Era nossa penúltima noite em Luxor, eu já tinha perdido as esperanças de que o governo contratasse a nossa equipe para acompanhar a nova fase do sítio arqueológico. A tristeza tinha matizes em degradê, manchando a alegria da descoberta do templo e das estatuetas pouco a pouco. O dinheiro nos manteria por alguns meses, não o bastante, já que os remédios do vovô, cuidados com o Parkinson e a casa de saúde ficariam com um terço das nossas reservas.

Ouvi a batida na porta e em seguida a voz abafada do meu pai:

— Filha, venha comer, por favor.

— Estou sem fome! — respondi alto o bastante para que ele pudesse me ouvir.

Continuei escovando os cabelos, preparando-me para dormir, ignorando o chamado insistente do meu pai.

— Por favor, pai, deixe-me quietinha!

— Tudo bem, tudo bem... você quem sabe.

Em seguida, o silêncio.

Suspirei, encarando meu reflexo no espelho. As bochechas coradas e o tom bronzeado ficariam para trás quando voltássemos para casa.

— Lugar mais sem graça... garoa o dia todo...

Puxei para longe o cobre-leito e virei o ventilador na direção da cama. Deitei, aconchegada ao travesseiro, quase já sentindo falta do ar abafado e seco de Luxor.

Durante a madrugada, despertei com as batidas insistentes na porta.

— Mikaela! Filha? Mikaela, abra, tenho novidades. Acorde, vamos!

Saltei da cama, ainda atarantada. Abri a porta e papai passou por mim feito um foguete.

— O hotel está pegando fogo? — perguntei.

Meu pai sorria. Aproximando-se, segurou meus ombros.

— Eu disse para termos fé, não? Falei!

— O que aconteceu? Recebemos mais verbas para continuarmos as escava...

— Não, não. Infelizmente nosso contrato em Luxor não teve aditivos. Mas... entrei em contato com Edgar, na semana passada. Ele ficou de perguntar, enviou nosso portfólio... Parece que um cliente do Randolph não está satisfeito com o trabalho e quer contratar outra equipe, claro, como se pudessem encontrar arqueólogos em padarias... Eu tenho que dar uma resposta oficial ao Edgar, mas já adiantei que iremos e...

Meu pai foi falando sem parar para tomar fôlego. Pelo que eu estava entendendo, nós iríamos concorrer para uma nova licitação? E com o Edgar envolvido? Este era um amigo do vovô, sempre muito preocupado com ser famoso, ter status e obter lucros. Não que ele não merecesse confiança, mas se estava nos indicando, a situação era séria. Edgar preferia contratar equipes de menor visibilidade para que pudesse pagar menos, como se estivesse fazendo um favor a elas e pagando honorários abaixo do mercado, sempre com a desculpa de que o mais importante era que fizessem um nome antes de abocanhar grandes empreitadas.

— Não sei se entendi direito... O Sr. Fisher vai nos indicar para uma nova licitação?

— Que licitação, Mikaela? Filha! Já é para começarmos!

— Quê? Tem alguma pegadinha nisso, não é? Edgar Fisher? Trabalho em curso? Pai...

— Não é brincadeira, filha. O e-mail de Edgar foi bastante claro. Já nos aguardam para começarmos o novo trabalho, mas ainda temos que cumprir o dia de hoje e eu disse que combinaria com calma, mas certamente só poderíamos nos apresentar na semana que vem e parece certo que a hospedagem corre por conta do empregador...

— Papai, você está muito empolgado — constatei, sorrindo. — Para onde vamos? E os detalhes de pagamento? Você sabe que o Sr. Fisher tem um probleminha com isso de pagar corretamente...

— O pagamento será feito pelo próprio empregador, filha. Combinaremos tudo diretamente com ele, assim que desembarcarmos, na semana que vem, em Kilkenny.