O Universo Em Um Jardim - Degustação escrita por Srt Florencio


Capítulo 1
Capítulo Um


Notas iniciais do capítulo

Após quatro meses escrevendo esse livro, enfim posso dizer que ele está terminado e é com orgulho que resolvi postá-lo aqui. Essa capa lindíssima é obra da Sarah Líbna (vale dar uma olhada na página dela) e só me fez ter mais amor pela história do que antes. Espero que gostem e aproveitem ♥



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O dia claro, límpido, e quente não combinava em nada com o humor de Pedro naquela manhã de quarta-feira quando se encaminhava para a casa de seu falecido avô após o sepultamento, pelo contrário, ele se sentia frio, encoberto por nuvens escuras que não pareciam querer dar trégua. Dezenove anos parecia muito pouco tempo para se viver ao lado do homem que lhe deu amor e carinho desde seu nascimento e ele ainda não conseguia assimilar que aquele homem não mais vivia e nenhuma de suas histórias favoritas seria repetida na cadência da voz do vovô Eduardo.

Como as coisas podiam mudar de uma hora para outra? Ele pensava.

Tudo estava bem no dia anterior quando se despediu do homem ao ir trabalhar como voluntário no parque do bairro, e então um acidente, culpa de um motorista bêbado que não parecia se importar com os riscos que assumia ao dirigir embriagado, tirou a vida de Eduardo quando o senhor ia até o mercado comprar o doce favorito do neto no final da tarde.

Como a imprudência era perigosa.

Pedro parou, os olhos fixos na casa ao fim da rua, que se erguia majestosa sob os raios solares.

A casa de seus avós foi sua segunda morada durante toda a vida, o prédio de dois andares pintado de amarelo claro, quase um creme, do lado de fora e de branco por todo seu interior foi palco de suas maiores lembranças, onde ele aprendeu tanta coisa.

— Pedro! — A voz da mãe do menino o despertou de seus pensamentos que navegavam para uma época antiga, ela se encontrava prostrada na porta da casa, as mãos acenando freneticamente na tentativa de chamar a atenção do filho.

Pedro seguiu seu caminho, os pensamentos ainda voando, se perguntando como estava sua mãe com a morte do pai. Triste? Desesperada? Sentindo-se tão vazio quanto ele próprio?

Ao pisar na soleira a saudade bateu ainda mais forte no jovem, que olhou para seu all star preto e puído tentando segurar as lágrimas que queimavam em seus olhos. Já tinha chorado demais durante todo o velório e enterro, seu corpo já não possuía mais água ou capacidade de produzi-la para despejar novamente.

— Venha querido. Temos muito que organizar — Disse sua mãe.

Não vamos mexer em nada! Queria gritar Pedro. Seu avô mal tinha sido colocado debaixo da terra e seus filhos já queriam se livrar de seus pertences? Apagar sua existência como se não fosse nada?

— Você se importaria de cuidar do quarto dele, Pedro? — Perguntou tia Lúcia, os olhos vermelhos como ele suspeitava que os seus estivessem, a simpatia evidente lá.

Todos sabiam que Pedro era o neto mais próximo de Eduardo, mais próximo até que alguns de seus filhos. E limpar seu quarto parecia ser uma honra que eles guardaram somente para ele, uma forma de consolar o jovem, ainda nem um adulto direito, que perdera não somente o avô, mas também um grande amigo.

— Tudo bem — respondeu, encolhendo-se ligeiramente sobre como sua voz saiu quebrada e sem vida.

Subiu as escadas com uma lentidão deliberada, sentindo cada passo e cada roçar de sua palma contra o corrimão. Cada vez mais que o espaço entre ele e o quarto diminuía seu coração se apertava, triste mais uma vez.

Finalmente, Pedro se encontrou em frente aquela porta. Mesmo sabendo que era impossível, tinha visto seu avô deitado no caixão parecendo tão sereno, desejou que quando abrisse a porta o visse sentado na cama, segurando aquela velha caixa que vira tantas e tantas vezes enquanto crescia, mas que fora terminantemente proibido de se aproximar.

Entretanto, quando a porta foi aberta, tudo o que ele viu foi o quarto arrumado perfeitamente como no dia anterior, esperando ansiosamente que seu habitante voltasse.

Pedro soltou o ar.

Nem todos os desejos se cumprem, afinal.

 Havia tantas coisas no quarto que nem mesmo parecia quanto mais Pedro abria os móveis e os limpava, mais objetos e lembranças eram trazidos para fora. Não saberia mais dizer quanto tempo ficou ali, organizando tudo, mas o tempo parecia se estender todas às vezes que ouvia sons de passos do lado de fora do quarto e seu coração acelerava, ansioso por reencontrar o dono do quarto, só para murchar novamente, sentindo a realidade lhe encontrar rapidamente.

