Gina, A Incapaz escrita por Napalm


Capítulo 1
Professora Gina




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Tropeçando e entortando algumas vezes os calcanhares sobre os sapatos, Guilhermina Geliott(ou como era chamada pelos mais íntimos, Gina), corria pela calçada movimentada da metrópole. O barulho dos carros passando e buzinando num ritmo doentio abafava sua voz, que dizia para si mesma: “Estou atrasada! Estou atrasada!”. Puxou para cima a manga esquerda do blazer preto que usava, esperançosa em saber que horas eram, mas apenas constatou que esquecera seu relógio de pulso. Sem diminuir a velocidade dos passos, caçou pelo celular, mas sua mão não esbarrava em nada parecido dentro da bolsa de couro preta que levava às axilas.

—Por favor, - Gina se virou para uma idosa de massa corporal elevadíssima que passava, - Poderia me informar as horas?

—Não.

 

Gina percebeu um carro amarelo passando e gritou:

—Táxi! Táxi!

O carro parou e Gina correu para adentrá-lo. Sentou-se no banco traseiro e ordenou ao motorista, ofegante:

—Final da avenida, moço.

O taxista pisou no acelerador, arrancando o carro de forma feroz de onde estacionara e bateu no poste do outro lado da rua. Devido ao baque, Gina voou na parte traseira do banco, que era acolchoada. Já o motorista não teve a mesma sorte e jazia com a cabeça sangrando através do vidro.

Gina avistou o ônibus parando no ponto que ficava há alguns passos dali. Deixou o táxi, sempre arrumando a alcinha da bolsa que teimava em cair de seu ombro e correu para o ponto. Subiu as escadas e sentou-se num dos assentos traseiros, respirando aliviada. Perto dos assentos onde estava, havia um grupo de adolescentes vestidos de forma esfarrapada, ouvindo músicas pelo celular cujo palavreado era de muito mau gosto aos ouvidos de Gina.

—Será que vocês não tem um fone?! - Gritou alguma pessoa lá na frente, que Gina não conseguiu distinguir.

O adolescente com o celular que tocava música apenas ignorou. E continuou balançando a cabeça ao ritmo do som. Gina o perguntou:

—Será que poderia me informar as horas, moço?

No exato momento em que o adolescente levantou o celular a altura do rosto para que pudesse ver as horas e informá-las como um bom cidadão, teve de sua mão o objeto retirado por uma mulher que trajava-se como um pedreiro. O celular foi atirado pela janela. Uma ovação começou no ônibus. Bateram palmas e estouraram balões.

Quando finalmente encontrou seu celular na bolsa, ele foi tirado de suas mãos por um assaltante, que levou consigo a carteira e outros objetos de todos no ônibus.

 

 

Seu ponto chegou. Uma velhinha interditava a descida do ônibus, demorando pelo menos 30 segundos para cada degrau. Quando estava no último, a senhora percebeu que deixara cair uma moeda de um centavo no primeiro degrau e voltou todos para buscá-lo.

—Minha senhora, por favor, estou atrasada! - Gina disse.

—Cale a boca.

 

Gina correu até o portão de uma escola e subiu as escadas para o andar onde ficavam as salas. Entrou pela porta e olhou ao redor. As carteiras da sala de aula jaziam vazias, exceto por um grilo a tilintar.

—Professora? - Perguntou uma criança atrás dela, que havia acabado de vir do banheiro e esquecera o zíper da calça aberto.

—Onde estão os outros coleguinhas? - Perguntou Gina.

—Foram embora deve ter umas duas horas. Só eu fiquei.

—Eles foram embora sozinhos?

—Sim. Eu disse para esperarem e que a senhora iria vir. Eles esperaram um pouco, mas depois não consegui detê-los.

—Tá, qual é seu nome, mesmo?

—É Leandro.

—Leandro, fique aqui. Eu já volto.

Gina trancou o menino na sala e correu pelas escadas. Parou diante ao porteiro:

—Você deixou as crianças saírem da escola sozinhas?

