Redenção escrita por truthbullet


Capítulo 4
Capítulo 4 — Anúncio (in)esperado;


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano novo para todo mundo e boa leitura!

Palavras usadas:

POTENCIAL - capacidade de realização, de produção, de execução; potencialidade.

AVILTAÇÃO - rebaixamento moral; humilhação, vexame.



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Eventualmente, a hora chegou.

 

A recompensa, tão desejada por sua genitora, lhe foi garantida no fim de seus dezessete anos. Entraria na escola no ano letivo seguinte, sob o título de assassina, e seria obrigada a sair, pela primeira vez na vida, do confortável vilarejo onde seus fantasmas se alojavam.

 

Diante dessa conquista, Akagane conseguia apenas olhar. Chaku estava satisfeita — o povo suspirava de alívio — e Meiko preparou sopa de marisco com ovos e fez seu pai fugir do campo para comemorar junto à filha. Ambos pareciam  felizes, algo que a princesa era incapaz de entender.

 

Era estúpida para numerosas coisas. Inclusive, sentir. Não aprendeu a dar sorrisos de porcelana, como a criada, a uma vida de distância, nitidamente fazia bem. Sua alma flutuava, perdida, no limbo entre escassez e abundância, instável o suficiente para que não permanecesse por muito tempo perto de um ou de outro.

 

— Eli-chan não vem? — perguntou Meiko, atenciosamente enchendo sua tigela de barro com sopa.

 

— Cuidando dos escravos. — murmurou de volta. O pai assentiu.

 

— Ela anda fazendo milagres ultimamente. A jovem é como uma entidade celestial. — abocanhou um pedaço de ovo. Sua voz, fraca por cordas vocais calejadas, trouxe uma pontada dolorida ao peito da filha. De repente, o pequeno marisco boiando em caldo pareceu nocivo o suficiente para que seu estômago embrulhasse. — Para nossa sorte, a Imperatriz não se importa com a presença dela, e os capatazes não parecem ter coragem de expulsá-la dos campos.

 

Talvez porque enxerguem quem está à espreita, pensou. Talvez estivesse pensando demais.

 

— Oh… É ótimo saber que vocês têm esse tipo de suporte. — a criada sorriu a Akimitsu, que retribuiu, estendendo-lhe um prato de sunomono.

 

— Sim. Apenas desejava que ele tivesse vindo mais cedo. — suspirou, pensativo. — Algumas crianças agradeceriam.

 

O conhecido silêncio subiu pelo ar, selado pelo cenho franzido da criada, que assumiu uma expressão triste e voltou à sopa. Akagane não ousou suspirar, mas a sensação profusa insistia em tentar sair.

 

Queria levantar e sair, sob a desculpa de que seu apetite tinha acabado. Mais uma vez, sentiu que estava se repetindo.

 

— — — — —

 

Andar na rua tinha deixado de ser tão ruim.

 

Não era mais a assassina frágil que deixara a arena carregando um cadáver. Nem uma máquina de matar. Era a princesa e tinha salvado a vida de uma garota, sem feri-la ou deixar de tratá-la com respeito em nenhum momento. Talvez a própria Elvira tivesse pintado essa imagem, já que Akagane não tinha energia suficiente para se importar com isso.

 

Ah, é. O nome da garota era Elvira (ou, por como conseguia pronunciar, Erubira). Não só era uma excelente enfermeira e ativa admiradora da assassina — sua “salvadora”, dizia —, como um anjo encarnado no geral. O brilho nos olhos dos desesperançados escravos, aos quais fornecia tratamento desde poucos dias depois de chegar ao vilarejo, suavizava um pouco da escuridão crescente da capital.

 

Honestamente, Akagane acreditava que ela era o único motivo para que não criassem uma revolta (provavelmente falha) contra o império. A presença dela trazia paz a um período sombrio e, de certa forma, ao seu coração.

 

Não que fosse admitir isso algum dia, é claro.

 

Puxando as rédeas sobre seu estupor, continuou andando na direção de seu objetivo. Anêmonas cercavam o caminho de terra batida, junto de ocasionais manchas escuras de sangue, assegurando-a de que se dirigia ao lugar certo. Logo, pôde encarar as máscaras impiedosas de capatazes, reunidos em grupo, encarando fixamente o banco onde uma criança ferida se sentava.

