Naquele dia, garoava.

Era uma chuvinha fina, que teimava em lhe morder os ossos, enregelar a pele.

Mas ela a desafiava, confiante.

Era a única que ainda lembrava.

Depois de quase um vida inteira, mesmo chegando aos 70 anos e sentindo as dores da idade, Morrigan, que na juventude tinha sido bela, ainda subia naquela colina.

A pequena macieira estava de pé ainda.

E do lado dela, um túmulo com um  nome.

E com uma data.

De mais de 50 anos atrás.

---

Naquele dia, fazia sol. Era a última sexta-feira de aula do ano, e ela estava feliz por sair da sala de aula.

Arrastando os pés por ela, passou o garoto pobre.

Ela tinha pena dele, ele sempre tinha sido legal com todo mundo.

Pegou uma maçã e arremessou na cabeça dele.

_Ei, garoto do distrito velho... Anthony, é esso o seu nome, não é?

_É.

_Quer me ajudar a aprontar uma última brincadeira com o professor?

_Claro.

Era o começo de uma amizade.

Anthony usava uma gravata vermelha.

---

Naquele dia, nevava. Era o primeiro dia de aula, e eles agora deviam ser responsáveis. O ensino médio precisava de responsabilidade.

Mordendo uma maçã, Morrigan olhou para Anthony e sorreiu. O melhor amigo repetiu o gesto, e seus olhos brilharam.

_Nós conseguimos; Falou ela.

_É, conseguimos. A resposta foi tímida.

_Sorria, An! Universidade, prepare-se! Aí vamos nós!

Mal sabia ela que teria apenas mais alguns anos junto do amigo.

Anthony usava uma gravata preta.

---

Naquele dia, estava nublado. Era o dia da prova de admissão.

Os pais de Morrigan insistiram para que ela entrasse numa faculdade particular.

Anthony havia ganhado uma meia-bolsa na mesma universidade que ela, pois os pais não poderiam pagar toda a inscrição.

Vasculhou a multidão da cabeças, a procura do amigo. O encontrou algumas filas a frente, duas colunas a direita dela.

Ele virou o rosto e sorriu. O sorriso era forçado. Ele estava preocupado.

Meia-hora após ela ter entregue a prova e recebido um A, ele saiu.

Morrigan não precisava olhar as lágrimas correndo pelo rosto dele.

Ele nunca andava de cabeça baixa perto dela.

Balançando a cabeça negativamente, ele saiu.

Anthony usava uma gravata verde-escura.

---

Naquele dia, garoava. A prova tinha sido ontem.

O clima sombrio era uma ocasião perfeita.

Na manhã daquele dia, em que garoava, encontraram Anthony pendurado no ventilador do seu quarto. Preso nas pás por uma corda feita com três gravatas: Uma vermelha, uma preta, e uma verde-escura.

Na sua mão, um bilhete:

Me enterrem perto da macieira.

Anthony usaria uma gravata preta pela eternidade.

A garoa era fina, e parecia morder nos ossos e enregelar a pele dos presentes.

---

Naquele dia, ela depositou uma rosa branca sobre o túmulo.

_Adeus, Anthony.

Esfregou uma lágrima.

E Morrigan virou e saiu. Para nunca mais ser vista nesse mundo.

Naquele dia, garoava.

No túmulo, uma data.

De mais de 50 anos atrás.

No túmulo, um nome e uma inscrição:

Anthony Hopkins;

Filho querido, amigo lendário.

Sileo in pacis

*1945

+1962