Livewire escrita por Jinx Vengeance


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

eu sou horrível em nomear minhas histórias e o título desta é uma música incrível do oh wonder que não tem nada a ver com a fic.
não betado.
boa leitura ♥



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— Então, de onde você é?

— Novo México.

— Ah, que legal. — Silêncio. — Mas de onde você originalmente é?

Vá se ferrar.

— E não é isso que todos nós nos perguntamos?

A garota riu sem graça e bebericou o chocolate quente que tinha em mãos. Marcus sentiu o celular vibrar no bolso da calça, mas ignorou para não ser mal educado.

Meia hora depois saiu do café desacompanhado e um tanto frustrado. Helena, de sua classe de Filosofia Medieval, havia o convidado para um encontro após dois meses de hesitação (Marcus achava que ela tinha algum problema consigo, mas era seu jeito esquisito de flertar) e no fim acabou que não deu em nada. Não tinham tantas coisas em comum e o silêncio, que era quebrado por Taylor Swift que tocava no som do pequeno estabelecimento, era bem constrangedor.

Quando chegou ao apartamento em que dividia com mais dois colegas, quase tropeçou em um par de skechers que estava na soleira da porta de entrada. Leo surgiu da cozinha com o barulho de sacolas de supermercado batendo uma nas outras.

— Oi! Estava esperando você chegar.

Marcus lançou um olhar desconfiado e sentou no sofá para tirar os próprios tênis. Era usual essa frase vir acompanhada de algo que provavelmente não iria gostar.

— Já falei com o Jeremy sobre isso mais cedo — Leo começou a falar, sorrindo apreensivo enquanto se encaminhava para sentar ao lado de Marcus após colocar as compras na cozinha —, mas um amigo meu tava precisando de um lugar pra ficar por um tempo então tô emprestando a cama que tá sobrando.  Ah, e tem lasanha pro jantar! É congelada, mas é melhor do que continuar comendo aquele talharim gorduroso.

Levou cerca de dez segundos para Marcus absorver o que Leo dissera.

O primeiro e até então único cara que respondeu o anúncio que eles colocaram para dividir o apartamento acabou por ser um porre. Não limpava a pia depois de se barbear, largava as cuecas no box do banheiro e comia todo o pão e não comprava mais. Depois que ele saiu, Leo, Marcus e Jeremy ficaram muito mais cautelosos com a avaliação das pessoas que queriam morar com eles e só aceitariam um novo morador depois que todos eles entrassem em um acordo. Juntos.

— Eu sei, eu sei, aquele cara foi um pesadelo, mas isso é diferente, eu juro — Leo logo tratou de responder após ver o olhar de pânico de Marcus. — Olha, ele só precisa de um lugar pra ficar só por umas duas ou três semanas pra ajeitar algumas coisas e então vai embora. Já combinei as coisas com ele, ele vai pagar o aluguel desse mês com a gente e não vai atrapalhar.

Marcus bufou, claramente descontente com a situação, mas no fundo sabendo que não iria conseguir dizer não a Leo.

— É temporário, sério. Já disse pra ele pra não incomodar ninguém. Vai ser como se ele nem estivesse aqui, prometo.

Suspirou. Não era como se pudesse fazer algo de fato. Fazer um barraco e expulsar o garoto? Além do mais, pelo o que tinha explicado, Jeremy já havia aceitado.

— Tá bom.

*

Enquanto comiam a lasanha, Leo fez um pequeno resumo de quem era o tal Thomas. Eles se conheceram no começo do ano pois faziam algumas aulas juntos e acabaram ficando amigos. Parece que ele teve alguns problemas com o colega de quarto e teve que se mudar às pressas, daí que nasceu toda a situação em que estavam. Ficaria por poucas semanas até encontrar um novo lugar.

— Ele não vai vir jantar? — Marcus perguntou enquanto lavava os utensílios que usou na janta.

— Ah, não, ele já comeu. Pediu comida um pouco antes de você chegar e foi pro quarto. Deve tá estudando.

 — Hm. O que ele cursa? Talvez eu o conheça de alguma aula.

— Direito. — Lentamente se virou para encarar Leo, que estava mexendo no celular — Eu sei, eu sei, o pessoal que faz direito é “um bando de cuzões arrogantes”, como você sempre diz, mas juro que ele é gente boa.

— Estudante de Direito nem é gente.

Leo suprimiu uma gargalhada com a mão. Já sabia da grande implicância que Marcus tinha com quem fazia Direito desde o começo da faculdade e as suas reclamações sempre o faziam rir.

— Fala pra mim, ele não é daqueles que vai pra aula de terno né? Por que isso é muito ridículo. Ou ele é daqueles que sempre anda com o Código Penal ou a Constituição debaixo do braço, ameaçando processar todo mundo?

— Não, não, meu Deus, quanto veneno — disse Leo, ainda rindo, os olhos espremidos. — Na verdade Thomas é bem na dele e meio que é uma traça de biblioteca.

