabavam frustradas.

“Qual é o seu nome?”

Georgi e suas sombras se assustaram quando entenderam que aquela criança, brilhando em pleno Moskovskiy, atentava-se a ele — até demais, para seu gosto. Aguardando ansioso, a expectativa do garoto escapava em pulinhos empolgados, crescendo em forma daquele sorriso de coração engraçado. Olhando para Yakov, esperava ter alguma dica de como se comportar, mas o técnico estava ocupado jogando palavras duras no outro rapaz para poder atendê-lo. Sem a ajuda de Feltsman, Gosha buscou na memória algum guia comportamental aprovado por Margosha, recordando-se de um de seus amáveis sorrisos. Ela gostaria que o filho fosse gentil, como sempre se gabava orgulhosamente às pessoas. Precisava fazer jus à confiança da mãe e continuar sendo essa pessoa educada, mesmo longe da atenção dela.

“Me chamo Georgi Popovich” gaguejou. Para a própria segurança, mantinha-se atrás de Yakov. “É um prazer.”

“É um prazer também!” O garoto sorriu ainda mais largo, como se fosse possível. “Eu me chamo Victor Nikiforov!”

O impacto por aquela informação teria derrubado o pequeno no chão. O que ele tinha ouvido um ano antes do próprio Oleg? Que ele tinha um filho da idade de Georgi? Seria aquele? A possibilidade da existência de outras pessoas com o sobrenome de Nikiforov pela Rússia sequer foi uma opção para Popovich, confuso sobre os sentimentos que aquele encontro estava lhe causando. Yakov podia confirmar aquela história? Adultos sempre sabiam de tudo, afinal de contas.

Notando que o mais velho não se prontificaria em esclarecer os pormenores da árvore genealógica dos Nikiforov, Georgi apertou a pedra em seu pescoço e reuniu toda sua coragem naquele pingente, tentando extrair dela a força da qual Minako havia falado antes de ir embora:

“Você é filho de Oleg Nikiforov?”

Ser capaz de perguntar aquilo fez Georgi sentir ter se livrado de um peso enorme, como quando esteve doente certa vez e vomitou tudo o que tinha comido. A reação de Victor com aquele esgurmito em palavras, foi o de congelar o sorriso, antes de responder com um pouco menos de intensidade:

“Sou.”

“Que sorte!” Era a primeira vez naquele encontro que Georgi deixava o conforto de suas sombras para expressar sua admiração por Oleg. Contrário ao garoto e à própria luz natural que emanava, Victor se encolheu em discrição, desviando o olhar.

“Eu não acho.”

Muitas poderiam ser as perguntas de Georgi naquele momento, mas a única que expressava o emaranhado confuso de sua admiração por Oleg e a reclamação de Victor era: por quê?

“Vamos embora.” Yakov não esperou que perguntassem para onde, puxando Georgi em uma mão e, relutantemente, pegando a de Victor em outra. Atrás dos três, malas eram levadas até o táxi que ainda os esperava, tendo o rapaz as carregando garantindo um punhado de coisas que Yakov preferiu ignorar, Victor não se importava e Georgi não podia ouvir, afundado em inúmeras teorias inocentes que justificassem  a razão pela qual ter Oleg Nikiforov como pai não podia ser algo bom. Ele havia deixado passar alguma coisa?

De toda forma, Victor não parava de brilhar; ele irradiava dentro do táxi e enquanto caminhava em silêncio em direção à entrada do prédio. O brilho do herdeiro de Nikiforov era visível nos sorrisos de diferentes significados, ocupando todo o interior do elevador, acabando por cegar Georgi com tanta luz concentrada em um só cubículo. Como uma vela que nunca se apaga, Victor continuou a irradiar sua luz dentro do apartamento onde agora viveria com Feltsman e Popovich, fulgindo enquanto ouvia as regras da casa e bruxuleando enquanto assistia Yakov improvisar sua cama com edredons e cobertores dobrados no chão, ao lado da cama de Georgi. Agradecendo ter onde dormir o crepúsculo da noite para a manhã, mais uma vez o garoto refletiu. Para tanto cintilar, Yakov apenas resmungou.

Foi difícil para Georgi conseguir dormir pelo resto da madrugada e parte da manhã. Encolhidas no canto do quarto, as sombras que tanto apreciava, não puderam alcançar suas pálpebras e convidá-lo ao sono. De olhos bem abertos, parcialmente cego pelo resplandecer da outra criança, Georgi precisou se conformar em ter a presença de Victor Nikiforov iluminando aquele quarto que já não era mais apenas dele.

.:.

Mesmo falando muito, pulando muito e rindo muito na maior parte do tempo, Georgi acabou gostando de Victor. O garoto era engraçado e logo seu exagero não era mais estranhado. Popovich, que a princípio pensou que Yakov não gostava do filho de Nikiforov, percebeu que o tratamento dado ao seu novo amigo era o mesmo dado a ele, e os três até se divertiram juntos naquela primeira semana de adaptação, onde os treinos de Georgi foram suspensos e a adaptação de Victor na nova escola foi priorizada. Riscando Victor da lista de motivos que provocava o azedume de Yakov, não restavam muitas opções para Georgi além do próprio Oleg, contudo, aquela ideia doía um pouco; o que Feltsman tinha contra seu antigo aluno? E por que logo Oleg, que Popovich tanto admirava?

Todos os dias que somaram a semana, vinham acompanhados de alguma caixa ou mala nova. Victor tinha muitos pertences, coisas que não cabiam direito no cômodo dividido com seu colega de quarto. Georgi não sabia dizer quão legal eram todas aquelas quinquilharias caras, nem Yakov conseguia enxergar naquilo nada além do mais puro desperdício.

