Monochromatic escrita por Cihh


Capítulo 1
Capítulo 1 - Hotel California


Notas iniciais do capítulo

Oi!



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Miranda sentou-se de frente para o espelho em seu quarto e passou a escova no cabelo loiro repetidas vezes, absorta em pensamentos. O espelho, com as laterais de madeira pintadas de rosa pastel, tinha um total de dez lâmpadas que iluminavam todo o rosto da garota quando ela as acendia. Rosto pequeno levemente arredondado, que dava a ela um ar mais infantil do que gostaria, nariz arrebitado na ponta, bochechas rosadas, grandes olhos azuis escuros, sobrancelhas finas e mais escuras que o cabelo. Colocou a escova na penteadeira e apagou as lâmpadas que praticamente a cegavam. Segurou a barra do vestido, um simples dessa vez, branco que ia até a altura dos joelhos, com um laço discreto na cintura, e andou até a porta do quarto olhando para as sapatilhas pretas lustrosas em seus pés. O quarto era anexo a uma pequena sala que continha meia dúzia de quadros, um sofá de couro e uma mesa baixa de vidro com detalhes dourados, além de um lustre de brilhantes enorme no teto, que refletia todos os raios de sol que entravam pela janela. Aquela era a casa de Miranda. Um quarto e uma sala anexa no último andar de um dos hotéis do pai. 

Foi até o hall e apertou o botão para chamar o elevador. No corredor, além do quarto de Miranda, ficava o pequeno quarto de sua governanta, Alicia, e o escritório particular do pai.  Às vezes o pai ficava longos períodos no hotel cuidando de negócios, mas normalmente estava viajando para outros lugares para abrir mais hotéis e ganhar mais dinheiro. No entanto, ele achava que deveria ficar mais tempo no hotel com Miranda, apesar de a própria garota praticamente não vê-lo. 

O elevador chegou vazio, e Miranda entrou. Apertou o botão do térreo e esperou a descida dos quinze andares. Ela estava indo encontrar Victor, um garoto um pouco mais velho que Miranda, que de vez em quando se hospedava no hotel quando o pai dele precisava falar com o pai dela. Esse tipo de visita acontecia cerca de duas vezes por ano, e Miranda conhecia Victor desde que ela tinha 10 anos, e ele 12. O pai do garoto tinha uma enorme plantação de uvas e fabricava vinhos e outros tipos de comida, mas Miranda não sabia bem o que era. Ela só sabia que o pai servia os vinhos em todos os hotéis, e os dois homens eram grandes amigos de longa data. 

Ela saiu do elevador e pisou no saguão do hotel. Grandes lustres, piso de mármore, sofás de veludo vinho, um teto bem alto e ar condicionado no máximo. Arrependeu-se de não ter pegado uma blusa quando saiu do quarto. Abraçando a si mesma, passou pela recepção e cumprimentou com um sorriso as três moças que conversavam com hóspedes irritados ou recém-chegados. Na noite anterior, assim que Miranda subiu após o jantar, uma das recepcionistas bateu na porta do quarto dela e lhe entregou um bilhete escrito na folha parda do hotel, com o brasão e tudo mais. A folha tinha um leve cheiro de perfume masculino, que lembrava Miranda de limão e hortelã. Ela se perguntou como Victor tinha conseguido deixar a folha cheirando a ele próprio. 

‘Cheguei de viagem agora. Não consegui ligar no seu quarto. Enfim, vou jantar e dormir para descansar. Te encontro amanhã às duas na casa na árvore?   

—Victor’ 

Miranda acordava todo dia às oito, descia para tomar café da manhã, voltara para o quarto e esperava seu professor particular chegar para as aulas do dia. Português, história, geografia, matemática, física, química, biologia, sociologia e filosofia, inglês, alemão, francês, economia e administração. Todo dia matérias diferentes. Depois, a partir da uma da tarde, ela podia descer para almoçar e tinha o resto do dia livre para fazer o que ela quisesse dentro do hotel. Dentro, claro, porque o pai não deixava que ela saísse, nem os seguranças. Ela passou pelo restaurante ainda cheio por causa do horário de almoço, pela área de lazer, empurrou a grande porta de vidro que dava na área da piscina aberta, passou o parquinho, o jardim e as quadras até chegar em um grande campo aberto, que até agora ela não sabia para o que servia. Ela sabia que bem escondido entre as plantas, havia uma grande árvore com uma casa de madeira em cima. Miranda tinha descoberto a casa na árvore quando era bem pequena, enquanto andava pelo terreno do hotel. Um dia, ela resolveu voltar para passar um tempo sozinha, após uma briga com o pai, e acabou encontrando um garoto lá dentro.  Foi a primeira vez que ela viu Victor.