O porteiro respondeu:

—Pensei que você estivesse com elas. Saíram umas trinta crianças daqui faz um tempo.

Gina levou a mão a cabeça, como num ataque de stress.

—O que eu vou fazer? Os pais dessas crianças virão daqui meia hora buscá-las!

O porteiro a ofereceu maconha.

 

 

Gina correu para seu escritório e alcançou sobre sua mesa uma foto emoldurada dela com a sua turma. Riscou com a caneta a cara de Leandro e correu para fora da escola. Foi correndo pela calçada até avistar uma senhora lavando seu jardim com uma mangueira.

—Senhora, viu alguma dessas crianças? - Gina mostrou-lhe a foto de trinta crianças.-Será que viu alguma delas aqui por perto?

—Não, não. Posso afirmar que nunca vi nenhuma delas na minha vida.

—Mas a senhora vive do lado do colégio, já deve ter visto alguma delas alguma vez...

—Oh, pensando bem. Estes tênis rosas que esta garota está usando na foto, são os mesmos daquela menina ali ó. - E apontou duas pessoas passando de mão dadas na calçada do outro lado da rua. Uma delas era um homem barbudo, com um turbante na cabeça e a outra, uma pessoa de porte baixo, totalmente coberta por um véu negro, exceto os pés, que calçavam tênis exorbitantemente rosas.

—Jessica! - Gina chamou.

A criança oculta pelo véu se virou:

—Professora?

O homem que estava com ela a agarrou com o braço, pondo-a ante às axilas e disparou a correr. Gina correu suficientemente rápido para alcançá-lo e tentou tomar a criança de seus braços, como se estivessem brincando de cabo de guerra, onde Jessica era o cabo.

—Não vai levar minha esposa, sua cristã maldita! - O homem rugia.

Um grupo de evangélicos estava passando por ali naquele momento e seus integrantes acharam que a ofensa era com eles. Espancaram o homem até a morte.

 

 

—Jessica, para onde foram os outros coleguinhas? - Gina perguntou a criança.

—Não sei, cada um foi para um lado, professora.

—Volte para a escola agora, tá bem? E não saia de lá até que eu volte.

A garota obedeceu pacificamente.

 

 

Num lugar sombrio e incrivelmente bem escondido, um homem encapuzado acoplava uma câmera de vídeo sobre uma escrivaninha de tal modo que a cama no local fosse filmada. Nesta cama, havia um garoto de aparentes dez anos de idade, semi-nu. Enquanto homem arrumava a câmara, o modo de gravação ficou ativo acidentalmente, bem a tempo de gravar, às suas costas, Gina entrando no local, pegando a criança em seus braços e correndo para fora antes que pudesse ser vista pelo homem de capuz. Mais uma cabeça era riscada em sua fotografia.

 

 

Gritando estridentemente e ao mesmo tempo tendo sua voz abafada pelo vento forte do qual seu corpo cortava, Juliana caía do céu a uma distância de vinte mil quilômetros do chão. O auxiliar de paraquedismo observava a garota da entrada do veículo voador de onde ela havia saltado. Surpreendeu-se quando uma não-convidada, uma loira esguia, surgiu de algum lugar lá dentro e pulou com seu paraquedas nas costas. Gina alcançou Juliana no ar e mudou o curso da queda para a escola, pousando sobre o teto.

—Vá pra sala e espere lá!

—Tá bem, prof...

Antes que Juliana terminasse de falar, Gina já estava longe.

 

 

—Trabalhem, seus vadios. - Ressoava no xalé um forte sotaque caipira. Enquanto o homem obeso pitava seu fumo e balançava em sua rede, seus subordinados trabalhavam arduamente no corte de canas. Os homens e crianças no canavial enxugavam seu suor na testa a todo momento, o que era a única distração que tinham durante horas a fio.

—Ei! Parem aquela mulher! Está levando meu escravo!

Gina tomara Carlos sob o braço e corria desgrenhada por entre as canas. Alguns homens tentaram pará-la, mas morreram de cansaço antes que a alcançassem.

