Super-heróis e floriculturas. escrita por Lillac


Capítulo 1
Capítulo único: garota dos buquês de flores.


Notas iniciais do capítulo

Honestamente, essa história era para ser bem mais curta...



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A dra. Kya trabalhava no Hospital Infantil desde que havia se formado da faculdade. Gostava do lugar, dos funcionários, e principalmente, das crianças. Ela tinha dois filhos, Sokka e Katara, que muitas vezes levava consigo para o trabalho. Katara, especialmente, adorava o hospital, e Kya já via na filha o mesmo entusiasmo que ela mesma tinha com a profissão e médica naquela idade.

Havia a parte triste do trabalho, também. A ala de internados, principalmente. Mas Kya gostava de acreditar que todas aquelas crianças estavam dando o melhor de si para superar aquelas situações, e que sairiam dali mais fortes e maduros.

No começo do verão, ela foi indicada para cuidar de um paciente novo. Quando chegou ao hospital, pela manhã, lhe foi dito pela enfermeira responsável que o garotinho chegara na noite anterior, acompanhado pela mãe, e inconsciente. Uma queimadura de segundo grau, no lado esquerdo da face.

Depois de ler atenciosamente a ficha do garoto, ela partiu para o quarto onde ele estava internado. Assim que abriu a porta, viu uma mulher bonita dormindo em uma cadeira, com o rosto apoiado no colchão da cama. Gentilmente, aproximou-se, tocando-lhe o ombro e chamando, em uma voz sutil:

— Senhora?

A mulher levantou o torso em um sobressalto, e piscou bonitos olhos castanhos para a doutora. Era dona de uma beleza incrível, estonteante até, mas Kya reconheceu as olheiras e as linhas de cansaço no belo rosto. Os olhos amendoados ainda pareciam assustados.

— Desculpe-me, desculpe-me — ela pediu, soando, apesar de transtornada, muito educada. — Eu não...

— Não há problema — dra. Kya assegurou. Então, olhou brevemente para o garoto deitado na cama, ainda adormecido: — Ele é seu filho?

— Sim.

— A senhora poderia me explicar o que houve com ele? Eu li a ficha, mas parece que não muito foi explicado ontem, o que é compreensível, mas...

— Foi um acidente — ela pareceu engolir em seco. — Meu marido... meu ex-marido — corrigiu-se.

Kya franziu o cenho. A mulher parecia rígida, enraivecida, e, ao mesmo tempo, triste. Decidiu não a pressionar. Tais assuntos podiam ser resolvidos mais tarde.

— Aqui diz que ele chegou com a senhora e mais um homem. Era o pai dele?

— Não, o tio. Ele nos trouxe até aqui, mas precisou voltar para... — ela hesitou — para resolver alguns assuntos pendentes. Mas deve estar de volta antes do almoço.

Kya assentiu com a cabeça. Ela voltou a olhar para o garoto que dormia profundamente. Seu olho esquerdo estava coberto por um curativo grande, e Kya ressentiu o acontecimento. Não sabia ao certo se seria possível para o garoto sair dali com o rosto completamente restaurado.

Checou a pressão arterial, os sedativos e os demais detalhes, e deixou o quarto, suspirando consigo mesma. A mulher permaneceu sentada na cadeira ao lado do filho e recusou sair para comer, por isso, Kya buscou um copo de café quente e um sanduíche na lanchonete do hospital e deixou com ela.

[...]

Michi checou pelo que pareceu a centésima vez os laços no cabelo da filha, enquanto Ukano berrava com alguém ao telefone. Mai reprimiu um grunhido, e deixou que a mãe desfizesse seu penteado apenas para refazê-lo novamente.

Aquela era um dos “dias de visita” o que significava que Mai precisava ficar calada — e aguentar a excentricidade dos pais. Quando ouviu a campainha soar, desvencilhou-se da mãe e correu para a porta. Qualquer coisa para tirá-la daquela situação.

Cumprimentou cordialmente o casal de políticos que lhe aguardava do lado de fora, e depois, as seis garotas quase idênticas que adentraram sua casa em fila indiana, esforçando-se para não deixar transparecer que não fazia ideia dos nomes delas.

