Still The Same escrita por O Cartomante


Capítulo 1
Ainda sou o mesmo.


Notas iniciais do capítulo

Não foi betada, a história, então podem haver alguns erros.



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“Síndrome de Estocolmo”, pensou com convicção. “É isso. Estou doente. Mais doente do que jamais estive” concluiu, arrancando alguns fios de cabelos numa tentativa frustrada de apaziguar o nervosismo que lhe roia as entranhas.

Sentindo os batimentos cardíacos acelerarem novamente, Remus tornou a esmurrar a mesa, raivoso e, desta vez, o tinteiro estremeceu junto à mesa, ensopando por completo o cronograma de aulas que havia planejado com muito zelo durante horas.

Ele contraiu o maxilar e desabotoou o paletó, inspirando fundo e fixando as órbitas amendoadas na direção da Lua Crescente que cintilava no céu azul-estrelado.

Ora, era ridículo. Como poderia ele, Remus, estar realmente sequer cogitando a possibilidade de uma conversa civilizada com Sirius Black, quando ele havia feito o que havia feito.

Que pensava? Que eles se assentariam diante do velho piano mofado na Casa dos Gritos, compartilhariam de uma boa garrafa de Firewhisky, como nos velhos tempos, e então tudo se resolveria com uma conversa amigável e nostálgica?

A ideia, por si só, parecera-lhe tentadora e utópica na mesma medida. Descartou-a com a mesma velocidade com que havia se permitido tê-la.

 Não havia muito o que se fazer.

Sirius podia ser culpado de muitas coisas, mas de assassinato certamente não era.

Como poderia, se Peter Pettigrew estava vivo? Andando sob suas quatro patas na forma animaga pelo castelo de Hogwarts?

O que mais teria ele inventado? Teria ele sido o responsável pela morte de James e Lily?

Faria sentido. Ele era ambicioso, era inseguro... Era um verdadeiro covarde.

Remus consultou o relógio do pêndulo no canto da sala empoeirada e passou, uma última vez, a mão pela testa, livrando-se de algumas gotas de suor gelado.

Suspirou novamente, com os olhos ainda fixos no infinito azul-estrelado - a lua crescente refletida em seus olhos castanhos.

Vencido pelo cansaço, ele abandonou o local de trabalho e tocou a discreta estante de livros ao lado da porta com a varinha, ingressando no vão que revelara-se com uma aparência de visível derrota e jogando-se em sua cama, mergulhando num estado profundo de subconsciência quase que de imediato.

Os dias que se seguiram àquela noite de revelações conturbadas foram uma lástima excepcionalmente intragável.

As horas insones e a dificuldade de Remus em se alimentar exerceram um efeito concreto sobre seu corpo. Com sua aparência débil por si só em razão da licantropia, os traços que menos gostava em si mesmos foram ressaltados de maneira inédita pelo estado depressivo e apático em que se afundara. Agora, parecia mais magro, mais pálido, mais febril...

E Snape, como uma serpente rodeando a vítima pronto para dar o bote, foi incapaz de controlar o desagradável sorriso vitorioso que apossava-se de sua face oleosa toda vez que esbarrava com o outro docente nos corredores. Suas piadas - que ninguém, exceto ele mesmo, achava minimamente engraçadas - eram uma reação quase que automática.

Remus o ignorava. Já tinha problemas de mais em suas costas sem provocar o ranhoso.

A lua crescente se foi, dando lugar ao pior dos temores de Remus.

Mesmo com tantos anos de experiência, a sensação de transformar-se num lobisomem, de perder o controle sobre seus próprios atos, não se tornava menos insuportável.

Às vezes, quando inconsciente em sua forma de licantropo, Remus tinha a impressão de ter sonhos bem vívidos. Flashs rápidos de cenas desconexas tomavam conta de sua mente.

Pensar nisso não ajudava.

Ele entornou a garrafa de Poção Mata-Cão na boca e sentiu o líquido descer, rasgando sua garganta. Contraiu o maxilar e reteve as pálpebras com força, contendo aquele já conhecido e crescente desejo de regurgitar.

