Unforgiven escrita por amanda


Capítulo 1
"Você não me conhece"




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Por outro ano consecutivo, eu era a novata da escola no meio do semestre. Já estava virando algo habitual realizar matrículas, comprar novos livros, conhecer pessoas novas. É, a última parte nem tanto já que, mesmo tendo mudado de escola duas vezes todo ano devido ao emprego do meu pai, tenho apenas duas amigas (lê-se: duas vacas varridas que papai do céu me deu por pena e misericórdia). Enfim, fazer amigos nunca foi o meu forte e meu interesse por conhecer outros organismos vivos só diminuiu conforme mudava de escola e sabia que não ia demorar ali. Aliás, agradeço por isso as vezes. O ensino médio é o purgatório pelo qual temos que passar para saber se estamos vivendo ou apenas existindo e as pessoas que conhecemos nele estão ali para garantir isso. Nunca conheci alguém que prestasse nas minhas estadias nas milhares de escolas do estado (isso inclui as duas piranhas que chamo de melhores amigas). Como isso pode ser a melhor fase da minha vida quando nem vivendo eu estou?

Apesar de já acostumada com essas mudanças, o frio na barriga de encarar uma escola nova sempre está ali no primeiro dia (no caso, primeiro dia pra mim já que todo mundo ali já está estudando desde janeiro e estamos no final de fevereiro). O sistema de ensino medieval muda de escola para escola, mas o padrão é sempre o mesmo. Há os ricos, que se acham superiores com seus grandes e turbinados carros no estacionamento (ranço); os atletas, que não sabem falar de outros assuntos a não ser sobre o novo tipo de série que estão fazendo para malhar braços; os nerds, sombras nos corredores e brilhantes nas notas; as gostosas, versões mal feitas das plásticas (ninguém nunca será Regina George, não é mesmo?). Enfim, parece roteiro de filme americano adolescente, mas é só a pirâmide social do ensino médio. Onde eu estou inclusa? Nem na nobreza, nem nos camponeses e muito menos no clero (Deus me livre). Devido a mudar constantemente de escola, aprendi a passar despercebida e me manter isolada dos possíveis embustes (isso inclui alunos, professores, coordenadores, etc). Mas, creio que será um pouco difícil me manter invisível já que, na última semana, simplesmente pintei todo o meu cabelo de roxo. Oitenta centímetros de cachos pretos viraram oitenta centímetros de cachos roxos, lindos e purpurinados. Melhor jeito de chegar numa escola nova, sim ou claro?

Sem mais delongas, o alarme tocou. Desci do carro e me despedi rápido do meu pai, que insiste em me trazer em todas as minhas iniciações (apelido fofo que dei para esse lindo e insuportável primeiro dia). Olhando ao redor, percebo o quão maior a escola realmente é. Uma arquitetura de dar inveja a construções europeias dos séculos passados. Rodeada por um jardim bem cuidado, há estátuas antigas que dão um ar sombrio e belo ao jardim, fazendo jus a escola ser tão antiga, porém bem conservada. A entrada é marcada por duas grandes colunas que cercam a enorme porta. Adentrando extasiada no lugar (que parecia um lugar onde pessoas eram torturadas em outros tempos. Melhor local para montar uma escola de ensino médio ever), encontro a coordenadora que está me esperando com um sorriso enorme e pouco acolhedor.

— Bem em cima da hora não, mocinha?

— Mas, agora que são 7:00.

Falo em tom de defesa.

— Horário em que você já devia estar em aula. 

Apesar de falar tudo isso rindo, já não gostei dessa mulher. 

— Bom, como você chegou atrasada, creio que não poderei fazer um tour com você para mostrar-lhe a escola. Mas, receio que não haverá problemas em você pedir para um de seus colegas para apresentar-lhe a escola, certo?

O modo como ela disse aquilo só aumentou o ranço que comecei a sentir. Por acaso eu tenho cara de quem vai pedir para alguém mostrar escola pra mim? Prefiro ficar perdida e almoçar no banheiro (quem entendeu, entendeu). Ela continuava me olhando e esperando por uma resposta. 

— Claro, não haverá problemas. 

Foi o que eu disse.

— Muito bem! Vou levá-la para sua nova sala. Sua primeira aula é com o professor Schimitz, ele possui doutorado em História pela universidade...

E assim começou mais um blá blá blá sobre os diversos diplomas que o senhor Schultz, Schindler, ou sei lá que, tinha. Enquanto ela falava sem parar (aliás, que o nome dessa mulher?), eu observava os corredores que íamos entrando. Cada vez mais eu estava apaixonada pela arquitetura medieval feat vitoriana feat filme de terror que aquela escola tinha.

— Em que ano foi construído esse prédio?

