Flor do deserto escrita por Mrs Sociopath


Capítulo 10
Capítulo 9- Fique de olho nele.




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Amanheceu. Diferente do dia anterior, estava nublado e bastante frio. Londres já dava os sinais de que o inverno estava próximo de chegar. Levantar-se da cama em dias assim não era tão fácil, principalmente depois de uma noite mal dormida. Emanuelle tinha esquecido de colocar o despertador no celular, e quando acordou viu que faltavam vinte minutos pras oito horas. A doutora deu um pulo da cama e seguiu direto para o banheiro, onde rapidamente trocou de roupa e voltou para o quarto para arrumar suas coisas. Documentos, dinheiro, e outras coisas foram parar rapidamente na bolsa. A doutora se olhou no espelho, e abriu a caixinha de jóias para pegar um brinco pequeno, então deu de cara com o Pen Drive. Respirou fundo, e pensou: “o que eu faço com você? ”. Decidiu levá-lo consigo, o colocando dentro da carteira. “Não -pensou- não posso arriscar perder isso”, então retirou o objeto, e colocou no bolso da calça. Saiu rapidamente do quarto com as chaves de casa na mão. Olhou o relógio, dez minutos pras oito. Pensou que daria tempo de fazer uma torrada com café e comer no caminho, e se dirigiu à cozinha. Assim que transpassou a porta da cozinha, deu de cara com um homem sentado à sua pequena mesa de jantar, vestido com um termo simples. Um suntuoso cachecol azul e um sobretudo preto estavam pendurados na cadeira ao lado, e o homem de olhos claros olhava friamente para a doutora. Emanuelle, se recuperando do susto, falou:

— Sherlock!! De novo?! Que tipo de distúrbio você tem, pra ficar invadindo minha casa?!

Sherlock apertou os olhos e fez uma cara de “ofendido”, então falou propositalmente num tom infantil:

— Eu fiz seu café da manhã.

— Você...o quê?

Sherlock se levantou e tirou do micro-ondas um sanduíche de queijo e presunto, pegou uma xícara no armário e colocou o café fresco que fervia na cafeteira. Colocou tudo em cima da mesa, deixando Emanuelle boquiaberta. E quase num fôlego disse, enquanto vestia o casaco e colocava o cachecol no pescoço:

— Você tem dez minutos, encontro você lá embaixo.

Sherlock saiu, deixando Emanuelle boquiaberta perto da porta. A doutora sentou-se na mesa, arrastou o prato para perto de si e, antes de comer, deu um gole no café.Emanuelle se espantou, a bebida estava do jeito que ela gostava: sem açúcar, sem leite e fresco. “E ele ainda diz que não consegue me ler”, falou para si mesma.

Sherlock estava sentado à mesa que fica do lado da escada de saída, onde a sra Hudson muitas vezes servia seu cafezinho com biscoitos. Sherlock devorava rapidamente alguns biscoitos de manteiga que estavam numa bandeja no centro da mesa. A doce senhora dava um risinho da cena, e disse:

— Você esqueceu de tomar café hoje?

— Eu não tomo café da manhã. Hum -disse de boca cheia- o que a senhora coloca nesses biscoitos?

— Você tem os seus segredos, eu tenho os meus -respondeu, enxugando as mãos num pano de prato, e se sentou na mesa.

Ambos ficaram em silêncio. Ela estava abrindo  e olhando o pano onde tinha enxugado as mãos,  e então o dobrou, colocou sobre a mesa e quebrou o silêncio:

— Pobre moça. Passar por tanta coisa assim. Deve ter sido terrível -disse de maneira pesarosa.

Sherlock permaneceu calado, com o olhar fixo na bandeja no centro da mesa, agora vazia. Sua mente trabalhava. Revisava tudo o que foi dito por Emanuelle. Em sua mente, ele visualizava uma ficha com a foto da jovem, e as informações sobre ela eram divididas em títulos: “dados objetivos” e “dados subjetivos”. Dotes físicos, preferências, origem, hobbies, gostos, tudo estava dentro do quadro de “objetivos”; mas uma interrogação grande preenchia o quadro de “subjetivos”. Então ele arriscou e palavras começaram a se formar:

Trauma conjugal vivido: medo de se relacionar amorosamente com o sexo oposto.

Medo constante vivido: ansiedade contínua.

Opressão vivida: não aceita ser subestimada nem submissa.

Sherlock não conseguiu extrair mais dados, a partir do que ouvira na madrugada. O fato de estar lidando com alguém que ele não tinha o controle, ainda o incomodava; mas ao mesmo tempo lhe dava um certo prazer: desvendar o desconhecido.