Se em todos os dias Nikiforov fazia de sua presença protagonista daquele apartamento, houve um deles em que Victor dispensou os holofotes para o último dos itens entregue. Desprezando malas reviradas e caixas ainda lacradas, Victor concentrou toda sua atenção na tela encapada que Yakov atravessava pela porta com dificuldade, não sem antes xingar o tamanho desnecessariamente grande daquele pacote. Se mais algum pertence de Victor entrasse por aquela porta, não haveria mais espaço para os três viverem naquele lugar.

Explodindo em gritos, ele implorou a ajuda de Yakov para abrir — com muito cuidado, é claro — aquela embalagem e prometeu coisas que não seria capaz de cumprir se tivesse o pedido atendido. Assistindo tudo ao fundo, Georgi ria do revirar de olhos do técnico e de como os cabelos ligeiramente compridos de Victor acompanhavam o saltitar de seu mais novo amigo. Ele também estava curioso para ver o que era capaz de agitar Nikiforov daquela forma, mas sentia não ser necessário naquele cenário. Cochichando ao pé do ouvido, as sombras com quem tinha familiaridade concordaram com sua ideia de isolamento.

Usando a ponta afiada de uma faca, Yakov deslizou a lâmina na parte superior do papel pardo, deixando que a partir da abertura, Victor rasgasse o restante do embrulho. Animado, o garoto rasgou tanto o papel quanto o plástico bolha em tiras grosseiras, desesperado para ver aquele que desbancava todos os seus pertences. Feltsman, cansado da primeira semana de muitas que teria ao lado daquela criança agitada, a deixou brincar sozinha e se acomodou no sofá da sala, relendo papéis e cláusulas legais que já estavam o segurando pelo pescoço. Problemas de adultos que criança nenhuma precisava saber ou se responsabilizar.

“Vem, Gosha!” Victor chamou o amigo quando enfim se livrou de todo papel pardo. “Vem ver!!” Hesitante, porém curioso, Georgi se aproximou de cabeça baixa, espiando minimamente a grande tela que fazia Victor pular e dançar de animação. “Ela não é linda?!”

A tela nada mais era que um pôster muito antigo, emoldurado em dourado e protegido por um vidro cristalino. Ilustrando o cartaz escrito em cirílico e romano, a foto de uma jovem destacava-se bem centralizada, colorida manualmente por cima dos tons de cinza da revelação. Com uma das pernas erguidas atrás da cabeça, o Biellman parecia feito para ela, perfeito em alongamento e postura. Os longos cabelos de um loiro escuro, estavam enfeitados por uma coroa de rosas azuis e presos na altura da nuca, voando atrás da patinadora, acompanhando a rotação do spin, uma fotografia que deveria ter sido muito difícil de tirar. Os olhos semi-cerrados apresentavam um tom azul-esverdeado como os de Victor, mas somente quando Georgi se atentou ao coração projetado no sorriso da moça é que ele notou a semelhança.

“Ela era a minha mãe.” Victor sorriu encantado. Admirando o pôster como se ele fosse uma extensão do divino, até sua respiração estava mais contida, em respeito à memória falecida. “Linda, não é?” Em silêncio, Georgi apenas concordou. Com um dos dedos, Victor contornou as letras cirílicas que formavam o nome dela na altura da lâmina do patins, no topo daquele cartaz emoldurado. “Narkissa.”

No sofá, Yakov pigarreou, tentando voltar à leitura.

“O que está escrito aqui?” Georgi perguntou, apontando para as palavras em alfabeto romano na parte de baixo. Reconhecia algumas letras do que Minako havia lhe mostrado antes de ir embora, mas não era capaz de formar palavras com elas ainda. A pergunta, no entanto, fez o sorriso de Victor crescer e seu brilho duplicar; ele amava aquele jogo de palavras estrangeiras e já as tinha como lema próprio.

Life and Love” murmurou, como uma oração solene. “Foi o tema dela uma temporada antes de se aposentar. Me falaram que a plateia toda chorou junto com os jurados, porque admiravam ela por toda União Soviética e até na América!” Georgi deixou o queixo cair. Ele podia jurar que esse amor por patinadores era apenas estendido a Oleg, mas sendo Victor filho do Nikiforov, era compreensível ter nascido de dois grandes atletas. “Todo mundo amava a minha mãe!”

Saber de tantas pessoas adulando a existência de Narkissa Nikiforova, deixou Georgi levemente enciumado. Sua mãe podia não saber patinar profissionalmente, mas todos no Bolshoi e fora dele amavam sua gentileza e personalidade amável. Se Narkissa era digna de admiração, Margosha também seria.

“Todo mundo ama a minha mãe também, lá onde ela trabalha.” Surpreso, Victor saltou, ainda cuidando do pôster. Por não ter a matriarca por perto, qualquer assunto envolvendo mães o deixava interessado.

“Você tem uma mãe?! Amazing!!” Caindo em si, Georgi percebeu não ter falado sobre a mãe uma vez sequer em toda aquela semana. Aquilo era imperdoável! “E você tem alguma foto dela?! Eu posso ver?!”

Percebendo a oportunidade de se redimir pela desfeita em ter mantido a existência de Margosha oculta a Victor nos últimos dias, Georgi correu ao quarto compartilhado e voltou trazendo a caixa de sapatos abraçada contra o peito. Aquele tesouro geralmente não era compartilhado com ninguém, mas já que Victor havia lhe mostrado com tanta empolgação um de seus mais preciosos pertences, Gosha estava encarando aquilo como uma boa troca.

Escolhendo entre todos os cartões e fotos recém-reveladas, preferiu escolher a fotografia da última visita de Margosha a São Petersburgo, no rinque de patinação onde Georgi competiu na categoria infantil. Ele adorava aquela foto, porque tinha gelo, roxo em seu figurino e, logicamente, sua mãe, tudo o que mais amava no mundo em uma só imagem.

“O nome dela é Margosha, significa pérola.” Georgi falou, acrescentando todas as informações que pensavam serem válidas para ciência de Victor. “Ela tem um par de brincos de pérola também, que sempre usa em ocasiões especiais.”