 

 

Carina chorava no velório de seu amado. Seu traje preto estava desbotando de tantas lágrimas que a mulher deixava rolar sobre o caixão do marido. O morto estava com a cintura para cima exposta dentro do caixão, para que as pessoas de luto pudessem ver o cadáver. O terno do morto era lustroso e suas narinas estavam acolchoadas com algodões.

Gina rapidamente entrou no local e com um machado, quebrou a parte amadeirada do caixão que tapava a visão dos membros inferiores do cadáver, tirando uma criança escondida de lá e rapidamente deixando o lugar antes que os gritos chocados das pessoas a ensurdecessem.

 

 

—Sinto muito, mas ele não poderá sair. - A enfermeira caolha lamentava. Gina olhou pelo vidro para a ala hospitalar onde Emerick estava deitado numa maca e a qual um soro lhe era aplicado. - O acidente desta criança foi catastrófico. Agora só nos resta esperar e... - Ela fungou. - ...rezar.

Gina saiu correndo do hospital, empurrando a maca de Emerick que se deslocava com rodinhas. A enfermeira correu atrás dela para tentar impedir o sequestro do moribundo, porém não conseguiu alcança-la, pois tropeçou e morreu.

 

 

Uma mercedes blindada passava pela estrada de forma majestosa, carregando em si uma família de pessoas extremamente religiosas. Jeferson olhava a mulher no banco da frente fazer o sinal da cruz enquanto passavam por uma igreja que havia sido construída na beira da estrada e que por isso nunca fora frequentada.

—Jeferson, nós resgatamos você do mundo e das coisas mundanas. - Ela disse. - Agora você tem uma família de verdade, não é mesmo, Alice?

Alice, a criança de dez anos que aparentava ter trinta e estava como sua companhia no banco traseiro, respondeu afirmativamente. O menino, que sempre aprendera rápido o que lhe ensinavam, fez o sinal da cruz assim que teve a oportunidade de fazê-lo.

—Por que fez o sinal da cruz? - Perguntou Alice.

—Veja, é uma representação de Cristo na cruz, logo ali! - O menino apontou alegremente pela janela, enquanto passavam em frente a uma fazenda.

—Aquilo é um espantalho.

A família parou mais a frente para rezar no meio da noite para uma imagem religiosa perto da entrada da cidade. Assim que abriram os olhos, nem Jeferson nem a mercedes estavam ali mais. Alguns minutos depois, Gina descia do carro blindado puxando Jeferson pelo braço e o jogando junto aos outros alunos.

— Não saiam daí.

E saiu correndo com a foto da turma e caneta em mãos.

 

 

Ricardo sempre teve tendências suicidas, desde seus cinco anos de idade. Agora com dez, as coisas não eram difentes. Todas as outras crianças sempre caçoavam dele e seus pais o chamavam de Roberto. O menino conseguira arranjar uma corda e, para a surpresa dos que duvidavam de sua capacidade mental, tinha feito com sucesso um laço para se enforcar. O instrumento estava envolto em seu pescoço e preso a um gancho no teto de uma casa abandonada. Como era irônica a vida, ele pensara, morrer numa casa tão esquecida e acabada como ele próprio. Subiu na escada e respirou pesarosamente fundo, o que ele achou que seria seu último suspiro. Mas não foi. Assim que ele próprio chutou a cadeira para que seu corpo pendesse, ele caiu no chão com um baque e foi arrastado pelo pescoço por sua professora, que o puxava pela corda enquanto corria frenética. Ele foi arrastado por alguns minutos e então foi jogado junto a seus colegas na escola, que voltaram a cometer bullying contra Ricardo no exato segundo que ele se juntou à turma.

 

 

Gina por fim conseguiu reunir todos na sala, mas foi demitida no mesmo dia pois todos os pais reclamaram à diretoria sua ineficiência como professora. Porém nunca chegaram a saber que seus filhos não estiveram na escola pela maior parte daquele dia.


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