Além do rio escrita por Wendy


Capítulo 3
Estranho amuleto




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/748963/chapter/3

[Cristina]

Enquanto Wesley assimilava a ideia, saí da cabana e fui até a gaiola de viagem para cachorros, onde Biscoito estava deitado, esperando por mim.

—Pode sair, garoto. Essa é a nossa nova casa temporária.

—Ei, você estava falando sério mesmo? –O falso índio se aproximou, ainda comendo algumas frutinhas. –Sobre aquele negócio das lendas.

—É claro. Pensei que alguém que morasse aqui também acreditaria.

—Bem, já conheci muitas pessoas que acreditam. –Colocou a última fruta na boca e limpou as mãos, esfregando-as entre si. -Mas eu não sou umas delas.

Biscoito foi para os pés do índio e fiquei com medo de que o cachorro se comportasse igual da última vez. Aquilo nunca havia acontecido. Mas, ao invés disso, ele apenas cheirou o novo conhecido.

Wesley ganhou rapidamente a confiança do pequeno. Era bom em lidar com animais. O observei, imaginando o quão sortuda eu era por ter arrumado um guia turístico bonitão. Mas logo afastei esse pensamento, era óbvio que alguém tão sério como ele nunca iria pensar em nada que não fosse o trabalho.

—Quando podemos sair para explorar?

—Pensei que estava cansada pela viagem. –Ele coçava o queixo do cão, que estava adorando.

—Não consigo descansar sabendo que estou na Floresta Amazônica. É impossível ficar parada!
—Tudo bem então. –Ele se endireitou, deixando que Biscoito saísse para cheirar o novo local. –Você já tem algum tipo de base? Sabe o que procurar?

—Tenho sim. Pesquisei muitos relatos na internet e conversei com algumas pessoas no caminho pra cá.

Wesley me observou. Provavelmente não estava acreditando que eu falava sério.

—Então quer dizer que você só vai sair por aí procurando?

—Se tantas pessoas viram, eu sei que não é impossível.

—Se teus pais não estivessem pagando tão bem, eu juro que te expulsava daqui. –Sorriu.

—Interesseiro. -Sorri de volta e lhe dei um soco leve no braço.

Pedi para que ele me esperasse e corri para a cabana, onde retirei algumas peças de roupa de uma das malas.

Escolhi uma calça verde, muito parecida com aquelas que aventureiros usam em filmes. A camiseta branca estava um pouco amassada, mas eu estava entusiasmada demais para me importar com isso. Também peguei um boné azul escuro e, por fim, botas especiais para caminhada. Estava ansiosa para estreiá-las.

Quando tirei o vestido, notei algumas manchas vermelhas na barriga.

—Droga... Mal cheguei e já fui atacada por insetos.

Depois de vestir a camiseta, deixei-a por dentro da calça e coloquei um cinto marrom que peguei do fundo da bagagem. Abri a bolsa em busca de um item muitíssimo importante: Repelente.

Passei o líquido com cheiro um tanto desagradável em minha pele, tomando o cuidado de espalhar muito bem nos braços e rosto: partes que ficariam à mostra.

Amarrei os cabelos em um coque e o cobri com o boné. Peguei também a mochila, onde havia garrafas de água, binóculos, uma grande agenda de capa preta para anotações, petiscos, remédios e um kit de higiene pessoal, além de um hidratante para os lábios e uma pequena faca, para emergências.

Ao redor do pescoço, eu usava uma pequenina caneta que deixava como pingente para uma correntinha. Costumava usá-la para fazer anotações sempre que algo viesse à cabeça, de modo que eu não precisasse sair por aí feito louca atrás de um lápis.

Estava quase saindo da cabana quando me lembrei de algo. Peguei a sacola com frutas e finalmente fui ao encontro do guia turístico indígena.

—Uau, onde está aquela patricinha que acabei de conhecer?

—Você era mais legal quando ainda era índio.

Um sorrisinho surgiu em seu rosto enquanto eu já me afastava e observou que Biscoito continuava por ali.

—Ele vai ficar bem sozinho? Não vai fugir ou ir com a gente?

—Biscoito foi muito bem adestrado. Ele sabe que deve ficar aqui, junto com as malas. Além disso, esse lugar tem um montão de coisas para ele se distrair enquanto estamos fora.

—Bem, então está na hora de ir.

Caminhamos até o rio. Meu rosto se avermelhou ao lembrar que aquele era o mesmo local em que o índio se banhava, mas logo meus pensamentos foram interrompidos:

—Até aqui tudo é calmo. Depois do rio começa a verdadeira floresta. –Disse ele. -Espere um minuto, eu vou ligar o motor do barco.

Dei alguns passos na direção em que ele estava indo, onde havia um pequeno barco branco na margem há alguns metros. Contudo, o que realmente chamou minha atenção estava mais ao lado.

—Aquilo é uma canoa?

—Ah, é sim. –Ele observou a canoa marrom, com símbolos desenhados em tinta preta e vermelha. –Ela era do meu avô.

