Carabosse escrita por Nat King


Capítulo 10
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Agora sim, o desfecho :')

O que falar dessa história, uma das que mais mexeram comigo em todo seu processo de criação? :') Se eu falar para vocês que essa história, a princípio, seria uma oneshot, vocês acreditam? xD

Quero aproveitar o espaço para agradecer todo o apoio, incentivo e surto divididos com Mileh Diamond (sempre ela, sempre ♥️) desde o começo dessa FIC e até antes. Não sei o que seriam das minhas histórias sem essa menina, muito menos o que seria de mim. Obrigada por tudo, Mileh. Amo você ♥️

Meu agradecimento também à Dih, presenteada dessa história~ Obrigada, guria, por tudo o que eu já aprendi e cresci com você. Ainda te admiro muito e espero um dia poder olhar para trás e ver que fui capaz de superar determinado traço da minha vida, da mesma forma que você conseguiu ♥️ Amo você, menina!! Voa!! ♥️

Aos demais leitores que podem ter acompanhado essa história no modo fantasminha, muito obrigada, também!! Eu espero que vocês apreciem o epílogo! Foi feito com muito carinho ♥️

Uma última vez, boa leitura!



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Epílogo

 

Uma mansão. Por que a escolha espalhafatosa não espantava Georgi? A elegância de Victor era inquestionável — as provas estavam em todos os ensaios fotográficos assinados por incontáveis grifes que ainda faziam do russo seu modelo não oficial preferido —, mas aqueles traços de exagero pomposo e, por que não dizer?, brega, acompanhavam Nikiforov desde que os excessos se faziam socialmente aceitáveis, isso na infância dos dois.

Despertava um sorrisinho de vergonha alheia e certo saudosismo notar ainda ser possível reconhecer seu velho amigo, o pequeno Vitya de arcada dentária incompleta, em todos os arranjos desproporcionalmente grandes decorando cada canto disponível do caminho de cascalhos brancos ao casarão alugado. Se Yuuri Katsuki — em breve um Nikiforov —, havia escolhido alguma coisa naquele casamento, certamente estava escondido em algum lugar por debaixo de todas aquelas flores.

“Parece caro…” comentou Maria, os olhos castanhos ainda mais arregalados assim que a fachada iluminada se fez totalmente visível. A decoração podia ser repleta de excessos, mas o local da cerimônia, afastado de todos os possíveis olhos curiosos e lentes fotográficas não autorizadas, dizia o bastante sobre a reserva do casal naquele dia tão aguardado.

“Com toda certeza é caro,” riu Georgi, deixando o carro antes da esposa poder fazê-lo, tomando o cuidado e gentileza de abrir sua porta e oferecer a mão para ampará-la.

“Dá até medo esbarrar em alguma coisa, quebrar e precisar pagar na saída,” divertiu-se ela, aceitando o braço dobrado no qual logo se abraçou. Havia levado certo tempo para Maria entender e se acostumar com o cavalheirismo natural de seu agora marido, e ainda mais tempo para Georgi convencê-la de que pequenos atos como aquele nem sempre eram oferecidos com segundas intenções.

O vento leve fez tremer as folhas das árvores rodeando a construção suntuosa e as pétalas azuis e brancas dos arranjos de mais de dois metros de altura. O verão moscovita não era o bastante para mantê-los aquecidos durante as noites claras, de modo que antes que Maria pudesse sentir-se arrepiar pelo frescor repentino, Georgi já estava cobrindo seus ombros com um meio abraço protetor. Sorrindo de lado para o gesto feito por puro reflexo, ela se aconchegou mais naquele abraço, encostando a cabeça na lateral dos ombros de Georgi. A falta de centímetros incomodava Maria quando ela não conseguia alcançar prateleiras com mais de um metro e setenta, mas para aquele tipo de carinho, era sempre bom ser pequenina.

“Precisa que eu segure sua bolsa?”

Aquele tipo de pedido cuidadoso, no entanto, não pôde ser visto com olhos apaixonados e Maria reagiu rindo alto àquela oferta que já era um exagero.

“Não, Gosha, eu posso muito bem carregá-la.”

“Tem certeza?” O bom humor da esposa não foi capaz de atenuar sua preocupação sincera, visível no leve tremor dos olhos azuis. Como não se compadecer daquele olhar?

“Tenho sim, Georgi Popovich, sei que carregar uma bolsa contendo nada mais que um celular e documentos possa parecer difícil, mas eu sou muito forte!” brincou, erguendo um dos finos braços e forçando-o a projetar os bíceps em nada torneados. “Viu?”

Divertindo-se com as piadas da esposa, a preocupação de Georgi foi minimamente dissipada por um sorriso mais largo, antes que ele pudesse depositar um beijo carinhoso no topo dos cabelos penteados.

“Você também está levando os convites, Maria Popovevna.”

“Tem razão, eu tinha me esquecido que o envelope pesa quinze quilos, você está certo.”

“Masha!”

Georgi não queria rir; o atual estado da esposa inspirava cuidados e ele não se perdoaria se ela acabasse se machucando por conta de algo simples que poderia ter sido evitado caso tivesse intervido a tempo, mas ficava difícil manter a seriedade de cumprir com todos os itens da lista médica recomendada, quando Maria continuava sendo a razão de seu riso fácil.

Percebendo o conflito interno de Georgi, Masha deixou de provocá-lo para tocar no rosto pálido, tentando acalmá-lo com o gesto. Deixando de caminhar até a entrada, ela permaneceu ali, olhando em seus olhos com todo o carinho do mundo e sorrindo de forma tão quente, que era impossível não sentir-se em casa ao lado dela, independente de onde estivessem, fosse de pijama em um fim de semana qualquer, fosse vestidos à rigor para o casamento que logo aconteceria ali.

“Não precisa se preocupar, Georgi…” disse calmamente, o tom acolhedor conseguindo acalmar pelo menos um pouco as preocupações que não o deixavam desde aquela notícia. “Não faria nada que pudesse te preocupar ou machucar nossa menina.”

Maria até poderia ser a gestante, mas era o emocional de Georgi que seguia cada vez mais sensível. Livros sobre paternidade, sites de decoração, pesquisas intermináveis em busca de mobílias para o quarto da bebê; Popovich havia se tornado o rosto mais presente em feiras e workshops destinados à gestantes e, em poucos meses, já tinha dominado a arte do conhecimento em fraldas e tipos plásticos nocivos à saúde de crianças recém-nascidas.

Por trás de tanto exagero — ele não podia condenar Victor, afinal de contas… —, morava a preocupação de um pai de primeira viagem, o receio em como o mundo estaria para recebê-la e em como eles estariam para recepcionar a mais ilustre das visitas. Queria que ela se sentisse amada, queria poder fazer com que todo o amor que não cabia dentro de si, fosse compreendido pela filha desde antes do primeiro contato em si.