A última, como previsto, pulou em seus braços.

Mai, embora resignada, envolveu-a em um abraço pouco entusiasmado. Ty Lee afastou-se o suficiente para que a outra garota visse sua cara: coberta de maquiagem chamativa, decorada com um nariz de palhaço.

— Eu estou tão animada — ela cantarolou, entrando na casa. — Dias de visitas sempre são tão legais!

— Claro... — Mai murmurou.

Para Ty Lee, era mesmo. A garota, Mai sabia, adorava a ideia de ajudar a animar as pessoas, e seu modo favorito de fazer isso era com o restante da organização (previamente, uma ONG, antes de começar a receber apoio político) que fazia espetáculos em hospitais infantis para entreter as crianças. Embora Mai certamente admirasse a iniciativa, sabia que não havia nada altruísta nas motivações por trás da participação de suas famílias: Ukano, seu pai, bem como o pai de Ty Lee, era um político relativamente influente e popular, e buscava aumentar ainda mais sua popularidade através de aparições midiáticas nas quais era fotografado ou filmado fazendo boas-ações “espontaneamente”. Michi e a mãe de Ty Lee insistiam que as crianças também fossem juntas.

Por este motivo, Mai, Ty Lee (e suas seis irmãs idênticas com as quais Mai não realmente se importava) acompanhavam os pais em suas ações beneficentes.

— Meninas! Vamos, nós não temos o dia todo — Michi gritou da garagem. — E Mai, traga o pente! Seu cabelo está horrível.

[...]

Iroh retornou, surpreendentemente, com uma expressão calma. Ursa lembrava-se de como ele havia ficado quando a sobrinha o telefonara na noite anterior, informado a situação. O homem havia entrado na mansão do irmão como um dragão, batendo portas e exigindo informações. Ursa nunca o vira tão violento e pronto para fazer justiça com as próprias mãos. Enfim, decidira que a situação de Zuko era muito mais urgente do que lidar com Ozai. Lu Tem, que o acompanhara, ligara para um táxi e levara a prima para casa — Ursa não achava que ela estivesse em condições de ficar com o irmão, chocada como estava — enquanto Iroh e Ursa aguardavam a ambulância.

O velhinho colocou uma pasta em seu colo. Ursa o fitou, confusa, e ele respondeu:

— Abra.

A mulher estava cansada, mas o fez. Seus olhos engoliram as palavras sem realmente compreenderem seus significados, até que chegou em uma que a fez acordar de seu torpor.

Divórcio?

Iroh a explicou que, no dia seguinte, quando estivesse mais descansada, e Zuko acordado, dois advogados viriam ao hospital para saberem melhor dos detalhes. Tinha completa certeza de que não havia modo de Ozai vencer aquela situação, não importava o quão influente e poderoso fosse.

Ursa acabou chorando. Iroh a consolou com um abraço amigo.

Eram lágrimas de alívio.

[...]

Quando Zuko acordou, estava tonto. Sentia algo lhe cobrindo a parte esquerda do rosto, e não conseguia piscar o olho daquele lado. Precisou de alguns momentos para recobrar completamente a consciência. O teto e as paredes não lhe eram familiares. Nada era. Ele ficou perdido por um instante, até reconhecer o bip que ressoava por todo o cômodo.

Ele estava em um hospital.

Olhou para o lado, e encontrou a irmã o encarando, sentada no que não parecia ser uma cadeira muito confortável. Quando o olhar de Zuko encontrou o dela, Azula imediatamente pescou o livro que tinha aberto no colo e fingiu estar lendo. Apenas após alguns momentos silenciosos desconfortáveis foi que ela limpou a garganta e perguntou:

— Você está acordado?

— Estou — Zuko respondeu. — O que aconteceu?

Zuko ficou feliz que era a irmã ali, e não a mãe. Ursa hesitaria, e provavelmente tentaria pintar um quadro menos grotesco dos acontecimentos, afim de protege-lo.

Azula não faria isso. Não era sensível o suficiente.

Mas até ela pareceu um tanto hesitante em falar:

— Papai queimou você com o ferro de passar roupas. Titio e Lu Tem correram lá para casa quando eu liguei e agora... — ela parou. — Bem, agora você está aqui.