Miranda subiu na escada de corda que dava até a casa de madeira. Não era uma estrutura muito grande: tratava-se de um quadrado de três metros com pouco mais de um metro e sessenta de altura. A madeira estava bem desgastada e algumas tábuas do telhado já tinham caído, mas no geral ainda estava apresentável. Victor tinha levado dois puffs do hotel para dentro da casa, assim como livros secretos. Ele havia colocado uma série de lanternas no teto da casinha, que iluminavam o ambiente naturalmente escuro. Quando Miranda conseguiu subir na casa, com certa dificuldade por causa do vestido, Victor já estava lá. Estava sentado em um dos puffs, folheando um livro cheio de marcações e trechos grifados de canetinha. Olhou para Miranda, que tentava tirar as folhas dos cabelos, e sorriu. 

—Oi. -Disse enquanto ela se jogava no outro puff ao lado de Victor. Ele já estava com 18 anos. Não era muito alto e era bem magro, com os braços finos. Os olhos eram castanhos, assim como o cabelo, mas dessa vez os fios estavam branco-amarelados, descoloridos, apesar de a raiz castanha já estar aparecendo. O rosto era angulado, o nariz um pouco grande e os lábios, finos. Tinha um belo sorriso, a pele pálida e estava começando a deixar a barba crescer. Vestia uma calça social, como sempre, sapatos pretos engraxados perfeitamente e uma camisa polo branca. 

Miranda bufou e esfregou as mãos vermelhas pela força de ter segurado as cordas nas laterais do puff velho. -Não sabia que você vinha. Fiquei surpresa com seu bilhete. 

—Meu pai decidiu de última hora. -Ele disse fechando o livro que estava folheando. Era o livro de fotografias que Miranda tinha roubado da biblioteca do hotel sem ser pega. -Uma surpresa boa ou ruim?  

—Boa, se não eu não estaria aqui. -Ela disse olhando ao redor da casinha. Victor tinha acendido todas as lanternas e o tapete vermelho que cobria o chão de madeira estava sem pó.

—Tem razão. -Ele colocou o livro de fotografias no chão e limpou a garganta. -Alguma novidade?  

Miranda resistiu ao impulso de rir. -Claro que não. Desde quando acontecem novidades na minha vida?  

—Eu tenho novidades. -Victor olhou para o lado de fora da casa. -Seu pai quer te casar. 

Miranda não entendeu. -O que?  

—Quer arranjar um marido para você. 

—Eu tenho dezesseis anos. 

—Sabemos que ele não liga muito. 

—Não quero me casar agora. 

Victor deu de ombros. -Desde quando você não faz as coisas que seu pai quer?  

Miranda olhou feio para o garoto. Mas ela sabia que era verdade. E se odiava por isso. -Não tenho muita escolha. 

—Eu sei. Por isso espero que ele escolha um bom marido para você, pelo menos. 

—Quem vai querer se casar com uma garota de 16 anos?  

—Muita gente quer se casar com uma garota rica como você. Acredite.  

—Tipo um casamento arranjado?  

—É, basicamente isso.  

Miranda estava aborrecida. Ela não tinha vontade alguma de se casar no momento. Ela nem mesmo conhecia garotos com quem poderia de casar. -Em quem meu pai está pensando?  

—Não sei de todos os detalhes. Acho que Daniel. -Victor disse com desgosto. Daniel era filho de um fabricante de doces famosos. Victor não gostava dele.

—Espero que não. Quer dizer, não desgosto de Daniel, mas não quero me casar com ninguém.