Sherlock foi trazido de volta dos seus pensamentos ao ouvir o barulho das escadas, Emanuelle estava descendo.

— Bom dia querida -falou a Sra Hudson, enquanto se levantava da mesa, ao mesmo tempo que Sherlock.

— Bom dia -respondeu a jovem com um sorriso discreto.

— Querida, eu já avisei ao Sherlock,  hoje não vou estar em casa quando voltarem. A minha sobrinha adoeceu e precisa de ajuda para cuidar do filho pequeno, e acho que vou precisar passar a noite lá.  

— Tudo bem senhora Hudson, acho que consigo sobreviver uma noite sem seu delicioso chá.

As duas se despediram, enquanto Sherlock abria a porta da saída. Emanuelle abraçou a senhoria, desejou melhoras para a sobrinha dela e saiu do prédio, já vendo Sherlock estendendo a mão para um táxi.

Do outro lado da rua, numa lanchonete simples, estava sentado à janela um homem de touca escura e olhos sombrios. Tinha na sua frente um caderninho com alguns números e nomes escritos, e um pequeno notebook. Ele olhava para o táxi que tinha acabado de parar em frente ao 221b, e prestava atenção em seus ocupantes. Fez algumas anotações no caderno. Com o celular, tirou uma foto do acompanhante da doutora e se pôs a pesquisar quem era o misterioso “magricela esquisito” como ele mesmo o apelidou.

— Vai querer mais alguma coisa, senhor?-perguntou a garçonete com um coque bem mal feito no cabelo.

— Ah, não obrigada. A senhora sabe dizer quem é que mora ali naquele apartamento? -disse apontando para o 221b- penso em comprar uma casa nessa rua, e achei aquela moradia bem propícia.

— Ah, quem mora ali é um detetive famoso, Sherlock Holmes. O nome dele vive aparecendo nos jornais. Mas acho que essa casa não está à venda. Acho que a do fim da rua o dono está vendendo.

— Certo, certo. Obrigada - o homem engoliu em seco- acho que volto aqui mais tarde para almoçar. Vocês estão abertos até que horas?

— Até às seis horas da noite senhor.

— Certo, ainda dará tempo de passar por aqui então. Traga a conta por favor.

A garçonete acenou com a cabeça e deu a meia volta para buscar a conta no balcão. Assim que a garçonete virou as costas, o homem praguejou palavrões para si mesmo, enquanto pensava: “é Sherlock que mora com ela?! Maldição! Agora vai ser dez vezes mais difícil!”. Pegou então o telefone, digitou alguns números, e esperou o atendente do outro lado da linha responder, no mesmo instante que abria seu notebook.

***

A viagem até o St Bart’s foi feita boa parte do caminho em silêncio. Sherlock não parava de teclar o seu celular, enquanto Emanuelle olhava pela janela do carro, perdida em seus pensamentos. Quando estavam na metade do caminho, Sherlock quebrou o silêncio, enquanto ainda teclava:

— E seu pai?

— Como?

— O que aconteceu com seu pai depois daquele e-mail?

— Ah…-o semblante da jovem caiu instantaneamente, ao lembrar do ocorrido. Ela respondeu olhando pela janela do carro- eu não sei. Não tive mais nenhuma notícia dele depois daquele dia. Se está morto, se está vivo, sinceramente não me interessa.

Novamente o silêncio caiu entre os dois, o que durou apenas alguns minutos:

— Eh...por sinal, obrigada pelo café da manhã -falou a doutora, com o olhar fixo para o chão do carro.

— Eu sabia que você se atrasaria, não foi uma noite fácil -falou friamente, parando de teclar e  olhando para janela- então como eu não queria me atrasar, fiz seu café. De nada.

O resto da viagem passou rápido,  e dentro de minutos eles chegariam ao hospital.

***

O telefone tocou algumas vezes, e do outro lado da linha atenderam com um brusco rosnado mal humorado:

— O que você quer à essa hora da manhã Wilson?

— Calma meu amigo, você não sabe que minhas propostas sempre valem a pena? -falou ironicamente enquanto teclava rapidamente o que tinha escrito no bloquinho- Preciso que você fique de olho numa pessoa para mim hoje. Quero que me dê todos os passos dele, e que a cada movimento você me mande uma mensagem.

— Isso vai ser fácil. Tem algo mais no meu nível de dificuldade?

— Por enquanto só isso. Se eu precisar de alguma intervenção eu aviso.

— Entendi. Quem ele é, e onde está agora?

