Dearg Due escrita por Ladybug
Senti um toque suave em meu braço pouco antes de levantar sobressaltada. Bridget, assustando-se, deu um pulo para trás, mas sem deixar de sorrir.
— Eu... só pretendia tirar um cochilo — eu disse retoricamente. Olhei em meu relógio e notei que havia apagado por quase três horas. Levantei-me e esfreguei os olhos.
— Desculpe, senhorita, mas eu a chamei por um tempo e...
— Não, não! Foi perfeito, muito obrigada, eu pensei... ou melhor, não pensei que estivesse tão cansada. Obrigada.
Fiz a toalete assim que Bridget deixou o quarto. Realinhei os cabelos e vesti o casaco que me ofereceram. A temperatura havia caído mais alguns graus, certamente, pois o frio que eu sentia era de gelar os ossos, eu precisava me adaptar e logo àquele clima se quisesse fazer um bom trabalho.
Assim que me aproximei de onde era a sala de estar, ouvi vozes em uma animada conversa. Papai e o Sr. Sank estavam sentados próximos à lareira, ambos com uma taça de líquido rubro nas mãos. Papai usava roupa social, mas o Sr. Sank, apesar de demonstrar sofisticação em seus gestos e palavras, vestia-se informalmente, com calça preta de sarja e camisa branca de gola V, como se aquele verão irlandês não estivesse com a temperatura de dez graus, aproximadamente.
Antes que eu me pronunciasse, a metros de distância, o olhar do nosso contratante me encontrou e ele deu um pequeno sorriso enviesado, levantando-se.
— Boa noite, senhorita Dan.
— Boa noite, Sr. Sank. Oi, papai.
— Junta-se a nós para uma taça de vinho? — perguntou o Sr. Sank.
— Ah, não, obrigada. Confesso que estou com um pouco de fome e não me fará bem tomar vinho com o estômago vazio.
— Claro. Então, por favor, vamos comer. Eu também confesso: estou faminto.
Novamente um calafrio percorreu minha espinha e eu poderia jurar que ele não se referia ao jantar que seria servido.
O mordomo surgiu de repente, como se esperasse a deixa para sua entrada ou como se tivesse sido chamado pela força do pensamento.
— Sim, senhor Sank? — ele perguntou. Força do pensamento.
— Jantaremos agora, Ronan.
Com uma sutil mesura, o mordomo saiu da sala.
— Amanhã bem cedo quero mostrar o sítio com as escavações iniciadas pelo colega de vocês. Infelizmente, ele não pôde concluir o serviço.
— Não pôde? — perguntei, curiosa. A informação que chegou a nós foi que ele havia sido dispensado por não ter feito um bom trabalho.
— Circunstâncias de força maior o obrigaram a deixar o sítio — respondeu o Sr. Sank, sem aprofundar no assunto.
À mesa, um verdadeiro banquete nos esperava.
— É Natal? — comentei baixinho com papai.
Ergui os olhos e descobri a atenção do Sr. Sank em mim. Ele havia ouvido? Esperava que não se ofendesse, mas por via das dúvidas, era melhor me justificar.
— É uma mesa farta, Sr. Sank. Obrigada por nos receber tão bem, acho que não vejo tanta comida apetitosa desde o último Natal.
Sua resposta resumiu-se a um breve sorriso.
A copeira nos serviu primeiro: batatas, ervilhas, fatias de pernil embebidas em molho ferrugem e aspargos na manteiga.
— Bom apetite — desejou o Sr. Sank, embora seu prato estivesse vazio e a taça novamente cheia. Esperava que ele não tivesse problemas com bebidas, ainda mais aparentando ser tão jovem, logo não teria mais fígado que resistisse.
— Obrigada.
— O Sr. Sank e eu estávamos discutindo previamente sobre no que consiste as escavações — disse papai. — Se entendi bem, nós estamos procurando uma tumba?
— Uma tumba? — perguntei, confusa. — Como assim, uma tumba? Não quer dizer ruínas de um antigo cemitério, papai?
— Não, senhorita — interveio o Sr. Sank. — Trata-se do original lar ancestral da minha família. O Castelo Vermelho foi construído muito depois, em meados de 1838.