Os olhos de Victor estavam escancarados como seu sorriso, brilhando de admiração e inveja infantil. Por um momento, imaginou Narkissa e a si mesmo naquela imagem e isso o emocionou. Atento ao rosto de uma mãe que não era a sua, Victor deixava-se admirar cada traço da mulher sorridente, achando adorável as bochechas proeminentes coradas e como ela parecia quente e acolhedora como imaginava que Narkissa deveria ser. Os cabelos pretos também era muito bonitos, curtos e de ondas bem marcadas, diferentes aos compridos e lisos cabelos de Narkissa. Diferentes inclusive aos de Georgi.

“Você não se parece com ela.”

Georgi quis puxar a foto e guardar no mesmo instante.

“Nem você com seu pai, Victor.” Yakov chamou-lhe atenção, estando ao lado de Popovich quanto a indelicadeza do garoto.

“Que bom!” todavia, para ele, não existia elogio melhor que aquele. “Eu me pareço com a minha mãe, sou a cara dela, todo mundo diz isso, menos na cor do cabelo!” Olhando para Georgi, percebeu ali uma leve semelhança entre ele e o filho de Margosha; se a única semelhança entre ele e a mãe era o tom negro das madeixas, então… “Você deve ser parecido com o seu pai, Gosha!”

Aquela constatação não era exatamente o que Georgi queria ouvir, já que ele não tinha lá muito interesse em saber de uma pessoa fora da família que sempre conheceu, muito menos Yakov gostou de ouvir o caminho perigoso no qual os pensamentos infantis estavam seguindo.

“Georgi é mais parecido com a mãe do que imagina.” Tentando salvar aquela conversa, Feltsman entrou no meio dela, jogando cartas favoráveis a Popovich. “O jeito de falar, a forma como se organiza, a gentileza, tudo isso ele saiu à Margosha. Aparência nem importa, no final.”

Ouvir tudo aquilo logo de Yakov fez o garotinho sorrir, muito feliz com a comparação. Victor que não havia entendido nada, fez questão de expressar sua confusão.

“E como sabe isso tudo?”

“Fui eu quem criei a mãe de Georgi, sou pai dela.”

Nikiforov não compreendeu a princípio aquela informação, traçando mentalmente uma linha que ligasse todas as explicações possíveis. Seu parentesco com Margosha estendia-se a Georgi? E se sim, então aquilo significava que seu novo amigo era neto do técnico…?

“Você é o avô do Georgi?” Ele não conseguiu disfarçar a estranheza na voz. “Credo! Você é velho, mesmo!”

“Agradeço pela parte que me toca” resmungou, lembrando mentalmente que ele estava tratando com uma criança, por mais desagradável que essa pudesse ser.

“Gosha, quer ver as fotos de quando minha mãe patinava?!” perguntou, esquecendo-se de Yakov e voltando a focar em assuntos realmente interessantes para ele. Como na maior parte das vezes, Georgi respondeu com um aceno silencioso. Sabendo buscar em meio a bagunça os álbuns que tinha guardado nas caixas de papelão, não demorou para Victor voltar com suas revelações preferidas. “Essas aqui são da temporada do Life and Love! Eu peguei todas escondidas do meu pai!”

Popovich não entendia porque Victor tinha uma opinião tão contrária a Oleg, mas mesmo assim acabou rindo da forma como ele contou aquele pequeno delito. Yakov, que sempre falava sobre a importância de se obedecer a adultos, tampava os ouvidos quanto a Oleg, como se ele também tivesse um problema com seu antigo pupilo. O que as pessoas tinham contra ele?

Páginas e mais páginas foram viradas, repletas de inúmeras fotos que acompanharam em cliques as performances de Narkissa, seus spins perfeitos aos olhos de Victor, que garantia com toda convicção do mundo serem a marca registrada da mãe. Registros fotográficos da patinadora nos treinos, em entrevistas, nos aquecimentos antes das apresentações, até finalmente estar centralizada em meio a equipe que lhe dava todo o suporte para ser a esportista de grande calibre que era. Atentos a todos os rostos daquele registro de 1985, ambos levaram os dedos à superfície fosca ao mesmo tempo, gritando em um coro quase combinado:

“Olha a minha mãe!”

“É a mamãe!”

Os dois meninos trocaram olhares espantados, cada qual apontando para um canto da imagem. No centro, obviamente, estava Narkissa, a estrela destacada entre as demais pessoas comuns. No canto, onde apenas a cabeça se fazia enxergar, sorria Margosha Popovevna. Sabendo o que estava por vir, Yakov abaixou os papéis para perceber os dois pares de olhos o encarando com surpresa e dúvida. Se existia alguém que saberia explicar aquela imagem, teria de ser Feltsman.

“Qual a surpresa?” zombou falsamente, fingindo que seu remexer na cadeira não era pelo desconforto do mudo interrogatório infantil. “Antes de costurar para o Bolshoi, sua mãe trabalhava fazendo figurinos para os patinadores da região.”

“Verdade?!” Georgi estava maravilhado. Aquilo era ainda mais maravilhoso e internamente, o fazia sentir-se bem por ver que sua mãe tinha um histórico profissional bem mais interessante ao de Narkissa. Nikiforova podia estar centralizada no primeiro banco, mas era só o rosto de Margosha que Georgi conseguia ver.

“E ela fez as roupas da minha mãe?!”

“Algumas, sim.” Georgi estava adorando ver Victor maravilhado com Popovevna.

“Elas eram amigas?” quis saber Victor.

“Não, apenas trabalhavam juntas.”

“E por que pararam?” Quis entender Georgi.

Respirando fundo e pesadamente, Yakov procurou simplificar a resposta - contar tudo na íntegra era demais até mesmo para ele que era um adulto. Pensando bem, ele jamais teria estômago para lidar com o passado e, pois mais doloroso que fosse admitir, Lilia estava certa em acusá-lo de estar sempre fugindo.

