O ano que durou o resto da minha vida escrita por Ariel F H


Capítulo 1
O ano que durou o resto da minha vida


Notas iniciais do capítulo

oi ♥

bem, eu escrevi esse conto no começo do ano, eu acho, mas decidi postar só agora. Eu tava numa vibe bem Caio F Abreu, então tem muita influência dele aí.

enfim, é isso.

eu gostaria muito de saber a opinião de vocês, deixem comentários, por favorzinho ♥

boa leitura,

abraços ♥



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A verdade é que eu nunca tinha reparado muito nele. Não era uma pessoa chamativa na época, ao menos não para mim. Era comum. Aparência comum — o mesmo corte de cabelo de adolescente branco padrão estudante de escola particular. Desempenho escolar comum — não se destacava em nada em específico, mas também não recebia olhares ou falas de reprovação dos professores. Vida social aparentemente comum — não era excluído dos trabalhos em grupo, mas também não era o maior frequentador de festas.

Costumava ser mais conhecido por suas piadas. Sabia ótimas. Tinha algumas tiradas e frases que frequentemente faziam a sala toda rir. Já disseram muitas vezes que ele deveria seguir carreira de ator ou algo assim. Talvez pela espontaneidade ou leveza com que lidava com as coisas. Reconheço que ele poderia se dar muito bem, caso realmente tivesse investido nisso. É uma pena que não aconteceu.

Eu era meio excluído da turma. Preferia andar com as meninas do que com os meninos, então havia algumas dúzias de piadas prontas sobre isso e outras centenas improvisadas. Nós dois nunca fomos próximos e talvez teria continuado assim se não fosse aquele dia.

Estava frio, eu lembro bem. Ele usava uma blusa de moletom. As pulseiras tão costumeiras chegavam a quase cobrir a metade de seu antebraço, mas de repente uma delas não estava mais lá e sim no chão. Não notou, mas meus olhos sim.

Foi uma sequência de coincidências. A manga de sua blusa que talvez um dia tenha estado em um tamanho ideal estava justa demais. Quando ele levantou o braço para mexer nos próprios cabelos eu pude ver. Aquele pedaço de pele descoberta. Aqueles riscos em vermelho.

— O que é...

Não pude ficar calado. Ele finalmente notou que eu estava ali, processando aquela imagem.

—Minha pulseira arrebentou.

— Não é isso que eu...

Me calei. Olhava-me aterrorizado. Não era uma conversa que gostaria de ter. Seus olhos imploravam pelo meu silêncio. Sua mão tapava aquele segredo. Sua cabeça se movia em desespero para checar se outro alguém havia notado.

Ninguém notou, apenas eu.

Nós nos olhamos por alguns segundos. Não falei nada, nem conseguiria. O que se fala nessa situação?

Levei o resto do dia para absorver aquilo e não conversamos nenhuma vez por duas semanas inteiras. Ele sequer olhava para mim, mas eu tentava ler sua expressão toda vez que estava perto.

Juro por tudo o que é sagrado, aquele garoto se iluminava toda vez que alguém ria de algo que ele havia dito ou então quando alguém simplesmente dizia "Você é bom nisso, Eric".

Não fazia sentido. Ele estava todo tempo rindo, fazendo piadas. Era divertido. Como pode alguém tão feliz esconder algo tão triste debaixo de suas roupas?

O tempo passou. Eric sempre vinha em minha mente, mas eu era inseguro e retraído demais para voltar ao assunto e quando percebi já era natal e depois ano novo e logo em seguida outro ano escolar.

E Eric estava novamente em minha vida.

Mas dessa vez ele não me evitava. Até dizia oi as vezes ou me lançava um pequeno sorriso. Eu retribuía.

As pulseiras continuavam ali. Eram mais ainda. Eu estava contando.

— O sol vai entrar em saturno. — ele me disse um dia, logo após a aula terminar.

Eu precisei piscar duas vezes até ter a certeza de que estava falando comigo.

— Como é que é?

— O sol vai entrar em saturno — repetiu. — Não tenho ideia do que significa, mas minha irmã só tem falado nisso. Acredita em astrologia?

