A Última Peça escrita por truthbullet


Capítulo 4
Capítulo 4 — Disforme encontro;


Notas iniciais do capítulo

Postando beem atrasado em função de um amigo oculto. Boa leitura ♥

DISFORME - sem forma; feio, grotesco, deforme;

PROTESTO - ato ou efeito de reclamar; queixa, reclamação.



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A discussão pareceu quebrar o vínculo já frágil entre os dois.

 

Não houveram mais ligações. A detetive não ousava, nem quando tinha algum pesadelo, como já fizera algumas vezes, e sem essa iniciativa, elas se encerraram. Precisou de alguns dias para digerir o acontecido — afinal, há tempos não tinha se enfiado em um caso tão perigoso, e Mitsuru não foi o único a repreendê-la por sua inescrupulosidade —, e por opção própria, manteve todos os detalhes para si mesma. Nem Bertuolo sabia de tudo, e ele era o único motivo para ela ter saído de lá quase ilesa.

 

Tudo se acalmou e sua vida seguiu normalmente — ou ao menos, dentro de sua definição de normal. O mundo estava cada vez mais próximo do que conhecia antes do desespero, então a complexidade de seus casos ia diminuindo. Logo, investigava menos mistérios e mais clichês, os quais era capaz de resolver em questão de minutos.

 

E o nó continuava, muito disforme, junto da sensação dormente de que algo faltava.  

 

— — — — —

"Detetive Karen Acceuli?"

 

A voz carregada de sotaque atiçou sua curiosidade. Nitidamente japonesa, a possível cliente inesperada a olhava, do outro lado de seu escritório. O porte sério e os trajes elegantes a faziam pensar em alguma madame, então de imediato, presumiu que fosse mais alguma investigando o marido ou os filhos.  

 

“Sim, esta sou eu.", respondeu, reparando que soava muito séria e regulando o tom de voz, buscando passar tranquilidade. "Em que posso ajudá-la?"

 

A mulher parecia desconfortável. O ambiente, mesmo que se encaixasse perfeitamente na figura peculiar da detetive, destacava, de forma quase gritante, qualquer pessoa diferente. "Não irei me estender além do necessário.", começou, sem hesitar, encarando-a profundamente e com reciprocidade. "Eu preciso que encontre alguém para mim."

 

"Oh.", abaixou a tela do notebook e sinalizou para a cadeira do outro lado da escrivaninha. "Posso fazer isso. Entretanto, antes de qualquer coisa, não quer se acomodar?"

 

O convite foi efetivo. A postura dela se suavizou, e após alguns instantes, se acomodou, cruzando as pernas. Agora que a via de perto, Karen via algo vagamente familiar nela; os cabelos escuros, traços delicados, olhos esverdeados…  

 

Parou de analisá-la, tendo que se lembrar que aquele não era seu objetivo. Era incomum que se perdesse no rosto de seus clientes, então se censurou de imediato.

 

“Claro. Perdoe os meus modos. Atendo pelo nome de Kobayashi Matsuri, Acceuli-san. É uma honra poder encontrá-la em pessoa.”

 

“O café recém ficou pronto. Sinta-se à vontade para se servir, Matsuri-san.”, buscou um bloco de notas dentro de uma de suas gavetas, afastando o notebook para facilitar o contato visual, e puxou uma caneta de trás da orelha. Enquanto isso, Kobayashi servia uma xícara para si mesma do outro lado da mesa. “Fico feliz por despertar esse sentimento, apesar de não imaginar um porquê.”, pausou, começando suas anotações. “Primeiramente, preciso saber o mais importante. Seu alvo e os motivos para procurá-lo. Não há necessidade de se alongar nos detalhes, mas por razões legais e pessoais, preciso ter certeza de que a senhora não é uma stalker ou possui más intenções.”

 

“É raro encontrar tal modéstia. Ainda mais considerando que se trata da responsável pela prisão do líder da família Kazayaki.”, respondeu, após um gole. Mesmo sem hostilidade na voz, o tom trouxe leve incomodação à detetive. Kobayashi não esperou que desse mais detalhes. “Compreendo.”, livrou-se da xícara, a colocando em cima da mesa, e voltou a pousar as mãos sobre o colo, voltando a fazer contato visual. “Mitsuru Kazayaki. Acredito que a pessoa em questão ainda atenda por esse nome, caso esteja vivo.”

 

Karen baixou a cabeça para continuar a anotar. Porém, teve que fazer uma pausa de um segundo para absorver o que acabara de ouvir. Os motivos para a vinda de Kobayashi se tornaram subitamente óbvios.

 

“... Certo. Continue.”

 

“Ele é o meu irmão caçula. Eu abandonei o nome Kazayaki anos atrás.”, neutra e paciente, ela não pareceu notar a hesitação. Bingo.

 

A curta explicação foi suficiente. A detetive deixou o bloco de lado, novamente pegando o notebook. Por sugestões de seus próprios clientes, deixou formulários longos e pranchetas de lado, e passou a deixar que preenchessem suas informações através de formulários online.

 

“Não imagino que eu vá ter alguma dificuldade em encontrá-lo. Após a prisão de Kazayaki-san, consegui reunir informação suficiente para tracejar a vida de qualquer um dos membros da geração atual da família. Entretanto, se quiser compartilhar o que considerar útil, pode facilitar mais ainda.”

 

“Perdoe-me, mas não acredito que eu possua alguma informação útil além do nome.” suspirou, desviando o olhar. “Na última vez em que que o vi, éramos crianças.”, seus lábios formaram uma tentativa de sorriso, quase entretido. “Provavelmente não cresceu muito. Agradeço pelo café.”

 

…. Definitivamente, é ele, pensou, finalmente tendo acesso à sua conta no site. “Não há necessidade de se desculpar nem agradecer. Café é sempre uma boa forma de começar uma relação diplomática.”, virou o notebook para ela. “Antes de fechar negócio, precisarei que você preencha um formulário com suas informações, Matsuri-san.”

 

— — — — —

A pessoalidade com a qual tomou aquele caso a assustava.

 

Não devia se sentir daquela forma. Era antiético. Antiprofissional. Tudo bem, tinha o costume de ser empática quando imaginava que, caso mexesse os pauzinhos, haveria um final melhor para a situação. Entretanto, estava preocupada de verdade.

 

Sabia que aquele sentimento era diferente da compreensão habitual, mas não admitiria isso. Nunca.

 

Por isso, que tinha feito questão de voltar a ligar para ele e mentir que precisava da sua ajuda para um caso novo. Encontrando-o, se limitou a abraçá-lo; um gesto inesperado para os dois lados. Porém, não houve nenhum protesto.

 

Foi o contrário. Após um longo instante de silêncio, o armeiro se pronunciou, gentilmente envolvendo seus ombros num meio-abraço. Seguindo o próprio instinto, a detetive afastou a segurança que ele lhe trazia.

 

“Eu senti sua falta.”

 

Ela hesitou. Baixinho, com a cabeça em seu ombro, conseguiu responder. “Eu também.”


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