Flores de uma esquecida estação escrita por Ana Carol Machado


Capítulo 9
As coisas se tornam um pouco mais complexas




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Karl

Ainda estava com o caderno do irmão aberto quando notou passos que se aproximavam. Levantou-se animadamente e chamou pelo seu irmão, mas notou que os passos não pertenciam  a Caleb e nem a Mark, pertenciam a um rapaz que ele nunca havia visto.

—Quem é você e o que faz aqui?- perguntou Karl sem disfarçar a decepção.

—Eu sou o Ryan e pelo que eu saiba esse lugar é público. -respondeu o menino que parecia ter idade próxima do seu irmão. Ryan parecia meio irritado pela forma que foi questionado.

—Desculpe, é que meu irmão e o amigo dele sumiram nesse mesmo lugar e quando ouvir seus passos por um momento eu pensei que... Você sabe, que fossem eles de alguma forma.

—Sinto muito.- disse Ryan mais calmo se sentando ao seu lado- Sei como se sente. Dois de meus amigos também sumiram. Na verdade os dois eram os únicos amigos que tive no meu tempo de escola, mas não costumava manter muito contato com eles. Nem sei detalhes de como eles sumiram.

—Sinto muito pelos seus amigos.

Um silêncio se instalou entre eles. Ficaram um bom tempo apenas sentados próximos, cada um com os pensamentos distante.

—Eu nunca fui muito próximo do Caleb sabe? Eu era aquele irmão chato que gostava de implicar com os irmãos. Mas sinto muita falta dele.

Ryan lhe olhou de forma espantada e perguntou:

—Você é o irmão do Caleb?

—Sou, porque? Você conheceu ele?- respondeu Karl igualmente surpreso.

—Sim, ele e o Mark. Eu era mais próximo do Mark na verdade, seu irmão era meio cauteloso comigo. Ele tinha, como posso dizer. Bem, digamos que o Caleb tinha medo de mim.

—Porque? O que você fez com o meu irmão?- Karl ficou nervoso por um momento. Lembra que na época da escola seu irmão sofreu bullying por um tempo até que Mark chegasse na escola e o salvasse dos valentões. Ficou se perguntando se Ryan era um desses meninos.

—Nada. Era que eu sofria bullying quando era criança e acabei sendo um menino meio rancoroso e escrevia uma coisas movido por esse sentimento. Narrações em que machucava meus colegas, principalmente o valentão e a professora.  -Ryan travava parecia que mesmo anos depois era difícil falar sobre aquilo- E o seu irmão leu alguns desses papeis e tinha medo de mim. Mas eu nunca machuquei ninguém no mundo real.

Alguns anos no passado...

Caleb nunca gostou muito do clima de hospital. Aquelas paredes claras demais e aqueles médicos que usavam máscaras. O menino achava que eles sempre estavam escondendo algum tipo de sorriso macabro por baixo daquelas máscaras. Não queria ter vindo, mas Mark havia insistido para que fizessem uma visita a Ryan, já que o menino não tinha amigos. Ele e Mark que viviam envoltos em um mundo de assuntos e histórias que pertencia somente a eles dois, por isso nunca haviam notado muito no menino, era apenas mais um rosto entre tantos. Na verdade as vezes notava durante a aula que Ryan lhe lançava uns olhares de raiva, pensava que era porque ele e Mark estavam conversando alto demais e atrapalhando ele de entender a explicação do professor.

Ao entrarem no quarto notaram que o menino ainda estava com a cabeça enfaixada e parecia ocupado escrevendo alguma coisa. Segundo as histórias a lesão na cabeça foi resultante de uma pancada forte no espelho do banheiro masculino do segundo andar. O objeto continuava quebrado, como uma prova muda da agressão que exigia que a escola tomasse alguma providencia. Ryan foi encontrado desmaiado perto de um campo de flores. Não entendia o porque dele ter ido para lá quando o obvio seria ele ter procurado um hospital. Essa escolha poderia ter custado meio caro para o menino.

Ryan tirou os olhos dos papéis e pareceu surpreso por ver alguém indo lhe visitar. Na mesa perto da cama haviam mais alguns papeis empilhados. Caleb pensou que devia ser tedioso ficar em um hospital e Ryan devia escrever, e escrever muito, para se distrair.

—O que vocês dois fazem aqui?- perguntou Ryan com um olhar de quem achava que eles eram algum tipo de sonho.

—Viemos lhe ver, soubemos o que ocorreu e sentimos muito.

—Sei que sentem, depois que algo ocorre todos sentem muito.- as palavras dele estavam cortantes como vidro. Era possível ver que o rancor nadava no mar que eram seus olhos azuis.

