Nossa linha vermelha escrita por Alex Jackalope


Capítulo 1
The Ghost Speaks


Notas iniciais do capítulo

Atrasado. Mas com toda a boa intenção de ter terminado no prazo, churo que tentei. ;w;



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Já fazia oitocentos e cinquenta e dois dias que eu havia morrido. Um ano normal, um ano bissexto, quatro meses e um dia. Era dia 2 de abril e eu observava Antônio com os mesmos olhos cheios de paixão reprimida que olhara, tantos anos antes, quando ainda éramos dois alunos do ensino fundamental.

Quando nos tornamos fantasmas, é difícil aceitar que não estamos mais entre nossos entes queridos e, especialmente para um marido ciumento como eu, foi especialmente difícil lutar contra os sentimentos que transbordavam toda vez que, numa tentativa de seguir em frente com a própria vida, eu via Antônio conversar com outro homem no Tinder ou se fazer de atirado para algum colega do trabalho.

Se eu tivesse sangue, poderia dizer que meu sangue fervia nos primeiros trezentos e sessenta e cinco dias; mas como fantasmas não mais tem sangue correndo por suas veias, o que acontecia era um pouco mais catastrófico. Eu demorei a entender que as janelas abrindo e ventos furiosos derrubando nossas fotos enquadradas nas prateleiras de nosso apartamento era tudo culpa de meus sentimentos, de minha aura espectral ainda muito nova e instável.

Não queria estabilidade, devo admitir, pois entrar em paz com o fato de que estava morto seria o mesmo que aceitar o bilhete só de ida para o Outro Lado. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde teria que fazê-lo, pelo bem de Antônio, mas entenda… Eu morri muito jovem. Uma interrupção tão abrupta do momento mais feliz da minha vida era difícil de digerir, difícil de simplesmente deixar para lá.

Meus pais haviam aceitado nosso relacionamento. Havíamos casado no civil. Planejando uma festa. Realizados em nossas carreiras. Então quando me dei conta de que Antônio atravessava meu corpo porque eu não mais era corpóreo, o único pensamento que me vinha era: “É sério que as coisas vão acabar assim, quando finalmente estavam melhorando?”.

O segundo ano foi mais difícil; ano bissexto, ou seja, um dia a mais para que Antônio sentisse minha falta e eu, sentisse a dele. Foi doloroso ver o tanto que ele bebeu na virada do ano, o quanto berrou aos céus, questionando a Deus, se é que existia, porque havia me levado daquele jeito.

“Não é justo!”, ele gritou, e eu fiz coro, do outro plano, querendo mais que tudo abraçá-lo. Nunca é fácil ver quem amamos sofrer; nunca é fácil sofrer sem ter alguém com quem dividir o peso da dor. E nós dois, apesar de próximos em alma, estávamos a um mundo de distância fisicamente.

Então… Decidi o que qualquer homem apaixonado decide quando vê que não faz nenhum bem a quem ama. Decidi me estabilizar.

Foram trezentos e sessenta e seis dias de puro tormento, tendo que domar meus ciúmes e pensar que, se Antônio ficasse preso à minha morte, apegado do mesmo jeito que eu estava, todas as viradas de ano seriam como aquela primeira; aquela que levei o golpe pelas costas ao voltar da queima de fogos.

O esforço para tornar minha energia fantasmagórica menos viciosa foi difícil. Eu ainda fazia janelas abrirem quando alguém se demonstrava mais íntimo daquele que eu amava; eu ainda deixava a água mais quente do que deveria quando ele deixava outro tomar banho em nosso chuveiro. Mas meus sentimentos infantis faziam mal a nós dois.

Quando a raiva vinha em sua maior potência para me desestabilizar, eu tentava canalizá-la para outras coisas. Mudar o canal quando passavam notícias de homicídios por homofobia. Trazer o cheiro da maresia quando abria as janelas sem querer. Mudar o meu cheiro do ambiente para cheiros neutros e agradáveis.

Agora… Agora tenho que ir. Estabilizei o máximo que dei conta nestes últimos tempos e vejo que talvez Antônio tenha encontrado alguém, enfim. Um homem que ainda me causa ciúmes sem despertar minha fúria; que parece genuinamente respeitar seu luto e visita meu túmulo para que a dor seja mais suportável. Um homem que respeito e que não gostaria de fazer mal sem querer.

Por isso, Antônio… Adeus. E espero que, em breve, os remanescentes cheiros que deixei escondidos em cantinhos de nosso antigo apartamento possam evocar apenas nossos momentos felizes e não apenas a dor da perda que tanto nos machucou, eu aqui e você… Ainda aí.


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Notas finais do capítulo

Outro angst. Eu não dou conta de fazer coisa feliz. q



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