“Porque as duas engravidaram de vocês, e já não podiam mais continuar no trabalho. É difícil fazer spins com uma barriga saliente, e muito cansativo costurar com todas as mudanças que uma gravidez causa, por isso elas pararam.”

Victor ouviu tudo com cuidado, voltando a olhar para a foto. Folheando as poucas páginas restantes e buscando em álbuns menores os registros da temporada seguinte, ele enfim se deu conta de que não tinha nenhuma imagem daquela época, a única em que pode estar ao lado de Narkissa - ou dentro dela.

“Eu não vi a minha mãe grávida...” lamentou, notavelmente triste. Pensava ter todas as fotos possíveis dela, mas a mais importante ele não tinha.

“Eu também não.” O lamento de Georgi não era o mesmo de Victor, mas ele estava igualmente decepcionado. Se ele perguntasse, a mãe teria alguma foto grávida para mostrar?

“Muito bem.” Feltsman os chamou, erguendo-se do sofá. “Vou preparar a janta enquanto vocês arrumam a bagunça que fizeram. Se não terminarem tudo até o horário de servir, ninguém come.” foi o ultimato. Temendo perder a refeição, Georgi se abaixou e começou a amassar toda a bagunça de papel e plástico em um bolo para jogar fora. Victor, pelo contrário, não deixaria que a última palavra fosse a do técnico, não sem antes provocá-lo um pouco.

“Quando minha mãe estava grávida de mim, a barriga dela ficou saliente como a sua?” Georgi se escondeu atrás do papel picado, apenas observando os pequenos olhos de Yakov apertarem em direção a Victor. “É brincadeira!”

“Sem janta para você.”

E ele havia dito com tamanha seriedade, que só podia ser verdade.

“Mas é brincadeira!!” Nikiforov desesperou-se e seu nervosismo não o deixou ver Feltsman piscando para Popovich.

Georgi sabia que era errado, mas apenas daquela vez ele iria contribuir com o pai de sua mãe. Havia prometido à Margosha ser bom para Yakov, afinal de contas.

.:.

A primeira vez que Georgi viu Victor patinar, achou que estivesse sonhando, era a única explicação. A forma como se movia, a leveza dos movimentos e a delicadeza com a qual as lâminas deslizavam sobre a superfície gelada, sequer  parecia marcar o chão. Victor era como a extensão do próprio gelo, uma palidez que refletia no laminado do patins e se estendia até os fios de cabelo do mesmo tom pálido, quase mágico, e Georgi amava magia. Amava, pois presenciar tanto encantamento projetado em outra pessoa, o estava deixando melancólico…

Ver a admiração nos olhos de Yakov, o fez invejoso logo depois.

Não tinha nada contra o outro menino e isso ele podia jurar pelo nome de sua amada mãe. Os dois inclusive dividiam alguns segredos e descobertas, como quando haviam juntos visto a estranha mania de Yakov em vestir a aliança de quando era casado quando estava nervoso, guardando juntos o segredo do esconderijo do anel — terceira gaveta da cômoda, dentro da caixa de conteúdo desconhecido e que eles jamais ousariam mexer —, mas Victor tinha trazido algo diferente com sua presença, mais do que sua luz incandescente, um tipo muito peculiar de sentimento, nunca presenciado por Georgi em sete anos de vida. Ele ainda estava tentando adivinhar o que era.

"Victor!" chamou Yakov, em um dos treinos. Popovich, embora excluído do chamado, parou com o exercício para ouvir o que queria o técnico. "Vamos tentar um duplo flip, hoje."

Um duplo flip! Um salto com não apenas uma volta simples, mas duas! De acordo com suas pesquisas baseadas na quantidade infinita de perguntas sobre Oleg Nikiforov, o próprio havia conseguido fazer um daqueles com apenas quatro anos, e Georgi acreditava piamente, é claro. Avançar para um grau de dificuldade maior de tudo o que haviam treinando há meses era incrível, o começo de seus aprimoramentos para crescerem como grandes patinadores, um passo mais perto de ser como Oleg!

"E eu, treinador?" Georgi perguntou, não muito certo de seu sucesso em esconder a expectativa.

"Continue treinando o sit flip, a execução ainda está dura."

Duro foi ouvir aquelas palavras e ter de engoli-las a seco, sem o auxílio das lágrimas que já não podia mais chorar no silêncio do quarto. Uma semana passada intercalando exercícios de alongamento com o sit flip e Georgi ainda não era capaz de executá-lo com a fluidez necessária, frustrando a criança que buscava o isolamento para lamentar consigo mesmo. Enquanto isso, Victor não somente desenvolvia com perfeição passos cada vez mais elaborados, como também possuía uma evolução invejável.

Georgi estava com inveja.

Mas era claro que logo o filho de Oleg conseguiria, herança genética com a qual Victor havia sido o sortudo sorteado, como um herói escolhido nas populares jornadas do herói. Contrário ao tom prata dos cabelos, ele havia herdado o sangue de ouro do pai, trazendo nas veias a magia a qual Georgi infelizmente não fora contemplado. Mesmo assim, ele lembrava de Nikiforov dizendo ter um filho que não patinava tão bem quanto Gosha e, a não ser que a família Nikiforov tivesse mais um herdeiro de seu pódio, Popovich iria se apegar àquela certeza. Engolindo a tristeza, Georgi voltou a focar no sit flip.

Até o fim do treino de sexta-feira, com chamadas berradas e a preguiça de Victor sendo bronqueada incansavelmente por Yakov, o garoto já tinha executado um duplo Axel com relativo sucesso; Georgi, por sua vez, por mais concentrado que estivesse e queimados que conquistasse com o atrito no gelo, continuava preso ao sit flip.