Zuko voltou a olhar para o teto.

— É. Agora eu estou aqui.

Azula saiu para chamar a médica, e Zuko ficou em silêncio por um momento. Os sedativos estavam funcionando, pois ele quase não sentia dor onde sabia estar queimado. Parecia dormente, na verdade.

Enquanto ninguém entrava no quarto, Zuko fantasiou sobre uma recuperação completa, a qual o daria o direito de viver sem uma cicatriz horrenda no rosto pelo resto da vida.

Ele não acreditava muito nisso, mesmo assim.

[...]

Kya logo percebeu que o garoto — Zuko — era um menino forte. Ele não reclamou em nenhum momento da dor, mesmo quando a dosagem de sedativos começou a diminuir. Ela via-o, fazendo caretas e grunhindo baixinho de dor, mas não o ouviu reclamar. Quando a mãe estava com ele no quarto — quase sempre — ele até mesmo sorria.

Era uma família interessante. Os dois filhos de Kya viviam brigando e se reconciliando. Sokka era extremamente protetivo de Katara, embora não admitisse. Zuko e a irmã, no entanto, eram diferentes. Eles brigavam, mas não tanto. Provocavam-se como ninguém mais. Azula deitava ao lado do irmão na cama, ocupando quase todo o espaço de propósito, e não dava importância quando Zuko reclamava, dizendo ser ele o paciente.

Quando Kya achava que eles estavam prestes a realmente brigar, Azula de repente perguntava se ele havia lido o último capítulo de alguma história em quadrinhos, e eles esqueciam completamente o argumento no qual estavam, passando a conversar tão seriamente sobre os super-heróis quanto alguém conversaria sobre bolsas de valores ou o mais recente descobrimento científico.

O tio deles ria, entrava nas brincadeiras e trazia chá de casa, em uma garrafa térmica. Havia também o primo, Lu Ten, bem mais velho que eles. Um jovem militar de olhos gentis e sorriso bondoso, que parecia muito com os primos. Ele era extremamente cortês com todos do hospital e já conquistara algumas fãs dentre as enfermeiras e até mesmo médicas. Ele trazia revistas e livros em todas as visitas.

A recuperação de Zuko ia bem. Kya estivera certa quando imaginara que seria impossível reconstituir perfeitamente aquela parte do rosto. Da última vez que trocara o curativo, o vermelho raivoso havia dado lugar à um tom mais claro, menos agressivo, mas permanecia do mesmo tamanho.

O pai nunca apareceu. Pouco tempo depois, Ursa — as mulheres haviam se tornado boas amigas — a confidenciou que era na verdade a esposa de um importante homem de negócios, e que estava no meio de um processo de divórcio. E que, com sorte, Ozai nunca mais teria o direito de se aproximar dos filhos — muito menos visitar Zuko no hospital.

Ela não disse, mas Kya pôde ler em seu semblante. Não depois do que fez com ele.

Um encontro acidental em um corredor e um comentário aleatório de uma enfermeira a fez ter uma ideia. Ela foi na recepção e perguntou pelas informações necessárias. Após um breve telefonema, estava tudo arranjado. Ela sorriu para si própria.

[...]

Zuko ainda estava internado, mas tinha permissão para caminhar pelo hospital. Azula ainda vestida com seu uniforme da escola quando Zuko insistiu que eles dessem uma volta pelo hospital. Ela perguntou o que possivelmente poderia haver de interessante em um hospital ao que ele respondeu com um “deixa de ser chata”.

— Ei, o que é aquilo ali? — Ele a puxou pela manga da camisa.

Azula voltou-se para olhar na direção que ele apontava. Eles haviam se aproximado da área de recreação do hospital, e haviam várias crianças sentadas no chão, assistindo alguma coisa. Zuko viu várias delas com curativos parecidos — ou maiores — que os dele, e supôs que também estivessem internadas.

— É um show — Azula concluiu. — Olha.

Dois adultos, com maquiagens de bigodinhos de gato no rosto e roupas coloridas faziam o que parecia um malabarismo extremamente complicado. Uma garotinha, que parecia ter a mesma idade que ele, senão um pouco menos, caminhava com as mãos, pés suspensos no ar. Zuko assistiu, impressionado. Azula não pareceu tanto assim.