—Ryan, eu não sabia que ele lhe batia se tivesse visto alguma vez teria lhe defendido que nem fiz com o Cal.- disse Mark sendo sincero. Algum outro sentimento pareceu tomar o lugar do rancor nos olhos do menino, mas Caleb não conseguiu distinguir o sentimento, pois esse logo fugiu dos olhos na forma de lágrimas. Choro esse que serviu como um imã para o abraço que ele e Mark deram no menino. Apesar desse momento ter sido dos três no dialogo que se seguiu ele se sentiu deixado de lado. Sentia-se levemente com raiva por ver Mark conversando com Ryan como conversava com ele.

Viu os papéis e a curiosidade os fez ler, aproveitou que Mark e Ryan estavam ocupados conversando e ele estava sobrando. Eram papeis que falavam de olhos arrancados de pessoas que haviam feito algo para Ryan, ou que havia visto fazerem e não fizeram nada. . Em escritos que tinham como título “A professora” e “O valentão” notou que o rancor era direcionado principalmente para essas pessoas, mas também haviam outros trechos que falavam dele e de Mark.Pelo que notou pela mente de Ryan toda turma era culpada de não ter feito algo e por isso não era digna de ter olhos.Os órgãos perdidos formavam uma espécie de coleção bizarra dentro de um pote de vidro. Os olhos eram arrancados ou pelo próprio Ryan ou nas páginas que pareciam mais recentes por uma maligna idosa e um monstro. O medo começou a bater bem forte.

Tinha que fazer algo, lembrou que enquanto vinham para o quarto viram uma sala com a palavra “psicólogo” escrita do lado de fora. Talvez ele pudesse os ajudar nessa questão. Sabia que até que explicasse e ele lesse os papéis demoraria um tempo e por isso teria que ficar mais tempo naquele ambiente que lhe dava arrepios, mas no momento tinha mais medo de Ryan do que do hospital.

Karl

Mas mesmo que ele tivesse medo de mim nunca tentou afastar o Mark ou me impediu de ir aos passeios com eles. Vivemos alguns bons momentos juntos na época da escola. Sempre serei grato por eles terem ido me ver no hospital naquele dia.- havia uma lágrima solitária que escorria pelo rosto de Ryan- De repente percebi o quanto sinto falta deles. -um silêncio se seguiu e depois como se lembrasse de algo muito importante falou- Você disse que os dois sumiram nesse campo?

—Sim, aqui onde estamos. Acharam algumas coisas que comprovaram que eles estiveram aqui.

A cara de Ryan ficou ainda mais tensa e a única lágrima se transformou em várias, a voz dele estava meio travada:

—Isso foi há mais ou menos seis meses certo?

—Certo.- Karl não estava entendo nada, mas estava mais tenso que o garoto.

Ryan fechou os olhos por um momento e continuou:

—Tive uma experiência meio estranha nesse campo quando eu era garoto. Sempre vinha aqui para coletar insetos e escrever aquelas coisas. Não tinha amigos e achava que os insetos eram meus amigos. Um dia vim aqui depois de um valentão me agredir, estava meio zonzo e até hoje não sei direito se o que vi era real ou não. Dizem que me encontraram desmaiado no campo e me levaram para o hospital, o Caleb e o Mark foram me visitar.

—E sei que é estranho, mas depois do ocorrido continuei vindo até aqui e um dia trouxe meu pote onde guardava os insetos e libertei todos os bichinhos. Vinha aqui somente para ficar um tempo sentado na grama vendo as flores, já que não escrevia mais aquelas coisas. Eu meio que gosto daqui, por isso que vim aqui hoje.- continuou Ryan ao ver que Karl estava sem reação.- Sabe as pessoas tem muitas histórias sobre esse campo. Dizem que o campo sempre atrai as pessoas que pisam aqui de volta e falam outras coisas mais também. Algumas vi que são realmente verdade- o menino voltou a ficar com expressão triste.

Karl não conseguia ligar as peças, apesar que tentasse, mas sentia que tudo estava relacionado. Que as coisas eram mais complexas do que parecia. Talvez seja lá o que ocorreu com o seu irmão e Mark não fosse um caso isolado. Teve a ideia de ir na cidade e conversar com os moradores locais, mas antes tinha que saber algo de Ryan, perguntou meio nervoso:

—Na época da escola você alguma vez trouxe o Mark e o meu irmão aqui?

Ryan que havia voltado a chorar parecia distante demais para responder. Perecia está perdido em seus pensamentos, devia pensar em algo que talvez o ajudasse a entender o que ocorreu. Sentia que o menino sabia de algo que não tinha coragem de contar para ele. Karl começou a pensar que isso tudo era culpa dele e que ele de alguma forma sabia disso.


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