Marcus deu de ombros enquanto ouvia Leo continuar a tagarelar mais informações sobre o amigo.

*

Por incrível que pareça, Leo estava dizendo a verdade quando afirmou que o tal Thomas não incomodaria. Os únicos indícios que apontavam que havia outra pessoa morando com eles era os constantes skechers na soleira da porta ao invés de estarem na área de calçados e quando Jeremy mencionou que encontrou Thomas na sala quando se levantou pra beber água de madrugada.

Quando questionado sobre a bizarra ausência, Leo explicou que Thomas tinha pegado as aulas das 8, as primeiras que a universidade oferecia, então ele sempre já estava fora quando os demais acordavam (Marcus tinha culhões o suficiente para admitir que essa era uma decisão corajosa. Ele mesmo só havia pegado aulas a partir das 9h30).

Então, treze dias após a conversa da lasanha, quando chegou do último turno da cafeteria em que trabalhava, Marcus quase teve um ataque cardíaco quando encontrou um estranho, no escuro, encostado no balcão da cozinha.

— Mas que porra?

O estranho deu um pequeno pulo com o grito repentino e se virou. Marcus tateou a parede desajeitadamente a procura do interruptor enquanto o estranho caminhava em direção à sala.

— Quem é você?

O rapaz estava vestido apenas com uma camiseta larga e uma cueca box, o cabelo castanho todo bagunçado. Além das olheiras abaixo de seus olhos receosos também percebeu que apesar de parecerem ter a mesma altura, suas pernas pareciam ser incrivelmente longas.

Pelo amor de Deus não encare.

— Eu sou Thomas, o Leo não falou sobre mim?

Marcus não teve como não encarar depois dessa.

— Você — apontou para a outra figura — é o Thomas?

— É, sou.

— Mas você é latino.

Como um apertar de botão, viu sua expressão mudar de supreendentemente confuso para absurdamente perplexo para então totalmente irritado.

— E você tem algum problema com isso?

Daí Marcus percebeu que o que disse não saiu tão bem quanto pensou.

— Não, não, não foi isso que eu quis dizer. É que você é um tanto diferente de como eu imaginava.

— Oh, então me desculpe por não atender as suas expectativas.

Abriu a boca para rebater com mais gaguejos e palavras confusas quando viu o outro bufar alto e pressionar o polegar e o indicador na ponte do nariz como se pedisse aos céus um pouco de paciência. Após alguns segundos, abriu os olhos e deu-lhe as costas para caminhar até o quarto que estava dividindo com o Leo, ignorando a presença de Marcus, estático na mesma posição desde que entrou no pequeno apartamento.

Horas depois, já de manhã e após rolar inquieto na própria cama grunhindo pensando em como foi um idiota até receber uma travesseirada de Jeremy, Marcus tomou coragem de levantar antes do horário normal, quando começou a escutar ruídos na cozinha, para tentar acertar as coisas.

Mas quando chegou à sala somente viu Leo assistindo tv com uma xícara na mão. Foi à cozinha e não encontrou ninguém. Quando sentou no sofá e perguntou ao outro se Thomas ainda estava, Leo respondeu que ele tinha acabado de sair.

Marcus refreou o desejo de deslizar o próprio corpo até o chão e lá permanecer até o resto do dia.

*

Dois dias depois, Leo lhe informou que Thomas havia encontrado um novo lugar e que tinha ido embora naquela manhã.

*

Contrabandear comida para a biblioteca não era algo difícil, era só enfiá-las no fundo da mochila e comê-las sem fazer barulho ou deixar migalhas. Mas a situação era absolutamente diferente quando se tratava de bebidas, sobretudo daquelas que eram servidas em copos de papéis vagabundos como os da cafeteria em que Marcus trabalhava.

Depois de passar de fininho pela bibliotecária de um milhão de anos, se dirigiu até as mesas de estudo a procura de seu alvo. Apesar da época de provas se aproximando e da biblioteca estar um pouco mais movimentada, não levou mais de dois minutos até encontrar Thomas sentado sozinho em uma mesa redonda coberta de livros e canetas.

Respirou fundo e se aproximou devagar, puxou uma das cadeiras para se sentar e colocou o suporte de papelão das bebidas no único lugar da mesa que não estava abarrotado de material de papelaria.

Thomas encarou boquiaberto como se não acreditasse no que estava vendo.

— Então, antes que diga qualquer coisa, eu te trouxe café. — Se levantou para entregar um dos copos de papel e ao observar que todos os estudantes por perto estavam de headphones, Marcus começou a falar, nervoso, em um tom um pouco mais alto do que um sussurro — Não sabia do que você gostava e eu quase ia trazendo um chocolate quente porque todo mundo adora chocolate quente, mas acabei mudando de ideia e te trouxe só um café preto com dois cubos de açúcar.

Relutante, o outro garoto acabou estendendo a mão para pegar o copo. Semicerrou os olhos, como se se perguntasse se Marcus teria cuspido dentro de sua bebida.