“Bom trabalho hoje!” Yakov cumprimentou e daquela vez Popovich duvidou que o elogio se estendesse a ele. “Vamos para casa!”

Diferente do amigo que consigo guardava todos os receios, Victor saltitou até a saída do rinque com a cerrilha picando o gelo, fazendo do rastro frio uma extensão de seu brilho, lascas faiscantes como pó de fada. Seguindo o mesmo caminho, Georgi ainda espiou atrás de si, pensando se suas lâminas deixavam algum tipo de rastro mágico como aquele. No fim, nada de pó encantado, mas algo mais silencioso e discreto, projetadas sem alarde ou encantamento; sombras. Pelo menos delas, Georgi gostava.

Para seu alívio, o sábado chegou, o dia em que ele poderia ligar para a mãe e contar com ela para acalmar seu coraçãozinho confuso com palavras amáveis e acolhedoras que o faria sentir-se no apartamento de Moscou, com kasha-gohan e aquecedor estalando. Liberado para fazer o tempo de ligação que quisesse, Yakov tratou de deixá-lo sozinho com o telefone no quarto ocupado pelo técnico, puxando Victor para longe, preservando a privacidade de Georgi. O menino era sempre tão organizado e obediente que era o mínimo que Feltsman podia fazer por ele.

As ligações para Margosha tinham sempre um preparo todo especial, começando pela escolha de boas e perfumadas peças de roupa - embora ela não pudesse vê-lo, Georgi gostava da ideia de estar bem apresentável. Devidamente penteado e vestido, ele escolhia sua foto preferida e fechava-se no quarto, sentando-se no chão, encaixado no vão formado entre cama e escrivaninha, sentindo um estranho acolhimento no espaço limitado. Finalmente pronto, Georgi esticou um dos dedos à base numerada e um número por vez, girou a combinação que o ligaria a Margosha.

Três chamadas antes dela atender. Nem duas, nem quatro; exatamente três. Toda vez era assim e aquela rotina de ligações o acalmava com a certeza de que independente de quanto tempo passasse longe da mãe, nada mudava entre os dois. Ouvir o fone sendo tirado do gancho apenas confirmava isso;

“Margosha falando” a voz feminina atendeu, mesmo o timbre animado indicando que ela já sabia de quem se tratava.

“Sou eu, mamãe!” Feliz, Georgi sorriu para o rosto de sua mãe na foto, saudoso da recordação trazida naquele registro de quando morava em Moscou.

“Gosha! Eu estava esperando sua ligação!” Emocionado com a empolgação de Margosha, Georgi segurou a respiração para evitar o choro logo no começo da conversa. “Como foi sua semana?”

“Você primeiro” pediu, ansioso por ouvi-la mais, guardar sua voz chiada da ligação longínqua na memória, saber de sua semana e imaginar a si mesmo em todos os cenários percorridos por Margosha.

Rindo - o que para ele era algo semelhante ao som angelical de sininhos agudos e suaves -, ela não questionou a insistência do filho, e Georgi foi grato por isso.

“Pois bem… Minako mandou uma carta dizendo estar morrendo de saudades e que não vê a hora de te assistir na televisão nas competições! Ela também abriu um estúdio de balé, acredita? Concluiu as reformas tem pouco tempo e mandou algumas fotos, você iria adorar vê-lo, Gosha, é uma graça!” Pessoalmente, ele já estava adorando ouvi-la tão empolgada. “Ah, você lembra daquele bebê, filho de uma amiga de Minako, aquele que vimos as fotos, Yuuri Katsuki? Acredita que ele já tem três anos?” Sem resposta, Margosha fez uma pequena pausa para rir e continuou. “E o Bolshoi também  já começou a providenciar as peças da próxima temporada e eu ficarei na equipe responsável pelos figurinos de Dom Quixote e Anna Karenina! Acho que você ia gostar, Gosha, não tem muito roxo, mas o coreógrafo pediu muito brilho e encomendou uma infinidade de paetês!” riu ela com a lembrança. “Yulia quer tentar um solo nas outras peças, aliás!” Margosha interrompeu a si mesma para adicionar uma informação extra. “Ela te mandou um beijo! Está com treinos extras essa semana e não conseguiu vir. Também mandou dizer que sente sua muito a sua falta e que é para vir logo que ela está te esperando com pacotes e mais pacotes de caramelo!”

“Também sinto falta dela…” murmurou, pensando assim conseguir disfarçar o tom choroso. “E de você também, mamãe.”

“Gosha?” Ouvi-la o chamando tão preocupada enquanto seus olhos viam-na sorridente na foto, causou uma mistura confusa de todos os sentimentos sentidos antes e sofridos agora, que pioraram o nó na garganta. “Filho, o que aconteceu?” Não conseguindo mais conter o turbilhão emocional, Georgi escondeu o rosto nos joelhos dobrados e apertou a foto s mãe contra o peito, desejando que somente aquilo pudesse compensar todos os abraços roubados pela distância. “Georgi, por favor, conte para a mamãe… Se não me falar, precisarei falar com Yakov…”

“Por favor, não fala!” implorou exasperado e Margosha sentiu-se culpada pela reação dolorosa. “Eu não quero que ele se preocupe…”

Para Georgi, bastava dar preocupação para a mãe.

“Ele se preocupa porque se importa com você, todos nós nos preocupamos. Não tem problema nenhum pedir ajuda quando precisamos dela.” Escolhendo as palavras certas, Margosha tentou persuadi-lo. “Foi o Victor?”

Ele sempre se impressionava em como a mãe sabia sobre tudo. Ela devia mesmo ser mágica.

“Eu não posso dizer” murmurou com a voz ainda oscilante.

“Por que não?”

“Porque é um segredo” explicou. “Ninguém pode ouvir.”

“Então fale em voz baixa, só pra mamãe saber.”