“Será que eu estarei pronto até lá?” Aquela era a maior dúvida de Georgi, a fraqueza e preocupação que ele sempre deixava escapar.

“Acho que isso a gente acaba descobrindo junto com ela, papai.” Aquelas palavras conseguiam apaziguar o medo e emocionavam-no tanto, que as lágrimas ameaçavam mais um acesso de choro. Maria não conseguia sequer imaginar como seria quando chegasse a hora de sua filha dar as caras.

Trazendo as mãos pequenas junto às suas, Georgi beijou cada um dos dedos de Maria, trocando olhares e sorrisos de carinho, acolhimento e tantos outros sentimentos que cabiam naqueles singelos, porém tão importantes, gestos. Cada momento ao lado dela era valioso. Toda alegria era imensurável.

Ou talvez fosse seu emocional, sempre tão intenso e exagerado. Quem se importava?

“Eu amo você, Georgi.” Maria certamente não.

“Eu te amo mais,” declarou-se apaixonado, guiando-a enfim em direção à entrada “Afinal, eu sou mais alto, cabe mais amor em mim.”

A brincadeira repentina arrancou o sorriso de Masha e o substituiu para a expressão mais chocada do mundo. Até a bailarina absorver o impacto da piada para rebater à altura — e se tratando dos quase um metro e oitenta do seu marido… —, o quarteto de cordas os recepcionou no florido salão principal, iluminado por candelabros de velas e cristais. Victor, com toda certeza. Georgi ainda podia se lembrar da fase O Fantasma da Ópera que havia tido junto a ele por volta dos doze anos de idade. Esperava que a referência ao musical ficasse apenas na luminária cara.

Quando Maria finalmente já tinha se recuperado da piadinha do marido e o acertava com golpes inocentes do envelope com textura em brocado, um dos cerimonialistas apareceu e, após conferir convite e lista de convidados, os guiou aos fundos da casa, onde cerimônia e festa de fato aconteceriam, em um amplo e bem aparado jardim verdejante, enfeitado com riqueza de detalhes.

Era engraçado como o casamento, mesmo composto por uma enxuta lista de convidados, parecia um evento da ISU, tendo a maior parte dos presentes, composta por patinadores e coreógrafos do meio. De onde estava, podia reconhecer Chulanont, o patinador tailandês que colecionava além de medalhas, um documentário todo contando sua trajetória — Maria particularmente adorava o filme —, dividindo uma das mesas redondas com Celestino, ex-técnico de Katsuki, o patinador latino-americano, um competidor chinês do qual Georgi não conseguia recordar os nomes, e mais um punhado de rostos desconhecidos que só podiam ser amigos de Yuuri. Até mesmo Giacometti estava ali, posando para as selfies de Phichit que não deixava de lado nenhum talher brilhante ou a costura da toalha de linho.

“Amor, aquele não é o senhor Plisetsky?”

Olhando na direção apontada por Maria, Georgi também reconheceu o velho e já bem abatido Nikolai, acomodado e sonolento embaixo de uma composição de lanternas de papel arredondadas. A visão do idoso tirou um sorriso de Georgi, que dos poucos presentes, jamais imaginaria logo Kolya entre os convidados. Ele quase se esquecia que Yuri era tão presente na vida do casal da noite.

“Por gentileza, os senhores têm o número da mesa na qual irão se sentar?” pediu gentilmente a cerimonialista responsável pelos convidados. Um exagero até na organização da festa, esse era Victor Nikiforov.

“Perdão?”

“O número, senhores, foi anexado ao convite.”

Estranhando o pedido, Georgi e Maria abriram o envelope, buscando pelo número solicitado. A não ser que não tivessem reparado antes, a numeração deveria estar ali, mas era tão estranho! Eles não se lembravam de nada do tipo!

“Me desculpe, mas esse número não deveria estar no convite?” perguntou Georgi, após não ter encontrado nada.

“Oh não, senhor, a numeração era avulsa.”

“Também não vi nenhuma numeração quando o abrimos pela primeira vez, Georgi…” virando o envelope aberto para a cerimonialista, Maria mostrou-o vazio. “Será que eu derrubei enquanto vínhamos para cá?”

“Não acho, Masha, recebemos o convite há três meses, se algo tivesse vindo, não teria passado despercebido.”

“Não há problema, posso ver onde colocá-los.” Olhando rapidamente ao redor, ela facilmente encontrou a solução para o imprevisto. “Podemos arranjar duas cadeiras extras na mesa da família Leroy, tudo bem para vocês?”

“Não precisa, Katya!” Esbaforido, Victor se aproximou correndo e por pouco seus pés não frearam a tempo de evitar que colidisse com um dos enormes arcos de rosas espalhados pelo jardim. “Não precisa, eu- Oh minha nossa…” rindo entrecortado, Victor tentava recuperar o fôlego. Atravessar o jardim em trajes e calçados que nada ajudavam, haviam conseguido destruí-lo em dez segundos ou menos. “Me desculpem, eu estava conversando com os pais de Yuuri, não os vi chegando…”

“Sem problemas, Victor, a senhorita Katya já estava para nos acomodar. A propósito, meus parabéns por hoje.” Felicitou, estendendo a mão para o cumprimento. Victor ainda levou alguns segundos olhando para a mão estendida antes de apertá-la, sem graça.

“Obrigado, Georgi.” O sorriso de Victor estava largo e emocionado. Não era preciso palavra alguma para entender o tamanho de sua felicidade. “E essa adorável moça, é sua amiga?” Brincou, piscando para Masha. Era a primeira vez que eles se encontravam e dar-se conta disso fazia Georgi sentir um pouco de culpa.

“Vitya, essa é Maria, minha esposa.”

“É um prazer finalmente conhecê-la, Maria.” O sorriso de Victor abrandou, suave e encantado. É, Georgi sabia que sua Masha tinha aquele efeito nas pessoas. “Tem cuidado bem dessa bolinha sentimental que é o nosso Gosha?”

“É um prazer conhecê-lo também, Victor, muito obrigada pelo convite. E sim, até que eu tento cuidar dele…” brincou, beijando a mão que enlaçava a sua. “Da mesma forma que ele cuida de mim.”

Pelo sorriso contido e o leve assentir compreensivo de Victor, Georgi entendeu o que o noivo — e também ele — pensava; no passado, Popovich era sempre a pessoa que levava o relacionamento todo nas costas, o trágico romântico que “amava pelos dois”. E pensar que nenhum dos dois imaginava que não eram nos excessos, tão conhecidos de cada um, que morava o amor, mas na troca equilibrada que só depois de muitos anos, ambos foram compreender… Era tudo tão mais simples do que haviam pensado!

“Isso é importante,” foi a conclusão em voz alta de Victor, uma que apenas ele e Georgi compreendiam. “Vou cobrar da mocinha se um dia ele bater na minha porta para chorar por sua causa, então fique atenta!”