— Grande coisa — ela balançou os ombros.

— Agora! — Uma mulher anunciou, quando os truques cessaram. Ela fez uma pausa dramática, e Zuko notou como o sorriso dela era bonito — O mágico!

— Vocês querem assistir? — Uma voz conhecida soou atrás deles.

Zuko voltou-se, e encontrou Kya os observando, com as mãos enfiadas nos bolsos do jaleco e um sorriso divertido.

— É um grupo de voluntários — ela explicou. — Eles sempre vêm aqui. Vão lá. É bem legal, eu garanto.

Azula abriu a boca — provavelmente para discordar — mas Zuko a puxou pela mão, arrastando-a consigo:

— Vamos — teimou. — Eu quero ver o mágico.

[...]

Mai fez amizade facilmente com Azula. Ela — ao contrário do irmão — parecia tão entediada e aborrecida por ter de estar ali quanto Mai, e elas se divertiram criticando os truques e encontrando falhas nas apresentações (tudo em voz baixa claro).

— O que o seu irmão tem? — Ela perguntou enfim.

Azula ficou calada.

— Não precisa responder se...

Ao invés disso, ela cutucou o garoto com o cotovelo. O menino pareceu incomodado por precisar desviar a atenção do show, mas consentiu quando Azula perguntou se tinha permissão para contar, embora um tanto hesitante.

— Nosso pai queimou ele — ela disse, deliberadamente. — Mas tá tudo bem. Mamãe e tio Iroh nunca mais vão deixar ele chegar perto da gente.

Havia um brilho nos olhos dourados dela — algo desafiante, como se ela estivesse disposta a enfrentar o pai, se necessário — e Mai achou que podia se acostumar com aquilo.

[...]

A garota que conseguia andar com as mãos se chamava Ty Lee, ele descobriu — porque ela se aproximou dele depois do show e abriu um sorriso tão bonito que Zuko ficou meio sem fôlego. Sentiu o coração batendo mais rápido, e repreendeu-se imediatamente.

Ao que parecia, aquele sorriso não era tão especial assim, porque Azula recebeu um igualzinho (Zuko achou que ele merecia muito mais, porque ao menos não a cumprimentou no tom mais seco e formal que ele já ouvira sair da boca da irmã).

E, ao que parecia, ela era também amiga da mais nova amiga de sua irmã. Ela pulou na garota assim que ela se aproximou, e garota com o cabelo preto e franjinha suspirou pesadamente, parecendo não muito agradada pelo gesto. Ty Lee jurou que Mai era uma ótima malabarista e que só não participava das performances com eles porque era cabeça-dura demais.

[...]

Quando Kya foi buscar Zuko para trocar o curativo, ela o encontrou tomando sorvete na lanchonete com a irmã e mais duas outras garotas. Ao vê-lo rindo e conversando tão felizmente, quis deixa-lo ali por só mais alguns minutinhos.

Ao final, precisou chama-lo. Azula e ele despediram-se das garotas e foram até ela. Kya notou que Zuko parecia diferente. Suas bochechas estavam vermelhas, como se tivesse rido demais.

Kya sorriu.

Zuko era um garoto forte.

[...]

Kya o assegurou que ele só precisava de mais duas semanas com o curativo. A cicatriz ficava melhor a cada dia, e Zuko passou até a não se importar tanto com ela. Ele ainda poderia ver com o olho esquerdo, de qualquer modo. Ele não recebia mais sedativos diretamente nas veias, e, ao invés disso, só precisava tomar dois analgésicos por dia, o que significava que, uma vez totalmente cicatrizada, a marca sequer lhe causaria dor, ou desconforto.

Zuko decidiu que, dali por diante, veria a cicatriz como um símbolo da força que tivera para suportar aquilo tudo.

[...]

Mai e Ty Le tornaram-se visitas constantes. O grupo só visitava o hospital uma vez por mês, mas as duas estavam sempre por lá.