— Ah, não. É besteira.

— Qual seu signo?

— Aquário, mas não tenho ideia do que isso quer dizer.

— Legal. Eu sou de peixes. Tem um cigarro?

Eu não tinha, mas acabei emprestando dinheiro para que ele comprasse um maço. Nós dois sentamos em um banco na praça. O vento batia em seu rosto e deixava o cabelo na frente de seu olho, mas ele nunca movia a mão para tirar dali. Era lindo, mas por quatro vezes tive de me segurar para não fazer isso eu mesmo. Queria apreciar todo o seu rosto.

Eric fumava enquanto eu falava. Falei muito. Até demais. Sobre muitas coisas. Eu estava nervoso, elétrico. Foi uma aproximação repentina e meio sem contexto, mas de certa forma acolhedora. Ele ouvia as coisas com muita atenção, mas também me interrompeu várias vezes para dizer algo engraçado. Acho que tinha essa necessidade.

A partir daí sempre voltávamos para a casa juntos. Morávamos perto. A casa dele ficava algumas quadras depois da minha. Era sempre meio doloroso dizer até logo, mesmo que eu soubesse que o veria do dia seguinte.

De qualquer forma, nossa relação não parecia ser algo concreto. Soava mais como algo casual e espontâneo. Apenas acontecia naqueles 15 ou 20 minutos de caminhada da escola até a casa. Talvez por isso tenha sido tão bom. Eu tenho o péssimo hábito de enjoar das pessoas em algum momento. Nunca enjoei de Eric.

Fora da escola ele estava sempre com um cigarro entre os dedos. Me acostumei com o cheiro, mas nunca cheguei a dar uma tragada sequer.

Nós nem ao menos tocamos naquele assunto. Falávamos sobre coisas banais. Ele sempre tinha algo sobre astrologia para dizer.

— Uma coisa legal sobre ascendente que minha irmã disse é que...

Eu nunca entendia essas coisas direito. Para mim era pura besteira. Muitos nomes e conceitos confusos, mas qualquer palavra que saia de sua boca se tornava interessante, então as vezes quando passávamos mais de cinco segundos em silêncio eu simplesmente dizia algo do tipo Como é aquilo sobre ascendente que sua irmã te disse? mesmo que eu não fosse prestar atenção, porque o som de sua voz se tornou a coisa que meus ouvidos mais gostavam. Ou então pedia para ele qualquer coisa sobre cinema ou literatura. Era sua paixão.

As vezes — muitas — eu me via encarando seus pulsos, mas nunca consegui perguntar ou dizer nada.

— Ninguém nunca notou. — disse uma tarde. Sentados novamente em um banco da praça, meus olhos presos por segundos na manga de seu casaco, ele finalmente tocou no assunto. — Ou se notou não disse nada. Igual você.

Sua voz estava quebrada, talvez ele próprio estivesse, mas demorei tempo demais para perceber.

— Por que faz isso? — perguntei.

Deu de ombros.

— Qual o propósito? — insisti.

— As vezes só fumar não me acalma. É meu vício.

— Você não pensa na sua família? Amigos? Não acha que tem outras maneiras para resolver seus problemas? Deus pode te ajudar.

Ele me encarou.

— Deus?

— Deus.

— Esse cara nunca esteve do meu lado.

Nós nos encaramos.

— É tudo isso que você tem a dizer? — perguntou.

— O que? Eu falei a verdade. Não tem motivo pra você fazer isso aí. Deixa de ser bobo.

— Bobo?

— É, Eric. Digo, pra que? Não tem propósito. Sinceramente, tem gente com a vida muito pior que a sua e que não faz essa droga. O que tem de ruim na sua vida, afinal?

Eric levantou e foi embora. Gritei seu nome. Ele sequer olhou para trás.

No dia seguinte nem ao menos olhou para mim. No outro, olhou, mas eu desviei.

Depois, faltou na aula por três dias seguidos.

— O Eric não vem mais?

— Não.

Mudei de escola no mesmo mês. Foi também quando fumei meu primeiro cigarro e nunca mais parei.


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