Enquanto Maria ria alto daquela constrangedora revelação feita pela metade, Georgi sentiu-se corar dos pés à cabeça. Como Victor ousava contar sobre aquilo?! Havia sido apenas umas três ou quatro vezes!!

Talvez sete. Ou dez. Georgi já tinha parado de contar seus foras depois deles atingirem uma dúzia.

“Victor, onde está o outro noivo, acho que preciso dar meus parabéns e entregar seus podres em uma caixinha,” brincou — muito mais sério do que queria soar —, buscando Yuuri pelo espaço verdejante.

“Mudança de planos, Katya, esse aqui é um impostor, coloque-o para fora!” Fingindo-se alarmado, Victor empurrou Georgi em direção contrária, ganhando aquela pequena luta pela vantagem de poucos centímetros entre ele e Popovich. “Maria pode ficar, é mais do que bem-vinda, coloque-a em alguma mesa, Katya!”

Quando Georgi quase se esquecia de que tudo não passava de uma piada e começava a reclamar a inconveniência de Victor, os braços de Nikiforov pararam de interrompê-lo para abraçá-lo.

A cerimonialista observava tudo com um sorriso ensaiado, os poucos garçons não repararam muito e dos convidados mais atentos, o gesto não chamou atenção; era Victor Nikiforov, a pessoa que mesmo afastada da profissão há tanto tempo, ainda era citada vez ou outra com o apelido dos velhos tempos, extra. Ele podia chamar o Cirque du Soleil para uma apresentação especial em seu casamento que ainda não seria surpresa. Mas para Georgi, aquele abraço, claro sinal de afeto, significavam muito mais. Maria era a única que sabia disso.

“Estou feliz que esteja aqui hoje, Gosha.”

A princípio, sem saber o que fazer, Georgi olhou para Masha, antes de finalmente devolver o gesto e aceitar, além do abraço, o que aquilo revelava;

“Também estou feliz de estar aqui, Vitya.”

“Com licença, senhor Nikiforov, mas já que o senhor está aqui, poderia me dar sua opinião quanto a acomodação do casal?” pediu Katya, sabendo que se não interferisse, permaneceria como plateia única daquela cena pelo resto da noite. “Tinha pensado em deixá-los com a família Leroy, mas-”

A careta de Victor foi o primeiro sinal de negativa.

“Acho que eles estarão melhores na mesa de Yakov Feltsman, Katya.” Voltando-se para Maria, Victor recuperou a simpatia e exibiu mais um sorriso caloroso para a esposa de Georgi. “Ele está dividindo mesa com Lilia Baranovskaya, acho que ela adoraria conhecê-la.”

“Eu ficaria honrada!”

“Então temos um sim!” celebrou, bem mais contente do que com a possibilidade Leroy. “Então, Katya, posso confiar essa adorável bailarina aos seus cuidados enquanto arrasto meu outro convidado sem perguntar a opinião dele sobre isso, para cuidar de assuntos referentes a festa?”

“Eu irei adorar!” Maria garantiu antes que Georgi pudesse frustrar qualquer que fosse o plano de Victor.

“Claro, senhor Nikiforov. Deixaremos sua acomodação pronta para quando puder se juntar aos demais convidados, senhor Popovich.”

“Vamos, Gosha, antes que você me atrase.”

Eu te atrase?!” Puxado para dentro da mansão, Georgi acenou uma última vez para a esposa, vendo-a se afastar de sorriso aberto. Ela com certeza iria enchê-lo de perguntas depois.

Dentro da mansão, a movimentação era grande, uma equipe muito maior ao número total de convidados, o suficiente para fazer da intimista cerimônia, um sucesso. E assim, distraído com os uniformizados funcionários, Georgi continuou seguindo Victor, sem se dar conta dos lances de escada subidos até que seus pés tocassem o laminado do piso superior.

O noivo nada expressava, além de um sorriso oscilante e mãos trêmulas, sinais do tão aguardado casamento que em breve começaria. Georgi podia enxergar-se naquela expressão ansiosa, havia sido daquela forma quando foi sua vez de casar com Masha — isso que ele sequer teve um terço dos poucos convidados de Victor.

Pensando melhor, ele agora se arrependia de não tê-lo convidado.

“Você já deve ter percebido que na verdade eu não tenho nada para fazer, né?” brincou Victor, piada que em um primeiro momento não foi compreendida por Georgi. Ele podia jurar que aquelas palavras escondiam algum puxão de orelha por não ter sido incluído em seu casamento há um ano. “É claro que sim, contar mentiras convenientes se torna um hábito depois que as aprende.”

As memórias resgatadas de uma infância e pré-adolescência conjunta, onde Yakov os instruía a sempre falar a verdade, com exceção à TV, trouxe uma risada baixa e nostálgica a Georgi.

“Nunca mentir, a não ser que precise,” recordou Popovich, parafraseando o antigo técnico e avô.

“Meias verdades não são mentiras completas,” acrescentou Victor a memória, algo que em suas infâncias nunca fez sentido, ganhou compreensão com a idade e agora arrancava risadas.

Não havia sido um tempo repleto de flores, mas ainda assim, os bastidores dos palcos gelados tinham seu valor.

De repente ciente de algo muito sério, Victor virou-se horrorizado para Georgi, como se seu amigo de longa data estivesse usando o pior paletó de toda a história da moda:

“Mas isso não quer dizer que eu estava mentindo sobre a sua esposa, eu juro!! Eu a achei, de verdade, encantadora!!”

“Ora, Victor!” Georgi riu alto, não contendo a diversão em ver Nikiforov daquele jeito. Aquela era a hilária face do desespero de Victor Nikiforov que poucos tiveram a chance de testemunhar. “Sei que estava sendo sincero, eu te conheço!”

Um pouco exagerado, sim — Victor costumava extender a grandeza de suas palavras quando estava nervoso —, mas elogios sinceros. Georgi conhecia Vitya e também conhecia Masha; não existia pessoa que não se encantava por ela gratuitamente.

“Tem certeza?” Abrindo uma grande e talhada porta pálida ao longo do corredor, Victor adentrou o cômodo, chamando Georgi a acompanhar. “Tudo o que não preciso para hoje é mais gente para me matar.”

Mais gente? Quais foram os primeiros e como você conseguiu isso justamente hoje?”

Suspirando dramaticamente e apoiando a testa em uma das mãos, Victor aguardou um momento antes de abrir a porta dupla que abria a das sacadas para o jardim enfeitado. Era uma bela visão ali de cima e várias câmeras fotográficas e de filmagem já estavam equipadas para registrar o casamento daquele ângulo.

“Yurio foi o primeiro, aquela peste ingrata.” Indignado e ferido, Victor olhou para Plisetsky, dividindo sua atenção entre os pais de Yuuri e o avô ao lado. Os anos haviam amadurecido seu humor arredio e ele se mostrava bem mais sociável e menos defensivo. Isso, claro, quando não estava reclamando do próprio fã clube. “Movo todo meu casamento para Moscou e para quê? Para ouvir ele me criticando por ter colocado a mesa dele ao lado dos canadenses! E eu nem sei o nome dessa gente toda!”

