Túmulo escrita por truthbullet


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

O desafio de hoje, dia 30, envolvia três regras básicas: 800 palavras, duas palavras entre as presentes no Desafio de Novembro (as escolhidas foram promontório e livre), e três palavras também presentes no Desafio para inserir ao longo do texto (peso, refúgio e alfabética).

Boa leitura!



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Naquele ano, Karen se obrigou a ir.

 

Aquele ano em específico era diferente. Nele, sentia que as coisas estavam melhorando de verdade, pela primeira vez em décadas. Apesar de diversos altos e baixos nos últimos cinco verões, este deu-lhe espaço para amadurecer, como pessoa e, acima disso, como amiga.

 

Por causa desse último fator, teve que ir. Se não fosse, permaneceria eternamente acorrentada ao chão.

 

Entretanto, os meses que se passaram a fizeram entender que não precisava se soltar por conta própria. Tinha ajuda disponível, dessa vez não tão longe, tanto física quanto psicologicamente — ao alcance de uma ligação.

 

Não ficou surpresa em receber uma resposta positiva, apesar de ter notado a hesitação na voz dele. Mitsuru não parecia ser o tipo de pessoa que ia a cemitérios; talvez já fosse rodeado por fantasmas suficientes para inibi-lo de visitar outros. Uma pontada de culpa pesou em seu estômago, despertada pela possibilidade de ter-lhe trazido desconforto, mas foi espantada rapidamente pelo lembrete de palavras que ouvira há não muito tempo.

 

“Eu também preciso que você confie em mim, detetive-san.”

 

É. Confiar nele. Mitsuru diria se estivesse desconfortável com a ideia, e se não dissesse, sua postura denunciaria isso. Já devia ter desistido de tentar disfarçar qualquer coisa perto dela, já que a garota o lia com mais facilidade que qualquer outra pessoa.

 

—————

 

Mesmo que se sentisse relativamente segura, ler a placa de entrada do cemitério lhe trouxe um calafrio.

 

“Okunoin…”, murmurou, sentindo suas costas se arrepiarem de súbito. Nunca estivera ali e só recentemente abordou o local de maneira investigativa. Espiou Mitsuru pelo canto dos olhos. “Já esteve aqui?”

 

Ele negou com a cabeça. Era uma resposta já esperada, então silêncio tomou conta da atmosfera plana e vazia de perguntas. Despertada por uma brisa gentil, Karen voltou a andar, avançando para os degraus de pedra.

 

O Cemitério de Okunoin, a maior e uma das mais antiga necrópoles do Japão, possuía características únicas, vinda de uma mistura de beleza, morbidade e raízes do natural. Cercava-se de árvores e grande parte da iluminação provinha do próprio sol. Após degraus e corredores, estavam as lápides, separadas em ordem alfabética, mal mostravam sinais da restauração forçada pela qual estiveram que passar, quase se igualando às pedras novas, recém posicionadas.

 

Procuraram pelo túmulo escolhido num silêncio mórbido. Demoraram, pulando várias fileiras, até encontrarem a sílaba desejada.

 

Fujimoto Sora.

 

Uma imagem mental foi suficiente para fazer com que seus olhos ardessem. Porém, não permitiria lágrimas — afinal, queria se libertar daquilo e dar ao seu melhor amigo morto a sensação de alívio que sabia que ele buscaria. Sora jamais desejaria vê-la chorando ou sofrendo de qualquer forma por sua causa; se soubesse disso, sentiria-se um péssimo amigo.

 

Secou seus próprios olhos, levemente umedecidos, e fungou. Sempre que lembrava do corpo caído no chão da despensa, feito uma marionete com as cordas cortadas, seu estômago se embrulhava. Caía naquele mesmo poço, que sempre tentou disfarçar desesperadamente, e falhava em subir de volta sozinha.

 

O promontório temporário da escola, triste e sozinho na noite, nunca tinha lhe parecido suficiente. Agora, o túmulo propriamente dito, a fazia entender que nenhum buraco no chão seria suficiente para Sora.

 

“Eu sinto muito”, conformou-se em murmurar, a voz levemente trêmula. Sentia uma necessidade enorme de pedir desculpas a alguém. “Eu não deveria ter desgrudado os olhos de você. Eu sinto muito.”

  

Foi puxada de leve para o lado, e logo sentiu dois braços envolvendo seu corpo com gentileza. Por costume, apoiou a cabeça contra o ombro dele, relaxando a postura tensa pela angústia. Suas pálpebras desceram, mais calmas pelo sentimento de segurança. Deixou que os próprios braços subissem para os ombros dele, apertando-os, como se para confirmar que ele estava ali e não desapareceria de sua vida de novo.

 

“Nada disso foi sua culpa.”, ele conseguiu sussurrar, encarando o nada atrás dela. Exatamente como no passado, Karen tinha se abrigado em seu refúgio favorito.

 

“... Foi. Eu sei que foi.”

 

“Não.”, ele não era bom com palavras, mas era óbvio que estava tentando, ao contrário de tantas outras vezes nas quais se limitou ao silêncio. Um abraço, sozinho, não resolveria aquela situação. "Ninguém pensa isso, Karen. Todos nós ainda confiamos em sua capacidade."

 

Aquilo foi suficiente para fazê-la ficar em silêncio total. Mordeu o próprio lábio, um pouco mais trêmula.

 

"Ele está incluso em ninguém.", reforçou, espiando o túmulo pelo canto do olho, como se espiasse um fantasma.

 

Sabia que Mitsuru estava sendo absolutamente sincero, porque essa era a natureza dele quando se tratava dela. Seu coração ficou levemente confortado, fazendo-a fechar os olhos.

 

"Obrigada, Mitsuru.", conseguiu articular. Era uma das primeiras vezes em que o armeiro a deixava sem palavras.

 

Silêncio definitivo subiu ao ar. A harmonia da morte, da qual escaparam tantas vezes, finalmente os englobou. 

 

Tudo ficaria bem.


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