Quando todos os outros cantos do quarto já se encontravam limpos Pedro seguiu para o guarda-roupa, o último lugar que gostaria de pôr as mãos, sabendo que o cheiro tão característico do vovô, aquele de amaciante e o que parecia ser pinho, estariam por toda parte e ele não poderia evitá-lo. Mas precisava fazer isso, todas as roupas do vovô Eduardo iriam para a doação, já não tinham mais uso para ninguém, e Pedro começou a colocá-las cuidadosamente em caixas de papelão deixadas ali por sua mãe, tomando todo o cuidado possível com as vestes, como se fossem um pedaço de seu avô que iria se quebrar se ele fosse descuidado.

Foi quando estava esvaziando a última prateleira, aquela lá no fundo do guarda-roupa, que encontrou a dita caixa que corroera sua curiosidade por tanto tempo.

Pausou, pensando por um momento deixar o objeto onde estava, mas mudando de opinião no último segundo. Podia ter sido impedido de ver seu conteúdo durante a infância, mas talvez o que estivesse ali fosse o último contato com o avô que Pedro tanto necessitava.

A caixa já estava em suas mãos, o coração batendo acelerado e o sangue correndo forte por seus ouvidos.

— Pedro, meu bem — Sua mãe irrompeu pela porta, assustando-o — Está tarde, vamos à casa da tia Ana, amanhã terminaremos tudo.

— Tudo bem, eu… Ah… Só preciso de mais alguns minutos.

— Claro, querido. Seu pai e eu estaremos lá fora, te esperando no carro, não demore.

Sozinho, Pedro procurou avidamente por uma mochila, precisava levar aquela caixa com ele, para ter acesso ao que tivesse dentro sem nenhum empecilho.

Lembrou-se então da mochila com roupas que deixara no quarto que era seu quando resolvia dormir na casa do avô. Seguiu para o outro lado do corredor, pegando a bolsa largada no canto do quarto e jogando a roupa pelo chão.

A caixa quase não coube, seu tamanho sendo um pouco maior do que imaginara em um primeiro momento.

— Pedro, vamos nos atrasar! — Seu pai chamou da sala.

— Já estou indo — gritou de volta.

Enfim fechou o zíper e correu para fora.

***

Tia Ana não era sua tia de verdade, nem mesmo tia de qualquer pessoa da sua família, porém ela era uma grande amiga da adolescência de seu avô, portanto fora adotada como família, não importando a falta dos laços consanguíneos.

A casa da tia Ana ficava muito distante do vovô, quase do outro lado da cidade, por culpa de seus filhos que insistiam que os pais deveriam morar perto deles, por isso a viagem foi longa, o peso no colo de Pedro parecendo ficar cada vez mais pesado com o passar do tempo. O silêncio massacrando os três passageiros do automóvel.

— Que tal você deixar sua mochila aqui, filho? — sussurrou o pai de forma suave quando ele saiu do carro arrastando a bolsa ao seu lado.

Pedro hesitou, as palavras demorando a se fixar em seu cérebro por um instante.

— Claro, desculpe.

Conversas altas e animadas os receberam quando se aproximaram do portão de entrada. Parecia que toda a família, filhos, netos, sobrinhos, tinha se reunido ali para jantar depois do dia incrivelmente longo e cansativo que todos tiveram.

— Venham para dentro — Chamou Ana da cozinha — O jantar está quase pronto — Ela era uma senhora de quase sessenta anos que apresentava, agora mais do que nunca, os sinais de idade, a pele já estava toda enrugada, principalmente nas mãos que viviam perto das chamas do fogão, o rosto cheio de manchinhas ainda mais evidente na pele clara, os cabelos brancos aparentes entre os fios pintados e Pedro tinha certeza que a cada vez que a via parecia ainda menor do que anteriormente.

Ela também tinha substituído sua avó materna na parte de empanturrar o jovem de alimentos quando a mesma tinha falecido anos antes por conta de um AVC precoce. Pedro a amava, e sua casa também tinha sido um de seus lugares favoritos por muito tempo, mas agora era difícil voltar ali sem o vovô e com todas aquelas pessoas rindo e conversando alegremente, como se não tivessem acabado de se despedir de uma pessoa tão importante.

— Pedro, o tio Maurício está cuidando da carne com os outros homens, por que você não vai lá e deixa as mulheres aqui, fofocando? — Inquiriu sua mãe.

Ele concordou, não olhando para ninguém, mas sentindo todos os olhares queimando em suas costas com a força de um laser.

— Pobre coitado — Alguém sussurrou. — Nem imagino como deve estar sendo difícil para ele esse momento.

Sim, vocês não fazem ideia. Ele pensou com tristeza.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Comentários são sempre bem-vindos!



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