Ty Lee era animada, sorridente, amigável e o fazia rir com a maior facilidade do mundo. Ela era sempre muito legal com ele, mas Zuko não pôde deixar de perceber que, toda vez que contava uma piada, era para Azula que ela olhava.

Mai, ao contrário, quase não ria, e falava menos ainda. Mas, de algum modo, Zuko gostava da presença dela.

[...]

Mai era bonita.

Tipo, realmente bonita.

Ty Lee o presenteara com um buquê de rosas amarelas naquela manhã, e Zuko ficou surpreso quando ela relevou que havia sido Mai quem arrumara o buquê.

— Minha vó trabalha em uma floricultura — ela deu de ombros, mas Zuko percebeu-a desviando o olhar. — Não é nada demais.

Tomado de súbito por uma ideia, Zuko tirou uma flor do buquê e, muito delicadamente, colocou-a no cabelo da garota. Mai piscou, calada, e eles ficaram lá, parados. Por algum motivo, Zuko não conseguia desviar o olhar do rosto corado e olhos escuros tímidos da garota.

[...]

Faltando duas semanas para Zuko enfim receber alta, Lu Tem o visitou com uma sacola cheia dos novos volumes de seus quadrinhos favoritos e disse:

— Eu acho que ela gosta de você.

Zuko quase cuspiu o chá que estava tomando.

— Quem?

— A do cabelo preto.

Zuko negou veementemente, e Lu Tem riu até o rosto de Zuko ficar vermelho. Quando o primo foi embora, Zuko murmurou que aquilo não fazia o menor sentido.

[...]

— Como assim não faz sentido? Está louco? — Azula ergueu as sobrancelhas. Ela estava deitada ao lado dele na cama, e Zuko deixara escapar, enquanto liam a história em quadrinhos, o Lu Ten dissera. — Está na cara que ela gosta de você.

Sem saber o que fazer, Zuko a empurrou da cama.

De algum modo, lidar com uma Azula irritada era menos assustador do que lidar com... sentimentos.

[...]

Zuko engoliu a vergonha e pediu ajuda do primo. Após uma boa gargalhada, Lu Tem concordou, e, no dia seguinte, apareceu no hospital com uma bonita caixinha de veludo escuro, que Zuko guardou com muito cuidado. O primo bagunçou o cabelo dele e o desejou boa sorte.

[...]

Na última semana de Zuko no hospital, Kya ficou ainda mais orgulhosa. O garoto falava sobre voltar para a escola, matricular-se no judô e voltar a aprender a cozinhar. Azula rolava os olhos e dizia que ele estava animado demais para alguém que ainda estava internado, mas Kya a via sorrindo.

Ursa e Iroh a agradeciam todos os dias.

Kya dizia-lhes que não precisam agradecer. Zuko era um garoto de ouro.

[...]

Faltando quatro dias para a alta, Mai o visitou — sozinha.

(Bem, não completamente. Ela estava com os pais daquela vez, e Zuko precisou aguentar uns bons vinte minutos do discurso do pai dela com um melhor sorriso educado que conseguiu pôr no rosto antes deles finalmente irem embora, mas ele resolveu que não se prenderia à detalhes).

Azula tinha uma importante competição de taekwondo naquela tarde, e por isso não podia ir. Eles conversaram — ou melhor, Mai o ouviu tagarelando sobre histórias em quadrinhos e super-heróis dos quais ela não fazia ideia que existiam — e Zuko a convidou para ir à lanchonete, muito orgulho de si mesmo por não ter gasto o dinheiro que Lu Ten deixara com ele.

Ele pagou por duas casquinhas de sorvete.

E derrubou uma nela.

Mai fechou os olhos, balançou os restos do sorvete da saia e disse que estava tudo bem.

Zuko a seguiu, caminhando atrás e sentindo-se estúpido.

[...]

No dia seguinte, Azula e Ty Lee estavam lá.

Eles caminharam pelos jardins dos hospitais juntos, até Azula puxar Ty Lee pelo braço e dizer que precisava falar com ela — e Zuko fingir não perceber o que a irmã estava tentando fazer.

Decidido a não envergonhar a si mesmo daquela vez, Zuko muito corajosamente segurou a mão da garota. Mai olhou para ele.