—Por que não vamos de canoa?

O moreno parou e cruzou seus braços, me estudando com olhar.

—Você quer andar de canoa?

—Estamos na Amazônia, não? –Andei, passando por ele.

—Mas não se esqueça de que eu não irei remar sozinho.

 -Eu fiz meses de academia. Remar vai ser moleza!

Sem opções, Wesley deixou que eu subisse e foi logo em seguida. Desamarrou a corda que prendia a canoa e deu um empurrão com as duas pernas na madeira em que a mesma estava amarrada, para ganhar impulso. Enquanto flutuávamos na água, pegou um remo. Eu já estava com o meu.

A beleza do rio era inegável. Ele era imenso e mesmo depois de muito tempo remando, percebi que ainda estávamos na metade do caminho.

O pôr-do-sol era refletido na água, deixando-a brilhante e mágica. Os pássaros sobrevoavam cantando e emitindo sons. Alguns animais caminhavam por ali e a brisa refrescante batia em nossos rostos. A paisagem estava deslumbrante.

Quando finalmente chegamos, Wesley amarrou a corda em uma espécie de pedestal. Mexi meus braços, alongando-os.

—Céus! –Exclamei. -Nunca mais vou precisar de academia depois disso.

—Eu avisei. –Arrumou a franja que havia sido bagunçada pelo vento, penteando-a com os dedos.

—Vai ficar parado aí? –Caminhei floresta adentro.

Wesley revirou os olhos decidiu me seguir, correndo para ficar a minha frente, já que ele era o guia.

—O que exatamente você está procurando? –Perguntou ele.

—Pistas. Qualquer coisa que possa nos dar uma luz da existência dessas criaturas.

—Então, pelo que parece, estamos só dando uma volta por aí.

—Para um índio, você é bem irônico. Oh, veja! –Apontei para uma enorme árvore com raízes compridas que ocupavam um bom espaço. –Aqui parece perfeito.

Peguei a sacola de frutas e as retirei, arrumando nas raízes, bem próximo ao tronco.

—O que você está fazendo?

—É uma oferenda. –Expliquei. –Desse jeito eles vão saber que eu estou aqui em uma missão de paz e tenho respeito com a floresta e seus habitantes.

—Você acha mesmo que irá conseguir alguma coisa com isso?

—Você não?

Esperei por uma resposta, mas não foi preciso quando vi seu olhar de descrença, então apenas revirei os olhos e saí de perto das raízes.

—Você nunca viu algo estranho ou suspeito? –Mudei de assunto.

—Não que eu tenha reparado. –Ele era sincero. –Tudo o que acontece por aqui está relacionado com os animais, clima ou o rio.

—O que é aquilo?

Corri até um local que não estava tão coberto pelas folhas e abaixei-me olhando uma pegada.

—Ah, não. –Desanimei e me ergui novamente. Por um momento, pensei ser algo relevante, mas de perto vi que não era nada de mais. –É só a marca de um animal.

Wesley aproximou-se e conferiu. A pegada tinha o formato de uma pata de algum mamífero e nada mais.

—Cristina... –Ele estava disposto a falar, mas foi interrompido.

—Me chame de Cris.

—Cris. –Corrigiu-se e voltou ao foco. –Eu, sinceramente, não acho que conseguiremos encontrar alguma coisa por aqui. Essa floresta é gigantesca e tem centenas de criaturas. É como encontrar uma agulha no palheiro.

Mim não desistir tão rápido, índio.

Wesley olhou para cima, procurando por paciência e notou que o céu estava se fechando. Os dias estavam bem quentes ultimamente e desconfiamos que uma chuva pesada estava a caminho.

—É melhor irmos. Está quase anoitecendo e o tempo não está com uma cara boa. –Ele lembrou o quanto eu estava contente com a expedição ao notar meu rosto decepcionado e acrescentou mais uma frase na conversa. –Prometo que amanhã nós sairemos mais cedo.

—Certo.

Refizemos o caminho até chegarmos à gigante árvore de raízes enormes, mas notei que algo estava diferente.

—Você viu isso? –Me aproximei, surpresa. –As frutas sumiram.

—Estamos em uma floresta. Algum animal provavelmente as comeu.

—E o que é isso? –Peguei um pequeno objeto que estava no chão e o observei com cuidado. Mostrei para Wesley. –Parece de algum animal, pra você?

Ele estudou com muita atenção e, depois de tocar, concluiu algo que também havia passado pela minha cabeça. Aquilo parecia um dente. Muito comprido, fino e verde-claro. Mas ainda era um dente.

—Isso é bizarro... Nunca vi nenhum animal que tenha dentes assim.

—É estranho demais para ser de um bicho. Ou, pelo menos, de algum que seja nativo do Brasil. Eu estudei antes de vir pra cá!

—O que você vai fazer com isso? –Devolveu.

—Vou deixa-lo comigo. –Guardei dentro do bolso de minha calça. –Será o nosso amuleto da sorte.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!