Olhando ao redor, Georgi vasculhou os arredores para confirmar novamente a solidão do ambiente antes de abrir com cuidado o pequeno coração. A solução parecia boa o bastante para o assunto não sair daquele quarto, ou daquela ligação. Ele esperava também que as orelhas daquelas paredes não pudessem ouvi-lo - era isso que significava o ditado sobre a parede ter ouvidos, que Feltsman sempre dizia para eles, não?

“É que ele brilha, mamãe” sussurrou com dificuldade. O nó em sua garganta apertava mais e mais conforme falava, o fazendo sufocar por aquele sentimento engasgado. “Victor brilha tanto!” Terminada a confissão, Georgi sentiu o aperto afrouxar, recuperando o fôlego que fez escapar soluços e lágrimas. “Às vezes eu nem consigo olhar direto para ele, porque meus olhos doem!”

Margosha fechou os olhos, sendo ela a esconder os sentimentos dessa vez. Queria poder estar ao lado dele, queria abraçar o filho e mantê-lo firme em seus braços até toda a dor, dúvida e medo de Georgi serem absorvidos por ela. Infelizmente, a única imagem de Georgi ao alcance de seus dedos era a foto que segurava enquanto ouvia o filho chorar.

“Eu queria ser como Oleg Nikiforov, mamãe, mas acho que essa chance já é do Victor!” lamentou entrecortado pelos soluços. “Só que não é justo! Ele quer ser como a mãe dele, então por que eu não posso ser como Oleg? Por que Victor tem que ser os dois? A gente não podia dividir?” Para suas dúvidas, não parecia haver resposta. “Mas ele também é tão bonito que até me sinto errado em sentir tudo isso.”

Por longos minutos soluçados, Georgi não ouviu nada vindo da mãe, até a voz igualmente embargada respondê-lo:

“Você sempre brilhou, para mim...” sussurrou, tentando manter o acordo do segredo inicial. “E mesmo que Victor tente, ele jamais será como a mãe, ou você como Nikiforov, porque vocês são pessoas diferentes, que aprendem de forma diferente. Vocês podem se inspirar, podem tentar imitar alguns passos ou figurinos, mas jamais serão iguais e isso é lindo!” Curioso com aqueles argumentos, Georgi apenas ouviu. “Lembra daquela apresentação em outubro do ano passado? Dos aplausos, dos elogios, da matéria na televisão? Nenhum foi para Nikiforov; eles foram para você, Gosha… Você não brilha como Oleg ou como Victor, porque nasceu brilhando como Georgi Popovich.”

“Mesmo nas sombras, mamãe?”

Deixando evidente suas lágrimas, Margosha chorou alto e claro, apertando a foto do filho como bem o faria se ele estivesse a sua frente.

“É nas sombras que sua luz brilha mais.”

Confuso pela comoção, Georgi olhou para si mesmo e procurou por algum rastro luminoso. Não podia ver muita coisa - na verdade, não podia ver nada -, porém ele confiava na mãe e, se Margosha via no filho tanta luz, o mesmo era recíproco.

“Você também brilha para mim, mamãe, bastante! Só que o olho não dói!” Feliz e aliviado, ele a ouviu rir do outro lado da linha.

“Fico feliz, Gosha…” Igualmente contente por ouvi-lo mais calmo, Margosha sorriu para o apartamento vazio. “Não deixe que nenhum brilho alheio apague o seu, ouviu bem?”

“Eu prometo.” E não existia nenhuma dúvida naquela afirmação, mesmo com as pequenas inseguranças ainda presentes.

“Você pode chamar Yasha para mim, agora? Eu precisava falar com ele sobre um assunto chato de adultos” brincou, mudando o tom completamente. “Nos falamos mais tarde.”

“Tudo bem, mamãe…”

Secando as lágrimas e achando que os olhos vermelhos não seriam o bastante para denunciar seu choro, Georgi pousou o fone cuidadosamente ao lado do aparelho e deixou o quarto para chamar pelo técnico, que se apressou para atender a filha e convenientemente fingiu nada reparar. Entediado estirado no sofá, Victor brincava de assoprar a franja do cabelo prateado, até perceber Georgi se aproximar e recuperar a disposição imediatamente.

“Já falou com a sua mãe, Gosha? Ela está bem? Já podemos brincar?” Victor despejou as palavras de forma atropelada, interessado no assunto mãe e em poder ocupar seu tédio com algo divertido ao lado do amigo.

“Vou falar com a mamãe de novo, depois dela falar com o técnico Yakov…” murmurou tímido, evitando olhar diretamente. Tinha medo do brilho de Victor romper de seu interior e estourar por todo apartamento. “Mas podemos brincar aqui enquanto esperamos, Vitya.”

“Ótimo! Meu pai mandou um quebra-cabeças novo de mil peças, não é demais?!” O garoto saltava enquanto falava, pensando ser mil a maior contagem numérica que podia existir. “O técnico Yakov disse que se eu terminar de montar nesse fim de semana sem dizer nenhuma palavra, posso deixar o cabelo crescer!”

Popovich sorriu para a empolgação do amigo e procurou lembrar das palavras da mãe, exercitando a ideia da beleza existente no que o fazia diferente dele e de todos ao redor.

Percebeu, parte ciumento, parte admirado, que Victor ainda brilhava. Contudo, com as palavras de Margosha em mente, Georgi contentou-se com a ideia de que sua mãe brilhava mais.

.:.

Os pés de Yulia passaram da fase de dor, para ausência total de tato; tudo o que ela sentia naquele momento, era o pulsar no meio da sola, latejando todo o esforço feito ao longo das horas, um exigente e repetitivo treino que mostraria seu impacto ao somar calos nos dedos deformados. A beleza da dança cobrava seu preço em aparência,porém, contanto que a sapatilha escondesse as ataduras, ela não teria do que reclamar. Ou talvez tivesse, estando condenada ao corpo de baile pela segunda temporada consecutiva, culpa provavelmente de Nikiforov e seu dedo podre, enfiado em todo tipo de assunto que não lhe dizia respeito, uma incômoda ferida que aquele maldito não deixava cicatrizar. Yulia jamais pensou que sentiria tanta saudade de Lilia.