O homem olhou ao redor,  viu que só havia ele na lanchonete, e a garçonete estava ocupada contando o troco para entregar ao seu único cliente. Wilson então respondeu baixinho:

— É Sherlock Holmes, e ele saiu com uma mulher faz alguns minutos, num táxi.

— Sherlock Holmes!?-berrou o homem do outro lado da linha- isso é uma pegadinha ou você quer realmente me ferrar de uma vez? Já ouviu falar nesse cara? Ele tem olhos e ouvidos nas costas! Ele vai acabar percebendo.

— Por isso que eu conto com seu profissionalismo e discrição -interrompeu em tom severo- use seus meios, e me dê resultados. Não me obrigue a lembrá-lo quem foi que o tirou da sarjeta.

O homem do outro lado da linha deu um longo e pesaroso suspiro, então disse:

— Onde ele está agora?

— Espere um momento.

Wilson observava a tela do notebook, nela havia um mapa da cidade com várias bolinhas que se moviam pelos traços que indicavam as ruas. Em cima de cada bolinha havia uma série de números e algumas letras; eram placas de carros. Wilson estava observando um programa que ele hackeou da prefeitura de Londres, que informava a localização, em tempo real, dos táxis registrados. Então, depois de alguns minutos falou:

— Ele está no hospital St Barts. Acabou de chegar. Quando eu desligar mandou para você a foto dele.

— Entendi. Manterei você informado.

— Excelente.

Wilson desligou o telefone, e passou uma mensagem com a foto do detetive, tirada a pouco tempo atrás. Nesse tempo a garçonete chegou com o troco. O homem agradeceu, levantou-se e saiu em direção ao 221b.

***

Chegaram em pouco tempo ao hospital. Sherlock rapidamente disparou para fora do táxi quando o carro parou. A doutora deu um longo suspiro e, ainda sentada, estava tirando o cartão de crédito da carteira para pagar a viagem. Mas quando ela levanta os olhos da bolsa, se surpreende com Sherlock de pé, do lado do motorista, pagando pela corrida. A doutora franze o cenho, estava claramente confusa. Resolveu sair do veículo, enquanto o detetive esperava o troco do dinheiro. Ela ficou esperando na calçada. Quando o táxi foi embora, ela perguntou para Sherlock :

— Eu não ia pagar o táxi?

— Mudei de idéia -respondeu sem olhar para a médica, enquanto caminhava a passos rápidos para dentro do hospital, de forma que a jovem precisou apressar o passo para acompanhá-lo.

Cruzaram o saguão e subiram para enfermaria. Ao chegarem no quarto onde Mary estava internada, eles pararam na porta: o quarto estava vazio. A cama estava desarrumada e o prontuário ainda estava preso no pé da cama. “Ela ainda não recebeu alta”, pensou Emanuelle.

— Ela ainda está internada -comentou Sherlock. A doutora se esforçou para esconder um risinho. Ela tinha acabado de deduzir a mesma coisa.

— Não devem estar longe -comentou a doutora.

Ao ver uma enfermeira que passava passava perto, a doutora perguntou onde estava a paciente daquele quarto  e o acompanhante. A funcionária apontou para o fim do corredor à direita, na UTI neonatal. A doutora agradeceu e seguiu junto com Sherlock para o lugar indicado. A UTI constava de duas salas: uma pequena com uma grande vidraça que mostrava tudo o que acontecia na segunda sala, que era bem maior e cheia de pequeninas incubadoras para aqueles bebês que nasceram antes da hora, ou que nasceram com algum problema que necessitasse de cuidados especiais. Na sala menor costumavam ficar os parentes, e na maior somente tinham acesso os pais da criança. Quando Sherlock e Emanuelle cruzaram a porta da UTI, encontraram Watson de pé, olhando para a sala maior. Ele sorria enquanto observava alguém em especial. Do outro lado estava Mary, vestida com uma roupa especial necessária para poder entrar naquele ambiente estéril. Ela estava sentada e a pequena Rosie estava descansando no colo da mãe, tinha acabado de terminar de mamar. O rosto de Mary estava sereno e tranquilo, seus olhos fechados e seus lábios encostavam na testa na pequenina criança. Era uma bela cena. Sherlock e Emanuelle se aproximaram em silêncio, não queriam interromper esse momento. John olhou para a sua direita e viu Sherlock com Emanuelle ao seu lado. O detetive apenas deu um sorriso leve e com um olhar inexpressivo disse para o médico militar: “meus parabéns Watson, ela é linda, isso porque ela puxou à genética da mãe, claro.” Watson deu uma risada “bom te ver também Holmes”, respondeu o doutor. A jovem estava um pouco afastada dos dois e também observava a cena.