Zuko não era tão confiante assim. Ele manteve os olhos fixos à frente enquanto Mai o observava.

— Zuko, olha...

Imediatamente, ele soltou a mão dela. O tom de Mai era o suficiente. Azula e Lu Ten estavam de fato zoando com ele, e Mai não sentia absolutamente nada por ele. Sentindo-se ainda mais estúpido, ele disse:

— Está bem. Eu peço desculpas. Eu deveria saber que não tinha jeito de uma garota como você gostar de mim, eu só...

— Não, Zuko — ela o interrompeu. Erguendo uma mão, apontou para ele: — É só que... bem, acho que algum passarinho por aqui precisava usar o banheiro.

Zuko virou o rosto, tentando enxergar o campo de visão que o curativo cobria, e viu, encima de seu ombro...

— AH! ECA!

Zuko correu de volta para trocar de roupa e, embora suas orelhas estivessem ardendo de vergonha, ele achou que valeu a pena.

Mai estava rindo.

E a risada dela era linda.

[...]

Na quinta-feira, Zuko fez treze anos. Lu Ten o deu dois jogos novos, Ursa e Iroh o deram um box de colecionador da série de livros que ele tanto gostava e Azula fingiu ter esquecido. Algumas horas depois, quando Ursa saiu para buscar o bolo, Azula tirou da mochila uma embalagem prateada, que Zuko transformou em frangalhos em poucos minutos enquanto Lu Tem ria.

Azula o empurrou quando ele tentou abraça-la. Era uma jaqueta nova, modelo Jersey, preta e vermelha, com um detalhado desenho de dragões nas costas. Azula correu para fora do cômodo para “ajudar a mãe” e Iroh revelou que a garota guardara sua mesada por meses para conseguir comprar a peça.

Quando Ursa retornou — com a dra. Kya junto — Zuko deixou que tirassem fotos dele, mesmo com o curativo, enquanto ele apagava as velas e chorava. Kya o parabenizou por ser tão forte, e disse lhe deu um relógio de presente.

Quando o dia já estava acabando e Zuko não podia evitar a tristeza ao perceber que nem Mai nem Ty Lee haviam aparecido, Lu Tem abriu a porta do quarto, carregando uma caixa embrulhada em papel de presente.

— Outro?

— Não é meu — ele afirmou. — A recepcionista me disse que deixaram lá.

Zuko leu o papelzinho preso na embalagem:

“Azula disse que hoje era seu aniversário. Hoje era minha avaliação na equipe de ginástica, e Mai tinha um campeonato de xadrez, então não pudemos ir, mas esperamos que você goste! — Ty Lee”.

Ao abrir a caixa, Zuko encontrou um boneco de ação de seu herói favorito. Franziu o cenho, e só então lembrou-se.

Ele nunca havia conversado com Ty Lee sobre histórias em quadrinhos.

[...]

— Pronto? — Kya perguntou.

Zuko assentiu. Estavam todos ali. Ursa e tio Iroh. Azula e Lu Ten. Ty Lee. Mai. Todos o observando, cheios de expectativa. Dra. Kya retirou o curativo pela última vez.

Zuko olhou para si mesmo no reflexo do espelho que o primo segurava. A cicatriz não era bonita, mas podia ser pior, ele decidiu. No entanto, sentiu-se subitamente envergonhado. Ty Lee e Mai nunca haviam visto sua pele por baixo do curativo.

Ele não queria pensar nisso, mas...

— Parabéns — Azula o acertou no ombro. Ela e Lu Ten o abraçaram desajeitadamente — você conseguiu.

Zuko sorriu, aceitando o abraço.

[...]

Era domingo de tarde, e Zuko e o primo haviam acabado de terminar de arrumar o quarto. A partir de então, ele dividiria um quarto com Lu Ten no apartamento do tio, enquanto a mãe e a irmã dividiriam outro. Ursa, Azula e Iroh estavam na cozinha, preparando o almoço.

— Eu atendo! — Zuko gritou, e saiu em disparada para a porta. Ouviu o primo rindo atrás de si, mas não entendeu o motivo.

