Esta noite escrita por Jude Melody


Capítulo 2
Conversas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/749851/chapter/2

Paul e Naomi tratavam Icaro como a um filho. Sempre perguntavam como estava e ofereciam um cobertor a mais, um casaco de lã ou um copo de chocolate quente. Durante o café da manhã, Aya sempre ria dos bigodes de chocolate que Icaro ganhava, ignorando as manchas doces em seu próprio rosto. No final da tarde, os dois faziam estardalhaço no laboratório, seguindo os pesquisadores de um lado para o outro e fazendo perguntas. Ou melhor, no caso de Icaro, eram os pesquisadores que o procuravam.

— O que você tem visto, Icaro?

— É verdade que passou os últimos meses em Johto? Como é lá?

— Você capturou algum Pokémon por lá?

— Mais ou menos. Eu tive um Furret por um curto espaço de tempo.

— O que é um Furret?

— E namorada, Icaro?

O garoto desviava o rosto quando tocavam no assunto romance. Já tinha quinze anos; estava na época de pensar em namoros. Mas, se tivera algum encontro em Johto, não contava a ninguém. Nem mesmo a Aya, que ficava sempre pelos cantos, ouvindo tudo e observando suas reações pelo canto dos olhos.

— Você tem namorada, onii-chan?

— O quê? Não. É claro que não. De onde você tira essas ideias?

— Mas você gosta de alguma garota, não é? — insistia a menina.

— E você, Aya? Gosta de algum garoto?

Ela corou.

— Claro que não! Os meninos que conheço são bobos! O único garoto de quem eu gosto é o meu onii-chan.

— Certeza? O Makoto é uma gracinha.

Aya tentou bater nele com a colher de pau.

— Ai, isso dói! Kiba, faz alguma coisa!

O cachorro só virava os olhos de um irmão para o outro, mas não movia um centímetro da cauda.

 

A tarde de vinte de dezembro estava especialmente fria. Aya preferiu passá-la enrolada nos cobertores, assistindo a episódios de seu anime favorito enquanto bebia chocolate quente. Icaro decidiu passear pela cidade, e Growlithe prontamente se ofereceu para acompanhá-lo. Enquanto caminhavam, o garoto percebia os olhares. Algumas pessoas pareciam demorar a reconhecê-lo, outras acenavam felizes e havia ainda aqueles — em geral, garotos mais velhos — que faziam caretas. Não foi difícil entender o motivo.

— Vocês viram? O Icaro cresceu e está se tornando tão bonito — disse uma mulher.

— As meninas estão todas de olho nele. A Aya-chan deve estar mortinha de ciúmes!

— Ela sempre foi muito apegada ao irmão.

Em outra roda de conversa:

— O Icaro ficou tão gatinho — disse uma garota.

— Adoro os olhos dele.

— Se eu me tornar sua namorada, será que ele me leva embora de Pallet?

— Sua louca! — responderam as amigas, rindo.

Icaro não prestava atenção nessas conversas. Estava ocupado demais visitando as lojas para cumprimentar velhos conhecidos. Passou um tempo na biblioteca da escola, folheando os livros e trocando ideias com professores que por acaso estivessem ali. Nem todos os garotos eram frios com ele. Muitos ainda se lembravam com saudade de suas brincadeiras.

— Grande Icaro! — exclamou Pietro, puxando-o pelo pescoço. — Como é que você some e deixa a gente assim? Conta aí! Como é Johto?

— Normal, cara. Mas você já não esteve lá?

— Sim, meu avô tem um sítio perto de Ecruteak. Mas eu queria saber o seu ponto de vista.

— É! — Makoto deu alguns pulinhos sobre a mureta em que estava sentado. — Como são os Pokémons?

— Como são as garotas? — emendou Pietro.

— Você só pensa nisso! — resmungou Icaro, livrando-se de seu abraço. — Ei, posso te fazer uma pergunta?

— Claro! Pergunte o que quiser, mas eu sou hétero, ‘tá?

— Pietro!

Makoto gargalhou tanto que caiu da mureta.

 

Anoitecia quando eles passaram pelo parque. Icaro ergueu o rosto, e Kiba espiou-o por um momento, tentando compreender por que parara de caminhar. O garoto deu alguns passos em direção ao banco de pedra. Não havia uma alma viva naquele lugar gelado, exceto por uma única silhueta quase fantasmagórica. Icaro aproximou-se em silêncio. Ela vestia roupas simples demais para o inverno. Apenas uma calça, um par de botas e um blusão de manga comprida. As orelhas e o nariz estavam vermelhos de frio. E os cabelos negros cobriam-se dos pequenos flocos de neve que começavam a cair.

— Oi — chamou Icaro baixinho.

A única resposta foi o movimento das orelhas do Eevee que acompanhava a garota. Ele olhou para Icaro e depois para Growlithe. Então abaixou a cabeça, aconchegando-se contra o corpo de sua treinadora.

— Ei... Está frio aqui. Você deveria ir para casa ou pelo menos vestir um casaco.

A garota ignorou-o. Fitava um ponto perdido no espaço.

— Ei, eu sei que está me ouvindo, Arrietty! Estou preocupado com você.

Ela finalmente virou o rosto.

— Vai embora. Isso não é dá sua conta.

Icaro lambeu os lábios, sem saber como responder.

— Você está maltratando seu Eevee assim. Quer vir lá em casa? A Naomi não vai se importar de preparar um chocolate quente...

— Não preciso da sua caridade.

Ele cerrou os punhos. Growlithe ergueu a cabeça, preocupado.