Georgi riu para a iluminação lá embaixo, observando Jean-Jacques Leroy e a esposa Isabella ocupando a mesa ao lado junto a filha mais velha e os dois gêmeos nascidos há poucos meses. Georgi não teria se incomodado em dividir a mesa com eles, Masha certamente adoraria encher Bella Yang-Leroy de perguntas sobre maternidade com seu inglês cheio de sotaque.

“E qual o problema dele com a família Leroy? Pelo que vejo nas competições, eles se dão bem.”

“Ciúmes.” Bufando, Victor tentava desviar o estresse arrumando melhor o cabelo. Ele odiaria suar antecipadamente e precisar retocar o pó antes das primeiras fotos. “Pensou que seria o único padrinho de Yuuri, o que me leva ao outro homicida da noite.”

Divertindo-se com o relato, Georgi acompanhou o discreto aceno feito por Victor ao convidado mais carismático e significativo do passado de Katsuki.

“Fala de Phichit Chulanont?”

Shh!!” chiou alto, apavorado com a possibilidade em ser ouvido de tão alto. “Aquilo ali é um demônio com uma câmera fotográfica. Quando soube que ficaria do meu lado na hora da cerimônia, eu posso jurar, Gosha, senti a aura assassina emanando em minha direção…”

“E por que ele ficará ao seu lado…?” Sem querer tomar o lado do “inimigo”, mas Georgi conseguia entender a contrariedade do convidado.

“Foram os cerimonialistas que pediram!” Aflito, Victor pedia apoio naquele desabado. “Yuuri tem três padrinhos, Yurio, JK e o-fotógrafo-tailandês-inominável, e eu só tenho o Chris, então escolheram um padrinho de Yuuri para ficar do meu lado, para equilibrar e ficar esteticamente mais bonito nas fotos, eu só fiquei sabendo depois!”

“Na verdade é JJ.” Popovich já nem sabia mais se tentar corrigir adiantaria em alguma coisa.

“Acredita que ele me disse que aquela turma ali é formada por ex-namorados e namoradas do Yuuri e que eles formam uma espécie de squad de proteção?! E ainda me mandou tomar cuidado?!”

“Victor, ele está brincando com você!”

“Ah, claro!”

Sendo o único rindo naquela situação, Georgi voltou a olhar a festa, correndo os olhos por toda a decoração que de cima, formava graciosos e curvos desenhos como os que ele e Victor costumavam deixar no gelo quando Yakov os levava para brincar nos rinques públicos, até seus olhos pararem em Masha. Como ele a amava.

“Me desculpe por não ter te chamado para ser meu padrinho também, Georgi.”

Novamente atento a Victor, o coreógrafo foi surpreendido por aquela expressão miúda, envergonhada, mostrando Nikiforov chateado com si próprio.

“Não precisa se preocupar com isso, Victor, eu também não o convidei para meu casamento. Sou eu quem te devo desculpas, na verdade, mas já fazia tanto tempo que não nos falávamos…” Victor apenas acenou, dispensando o pedido de desculpas. Para ele, Georgi não devia nada. Era como se eles estivessem quites desde o começo.

Enquanto o quarteto de cordas trocava de composição, Yuuri mudava de mesa, deixando a agitação de seus amigos para se aproximar de uma pessoa bem mais tranquila, cumprimentando pela primeira vez na noite, Maria.

“Achei que esse dia nunca chegaria,” comentou Victor, sem deixar de olhar para o futuro marido.

“Estou tão surpreso quanto você.” Também observando a interação de Masha e Yuuri, Georgi respondeu. “Pensei que se casariam rápido, o que aconteceu?”

“Yuuri decidiu que era melhor se dedicar a patinação, primeiro, mas tenho certeza que ele fez de propósito…” Victor podia estar lamentando, mas ninguém seria capaz de mudar sua cabeça e convencê-lo de que aquela não havia sido a longa vingança de Yuuri para quando, no passado, Nikiforov estabeleceu uma medalha de ouro para o matrimônio acontecer. Péssima ideia, horrível.

“Pelo tanto que Yuuri trabalha como técnico, me pergunto se você precisou abrir um espaço na agenda dele para casarem,” provocou, divertindo-se com o muxoxo de Victor.

“Falei que se não nos casássemos agora, não nos casaríamos mais.” Mexendo novamente na franja, ele revelou a razão de tanta pressa. “Já não dá mais para esconder as minhas entradas, estou igual a Yakov.”

“Não é para tanto, Vitya, Yakov pelo menos ainda tem o que pentear.”

“O que foi que você falou?!”

Não havia sido com aquela intenção que Georgi tinha comentado, mas todo o drama que se seguiu daquele desentendimento acabou levando os dois a rir, chamando atenção da equipe de filmagem nas sacadas ao lado. Os poucos que ali estavam até deixaram as câmaras para trás depois da cena.

“Não se preocupe, Victor, você está ótimo, você continua ótimo, tenho certeza que todo mundo acha isso.”

Resmungando qualquer coisa, Victor decidiu que era melhor mudar de assunto.

“Agora quero saber de você, foi preciso se humilhar como eu para se casar com Maria, ou só eu me apaixonei por uma pessoa sem coração?”

“Oh não, no meu caso foi ela quem pediu a minha mão.”

Pela expressão de Victor, aquilo havia sido a coisa mais bonita que tinha ouvido no dia, acima de qualquer felicitação.

“Eu acho que minha simpatia instantânea por sua esposa, acaba de virar amor.” Aquilo vindo de Victor era um elogio. “Finalmente, Georgi! Depois de tanto relacionamento horrível-”

“E eu fui o único, não é, Victor?”

“Estou dizendo que fico feliz por você!” exasperou, sabendo estar em um péssimo dia para raciocinar com calma. Georgi entendia, mas estava se aproveitando da situação para rir um pouco.

“Eu sei, Victor! Também estou feliz por você!”

No meio das risadas, ambos perceberam a careca de Yakov reluzindo em suas direções — Lilia jamais deixaria o ex-marido usar chapéu em um casamento —, provavelmente cogitando ir até onde eles estavam para puxar a orelha de cada um. Agindo como as duas crianças que um dia foram, Georgi e Victor se encolheram e correram se esconder dentro do cômodo, contendo os sorrisos por trás das mãos, segurando as risadas. Qualquer que tivesse sido a distância e o tempo os separando, não parecia fazer diferença em suas afinidades.

“Tudo bem, acho que depois disso, precisamos voltar, ou levaremos uma bronca, e eu não quero isso, não depois dos trinta.”

“Acho justo, Georgi, mas antes-”

“Antes eu gostaria de te contar uma coisa.” Georgi foi mais rápido, sequer notando a seriedade e hesitação que de repente havia tomado o tom de Victor. “Bem, temos muito o que colocar em dia-”

“Já deixo o convite feito para vocês nos visitarem, então!”

