Bati o meu cartão dando fim oficialmente ao meu turno e pude com alegria retirar o meu lindo e maravilhoso uniforme, cof,cof.

Vesti uma calça jeans que tinha vindo para o trabalho e uma blusa cinza lisa um numero maior que o meu. Saí pelos fundos sem falar nada com ninguém, apenas acenando para o porteiro do local.

 Enquanto dirigia vi o sol nascer pelo retrovisor. Preenchendo pintando o céu de azul claro, e nuvens rosadas.  As luzes chamativas dos billboards não eram páreo para a luz do dia.

 Uma a uma elas se apagavam, e mais uma vez, L.A. perdeu seu encanto. Iluminando as rachaduras nas calçadas e a decadência dos últimos madrugadores.

Quando cheguei em frente ao conjunto de prédios sem personalidade.  Estacionei o carro na minha vaga.

Saí do carro com a mochila. Uma senhora,  andava de camisola de bolinhas azuis e roupão velho, com os braços levantados para o céu.

—O quê você está fazendo com a sua vida? -Ela gritou, ainda de olhos fechados pelo estacionamento vazio. - O quê estou fazendo da minha vida, senhor?

 Tranquei o carro e com a mochila no ombro, fui em direção ao prédio.

—Bom dia, Gloria!

Ela abriu os olhos e eles piscaram alertas na minha direção.

—Ô, querida! Bom dia!  - Ela abriu um sorriso largo. Os olhos quase sumiram embaixo das rugas.

—Algum sinal hoje?  -Apontei para o céu. Ela soltou um muxoxo.

—Ainda não.. Está meio lento. Mas, se eu confiar, logo vem!

—Boa sorte! Estou com uns biscoitos de gengibre, depois passa lá em casa.

Ela suspirou contente. Segundo, Glória duas coisas faziam seu dia: receber um sinal divino, e comer biscoitos de gengibre.

—Ah, querida, obrigada. Você sabe como biscoito de gengibre faz bem. Deus te abençoe! Procure pelos sinais, você tá esquecendo de procurar pelos sinais!

 Assenti. O único sinal que eu receberia era o corte da água e luz, o que significava mais um mês de contas atrasadas.

 Ao entrar no meu apartamento admirei a decoração minimalista. Sinceramente não era bem uma decoração, era a ausência dela.  A cozinha era conjugada a sala, sendo separadas apenas por uma bancada granito, em baixo dela haviam bancos coloridos diferentes, que eu havia surrupiado nas vezes que me deparei com vendas de garagem.

As paredes brancas não tinham nenhum quadro dependurado, não havia um sofá, apenas um puf preto no meio da sala, virado para uma janela de cortinas cor creme. Não tinha televisão alguma. Em local algum.  

Era basicamente minha tentativa de imersão artística, sem nenhum ator ou atriz influenciar o meu trabalho. Mas, de alguma maneira se tornou ainda mais uma forma de exclusão.

Fui em direção a bancada e cliquei na velha secretária eletrônica dos meus pais. 

 "Você tem três mensagens". A voz feminina robótica ecoou na sala.  Tirei da sacola uma lata de atum e tentei abri-la.

"Um"

—Filha, eu e seu pai tivemos um final de semana delicioso.  - A voz esganiçada disparou a falar tão rápido que as palavras quase embolaram - Fomos em Kualoa Ranch, sabe o que é Kualoa Ranch? Você que gosta dessas coisas de cinema deve saber que é onde gravaram cenas do Jurassic Park. Ah, muito lindo, muito verde. Cheio de bicho também, seu pai parece que pegou catapora. Está uma coisa BIIIIP

Abri a primeira a primeira lata.  Fiz uma careta. Não para o cheiro do atum.  Comecei abrir a segunda lata sem prestar muita atenção a mensagem.

"Dois"

—Aí, a mensagem cortou. Do que eu estava falando? 

—Sobre minhas picadas - A voz grave e baixa do meu pai sussurrou no fundo.

—Ah certo, seu pai está horrível. -Ela pausou— Mas aqui o tempo está incrível, aqui é verão, quase o ano todo. E um verão bom, não esse calor de morrer do deserto. Quando você quiser pode tirar uns dias e passar a férias aqui. Beijos, da sua mãe

—E pai também! -Meu pai completou em um tom animado e emendou - Flora, você sempre me deixa de fora das despedidas.

 Pulei do banco e fui em direção das janelas para fechá-la. Caminhei pela sala, pulando o puff virado para a janela de maneira teatral. Encostada ao vidro vi Glória ainda no estacionamento de braços levantados em direção ao céu.

"Três"

—Onee, recebi suas 23 mensagens e 13 emails.  - Fechei as cortinas, e me encostei na janela coberta por elas. O tom julgador e profissional me vez encarar meus pés. Era  como se eu já soubesse que tinha feito alguma errada, e não era necessário que Hillary Owsen estivesse na sala. - E por isso, preciso lhe falar duas coisas. Um, você não recebeu nenhum call-back dos testes que você fez. Dois, tendo em vista que você só fechou três contratos nos últimos anos, como amiga e não como agente, aconselho a você pensar em diferentes opções... BIIIP" 

Senti o regular frio na espinha e meu coração estava petrificado. Era uma coisa você ter noção do seu fracasso, outra era sua própria agente, a quem você paga falar isso na sua cara.

 Um gato malhado roçou na minha perna e eu o peguei no colo, afagando de leve suas orelhas e o levando o comigo para o meu quarto, mas não sem antes pegar uma das latas de atum.

 Sentei-me na cama  ainda passando os dedos pela coluna do animal que ronronava com minha carícia. Fechei meus olhos me contentando e tentando achar algum sentido na minha vida.

Sou uma mulher de 22 anos, sem amigos, sem ensino superior, sem prospecto algum de realizar o seu maior sonho que é se tornar uma atriz relevante. Ao invés de atuar em filmes indie e com significado, se vê obrigada a trabalhar  num emprego que a fez ligar para a Wild life and Other Animals, porque um hospede teve a brilhante ideia de levar um macaco, ilegalmente para o seu quarto, e este simplesmente batizou o quarto inteiro com fezes! UAU ! Que vida maravilhosa.

Grunhi alto. César, o imperador, mas na verdade o meu gato, pulou do meu colo assustado. Coloquei a lata de comida no chão e deixei o meu corpo cair na cama. Olhei para o teto, encarando as rachaduras, até a visão ficar turva com as lágrimas. E perguntei baixo, para as paredes e para mim mesma:

—O que estou fazendo da minha vida?