Abandonando um Snape bem mais mal-humorado do que o comum, Remus apressou-se na direção da Casa dos Gritos, sentindo seu lado fera distanciar-se cada vez mais do plano latente para assumir uma forma tangível, incontrolável... Como um tornado que vinha de dentro dele, pronto para destruir tudo o que estivesse a sua volta.

Por sorte, os efeitos da poção tiveram seu início assim que essa sensação tomou conta do seu peito. Sentiu-se mais tranquilo, simplesmente.

Uma vez dentro de seu esconderijo, ele não tardou a começar a despir-se da plena consciência. Um vulto lúgubre e baixinho cruzando a sala no ar foi sua última visão antes que deixasse de ser Lupin para ser apenas lupus.

E correu, livre, na direção da noite. Pronto para liberar aquela fera revolta que estivera tão presente em cada célula do seu corpo naqueles últimos treze anos.

***

Remus abriu os olhos e apoiou-se no chão coberto de sujeira para poder erguer a coluna, que encostou na parede gasta pelo tempo e parcialmente consumida pelas traças.

Ele ainda estava zonzo. Massageou a têmpora e deixou que os flashes fluíssem em sua mente, lembrando-se do cachorro que acreditava ter visto, da maneira como correra entre as árvores e de guinchos que muito lembravam o choro de um animal ferido.

Lupin varreu os olhos pelo perímetro e seu coração quase saltou do peito com o que viu.

Ao seu lado, Sirius o encarava, estático.

— Aluado. — ele disse, calmo.

Remus, ainda muito fraco para se levantar, arrastou o corpo para longe, tentando conter o ranço puro que já tornava a pulsar em suas veias.

— Almofadinhas.

Never Let Me Go - Lana Del Rey

Ele sorriu. Um riso seco, amargurado. Sirius permaneceu quieto.

— Deve estar pensando...

— Não estou.

Por um momento, Sirius pareceu recuar. O semblante calmo em sua face manteve-se firme, mas seus olhos marejaram por um instante. A tristeza era perceptível em suas íris. Abaixou a cabeça.

— Olhe, eu...

— Sirius, eu recebi a sua carta. — Remus cortou, um pouco impaciente. — Acredito em você, mas...

Se conteve, calou.

Sirius piscou por um momento.

— Mas? — encorajou-o a continuar.

— Sirius, eu... Eu sinto muito, não sei o que fazer. Não sei o que pensar.

— Mas você disse que acreditava em mim.

— Eu acredito.

Ele piscou de novo, franzindo o cenho sem entender.

— Me ajude, então.

— Como?

— Acredite em mim.

— Eu já disse que acredito em você.

— Mas eu não acredito em você.

— Hum?

— Não acredito em você quando você diz que acredita em mim.

— Mas eu acredito.

— Então prove.

— Merlin, Almofadinhas! — Remus pôs-se de pé com esforço, dolorido. — O que você espera que eu faça? Que eu saia gritando aos quatro ventos que Peter Pettigrew está vivo? Que você é inocente?

— Não, eu...

— Droga, Sirius! Você precisa entender, Harry...

— Harry? O que tem Harry?

— Sirius. — Remus ficou ainda mais sério. — Você sabe o que Harry pensa de você?

Sirius abaixou os olhos, desconcertado. Estava tentando não pensar nisso.

— Eu imagino que...

— Não imagine, Sirius! Seja lúcido, sóbrio. Que acha que vai acontecer quando ele ouvir a sua versão? Sirius, ele acha que você foi o responsável pela morte dos pais dele. Ele te odeia, Sirius.

O peso das últimas palavras foi maior do que Lupin poderia prever.

Os joelhos de Sirius cederam e por um momento, Remus teve a certeza de que ele iria desabar. Correu em seu socorro.

— Estou bem — Sirius garantiu, contendo os dutos lacrimais.

— Sirius, eu...

— Aluado, eu entendo. Mas não voltei por Harry. Nem por Peter. Não tenho a intenção de ter minha vida velha de volta.

Remus, ainda com as mãos em volta de Sirius, olhou-o mais atentamente. Piscou.