Zuko não sabia quem esperar quando abriu a porta, mas certamente, Mai não estava no topo de sua lista. A garota estava lá, no entanto, segurando um buquê de flores brancas — lírios.

— Ei — ela cumprimentou, e Zuko pensou ver um começo de um sorriso nos cantos de seus lábios. 

— Ei — ele disse de volta, meio sem fôlego.

Eles ficaram se olhando por um momento, em silêncio. Zuko só notou que Ty Lee também estava ali quando ela pulou entre dois e o envolveu em um abraço de urso:

— Nós viemos te parabenizar pela melhora! Sua mãe nos mandou o endereço da sua casa.

Ursa apareceu atrás de Zuko, convidando as garotas para entrarem. Mai e Ty Lee juntaram-se a eles durante a refeição. Lu Ten então correu para buscar no notebook no quarto — era uma tradição, ele insistiu, assistir à um filme depois do almoço.

Azula o empurrou antes que ele pudesse fugir para o lado dela, e Lu Ten ajudou. Zuko terminou sentado ao lado de Mai. Sentiu-se vingado ao notar que Azula acabara sentada ao lado de Ty Lee, e parecia tão envergonhada quanto, embora fosse muito melhor em esconder.

Quando os pais de Mai chegaram para buscar ela e a amiga, Zuko e Azula se ofereceram para acompanha-las até o estacionamento. Enquanto o elevador descia, Zuko sentiu a caixinha que buscara no armário pesando no bolso. Ele cutucou Azula discretamente, e a garota entendeu a mensagem. Foi puxando Ty Lee pela mão mais rapidamente, e, quando Mai apressou o passo para segui-las, Zuko reuniu toda a sua coragem para segurá-la delicadamente pelo pulso.

— Zuko?

— Eu, é, eu... — ele gaguejou. — Eu gostaria de terminar de falar o que eu estava tentando te dizer naquele dia.

Mai ergueu as sobrancelhas.

— Quando o passarinho...

— Sim! — Zuko respondeu, corando até as orelhas. — Eu... — ele hesitou.

Mai o olhava com tanta expectativa que ele sentiu os joelhos tremendo. Engoliu em seco uma vez, e então limpou a garganta. Pegou no bolso esquerdo uma flor que tirara do buquê, e, ignorando o fato de que estava completamente amassada, colocou-a no cabelo de Mai.

Suas mãos estavam tremendo.

— Zuko... — a voz dela parecia, de algum modo, estar tremendo também.

— Eu gostaria de te dar isso.

Ele buscou no outro bolso a caixinha de veludo escuro. Abriu-a, revelando uma delicada pulseira de metal prateado. Não era chamativa, nem muito valiosa, mas Zuko esperava que ela gostasse.

— Eu acho que você é linda — ele disse, olhando para ela. — E... e eu gosto de você. Bastante. Então, se... se você...

— Se eu?

— Se você gostar de mim também — ele completou. — Por favor, aceite isso.

Mai ficou em silêncio. Ficou em silêncio por tanto tempo, que Zuko sentiu como se o almoço estivesse dando piruetas em seu estômago. E então, fechou a caixinha de veludo e envolveu a mão dele com a dela.

No segundo seguinte, os lábios dela estavam na bochecha dele. Zuko sentiu como se seus joelhos houvessem virado gelatina. Ela tinha uma mão suavemente pousada em seu ombro, e ele viu, de soslaio, que ela precisava ficar na ponta dos pés para alcançar o rosto dele.

— Você é um idiota — ela disse, com o rosto vermelho, e um sorriso. — Eu volto amanhã. Tchau Zuko.

Ela foi embora, para onde o pai dela havia estacionado o carro, e Zuko balbuciou alguma coisa que nem ele entendeu. Azula surgiu de detrás de uma coluna e correu até ele.

— E então?

Ele ia responder alguma coisa.

E então, percebeu que levara a caixinha.

— Eu acho que tenho uma namorada.

Durante todo o trajeto de volta para o apartamento, Zuko não conseguiu parar de pensar na garota, nos buquês de flores, e na sensação dos lábios dela na bochecha dele.

Céus, ele era estúpido, concluiu.

Estúpido e apaixonado. Ao menos, Mai era também.


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