Emanuelle observava Mary e Rosie do outro lado do vidro. Aquela garotinha com certeza teria uma vida feliz, cresceria sob o amor e o cuidado dos seus pais. Por um momento a doutora pensou em como poderia ter sido sua vida, como poderia ter sido diferente. Pensou em como seria se sua vida tivesse sido feliz. Uma tristeza profunda abateu-se sobre o coração da doutora, as lembranças vieram com força, sua respiração ficou acelerada, e uma dor de cabeça fez suas têmporas latejarem. Ela abaixou a cabeça e fechou os olhos com força, e caminhou até a porta. John viu a expressão facial de Emanuelle e perguntou:

— Você está bem Emanuelle? - a doutora se virou e abriu a boca para responder, mas Sherlock interveio e respondeu com tom de desprezo:

— Ela só está emocionada por causa do nascimento de sua filha John, você sabe como as mulheres são emocionais, choram por qualquer coisa...

Uma expressão dura tomou conta do rosto da doutora e ela olhou diretamente para os olhos do detetive, lançando sobre ele um olhar fulminante. Ele imediatamente se calou. A jovem se virou e saiu da UTI sem dar explicações, deixando Watson com um ar de confuso e preocupado ao mesmo tempo. Do lado de fora encostou suas costas na parede do corredor deserto e desatou a chorar. Soluços suprimidos e um choro baixinho fizeram a doutora aos poucos deslizar para o chão, se sentando no chão frio do hospital. “O que está acontecendo comigo? não posso perder o controle desse jeito” dizia a doutora para si mesma.

De dentro da ala estéril da UTI, Mary olhou para o vidro e viu Sherlock e John conversando, decidiu então colocar Rosie de volta no bercinho, e se dirigiu para o pequeno quartinho de acesso entre as duas salas. Trocada de roupa, ela foi em direção aos dois homens. Beijou o rosto  de Watson, e cumprimentou Sherlock. O detetive repetiu o comentário que fez para o doutor sobre a beleza da filha deles, e isso se dever ao fato de Rosie ter puxado à genética da mãe, o que fez Mary sorrir desafiadoramente para John, como se dissesse “Ha-ha, é verdade”. Em seguida Sherlock foi direto ao ponto do motivo da visita dele ali:

— Mary, vou precisar do John o dia inteiro hoje. Vamos atrás de quem fez isso com vocês - John franziu o cenho e respondeu:

— Sherlock, não dá. Não vou deixar Mary sozinha no hospital, sem falar que não sou muito útil com um dos braços enfaixados.

— Seu braço direito está bom, o que é suficiente para puxar um gatilho. E Mary não vai ficar sozinha, Emanuelle vai ficar com ela enquanto você estiver fora.

— Emanuelle veio?-perguntou Mary- Onde ela está?

— Saiu, deve estar no corredor -respondeu Sherlock, ao que Mary foi até a porta a passos lentos, por causa da cirurgia recente. John continuou falando para o detetive:

— Você tem alguma idéia de por onde começar?

— Tenho alguns documentos, e vou pegar com Molly hoje o resto do laudo que ela fez do corpo do ex-terrorista, é claro que mais detalhado do que aquele que ela vai entregar à polícia.

John olhou para o chão, concordando com a cabeça. Então comentou em tom de indignação:

— Então vamos trabalhar sem a cobertura da polícia, contra terroristas armados até os dentes.

— Emanuelle pediu para ser assim. Mas vamos ter o apoio de Lestrade se a situação ficar fora de controle -John olhou desafiadoramente para Sherlock, e apontando o dedo para ele disse:

— Não diga que foi para atender àquela jovem que você aceitou essa condição. Você só fez isso para atender ao seu próprio ego, “o grande Sherlock Holmes sozinho desmontou o temido Hukm Allah”-disse John em tom enraivecido.

— Qual a graça de ter aqueles patetas da Scotland Yard na nossa cola? E não se preocupe, trago você de volta para a pequena Rosie.

— A questão não é só essa Sherlock; outras vidas estão dependendo disso também. Precisamos de todo apoio possível para esse caso; e sua insubordinação às autoridades não pode ser maior que a sua consciência!

Sherlock já ia responder quando Mary, que tinha saído da sala para o corredor, volta e comenta com os dois: “Ela não está no corredor”.


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Notas finais do capítulo

Fiquem ligados nos próximos capítulos. Brevemente estarei postando mais.
Bjus



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