 

Como o previsto, Elvira sentava-se ao seu lado, as mãos afáveis cuidando de largas marcas deixadas pelo chicote de algum deles. O menino mordia o lábio inferior com força, tentando segurar o choro a todo custo, enquanto ouvia delicadezas da parte da enfermeira. Sem hesitar, a assassina se aproximou, ciente dos olhos que se grudaram às suas costas.

 

—… E então, o homem sem coração finalmente foi feliz. — sorriu ao menino, que retribuiu, nervoso, entre quase-lágrimas. Ela deu um tapinha no curativo transparente, que cobria uma ferida anormalmente disforme. — Diga para sua avó que ela é a próxima. — dispensou-o, agora olhando para Akagane, com um sorriso ainda maior. Pôs-se em pé e se apressou na direção da amiga, que por sua vez, andava em passos lentos. — Akagane-chan!

 

A assassina parou onde estava, aguardando que ela chegasse perto.

 

— Vim comunicar-lhe uma coisa. — murmurou, os braços cruzados. Por algum motivo indecifrável, era mais difícil falar aquilo para o rosto empolgado da enfermeira.

 

— Hmm. O que é?

 

— A partir do ano que vem, estarei me mudando para a Academia.

 

A enfermeira assentiu, ciente do lugar ao qual ela se referia. Akagane tinha comentado sobre ele há bastante tempo, citando a probabilidade de ir até lá em breve. Ficou em silêncio, como se perguntasse “o que eu tenho a ver?”

 

— E você vem junto. — completou.

 

Elvira tomou um instante para compreender o que lhe era dito. Quando ele passou, seus olhos se iluminaram, e no segundo seguinte, seus braços estavam pendurados ao redor da assassina.

 

— Waaah, Akagane-chan, nós vamos estudar juntas!!! 

 

—… E-Elvira…! — exclamou, num tom amargo e repreensivo, enquanto a garota citava mil coisas e a fazia girar para tentar soltá-la. Com qualquer outra pessoa, teria forçado seus braços para longe, mas agora, sentia que tudo em si dizia para não machucá-la de forma alguma. O rosto sorridente, que via casualmente pelo canto dos olhos, a bloqueava mais ainda. Sentiu os olhares dos capatazes fincados em suas costas, numa pura demonstração de aviltação, e foi trazida de volta à realidade. Abaixou o tom de voz, irracionalmente irritada. —...Tch, desce daí...!

 

A garota, forçada a permanecer parada, por fim se soltou, aterrisando suavemente no chão. Akagane quis xingá-la, mas sua expressão de pura felicidade travou qualquer instinto.

 

— Akagane-chan, eu estou tão feliz! — pareceu prestes a começar a chorar, o que mandou completo pânico por todos os nervos da assassina e a fez ficar tensa, mas logo recuperou um pouco da compostura. — M-Mas ainda temos que ver como vai ficar a situação dos doentes. E do seu pai.

 

Ela suspirou. Ok, estava tudo bem de novo. O potencial de Elvira para deixá-la nervosa era inaceitável.

 

— Ele vai ficar bem. — concluiu, tentando acalmá-la. — Posso tentar fazer um trato com a minha mãe para cuidar dos doentes. Ela é suscetível a isso, se significa manter minhas rédeas curtas.

 

Elvira assentiu. Enquanto a levava para a casa da idosa a quem atenderia, Akagane só conseguia espiar o céu acima de si em reflexão.

 

O que aquela escola tinha a oferecer? Com certeza, não o suficiente para fazê-la sentir que o jogo de matança tinha valido à pena. Nada seria capaz de fechar aquelas feridas.

 

Porém, talvez, tivesse algo um pouco mais positivo que a dor que sempre esperava.

 

E contanto que Elvira estivesse ali, sentia que as coisas ficariam bem.


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Notas finais do capítulo

Esse fim foi bem rushado porque eu planejava fazer um isoladamente para a jornada delas na escola, mas me embolei em função de um amigo secreto e não consegui postar, nem atrasado. Da mesma forma, espero que tenham gostado!



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