Perguntei interrompendo ela que, para minha surpresa, não se ofendeu.

— Ah, também está encantada não é mesmo? Não sabemos a data específico, porém é datado que foi construído entre 1600 ou 1700. Era a moradia de alguém importante, é o que sabemos. Quando o senhor Boechat adquiriu a propriedade, viu que seria egoísmo mantê-la somente para si. Por isso fundou o Instituto em 1893. 

Ela fala como se estivesse presente na época ou conhecido o cara. Se bem que, pela cara dela...

— Está é a sua sala de História. Terá aula aqui toda segunda e quinta. Caso tenha dúvidas, reveja o seu horário.

Ela interrompe meus pensamentos e me entrega uma folha com todos os meus horários. Aula das 07:00 às 18:00. Definitivamente entendo porque essa escola parece um hospício. 

— Foi um prazer conhecê-la, senhorita Nogueira.

Ela fala sorrindo e estendendo sua mão.

— Digo o mesmo, senhora...

— Boechat. Senhora Boechat.

Assim que associo que esse é o mesmo nome do cara que criou o Instituto, olho para ela com a dúvida estampada em meu rosto. Ela apenas me dá um sorriso sugestivo e sai, me deixando sozinha, duvidosa e sem a menor vontade de entrar no meio da aula. Porém, juntando todas as forças que tenho (lê-se zero, nenhuma, nula, negativo), giro a maçaneta e entro na sala.

Assim que a porta é empurrada, percebo o quão diferente o ambiente da sala é do resto da escola. Enquanto a escola toda apresenta um clima sombrio, medieval e antigo, o interior da sala parecia como o de qualquer outra escola de ensino médio. Será que alguma coisa poderia fazer sentido ali?

— Ah, que bom que chegou. Estava agora mesmo iniciando a nova aula. A senhora Boechat me avisou que viria. Senhorita Nogueira, certo?

Pergunta o educado professor de história que eu não lembro nem a primeira sílaba do nome.

— Sim, sou eu.

Respondo com um riso entredentes e percebendo os olhares voltados a mim. Aqueles olhares de canto de olho e cochichos eram alguns dos primeiros itens na minha lista de coisas que odeio sobre ser novata.

— Prazer, Srta. Nogueira. Sou o seu novo professor de história, Sr. Schmitz.

Ele fala com um sorriso sincero e me estendendo a mão.

— Ao final da aula lhe entregarei o cronograma de aulas e discutirei com você sobre como pode recuperar as atividades perdidas. Enquanto isso, pode tomar um lugar e se sentar conosco para a aula.

O que falar desse cara que mal conheço e já considero pacas? Muito raramente os professores ajudavam alunos nômades como eu, portanto, quando eu encontrava alguma alma caridosa assim, sabia que era sorte grande.

Olhando ao redor da sala, percebi que os lugares no fundo estavam todos ocupados. Droga! Sentar no meio ou na frente era um dos meus piores castigos mas, vamos lá. Quem sabe aquela frase motivacional "escola nova, hábitos novos" não faça efeito para mim?

Sentando numa cadeira vazia no meio da sala, o professor começa a aula. Ele está falando sobre a história da Grécia, que por sorte é um dos meus assuntos preferidos. Aliás, história é uma das minhas matérias preferidas. Enquanto adentro no mundo grego ouvindo as explicações do professor, sinto alguém me cutucando e viro para ver quem é, levando um susto assim que viro. 

DE QUE MITOLOGIA É ESSE DEUS???

 Gostei do seu cabelo.

Ele fala sorrindo fazendo uma covinha esquerda aparecer. E QUE SORRISO, MEUS AMIGOS.

— Ah, obrigada.

Falo corando e tentando amenizar o sorriso no meu rosto.

— E tô gostando mais ainda do seu sorriso.

Ele fala mordendo o lábio e jogando o cabelo para trás.

ALGUÉM AVISA PRA ESSE CARA QUE MEU ÚTERO NÃO TA PREPARADO PRA ESSAS COISAS.

— Então, a Srta. Nogueira tem um primeiro nome?

Ele fala me instigando com aqueles olhos castanhos e brilhantes.

— Mikaely.

Falo totalmente sem jeito. Mas, me dêem um crédito. O cara é muito bonito.

— Prazer, Mikaely. Marcos.

Ele fala o nome dele letra por letra, como se quisesse que eu prestasse atenção em cada movimento da sua língua.

— Prazer, Marcos.

Fala sorrindo e mordendo o lábio. Se ele pode me provocar, também posso.

O professor finaliza a aula e Marcos me chama para me levar para onde será minha próxima aula.

— Infelizmente é aqui que nos separamos, princesa.

Não gostei desse apelido, mas vou dar um desconto.

— Você não tem matemática aplicada?