— Bem, nesse caso, eu não entendo...

Nesse momento, os olhos escuros de Sirius encontraram os de Lupin. Só então Remus reparou: aquele que outrora fora um dos meninos mais belos e disputados de Hogwarts, já não era mais reconhecível.

Aquele Sirius estava morto.

Seus dentes podres, o cheiro intragável e os cabelos crespos e grisalhos evidenciavam a ruína do cárcere.

Ele percebeu, e desviou o olhar.

— Fugi por você.

Remus engoliu a seco e os olhos escuros de Black voltaram-se aos dele novamente.

Sem refletir muito, tateou o rosto plissado daquele que um dia amara e algo dentro dele se partiu. Sirius havia envelhecido muito. Parecia ter uns vinte anos a mais do que realmente tinha. Mas seus olhos permaneciam iguais. Tristes, serenos... Tudo ao mesmo tempo.

Os lábios de Sirius se contraíram, formando uma linha finíssima.

Remus abraçou-o contra seu peito, com força, e a cabeça de Sirius encaixou-se no seu ombro.

Naquele momento, não havia nada a se dizer. Palavras não se faziam necessárias. E mesmo que se fizessem, Remus não as possuía.

Ele estava velho, acabado, amargurado. Muito tempo havia se passado.

Por que ainda estava ali, com ele, então?, pensou Remus, “se sua aparência já não mais me agrada e sua presença evoca em mim lembranças tão cruéis?”.

A voz no fundo de sua mente respondeu, antes que ele pudesse fazê-lo. Com os olhos marejados, sorriu, e apertou Sirius com ainda mais força.

Realmente, Almofadinhas não era mais o mesmo e muita coisa havia acontecido.

Mas, ainda assim, aquele ainda era o seu Sirius.

E naquele momento - e em todos os outros -, tudo o que Sirius precisava era do seu Remus.

As horas se passaram e eles permaneceram ali, sem dizer nada.

O dia foi-se e a noite veio.

“Ainda é lua cheia”, Remus lembrou.

E Sirius, como se estivesse lendo seus pensamentos. Desvencilhou-se do amásio por um momento e depositou um ósculo nos seus lábios e depois em sua testa.

Ele fez menção de sair, mas Remus o puxou. Agora, a tristeza que outrora diferia as íris de Almofadinhas, refletiu-se também nos olhos de Aluado e ele compreendeu.

A tristeza do cárcere era mínima se comparada a tristeza maior, da qual os dois haviam secretamente compartilhado naqueles treze anos sem se dar conta.

A tristeza da nostalgia, da distância. E agora que ela havia se rompido, o solitário Remus não seria capaz de suportar sua restauração. Apertou a mão de Sirius com mais força, sem se controlar. Black o olhou.

— Fique — pediu.

— Alguém pode chegar.

— Eu não me importo.

— Mas eu sim — a voz de Sirius era tão séria quanto sua feição. — Por nós dois.

Ele sorriu novamente, revelando os dentes podres. Mas, dessa vez, a felicidade parecia real em sua expressão. Remus retribuiu, sentindo suas maçãs do rosto corarem, como quando era garoto.

— Voltarei. — Sirius garantiu por fim, soltando-se do amado.

— Você promete?

Remus engasgou, sentindo os primeiros indícios de transformação aparecerem. Manteve-se firme, o olhar fixo em Sirius.

— Prometo — e o mesmo sorriso de antes cortou o horizonte de suas bochechas.

Aproximou-se de Remus de supetão e beijou-o mais uma vez antes de partir.

Quando saiu, transmutou-se em sua forma animaga em tempo de ouvir os uivos no andar superior.

Desejou, por um instante, poder acompanhar Remy, mas não seria inteligente.

Ele abandonou a casa e desapareceu no verde da floresta, levando consigo a esperança de um amanhã melhor e a certeza de que suas expectativas seriam correspondidas. Uma lágrima de alegria escorreu de seus olhos caninos e ele latiu para o interior da casa, partindo.


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Notas finais do capítulo

Apenas um devaneio que eu tive.

E então? ♥



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