A moça e o dragão escrita por calivillas
Em outra qualquer sexta-feira, sem nenhum compromisso, era bom voltar para casa, Virgínia abriu a porta e encontrou aquela pequena e confortável bagunça, a mochila e o computador de Jonas sobre a mesa, o casaco pendurado na cadeira, foi surpreendida pelo aroma que dominava a casa. Sorriu para si mesmo e procurou na cozinha, encontrou Jonas as voltas com panelas e fogão.
— O que você está fazendo? – ela perguntou em um tom divertido.
— Preparando o nosso jantar.
— Nosso jantar? Algum problema com a internet e você não conseguiu fazer seu pedido.
— Muito engraçado! – Jonas disse com tom sarcástico.
— O que está fazendo? – Virgínia se aproximou, destampou a panela e sentiu o aroma.
— Molho de tomate. Estou fazendo macarrão.
— O cheiro está muito bom.
— Só achei que seria legal, nós dois ficarmos em casa hoje, sozinho e aproveitar uma noite tranquila, conversarmos. Eu comprei vinho.
Ele pegou a garrafa de vinho aberta sobre o balcão e serviu duas taças, entregou uma a ela. Ela recebeu agradecida, podia chamar de instinto de autopreservação, sexto sentido ou algo parecido, mas notou algo no ar, além do cheiro do tomate e manjericão. Seria paranoia, um medo infundado, mas seus músculos se retesaram, embora, continuasse a agir como estivesse tudo normal. Tomou um gole da bebida com seu gosto amadeirado e rascante, Jonas gostava de vinhos encorpados. Ela devolveu a taça meio vazia ao balcão.
— Vou tomar um banho? – disse, querendo fugir dali.
Quanto tempo um banho pode durar? O resto da vida, ficar envolta na água morna que nem no útero da mãe, confortável e protegida, desconhecendo os problemas do mundo lá fora, não ver mais ninguém.
- Virgínia, o jantar está pronto? – O mundo lá fora, ou seja, Jonas bate na sua porta, avisando que ela não poderia escapar do que estaria por vim.
— Já vou!
Ela desligou a água e se aprontou, lentamente, mas não adiantava ele continuaria esperando.
— Você demorou! – disse, impaciente
Ela encontrou a mesa pronta, tudo estranhamente nos seus lugares.
— Você não gostou? – Jonas indagou, erguendo as sobrancelhas, ao ver o prato dela quase intacto.
— Não está ótimo, só que estou com pouca fome – E mesmo não gostando do vinho, tomou mais um grande gole.
- Virgínia, preciso te contar uma coisa – ela falou de modo manso.
Era agora, não poderia fugir. Ou poderia? Poderia derramar a taça de vinho sobre a mesa e desviaria a atenção dele por alguns instantes, poderia sair correndo e se trancar no banheiro, mas, mais cedo ou mais tarde teria que sair e ouvir.
— Sim – ela respondeu com um sopro.
— Se lembra daquele estágio que eu me candidatei...
— Sim.
— Em Londres.
— Sim.
— Eu fui aprovado.
Ela soltou o ar com força, ele estava partindo. Ele iria deixá-la. Iria perder outra vez, sofrer tudo de novo.
— Parabéns Que bom para você. Quando você vai?
— Eles querem que eu comece em janeiro.
— Daqui a três meses.
Ela iria perdê-lo em três meses, um fim lento e agonizante, pior do que a morte de Theo, rápida e inesperada, sem tempo para pensar, sem um longo e doloroso adeus.
— Não quer dizer que estará tudo acabado entre nós – Jonas continuou em tom apaziguador.
- Não, eu não vou me iludir, Jonas. Quer dizer, eu não vou me iludir mais ainda, pois sabia que nossa história chegaria a um fim.
Sabia que não devia se arriscar, que não devia se apegar aquela felicidade, seria melhor ter continuado a sua vidinha, sozinha, monótona e em paz, assim teria certeza que não sofreria mais.
— Mas, não precisa ser o fim, podemos continuar.
— Eu aqui e você lá, com o mundo todo a sua volta, sabe que isso nunca daria certo.
- Então, por que não vem comigo?
— E deixar tudo para trás, por uma aventura louca. Além do mais, não quero ser uma pedra que o impeça de voar, de alcançar o céu.
— Virginia, você precisa ser assim tão dramática? E o que você tem para deixar para trás?
— Minha vida. Meu emprego.
— Aquele seu emprego chato e entediante? Sua vida? Que vida? Aquela que você estava jogando fora trancada dentro desse apartamento, como era quando eu te conheci.
— Pelo menos, estava segura.
— Segura contra o quê? Você sempre quis viajar, conhecer o mundo, mas desde que seu marido morreu, se enterrou nesse apartamento, esperando a vida passar.
— Você não tem direito de falar assim comigo!
— Por favor, não fique zangada comigo, não quero brigar com você – Jonas disse em tom brando. - E o que iremos fazer de agora em diante?
— Eu não sei.
— Pense na minha proposta – ele alcançou a mão dela esquecida sobre a mesa e apertou gentilmente. Meu Deus! E agora, como ela poderia viver assim, sabendo que a qualquer momento aquela sensação iria terminar? Não podia suportar. Por medo, ela retirou a mão.
— Vou lavar a louça – Ela se levantou e começou a recolher os pratos, ele não fez nada, sabia que estava fugindo, se escondendo, não podia lutar contra isso agora.
Naquele momento, Jonas se sentia dividido entre a alegria da conquista e a tristeza da perda. Se Virgínia não fosse tão teimosa, se ela não tivesse tanto medo de se arriscar.
O resto do fim de semana passou sombrio e triste, como um certo sentimento de luto, uma contagem regressiva, que Virgínia tentava dissimular.
— Você poderia, pelo menos, viajar até lá e passar algumas semanas comigo – Jonas insistia.
— Quem sabe – ela dava de ombros, sabendo que não faria isso. Mas por quê? Ela tinha medo do desconhecido de sair do seu mundinho, já abrira uma exceção para Jonas, foi feliz, e olha o que deu! Mais sofrimento e adeus. E se chegasse lá e ele tivesse vivendo algo diferente? Um novo amor? Novos amigos? Será que ela teria lugar na nova vida dele? Não! Era melhor não se arriscar, conforma-se com o adeus, sofreria um pouquinho...querer dizer, sofreria à beça, precisaria se acostumar com o apartamento vazio e organizado, outra vez. Pior seria o vazio dentro dela, mas, afinal, o tempo cura tudo, ou pelo menos, ameniza.
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