“E eu com certeza aceitarei!” riu Popovich, mais uma vez. “É que… Masha e eu daremos uma pausa em nossos trabalhos daqui um tempo, porque…” O sorriso de Georgi cresceu a medida que a notícia a ser dada ganhava forma de discurso. “Vamos ter um bebê.”

As últimas palavras saíram oscilantes e emocionadas. Ele não seria Georgi Popovich se não deixasse algumas lágrimas caírem de vez em quando.

“Georgi, isso- Isso é maravilhoso!!” E Victor não seria digno do título extra se não perdesse totalmente sua compostura diante das novidades que julgasse importantes e abraçasse Georgi mais uma vez. “Gosha, eu estou tão…! Eu não tenho nem palavras!”

Não tinha palavras, mas tinha lágrimas, que logo se somaram as de Popovich. A maquiagem de Victor estava arruinada, mas ele já não se importava mais.

“Ainda é tudo tão novo para nós, Vitya, é uma alegria que não sabemos mensurar!” Agitado e revigorado pela empolgação parental, Georgi agitava as mãos, cujo os gestos acompanhavam a crescente daquela animação. “Nós ficamos sonhando acordados sobre os próximos meses, escolhendo os móveis, discutindo sobre um futuro que ainda é tão incerto, tentando conversar com ela…!”

Ela?” Victor, que ainda derramava lágrimas, estava encantado. Aquela criança com certeza ganharia um triciclo antes de ter tamanho para usar.

“Sim, nós teremos uma menininha...”

Pensar nela, um ser ainda tão miúdo que o vestido simples de Maria ainda conseguia esconder tão bem, fazia Georgi sonhar longe, pensando no dia em que ele finalmente poderia segurá-la nos braços e recepcioná-la com lágrimas felizes e todo o amor do mundo.

Sua pequena Alina.

“Isso é lindo, Georgi, essa menina é a criança mais sortuda do mundo!”

“Eu ainda tenho tanto medo, Victor…”

“Medo? Mas de quê?!”

“De não ser um bom pai.”

Menos sorridente, mas ainda abalado, Victor engasgou as palavras que ensaiava dizer há tanto tempo, quase desistindo até sua voz embargada resolver soltá-las quase por conta própria;

“Você será, Georgi. Você com certeza será um pai melhor do que o nosso foi.”

E naquela hora, o tempo parou.

A pausa o levou ao passado, na madrugada em que conheceu Victor, uma criança tagarela que brilhava a soma de todos os dias ensolarados que Georgi já tinha visto até então. Ele se lembrou das pequenas travessuras, dos saltos proibidos feitos longe dos olhos de Yakov, dos sonhos mais belos e absurdos que puderam imaginar acordados, de um colorido que a realidade, aos poucos, foi despigmentando.

E se antes Victor irradiava por aí, naquele momento, oculto pelas sombras parciais do quarto vazio, ele quase se apagava. E para Georgi, ser iluminado pelos spots de luz, soava extremamente estranho, errado.

Mas era dali, naquela troca de papéis, que Georgi olhou dentro dos olhos de Victor, podendo enxergar pela luz emprestada, todos os segredos que um dia foram evitados a qualquer custo.

“Como você…?” balbuciou Popovich, sem saber por onde tocar naquele assunto.

“Não sou assim tão esperto,” confessou, envergonhado da própria ingenuidade. “Quem percebeu foi o Yuuri, na verdade. E foi tão inesperado!” Nem Victor acreditava naquilo, às vezes. “Não sei como chegamos no assunto, mas de repente lá estava eu, procurando por álbuns de fotos e contando todas as histórias que eu conseguia lembrar… Até que ele achou isso- Isso aqui.” Tateando os bolsos do paletó, ele tirou de um deles um pedaço cartonado que Popovich só entendeu que era uma foto quando pegou.

Era uma foto de Georgi!

 

Oleg Nikiforov — junho de 1959

 

Não — a foto era de Oleg.

“A primeira pergunta de Yuuri foi se era você, ele até estranhou, mas eu não reparei, essas coisas costumavam ficar guardadas com o Yakov, era possível que ele tivesse esquecido a foto do bebê fofo que foi o neto dele com as minhas coisas.” Dando de ombros, Victor continuou. “Aí ele arregalou os olhos, pareceu primeiro surpreso, depois… Acho que tudo ficou em branco, não lembro por onde nossa conversa foi, foram tantas ligações, sei que em certa altura, vi Yuuri no telefone conversando com Yakov e isso devia ser umas duas horas da manhã.” Lembrar daquele caos, agora, até tinha um pouco de graça. “E no meio de toda bagunça, fui lembrando do que nem sabia ter vivido e as coisas… Tanta coisa, Georgi, tanta coisa que ouvi, que li, assuntos que estranhei… de repente, tudo, absolutamente tudo fazia sentido. Yakov só terminou de confirmar o que Yuuri precisou de apenas uma foto e cinco minutos para descobrir.”

As luzes faziam brilhar as lágrimas que as sombras sobre Victor não podiam esconder. Não existia mais claro ou escuro que pudesse os separar.

“Eu nem sei o que te dizer, Victor…”

Já fazia tempo tempo, tantos anos, em que a decisão de Georgi havia sido guardar toda a verdade para si, levar aquele fardo sozinho com a mais nobre das intenções, que tê-lo dividido com Maria, por vezes, soava como um sonho, algo acontecido apenas em sua cabeça. Não ter mais que encarar aquilo como um segredo, era uma realidade para a qual nunca se preparou.

“Não se preocupe, nem eu sei como…” Sorrindo, Victor passou os dedos pelos olhos, levando o rastro de lágrimas para longe, abrindo espaço para as novas que caíam, agora de alívio; ele pensou não ser capaz de fazer isso hoje.

“Na verdade, eu te devo desculpas, Vitya,” murmurando, Georgi reconhecia o equívoco de suas decisões passadas. “Não foi por mal, eu só tinha pensado em te poupar, eu-”

“Georgi, não…” deixando as sombras, Victor uniu-se a Georgi, tocando-lhe o ombro. Os dois, finalmente, à mesma luz. “Eu não te chamei hoje para que se sinta culpado, eu te chamei porque- Porque é de praxe cada noivo ter uma mesa para a família, sabe?”

A brincadeira, meio chorosa, porém totalmente reveladora, resultou em uma nova onda de choros que não deixaria uma lágrima sequer para a hora do sim.

“Muito foi tirado da gente, Gosha, mas você acha que ainda dá tempo?” Como quando ainda era criança e aprontava alguma coisa para irritar o humor de Yakov, Victor balbuciou aquele pedido tímido.

E Georgi não podia se sentir mais feliz e grato por essa oportunidade.

“Eu nem sei por onde começar, Victor, mas eu quero sim, quero muito ter a oportunidade de ser seu-” A última palavra não coube em palavras, mas existia em sentimento. E Victor riu ao se dar conta da mesma coisa.

