Cada pequena célula do corpo de Natasha doía. Seu cabelo doía, e ela nem se quer imaginava que isso era possível. O tecido pegajoso e úmido do seu traje revelava a perda de sangue pelo tiro que graças a Steve só a tinha pego de raspão. Steve...

Ela olhou para o lado e viu seu olhar vazio, varrendo o rastro de destruição que a luta havia deixado. A barba suja de fuligem e a mecha de cabelo sob os olhos se juntavam em conjunto com a imensa escuridão que o cercava. Havia sido horas seguidas de uma luta que eles não tinham ganhado. Natasha sabia que eles, todos eles, estavam dando seu melhor, mas para Steve Rogers sempre era mais. Eram as vidas inocentes perdidas, eram os seus companheiros de equipe feridos, era o fardo que ele insistia que era sua responsabilidade mesmo não tendo nada haver com ele. Ela doía por ele, seu coração pesava pelo estado emocional em que Steve se encontrava. Natasha soltou um longo suspiro e virou a cabeça para a paisagem que os cercavam.  Havia fogo, fumaça, havia destruição por toda a cidade de Wakanda. Não era só a cidade, ela também estava um pedaço de lixo.  Seu rosto estava coberto por pequenos arranhões, sangue seco e sujeita, ela nem enxergava mais o real tom dos seus olhos. O cabelo, agora loiro, era cinza e gorduroso.

— A situação esta piorando – A voz de T'Challa, sentado logo atrás, a atravessou como uma bala em seu crânio. Ela sabia que a situação estava piorando, todos sabiam.

— É serio? Achei que estava tudo sob controle, majestade. – Barton apertou o riso o que fez Natasha soltar um gemido. Ela estava cansada, dolorida e machucada. O senso de humor de Clint não era nem de longe o que ela desejava no momento.

— Ei – A mão de Steve apertou confortavelmente seu joelho, fazendo-a olhar para ele – Você esta bem?

— Nunca estive melhor – Natasha forçou um sorriso que logo se desfez, pois ela descobriu que, quem diria sorrir também poderia doer.

— Você é uma péssima mentirosa – Steve sorriu. Um sorriso quase inexistente que só Natasha notou – Pelo visto vamos demorar para chegar no quartel.

— Horas para ser mais exato – O rei completou, se esticando no banco de traz e fechando os olhos – Descansem enquanto podem, o quartel fica no lado mais remoto e baixo de Wakanda, e na situação atual, não vamos chegar lá to facilmente.

Natasha olhou novamente para fora. Pelas suas contas já faziam mais de quarenta minutos que eles estavam parados no trânsito em uma das ruas destruídas de Wakanda. Quando a briga de facções havia eclodido em uma guerra mundial, e a evacuação da cidade foi ordenada, tudo se transformou em mais caos. As ruas estavam travadas de civis desesperados para deixar a cidade e ninguém saia do lugar. Eles não podiam pegar um quinjet, pois a guerra também estava acontecendo no ar, e se fossem visto na atual situação seriam abatidos imediatamente. A estratégia mais eficaz, segundo o próprio rei, foi deixar o campo de batalha com um carro, era mais fácil de camuflar e evitar um ataque em meio aos civis. Ela agradeceu mentalmente pela vedação sonora que todos os carros de T'Challa ofereciam, mesmos os mais simples como os que estavam agora, uma mini vã modelo 1980. As buzinas pareciam terríveis e insistentes do lado de fora, e em seu estado atual ela surtaria a ponto de descarregar um cartucho todo em cada carro que as tocasse.

Ao olhar novamente para Steve os olhos de Natasha pesaram e ela se sentiu extremamente cansada. Mesmo sua cabeça afirmando que queria continuar acordada, seu corpo deu a ordem final e antes que pudesse notar, ela estava encostada nele, sua cabeça já conhecendo o caminho até o ombro, tomou seu lugar. Não era uma surpresa nem para ela, e muito menos para ele. Ela fazia isso sempre e ele nunca pareceu se importar. Natasha conseguiu pela primeira vez em horas sentir uma parte de si relaxar, e pode sentir o mesmo vindo de Steve. Os dois formaram uma boa parceria com o longo dos anos, dentro e fora dos campos. Ele era um dos poucos, quase únicos, que Natasha conseguia se abrir. Ela era a única que entendia todas as batalhas que ele estava travando contra si mesmo. Natasha procurava por ele em suas milhares de noites depois de pesadelos terríveis, ele sempre estava esperando por ela, também acordado. Não pelos mesmos, mas por pesadelos tão terríveis quanto. Juntos os dois sempre encontraram uma forma de lutar contra seus fantasmas, e isso era um balsamo para ambas as partes.

Clint e os outros que sempre observavam de fora não se incomodavam realmente. Barton conhecia Natasha e Steve, e sabia que os dois faziam bem um ao outro. Mesmo às vezes ele perguntando a T'Challa, Buck e Sam quantas piadas Tony conseguiria criar com essa proximidade dos dois mesmo  depois que Steve e ele tinham tido a briga por “Motivo nenhum” segundo Scott. Wanda tinha a definição “fofo” para os eles, mas nunca conversou com nenhum deles sobre isso. Barton era o que mais tinha certeza que Natasha tinha deixado de lado a ideia de que amor era para crianças, mesmo ela ainda não sabendo ou tentando ignorar seus sentimentos. Ele também notava a forma com que Steve olhava furtivamente para Natasha e como ele dava uma pequena, mesmo não notando, prioridade para a segurança dela dentro de campo.

Steve repousou o braço na coxa de Natasha, se ajeitando no banco do carro e encostando sua cabeça na dela. Em resposta ela abraçou seu braço e antes que qualquer dor física ou mental pudesse falar, ambos foram levados pelo sono com uma única certeza; Ali, um ao lado do outro, naquele carro, presos no transito, depois de horas incessantes de batalha, fracos e machucados, era a primeira vez no dia em que eles estavam finalmente em paz.