— Sua família morava em uma tumba? Desculpe, eu não entendi.
O Sr. Sank tornou a sorrir com os lábios achatados, mas dessa vez o humor lhe tocou os olhos verdes.
— Eu não soube explicar, peço desculpas. Do início: as ruínas do antigo castelo estão na Montanha Druida, este não é seu nome de verdade, mas recebeu o apelido por ter sido uma das montanhas locais, escolhidas pelos religiosos celtas para suas comemorações e sacrifícios a fim de apaziguar seus Deuses, ou fosse lá o que achavam que faziam.
— Devia ser bem estranho ter vizinhos assim... — comentei.
— Acredito que eles também deviam achar estranho ter que invadir o terreno alheio em prol da sua religião — disse ele dando de ombros. — Não fica tão longe daqui, é a oeste do castelo. Acontece que o tempo passou e encobriu uma cripta onde não se lacrou apenas ossos, mas uma valiosa quantia em quadros e outras obras de arte. Eu procuro especificamente por uma pequena arca de cobre. O sítio, como verão amanhã, é extenso, há muitos outros “tesouros” arqueológicos no local, mas meu interesse está em um quadrante específico.
— Sinto-me em um filme de Indiana Jones — eu disse. — Sr. Sank, sabe que não é assim tão fácil encontrar objetos, não? Além disso, o senhor poderia ter contratado outro tipo de equipe. Deixe-me explicá-lo para que não pense que estamos aqui apenas pelo pagamento: grande parte dos sítios arqueológicos são descobertos ao acaso, em meio a uma construção ou alguma obra. Nesse caso, uma equipe de arqueólogos é contratada para promover um salvamento do sítio, caso ele esteja em destruição iminente. Se não houver risco de destruição, o sítio deverá ser cadastrado em um Instituto do Patrimônio Histórico da localidade, para posterior pesquisa. Então, entra o trabalho da arqueologia acadêmica.
— O que minha filha quer dizer, Sr. Sank, é que se o senhor já tem a localização e...
— Eu compreendi — interrompeu o Sr. Sank. — E também sei dos perigos de se confiar em meros “caçadores de tesouro”. Os senhores foram altamente recomendados por sua discrição e seriedade. Além disso, talvez, se eu tivesse estado aqui, teria assegurado que o tempo não tivesse destruído a memória da minha família, mas isso não foi possível, como podem ver. Não sei em que condições estará a cripta, se está prestes a ruir ou se foi conservada graças a baixa temperatura de Kilkenny.
— Entendo...
— Amanhã, após inspecionarem o que pôde adiantar o Sr. Ranulph...
— Randolph — corrigi.
— Isso mesmo. — Dessa vez seu sorriso foi um pouco maior, envergando os cantos dos lábios para cima e movendo junto a barba ruiva. — Bem, quando retornarem, estarei pronto para discutirmos valores. No momento, quero que comam e bebam à vontade e descansem. Antes de o sol despontar estaremos a caminho da Montanha Druida.
Papai e eu anuíamos, embora através da nossa troca de olhares compreendemos que além da complexidade do trabalho, havia algo de exótico naquele Sr. Sank e suas exigências.
— Sr. Sank, qual o significado de Castelo Vermelho, já que o barro não é uma característica do solo na região? — perguntou meu pai.
— Por favor, pode me chamar de Cold, Patrick — pediu o Sr. Sank. — O nome não tem a ver com a terra, tampouco com a construção, que podem ver ser apenas rocha empilhada, nada vermelha.
— De fato, não tem nada de vermelho por aqui — comentei. A não ser a cor dos seus lindos cabelos e barba.
Cold Sank me encarou, inclinando a cabeça para um lado, parecendo pensativo.
— Hmm... Houve uma batalha na região, muitos mortos, muito... sangue. E como um símbolo de força sobre os invasores, o castelo foi erguido em uma mistura de pedra e sangue.
Não fui capaz de tecer qualquer comentário depois disso. A satisfação com que as palavras foram ditas me fizeram pensar que se não fosse algo impossível, o próprio Cold Sank teria participado da batalha.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
juro que tá acabando o sofrimento, Mi rsrs