— Esse é meio que meu pedido de desculpas pelo o que aconteceu. Eu fui bem babaca com você. — Pausou e respirou fundo para tentar organizar as palavras que deixariam sua boca, os dedos firmes na borda da mesa — Não, na verdade não é isso que vim dizer. O meu comentário não foi babaca, foi preconceituoso, ponto. Apesar de não ser minha intenção, foi sim racista. É que eu acabei criando uma imagem sua na minha cabeça com todas as informações que Leo vomitou em cima de mim sobre o "forasteiro" (a propósito, era assim que Jeremy e eu nos referíamos a você porque basicamente nunca te víamos) e no fim você era totalmente diferente do que o estereótipo que minha mente inconscientemente criou, o que é claro que não serve como justificativa para o que falei.

Meu Deus do céu alguém me faz parar de balbuciar.

— E apesar de eu quase sempre vivenciar situações parecidas com essa, isso não me impede de ser preconceituoso também, então vim aqui pra me desculpar. — exalou uma grande quantidade de ar. — É isso.

Mesmo que não tivesse desviado o olhar enquanto falava, não conseguiu identificar nenhum resquício do que estava se passando na cabeça de Thomas pela expressão que estava fazendo. Os segundos se arrastaram entre eles e Marcus jurava que entraria em combustão a qualquer momento se não tivesse uma resposta, qualquer que seja.

— Fico feliz que tenha escolhido me trazer café — o outro respondeu, vagaroso — porque eu sou intolerante à lactose.

As palavras demoraram um pouco para serem processadas pelo cérebro de Marcus.

— Eu fiquei bem puto quando aquilo aconteceu porque querendo ou não isso não foi a primeira vez — Thomas continuou, os olhos agora baixos analisando de maneira entediada a superfície da mesa — e talvez por esse mesmo motivo acabei deixando pra lá. Não queria esquentar a cabeça ou tentar explicar algo para alguém que provavelmente não se importa com o que eu tenho a dizer. Mas eu te perdoo. Não por ter trazido café ou ter se desculpado, mas por admitir que foi racista. Normalmente as pessoas vêm se desculpar comigo por terem sido rudes, indelicadas, babacas — ergueu uma das sobrancelhas para Marcus, que sorriu amarelo — mas ninguém nunca se intitulou como preconceituoso. Então eu te perdoo.

A tensão enfim deixou o corpo de Marcus, que se sentou de forma mais confortável na cadeira e pegou o chá esquecido que tinha trazido para si. Bebericou devagar e lançou um sorriso tímido sobre o copo quando percebeu o olhar de Thomas.

Ele logo voltou a estudar, foco total em um dos livros. Marcus não sabia se deveria ir embora uma vez que já havia feito o que tinha vindo fazer, mas como Thomas não falou nada, acabou por ficar.

— As pessoas costumam dizer pra eu voltar pro México — de repente o outro falou, os olhos ainda percorrendo as páginas do livro — Minha família é colombiana.

Não entendeu o que ele quis dizer mas logo percebeu um certo divertimento em seu rosto.

— Eu acho que já ouvi quase todas as piadas envolvendo o tamanho do meu pênis — respondeu, dando de ombros, como se não se importasse (importava sim).

— Ninguém acredita que eu sou filho único.

— Uma vez uma senhora cuspiu um em mim porque achava que eu comia cães.

Thomas arregalou os olhos e acabou dando um riso melancólico, algo que Marcus acabou por imitar por não conseguir conter o próprio.

— Você me parece um cara legal, apesar do fiasco — murmurou enquanto brincava com um dos marca-textos e logo tornou a falar antes que Marcus começasse a despejar desculpas novamente. — Tá tudo bem, sério.

— Isso tudo é uma merda.

— Eu sei, eu sei.

Cerca de dez minutos se passaram, Marcus esquentando as mãos envolta do copo de chá enquanto observava o outro rapaz tomando notas em uma ficha pautada. Thomas tinha cabelo curto, mas comprido o suficiente para formar pequenos cachos nas pontas.

Não se passou muito tempo para que ele começasse a fechar os livros e ajeitar o material.

— Eu preciso ir, tenho aula de Teoria do Processo daqui a pouco — falou enquanto guardava tudo em sua bolsa verde de mensageiro.

Levantou da cadeira e Marcus permaneceu no mesmo lugar já que não sabia o que fazer. Ou o que dizer.

— Acho que seria legal se a gente saísse um dia desses — Thomas disse enquanto arrumava a bolsa no ombro, a voz um tanto incerta, porém acompanhada de um pequeno sorriso.

Marcus não conseguiu evitar retribuir.


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Notas finais do capítulo

reli isso várias vezes mas é provável que eu tenha deixado algum erro passar então não se acanhem em me corrigir.
apesar de eu não ter mencionado, Marcus tem descendência tailandesa.
é isso aí ♥



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