“É, eu também quero!”

“Ainda há tanto a ser dito…”

“Hm, que pena,” ironizou, retomando todas as caras e bocas que volta e meia se via obrigado a usar com a imprensa saudosista. “Parece que você vai precisar aceitar me visitar mais vezes. Você, Maria e,” puxando o fôlego, Victor soltou de uma só vez. “E a minha sobrinha.”

E então ele riu.

Georgi também.

“Minha nossa, eu não acredito que eu vou ter uma sobrinha, não acredito que serei tio, não acredito que eu fiquei para titio, isso é tudo culpa do Yuuri!” divagou, até voltar a rir, com Georgi o acompanhando.

“Alina terá o melhor tio do mundo.”

“Com certeza terá, Yuuri se dá muito bem com crianças!” Envolvendo o ombro de Georgi, Victor os guiou para fora do cômodo, refazendo o caminho ao jardim. “Agora, acho melhor te devolver à festa, não quero que minha cunhada me odeie por te fazer chorar.”

Ambos riram da piada e continuaram pelos corredores enquanto Victor repetia inúmeras piadas de família, restando a Georgi apenas rir. Maria com certeza já havia lhe visto chorando bastante, tal como ele diversas vezes ofereceu seu ombro para alento. Agora que as opções de apoio estavam aumentando, Georgi não sentia vontade de chorar, mas de rir. Como o inesperado da vida conseguia ser tão maravilhoso?

De volta à mesa, Popovich foi recebido pelo sorriso e os braços de Maria, que o abraçaram tão logo ele se aproximou o bastante para isso. Com o rosto escondido nos ombros magros, Georgi recebeu com alívio as suaves carícias feitas pelos dedos da esposa, que não precisava dizer nada para ele ter certeza de que ela já sabia tudo o que havia sido conversado, sofrido, chorado e comemorado naquela conversa com Victor.

Pelo raro e discreto — porém sincero — sorriso de Yakov, com quem dividia a mesa, ele também sabia.

Georgi ainda soluçou e riu aos cochichos com a esposa, tentando relatar da melhor forma possível tantas surpresas. Seria verdade, mesmo, ou logo ele acordaria daquele sonho?

Após muita música ambiente e inúmeros petiscos distribuídos aos convidados, aos poucos, a iluminação focada nos convidados acompanhou o por do sol tardio, diminuindo conforme a maior guirlanda de flores da decoração ganhava destaque pelos holofotes. Era ali que o altar se preparava para receber os noivos.

Se perguntassem a Popovich qual havia sido sua parte preferida em toda a cerimônia, ele só saberia dizer após assistir as gravações. A verdade era que não houve um só momento em que ele não pensou estar assistindo Yuuri, seu cunhado, de braços dados à mãe, indo em direção a Victor, seu irmão, onde discursos de caráter legal e emocional o fizeram rir e chorar, mesmo sem ouvir uma só palavra do que era dito.

Sua atenção voltou a focar quando Victor, após demorados, vergonhosos e — por que não? — constrangedores discursos dos padrinhos dos noivos, onde Yuuri foi o menos poupado, tomou o microfone para si, pronto para dar o discurso final:

“Olá!” cumprimentou de forma simplista. “Eu sei que vocês estão quase comendo os guardanapos, mas prometo que depois do meu discurso, o jantar será liberado.” Os convidados riram sinceros. Era verdade que depois de espiar o cardápio, todos já estavam com os talheres à postos. “A não ser que o Yuuri queira falar mais alguma coisa…?” Pelo rubor do outro noivo, aquilo não iria acontecer, não depois de parte de seus deslizes em Detroit terem sido comentados por Phichit. “Certo, então tentarei ser breve.” Piadas paralelas entre Chris e Chulanont, chamaram sua atenção, cortando o discurso sequer começado. “Estou falando sério! Também estou com fome!” Os padrinhos continuaram rindo, enquanto a careta birrenta de Nikiforov era iluminada para todos os convidados verem e rirem de sua contrariedade. Victor pensavam se ainda dava tempo de desconvidar ao menos Chris. “Enquanto certas pessoas que eu pensava serem minhas amigas riem às minhas custas, estou feliz de ver as mesas cheias de pessoas que ao longo de todos esses anos, nos quis tão bem. Acho que é mais acertado dizer que nós,” virando-se para Yuuri, ele sorriu. “nós estamos muito felizes. Já houve uma época em que eu pensei não ter nada, não ter ninguém, mas hoje me emociona olhar para todos vocês, olhar para Yuuri, e saber que a soma pode não ser grande,” ele referia-se à quantidade de convidados, que entendiam perfeitamente o que Victor queria dizer. “mas é tudo. Muito obrigado por serem nossos amigos. Muito obrigado aos Katsuki por terem-” suspirando fundo, Victor conteve um soluço, o choro denunciado pelos olhos marejados. “Me desculpem, mas é que hoje foi a primeira vez em quase dez anos que o Yurio não me chamou de careca, eu ainda não consegui superar.” Ao lado do avô, Plisetsky rolou os olhos. Os anos haviam amadurecido Yuri, não Victor, pelo jeito. “Enfim, muito obrigado aos Katsuki por terem me acolhido desde o começo, me tratando como parte da família até eu me tornar parte dela. E obrigado,” dirigindo toda sua atenção à mesa onde estava Georgi, Victor não tentou conter mais nenhuma lágrima. “muito obrigado às pessoas meio emburradas demais, meio sentimentais demais, que antes de tudo isso aqui, já eram minha família. E me perdoem, também, Yakov, Georgi, não ter notado antes nosso formato meio inesperado de lar, é que eu sou um pouco lerdo demais. Exageros devem ser de família.”

Georgi riu enquanto Maria, emocionada, limpava suas lágrimas. Yakov, ao lado, não admitiria estar abalado com as palavras de Victor, mesmo tendo assoado o nariz no guardanapo de linho da mesa de jantar.

“Agora sim, vocês estão liberados!” Retomando o bom humor, Victor tirou risadas dos convidados da mesma forma que havia tirado lágrimas, seu eterno talento em entreter as pessoas — já não existia mais um público e ele não se importava com isso. “Espero que todos possam aproveitar a festa! Divirtam-se!”

A iluminação voltou sobre os convidados, o tom quente e acolhedor escolhido para embalar o jantar que começava a ser distribuído. Se aproximando discretamente, Lilia voltou à mesa, sem nenhum sinal de todo o choro derramado naquele dia e, surpreendentemente, que não havia sido com o discurso de Victor.

“Georgi, é bom revê-lo.” Polida e elegante, o cumprimento de Baranovskaya combinava com ela. Georgi, que em sua infância admirava a bailarina, percebeu como o deslumbre ainda se mantinha. “Você parece muito bem.”