Divididas em dois grupos, as bailarinas da primeira listagem foram dispensadas para um rápido intervalo e, enquanto a segunda turma retomava da cabeça a valsa de Copelia, Yulia aproveitou para bater a ponta de gesso contra o piso, em sua barulhenta corrida até a sala de costura, e distrair-se com a companhia de Margosha, interrogá-la quanto as novidades sobre Georgi e por fim estender o convite de Nikolai à ela, um sábado que prometia estar regado a piroshki e salada olivier. Infelizmente, sem Minako e Popovich por perto, os espaçados encontros de final de semana não tinham a mesma graça e era sempre uma tristeza olhar para os lugares vazios na mesa. Por vezes, Yulia tirava toda louça dos armários e esvaziava as gavetas de talheres prateados, mal acostumada com a casa cheia. Habituada com aquela rotina, era melancólica que ela guardava os pratos extras, sofrendo em silêncio a falta sentida por todos.

Entrar na sala de Margosha, era uma forma de manter um pouco do passado naquele presente estranho, resgatar a boa sensação que era se ver cercada de rolos de tecido e almofadas de alfinete que volta e meia ela sentava em cima. Pequenas tragédias à parte, a sala do figurino estava sempre repleta de risadas infantis por parte de Georgi e a recepção de Popovevna vinha sempre com um bom humor que tilintava com seus sorrisos gentis e amabilidade acolhedora. Era como um pequeno lar dentro do Bolshoi, um refúgio que Yulia assumia o egoísmo de não dividir com mais ninguém.

Chegando à sala, Plisetskaya percebeu antes de segurar a maçaneta, que seu oásis preferido não existia mais naquele teatro. Dentro da sala, escondida atrás de um figurino de bordado incompleto, Margosha chorava em silêncio, e todo o cômodo parecia chorar com ela. Fechando a porta e trancando-se junto a tristeza, Yulia se aproximou da amiga e ofereceu seu ombro como apoio, acabando abraçada a costureira e com ela dividindo a dor coletiva que era a ausência de Georgi.

“Às vezes eu olho para aquela arara e fico esperando ele sair dela” riu baixo, recordando das tentativas de susto que ela sempre fingia cair. “E eu espero, espero… Mas Georgi nunca sai.”

A única resposta possível para a costureira, eram os soluços contidos e lágrimas cada vez mais abundantes.

“E eu também não tenho mais a Minako para incomodar com minhas reclamações” completou, com um sorriso melancólico nos lábios. “Restou você para aguentar meus dramas. Não ouse fugir também, ouviu?”

Margosha aceitou o abraço enfim e apertou a bailarina, desejando também que ela nunca partisse.

Mas não era a ausência que doía em Popovevna naquele dia.

“Quão cruel é odiar uma criança?”

De todos os questionamentos que Yulia esperava ouvir da costureira, aquele sequer havia passado por sua cabeça. Desvencilhando o contato, ela olhou com atenção para o rosto chorando, esperando por palavras extras para entender o que aquilo tudo queria dizer — ou obter resposta.

“Georgi…” suspirou, esforçando-se para conter as lágrimas. “Georgi sempre foi um menino tão bom…” A afirmação fez sobressair um sorriso na expressão dorida. “Você lembra dele bebê, não lembra?” Emocionada, Yulia concordou. Ela tinha dez anos de idade e conheceu a costureira no metrô, quando foi mais rápida que o pai em oferecer seu assento para a jovem que trazia um pequeno bebê recém-nascido nos braços. Dada à conversas desde pequena, logo descobriu onde Margosha trabalhava e em como ouvir o nome do Bolshoi quase a fez gritar, parada por muito pouco pela consciência que a fez considerar a quietude do bebê. “Ele se mexia muito pouco durante a gestação e isso me deixava tão preocupada… E quando ele nasceu, então?” relembrou, rindo entre lágrimas. “Eu tinha ouvido falar que o primeiro choro dos bebês era ensurdecedor, mas Georgi? Ele sequer suspirou! E eu tive um parto tão difícil, Gosha veio a nascer quase um mês antes do tempo...” interrompeu-se, dolorosamente ciente das palavras que usaria para se culpar. “... por minha causa.”

“Margosha…”

“Mesmo assim, ele veio ao mundo sem reclamar” riu, lembrando de quando a entregaram o filho, sujo de sangue e placenta, com os olhinhos inchados bem abertos. “E não reclamou nunca. Sem chorar para comer, sem chorar para trocar a fralda… Eu chorava mais do que ele!” revelou, limpando o rosto das lágrimas que logo encharcariam a pele clara novamente. “Chorava a falta de casa, do meu pai, de vergonha… Mas aquela criança, com todos os motivos do mundo para chorar e sofrer, olhava para o meu rosto inchado e sorria, me esticando os braços e parecendo fazer de mim o mundo dele.” Atenta, Yulia ouvia a confissão emocionada sem ousar interrompê-la. “E por mais que eu tivesse tentado evitar, Georgi se apaixonou pelo gelo, como eu nunca antes vi alguém se apaixonar. Pensei muitas vezes em afastá-lo da patinação, mas ele foi privado de tanta coisa em tão pouco tempo de vida… Eu não podia arrastá-lo para as sombras junto comigo, escondê-lo do mundo como eu me escondia, então eu incentivei seus sonhos e sonhei junto; Georgi merece o centro do mais brilhante dos holofotes.” De acordo com a declaração materna, Yulia continuou assentindo em cada palavra. “E quando eu penso que finalmente meu filho está tendo a oportunidade e reconhecimento que sempre mereceu, aparece aquela criança, idêntico à Narkissa e amado só por ser um Nikiforov” cuspiu o amargor que aquele nome causava no céu da boca. “É como se Oleg tivesse escondido essa criança até agora, apenas para jogar no rinque e roubar a luz de Georgi! E de repente, Victor tem uma legião de fãs, uma herança maldita vinda da mãe, órfãos de sua estrela preferida!” A bailarina podia entender o rancor amargurando aquele coração tão machucado. “É como se ela estivesse se vingando de mim através de Victor, assombrando o gelo e punindo meu Gosha…”

“Mas Margosha,” Yulia a chamou, apertando as mãos trêmulas — de tristeza ou raiva? — entre as suas. “esse menino, Victor, é tão inocente quanto Georgi” explicou cuidadosamente. “Nenhum dos dois imagina o que aconteceu.”