Pergunto com a tristeza estampada nos meus olhos e na minha voz (acabei de conhecer esse deus e já vou perdê-lo???).

— Exatas nunca foi minha área.

Ele fala com um sorriso entredentes e me olhando de cima abaixo. Graças ao bom Deus eu estava com a minha melhor saia e totalmente depilada.

— E qual a sua área?

Pergunto mais que interessada e analisando cada detalhe do que a blusa dele deixava transparecer. Aquilo definitivamente iria me fazer odiar sair dessa escola.

— Esportes. Esportes são minha área.

CLARO! TINHA QUE SER! COMO TU NÃO ADIVINHOU, MIKAELY?

— Ah, sim

Falo ainda desconcertada tendo pensamentos pecaminosos envolvendo aquele corpo, eu e quatro paredes.

— Então, já tenho que ir para a minha também. Foi um prazer te conhecer, Mika.

AAAAAAAAAA. ELE ME CHAMOU PELO MEU APELIDO. NOSSASENHORAMÃEDEJESUS!

— Digo o mesmo, Marcos.

Falo sorrindo enquanto vejo ele dando um sorriso enorme e se afastando.

Ainda besta com o fato de um deus grego dar em cima de mim (DE MIM) no meu primeiro dia, me encosto na porta da minha sala de matemática aplicada por alguns segundos quando sinto alguém abrir ela por dentro e caio de bunda no chão. Claro, estava tudo muito lindo e bem para ser um dia na vida de Mikaely.

— Você está bem? 

Me pergunta uma voz rouca por trás de mim. Logo, sinto os braços da pessoa me ajudando a levantar. Quando me levanto totalmente e termino de arrumar minha saia, percebo o rapaz na minha frente me olhando fixamente. Um olhar de reconhecimento, porém de medo ao mesmo tempo.

— Está tudo bem?

Pergunto assustada pela reação do rapaz e o jeito como me observa. Não consigo reconhecê-lo e duvido que esqueceria. Ele não é tão lindo quanto Marcos mas, seus cachos e olhos escuros chamam a atenção de qualquer um. 

— Está sim.

Ele fala ainda me olhando intensamente e com um ar de desespero em sua voz. Não sei porquê, mas tudo que queria era acalmá-lo. Porém, antes que eu pudesse, ele sai rapidamente contornando meu corpo e andando em passos longos. Quando finalmente consigo alcançá-lo (quase correndo devido a minha baixa, para não dizer humilhante, estatura), agarro seu braço. Com um movimento rápido, ele retira e se vira com um olhar de raiva para mim.

— O que você quer?

Ele fala em tom de raiva, o que me assusta e me deixa com raiva.

— Eu só queria saber o porquê você agiu daquele jeito comigo. Como se me conhecesse. Não precisa vir com setes pedras pra cima de mim, garoto.

Falo já irritada pelo jeito que ele falou comigo. Primeiro, fica me encarando igual um louco e depois quer gritar comigo? Peraí, né colega.

— Você não precisa saber de nada. Você não me conhece.

Ele fala a última frase lentamente, como para ter certeza de que eu não esqueça,  se vira e vai embora rapidamente. 

— E nem faço questão também.

Falo para o nada. Que embuste! 

Voltando para a minha sala de matemática aplicada, ainda não consigo entender o que foi que acabou de acontecer. Que tipo de pessoa em sã consciência faz isso? Esse lugar parece cada vez mais um hospício (só que com um deus grego). E em meio a um milhão de corredores iguais ostentando quadros e molduras antigas, consigo voltar para a sala que Marcos havia me deixado. Abrindo a porta e já procurando um lugar na sala, a primeira coisa que meus olhos focam são os par de olhos e cachos escuros no fim da sala.

Ahh, ótimo! Tinha que ser de exatas. 

Sentando o mais longe possível do encosto que fez a cena do corredor, sinto ele me encarando e olho de volta. Dessa vez, não é um olhar de medo, desespero ou reconhecimento. É um olhar de curiosidade. Ele me olha analisando meu rosto e cada movimento que faço, muito diferente do olhar de Marcos. Seus olhos escuros parecem conter milhões de histórias. Se são boas ou ruins, parece que jamais saberei. 

A aula termina e o menino de cachos no fim da sala continua a me encarar. Espero que ele seja muito bom em exatas já que não prestou o mínimo de atenção nessa aula. E não vai mais prestar em mim também. Saio da sala o mais rápido possível sem olhar para trás e ter de encarar aqueles olhos de novo que por algum acaso pareciam me atrair (bem que Amanda e Yasmin sempre disseram que tenho chama pra louco. E gay). Mas, quem é que quer alguém que te destrate quando se tem um deus grego esperando você no lado de fora da sala?


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem (:



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