“Fico muito feliz em revê-la, também!” Gentil, Georgi sorriu e puxou a cadeira extra para acomodar Lilia, o tipo de cavalheirismo que sempre a encantou. “E obrigado, é a senhora que segue sempre belíssima!”

“Sempre educado, Georgi Popovich…” sorriu ela, lembrando saudosa da delicada Margosha. “Assim como sua adorável esposa, vocês combinam muito bem.” Se Georgi sabia o que dizer para agradá-la, o mesmo sabia Lilia. “Ficarei feliz de assistir seu trabalho quando puder voltar à dança, Maria.”

“E eu ficarei mais do que honrada em tê-la na plateia, madame Baranovskaya.”

“Apenas Lilia já basta.”

Yakov olhou de soslaio para Georgi, fazendo uma careta. Ele sabia que Lilia ficaria dias falando sobre a esposa de Popovich, o ápice da perfeição no mundo, e é claro que ele teria que ouvir tudo sem reclamar.

“Você também, Georgi, por vezes esse velho aqui me apresenta algumas coreografias de sua autoria e eu não poderia esperar menos vindo de você.”

“Quem você está chamando de velho?” Yakov quase insinuou algo que lhe custaria os poucos cabelos restantes, mas decidiu em cima da hora que era melhor continuar sendo o único idoso da mesa.

“Eu fico muito feliz, Lilia! Trabalhar com uma bailarina especializada em balé moderno nos ajuda a aprimorar os elementos artísticos.” Ele não podia deixar de elogiar a esposa quando a oportunidade se fazia.

“Disso eu tenho certeza, o ouro de Plisetsky em sua estreia existe para provar isso,” sorriu de lado, olhando diretamente para Yakov, que preferiu continuar virando o copo de bebida. Com o passar dos anos e a reaproximação de ambos, as alfinetadas foram sendo distribuídas com bem mais humor, uma suavidade só compreendida por Yakov e ela. “E o que aconteceu com meu guardanapo?”

Descartado em um canto da mesa, o guardanapo que antes secara lágrimas e limpara secreções de Feltsman, provavelmente seria o responsável por destruir a sensível paz daqueles dois.

“Foi culpa minha madam-, Lilia.” Mais rápida que os olhos de Baranovskaya e a agilidade idosa de Yakov em esconder a prova do crime, Maria promoveu a si mesma como cúmplice. “Me emocionei além da conta com a cerimônia. Foi linda, não achou?”

Yakov havia gostado de Maria assim que, há alguns anos, Georgi a apresentou como uma nova amiga. Era incrível como aquela moça conseguia estar sempre melhorando as impressões que ele tinha sobre ela. Margosha com certeza teria adorado a nora, em especial sua esperteza.

“Deixe que eu vou buscar um novo guardanapo, Lilia,” se prontificou Georgi, ciente de todo aquele plano improvisado. De fato, o casal era dono de uma sincronia perfeita — que JJ e Isabella nunca soubessem. “Já volto.”

Deixando a mesa para trás, Georgi esperou dar as costas por completo para rir da inofensiva mentirinha que compartilhava com Maria e Yakov. Se fosse pela paz do avô — e as suas — durante aquele jantar, eles poderiam lidar com aquele pequeno incidente.

Tentando não atrapalhar a circulação dos garçons, ele buscou por um que não parecesse tão ocupado, tentando discretamente chamar atenção de um dos funcionários. Se Georgi ao menos pudesse achar um dos cerimonialistas...

“Georgi Popovich?”

Pensando se tratar de uma coincidência que sua mente havia providenciado, ele se virou esperando ver Katya, não conseguindo ligar o nome à pessoa assim que seus olhos não registraram a alta moça ruiva em trajes sociais, mas uma mulher com alguns centímetros a menos e características que não lhe eram estranhas… Seria a cor escura dos cabelos, penteados para trás? Ou o sinal abaixo dos olhos? Os olhos puxados, aliás, só podiam indicar parentesco com Yuuri, mas Georgi podia jurar tê-la visto em alguma outra ocasião…

“Margosha fazia a mesma cara quando tentava se lembrar de algo.” O comentário, feito em um russo quase perfeito, o pegou desprevenido. Foi o nome de Margosha, no entanto, que resgatou as meio apagadas memórias infantis que por um fio ainda perduravam.

Ele era tão alto — maior do que Minako e Margosha juntas jamais imaginariam que um dia ele chegaria a ser —, que quando Georgi em um impulso a abraçou, Minako pensou que desapareceria em seus braços. Contudo, dentro daquele tamanho todo de um homem que ela lamentava não ter visto crescer, ainda cabia seu pequeno Gosha, a criança que Minako conhecia e sabia amar abraços apertados que podiam erguê-lo do chão. Se ela tivesse como, com certeza já teria o girado no ar, tirando aquelas risadinhas engraçadas que amava provocar, cobrindo-o de beijos para continuar a provocação amorosa responsável por alongar a felicidade de uma de suas crianças preferidas. Ela seria muito má interpretada se fizesse isso ali, na frente de todos? Era melhor não arriscar.

Custava ter de separar aquele abraço que somava mais de duas décadas de atraso, porém, Minako queria tanto poder olhar para Georgi, notar cada canto daquele rosto amadurecido, ver de perto o azul vivo daqueles olhos sempre tão gentis… Toda a saudade que Okukawa pensou ter atenuado com os anos, mostrava-se mais forte, inesquecível. Eram tantos sentimentos que ela não sabia nem como nomear tudo o que descompassava seu coração.

“Você está a cara da sua mãe.”

Sim, era isso. Aquilo dizia tudo.

Tão certeiras eram aquelas palavras que Georgi e Minako se viram trocando lágrimas saudosas e sorrisos que celebravam o reencontro que prometia nunca mais ser dividido novamente. As perguntas e demais assuntos em falta podiam ser conversados em outro momento. Agora, tudo o que eles queriam era poder manter aquele abraço.

Melhor do que reviver o passado, era poder vê-lo unindo-se ao presente e sonhar ter ambos em seu futuro; ao ter o ombro tocado gentilmente, Georgi reconheceu o discreto chamado de Maria, sorrindo ao vê-la junto a Lilia e Yakov, o esperando.

“Masha, eu preciso te apresentar alguém!” manifestou-se Georgi, antes que os outros três pudessem lhe dizer o que os levava ali. “Minako, essa é minha esposa, Maria!”

A felicidade e empolgação ainda eram como Okukawa se lembrava e isso a fez derramar mais uma lágrima de felicidade.

“É um prazer conhecer a pessoa que consegue tirar um sorriso tão grande assim desse rapaz,” sorriu Minako. Rapaz, não mais seu garotinho — não que aquilo fizesse diferença àquela altura. E ela ainda pensou que não iria se emocionar naquele dia… Em um intervalo de poucas horas, já havia chorado por cada integrante da festa.

“O prazer é meu, Georgi já me falou muito sobre a senhora! Dançou junto com Lilia, não é?”