“Victor já tem tudo!” Popovevna insistiu em seus argumentos. “Ele tem um patrimônio de valor inimaginável, tem conforto, tem nome, tem um pai!” Aquela era a parte que mais doía. “Georgi só tinha o gelo. Por que Victor precisava ter isso também?”

Yulia não tinha nenhuma resposta, pelo menos não a que Margosha queria ouvir. Deixando de lado o limite do intervalo e estendendo-o tanto quanto a amiga precisasse, ela permaneceu abraçada à costureira, contendo com aquele gesto o turbilhão emocional que Popovevna mantinha muito bem escondido nas sombras de seu coração. De qualquer forma, Margosha permaneceria sofrendo e amargando a culpa de sentir tanto ódio de uma criança.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Cara, eu tenho uma dó da Margosha que vocês não têm noção... Mas e o Victor?? Meu Deus, esse nenê não fez nada e já tem quem o odeie! :c POR QUE QUE EU ESCREVI ISSO? ;w;

Sou suspeita, mas amei introduzir definitivamente o Victor na história. Ele é uma criança tão fofa e pura, diria que até mais inocente que Georgi, sem grandes baques da vida, apegado à memórias não tidas ao lado da mãe e as alimentando como própria. Amo muito o nenê Vitya e acho que aqui eu posso dizer que ele foi escrito pra ti, Mileh xD

E esse mini-Gosha? Essa criança humilde e obediente, que evita dar trabalho e só quer patinar e abraçar a mãe? Que sofre em não conseguir ser como o amiguinho e acha que é ele o problema? ;^; Eu não tenho mais de onde tirar coração pra sofrer por essa creche, adotei todos, meus filhos, adeus.

Quanto a Oleg, não posso acreditar que a melhor definição para ele é o "boy lixo". Joga na caçamba que o lixeiro leva, galera, aeohoo :v

Caramba, esse capítulo foi só dor. Acho que não sobrevivo até o último. FALTA DOIS, GALERA, VÂMO FAZER RODA DE ORAÇÃO PRA ME MANDAR ENERGIA POSITIVA, UHUU /o/

As curiosidades a partir de agora serão bem menores (amém), então vamos logo para elas~

~Curiosidades~

— Apartamentos comunitários eram muito comuns no período soviético, uma vez que se pregava a igualdade entre todas as classes, um apartamento podia abrigar quantas famílias ali coubessem, independente da origem social de cada um. Assim, cada cômodo abrigava uma família e o único a ser de uso comunitário era o banheiro e a cozinha, com somente um telefone para atender todos os moradores (podia sim acontecer de cada cômodo ter sua própria linha, mas era um pouco mais difícil). Dessa morada coletiva, grandes amizades nasciam, mas nem todo mundo tinha a sorte de gostar de seu vizinho de morada. A quantidade de espaço a ser ocupado era definido no número de adultos mais o número de crianças, onde para essas era calculado metade do metro quadrado definido para morada adulta (exemplo: se um adulto podia ocupar quatro metros quadrados, para a criança seria calculado dois. Problemão quando ela começasse a crescer, né?). Com a proximidade do fim da URSS, famílias foram designadas para apartamentos próprios, mas o atualmente morado por Margosha e antes dividido com Minako e Georgi, imagino como sendo um dos antigos e remanescentes prédios de morada coletiva.

— O pneu não está naquela varanda por razão nenhuma. Ou talvez esteja. Dado o período soviético, onde dificilmente móveis e demais objetos eram dispensados, mesmo inutilizados por alguma razão, muitos russos ainda hoje possuem uma montoeira de coisas entulhadas em casa, seja em sótãos e porões para os que possuem casa, seja a sacada de seus apartamentos. Pneus são o de menos, pelas minhas pesquisas, eles acumulam até geladeira queimada e patins sem par. Só coisa útil, não é mesmo? xD

— O tempo de duração de apresentações infantis costuma ser menor aos de competições de categoria júnior e sênior, então a composição do tema da Fada Açucarada deve ter sido editado por Yakov.

— Não posso garantir que o sit flip seja uma execução difícil, isso depende muito do patinador e da preparação/habilidade dele. No entanto, o que dificulta o maior progresso de Georgi, aqui, é o fato dele sentir-se muito acuado pela presença de Victor, como podemos ver em seu desabafo com a mãe.

— A pedra que compõe o pingente de Georgi é a Pedra da Estrela. De acordo com o site We Mystic, "em sua simbologia, diz-se que mesmo na noite mais escura, as estrelas nunca deixarão de brilhar no céu." Acredita-se que ela reforça a fé, bem como a capacidade individual de enxergar uma luz no fim do túnel. Acredita-se também, que ela protege aqueles nascidos no mês de Dezembro - essa crença, se levada ao lado mais religioso, é atribuída também ao que o cristianismo crê ser o nascimento de Cristo e, sendo assim, "os astrólogos passaram então a associar a aparição de uma estrela especial ao nascimento de um rei". Ou, no caso de Georgi, de um príncipe :3 Quem aqui lembra do tema de seu programa longo? ;)

Creio que por hoje é só! Espero vocês em breve! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Carabosse" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.