— Por que tem de agir assim? Por que não deixa ninguém te ajudar? Eu só estou tentando ser legal!

Arrietty encarou-o. Os olhos castanhos pareciam tão densos e profundos. Como se um calor intenso pudesse se esconder ali. Mas Icaro só via frieza.

— Eu não pedi para ser legal comigo.

Ele deixou escapar um som de frustração. Chegou a virar o corpo, retomando o caminho para casa, mas algo o deteve. Virou o rosto para Arrietty, que mantinha a mesma postura de pedra. Ela não sairia dali. Ninguém a convenceria a sair.

A garota teve um sobressalto quando o casaco vermelho caiu sobre seus ombros. Espiou por cima dos ombros a tempo de ver Icaro caminhando em direção à rua. Levantou-se, consciente de que o movimento atrairia a atenção dele.

Quando Icaro olhou para trás, viu Arrietty e Eevee seguindo para o outro lado da cidade. O casaco vermelho estava jogado na neve.

 

— O que aconteceu com você? — exclamou Naomi quando Icaro apareceu em casa coberto de neve. — Está gelado. Venha. Precisa se aquecer agora!

Ela o levou até o kotatsu e cobriu suas pernas com o kakebuton. Em menos de um minuto, fez aparecer uma caneca de chocolate quente e uma tigela de ração. Acariciou os cabelos longos de Icaro enquanto ele bebia.

— Tome cuidado ou vai se resfriar.

— Obrigado, Naomi-san.

— Tudo bem agora. — Ela se sentou a seu lado. — Quer jantar? O curry está quase pronto.

— Não, prefiro esperar o Paul e a Aya-chan. Mas não deixa de ser uma tentação.

Naomi riu.

— A Aya-chan preparou o curry com bastante carinho. Tenho certeza de que vai gostar. Então, vai me contar como foi seu dia?

Icaro hesitou por um instante. Afagou as orelhas de Growlithe, que já estava com o focinho enterrado na tigela.

— Eu conversei com alguns conhecidos aqui na cidade. Encontrei o Makoto e o Pietro. Foi bem divertido.

— Que legal. — Naomi mexeu em seus cabelos outra vez, afastado uma mecha do rosto. — O que mais?

Icaro prensou os lábios.

— Eu encontrei a Arrietty.

Naomi recuou. Seu olhar tornou-se triste.

— Eu havia recebida uma mensagem da Aya alguns meses atrás... Perguntei ao Pietro se era verdade...

— Sim. — Naomi ergueu o rosto, suspirando. — Foi uma surpresa para todos nós. A Ayumi era tão bonita, tão saudável... Mas ela adoeceu tão de repente. Não deu tempo de fazermos nada. Faleceu no final de julho, pouco depois do seu aniversário. — Deixou-se ficar em silêncio por quase um minuto. — Não tenho palavras para descrever a tristeza da Arrietty...

Icaro pousou a caneca sobre a mesa. O chocolate quente estava pela metade.

— E o pai? O Kenshin?

— Estava viajando. Quando soube que Ayumi estava doente, tentou voltar o mais rápido possível, mas ela já estava morta quando ele chegou a Pallet. Kenshin ficou arrasado. Deve ter se sentido um fracasso como marido e como pai. Durante alguns meses, ele e Arrietty tentaram reconstruir a vida. Ela é uma garota tão forte. Conseguia sorrir, apesar de tudo. Então, no final de novembro, Kenshin recebeu um chamado urgente e teve de viajar para a cidade de Fuschia. Ele disse que voltaria antes do Natal, mas falta menos de uma semana agora... — Naomi fechou os olhos. — É o primeiro Natal da Arrietty sem os pais.

Icaro levantou-se.

— Nós podemos convidá-la para passar com a gente! Ela pode dormir no quarto da Aya. Tenho certeza de que pode dar certo.

— Meu amor... — Naomi encarou-o com uma expressão sofrida. — Nós não podemos. Ela não aceita. Você não foi o primeiro a ter essa ideia. Várias famílias amigas de Kenshin já ofereceram suas casas, mas Arrietty não aceita. Ela quer ficar sozinha.

— Isso é ridículo! Ninguém quer ficar sozinho no Natal! Eu conheço a Arrietty. Ela só é orgulhosa demais para admitir que está triste!

— Talvez ela só não queira se sentir intrusa em outra família — disse Naomi com severidade. — A situação dela é diferente da sua, Icaro. Aqui você tem uma família. Você é como um filho para mim e para o Paul. A Arrietty não quer ficar sozinha, você está certo. Ela quer ficar com o pai dela.

Icaro cerrou os punhos. Odiava admitir, mas Naomi tinha razão. Sentou-se. Não voltou a tocar a caneca de chocolate quente.

— O máximo que podemos fazer é vigiar de longe, garantir que ela ficará bem.

Ele se lembrou do casaco na neve.

— Tente não invadir o espaço pessoal dela, está bem?

Jogado como se não fosse nada.

— Está bem.

“Não preciso da sua caridade.”

— Chegamos! — anunciou uma voz grave.

— Querido!

— Ah, vocês estão aqui. — Paul sorriu para eles. — Vamos jantar?

— Oba! — gritou Aya, correndo até o irmão. — Vamos jantar no kotatsu!

— Eu vou esquentar o curry. — Naomi levantou-se. — Vocês três lavem a mão, está bem?

— Certo!

Acomodaram-se todos ao redor do kotatsu. Aya estava animadíssima com as novas gravações obtidas dos Pidgeys Pg006 e Pg009. Mas não deixou de notar que Icaro mal tocava a comida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Esta noite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.