E aquilo acabava de matá-la. Lilia devia estar decepcionada com o sentimentalismo de sua ex-aluna.

“Desculpe atrapalhar o reencontro,” pediu Yakov, sempre desconfortável em lidar com aquele tipo de cenário. “Mas Victor veio a nossa mesa, ele quer tirar uma foto conosco.”

De longe, embaixo do painel iluminado, Victor aguardava em expectativa, deslocado em sua própria festa. Chegava a ser engraçado, se Georgi não soubesse o motivo. Quando ele imaginaria qualquer situação meramente parecida com aquela?

“Vamos lá?” ele ainda perguntou, receoso quanto a própria animação, incerto se podia se dar ao luxo de estar tão empolgado. Para Yakov, aquele cenário era idêntico a de anos antes, quando ele tinha Victor e Georgi a seus cuidados, infantis e sonhadores, apenas uma versão mais amadurecida. “Tudo bem se eu for?”

A pergunta foi feita para Minako. Okukawa quase riu ao perceber também temer soltar aquela mãozinha, com a diferença de que ela já não era mais tão pequena, necessitada de proteção. Georgi não desapareceria mais. Nunca mais.

“Claro,” mesmo assim, foi difícil conter a voz embargada. “Você sabe onde eu estou.”

Ela estava certa; agora ele sabia onde Minako estava e onde sempre estaria.

De longe foi possível ver Victor relaxar a postura, aliviado quando Georgi trouxe a esposa pela mão, quase correndo em sua direção. Chegar até ele foi engraçado, como se a última conversa dos dois tivesse sido há anos, não naquela mesma noite. Olhando um para o outro, ambos começaram a rir, registro casual que não escapou dos fotógrafos, assim como o abraço afobado que não precisava mais ser mascarado. Aquele era o carinho entre dois irmãos.

“Será que eu posso tirar uma somente com o Georgi, antes?” O pedido veio de Victor, ainda mais entusiasmado. “Faz tempo que não tenho uma foto com o meu irmão!”

Irmão? Popovich não pôde evitar o sorriso. Ele poderia se acostumar com aquele título muito mais rápido do que previra.

Após os registros formais como ambos estavam acostumados, Georgi olhou ao redor, vendo Yuuri se aproximando com os parentes, trazendo inclusive Yurio com o avô na cadeira de rodas, naquele formato inusitado de família que muito o lembrava da sua quando criança. Ver Minako se juntando aos demais, o fez se lembrar do óbvio: aquela família também era sua, agora. Georgi até precisou olhar para Maria, confirmar se era verdade, no que o sorriso dela o tranquilizou. Era novidade para ambos ter tanta gente para chamar de lar, mas ao mesmo tempo, maravilhoso.

“Muito bem, família, se preparem!”

Família.

Ao sinal, Georgi não se conteve e riu alto, com direito a olhos fechados e boca escancarada ao ouvir em voz alta o que seu coração palpitava de felicidade. Contagiante, sua alegria somou-se ao riso baixo de Maria, desmanchou a seriedade de Yakov e abalou o sorriso contido de Lilia. Na outra ponta, Minako limpou as lágrimas de tantos sentimentos vindos à tona, os Katsuki divertiam-se dentro da polidez nipônica, Yurio deixava escapar uma risada que feriria sua séria imagem de Ice Tiger para sempre, os noivos gargalhavam, abraçados e sem qualquer postura, enquanto Nikolai seguia sendo o único a sorrir gentilmente para o registro fotográfico.

Única. Aquela família era única.

Alina não poderia estar vindo em hora melhor.


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Notas finais do capítulo

E FIM :')

Tudo fica bem quando o Georgi está bem :') Esse epílogo não teria existido, mas achei que ele merecia. É bem fim de novela da Globo, mas depois de tudo o que ele já passou, acho que um pouquinho de clichê romântico não faz mal a ninguém xD O que acharam?

Se você acompanhou toda essa história e quiser me contar o que achou, por favor, não se acanhe, vou adorar saber!! Nem precisa se estender muito, só deixar um "Amei, beijos!" que eu já fico feliz! XD Só não vale comentar "continua", hein :P

Para não perder o costume, uma última vez, fiquem com as curiosidades do capítulo ;D

~ Curiosidades:

— O epílogo se passa oito anos depois do final de Yuri on Ice. Georgi e Victor aqui estão com 36 anos. Maria tem 31.
— Sim, Lilia e Yakov são imortais :v *apanha* Apenas vamos pensar que eles são pessoas de ótimos hábitos saudáveis. FOCA NO BENEFÍCIO DO PLOT, GALERA, O BENEFÍCIO DO PLOT!! XD~
— Citação de O Fantasma da Ópera porque eu sou uma vendida por essa história/musical. Erik (o Fantasma) poderia derrubar um candelabro na minha cabeça se ele quisesse :'D (na atual situação eu nem ia reclamar kek);
— JJ e Isabella terem dois gêmeos foi MAIS UM kibe feito em cima das obras de Milleh Diamond, a maior fornecedora de OCs e headcanons desse fandom. As criações dela são tipo um mercado onde eu faço minhas compras de referência (?).
— JJ aqui é best do Yuuri, portanto, um de seus padrinhos. Tenho um forte headcanon de que ele e Yuuri super se dariam bem por conta da ansiedade, fazendo disso nascer uma boa amizade ♥
— Phichit podre de chique com um documentário do Netflix contando sobre sua carreira de patinador. O nome? "O Rei e o Patinador", é claro :v
— O Squad de Proteção ao Yuuri. ADIVINHEM SÓ. Mileh Diamond, of course. Mas deles eu não vou falar, vocês VÃO LER: Ex's and Oh's é o nome e um dos melhores saleiros já produzidos nesse fandom. Um FINALMENTE OS REFRESCOS, em forma de texto. GE-NI-AL!
— Alina. Aaah esse nome... :'D A escolha dele tem dois motivos: primeiro, é o nome de uma bailarina maravilhosa, Alina Cojocaru, a primeira a ser indicada duas vezes (e ganhar!) O Benois de la Danse. Alina também significa agulha :') Achei que seria um jeito de homenagear o melhor dos dois mundos de Georgi e Maria, a dança e Margosha ♥️
— "Carabosse" é uma história dividida em prólogo, atos e epílogo, remontando às peças de balé. A Bela Adormecida, balé onde a fada Carabosse é antagonista, possui prólogo e epílogo, inclusive, esse último é o casamento de Aurora e o príncipe Désirée. É O Lago dos Cisnes que possui quatro atos (e também meu balé preferido, então sim, foi mais um caso de "tá assim porque eu quis" da autora xD). Ambos os balés são composição de Tchaikovsky ♥️

Acredito que tenha finalizado, mas caso haja algum erro no texto, ou mais curiosidades a serem comentadas, eu volto aqui para atualizar, ok? ;)

Obrigada a todos, mais uma vez. Até uma próxima oportunidade! ♥️



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