Victor suspirou. –Torça para não ser Daniel. Ele é um canalha.

Miranda não sabia muito bem o motivo de Victor não gostar de Daniel, mas ela achava que tinha algo a ver com negócios. Ou garotas.

—Você está namorando? –Miranda perguntou.

Victor balançou a cabeça negativamente e apertou a ponte do nariz com o indicador e o polegar. –Não.

—Você terminou? -Da última vez que Miranda tinha falado com Victor, ele estava namorando uma garota da cidade dele. 

—Ela terminou comigo.

—Por quê?

—Eu estava muito ocupado e não tinha tempo pra dar atenção para ela.

—Ocupado com o que?

—Faculdade.

Victor fazia faculdade de economia, e quando não estava estudando, estava ajudando o pai com os negócios da família.

—Que chato. –Ela disse.

— Você vai no jantar de hoje? –Ele perguntou. O pai de Miranda tinha chamado-a naquela manhã para falar sobre o jantar, que ocorreria no próprio hotel.

—Claro. Eu sempre vou.

—Irei te esperar lá. -Victor disse e tirou o celular do bolso da calça. -Seu pai te deu um celular?

—Claro que não. Pedi um de aniversário e ele me deu um vestido. –Miranda disse emburrada. Victor riu.

—Você provavelmente é a única pessoa da sua idade que eu conheço que não tem um celular. Ouça essa música. É muito boa.

Uma música que Miranda não conhecia começou a sair do celular, chegando aos ouvidos seus ouvidos enquanto ela fechava os olhos e apoiava a cabeça na parede da madeira da casa.

Bem-vindo ao Hotel Califórnia

Que lugar encantador

Que rosto encantador

Vários quartos no Hotel Califórnia

Qualquer época do ano

Você pode encontrá-lo aqui

(Hotel California, Eagles)

—É uma música antiga. –Victor disse. –Me lembro de você quando a ouço. 

*****

Miranda fechou os olhos, sentindo a massagem que Alicia fazia em sua cabeça enquanto lavava seu cabelo. Ela estava com o corpo todo submerso na banheira, à exceção da cabeça, e Alicia estava sentada do lado de fora com as mãos cheias de espuma de produtos para cabelos.  

—Vi o senhor Victor hoje no restaurante, durante a hora do almoço. -Ela disse enquanto enxaguava o cabelo de Miranda com o chuveirinho. -Ele me cumprimentou. Muito gentil.  

—Eu me encontrei com ele também. -Miranda disse distraída. -Vou ver ele agora durante o jantar. 

—Ele parece gostar muito de você. -Alicia se referia a Miranda como “você” já que ela trabalhava cuidando da garota desde que esta tinha cinco anos. Os outros empregados do hotel sempre faziam uso do “senhorita”. 

—Gosto muito dele também. 

—Da mesma forma que ele gosta de você?  

Miranda suspirou. Alicia sempre adorou histórias de amor trágicas e dramáticas. -Ele não gosta de mim dessa maneira. Somos só amigos. 

—Tem certeza?  

—Acho que sim. 

Alicia passou a mão pelos cabelos de Miranda uma vez para tirar o excesso de água e aplicou mais uma camada de produto. -Seu pai tinha me chamado para falar sobre seu casamento. 

Miranda bufou. -Absolutamente todo mundo sabia sobre esse casamento, menos eu?  

—Foi uma novidade para mim também. Ele queria me perguntar se eu sabia se você já tinha demonstrado interesse em algum dos garotos. 

—E você disse o que? -Miranda achava que nunca tinha demonstrado nada pelos garotos que ocasionalmente vinham visitá-la no hotel com seus carros chiques e empresas famosas. 

—Que nunca tinha percebido nada. Mas falei que você era amiga de Victor. 

Miranda jogou a água com espuma para cima, vendo pequenas bolhas de sabão descerem lentamente de volta para a banheira. -Ele quer me casar com Victor?  

—Não sei. Mas pode ser uma possibilidade. 

—Acho que Victor recusaria. Ou recusou. 

—Por quê?  

—Ele não disse nada sobre ele mesmo ser um dos pretendentes. Disse apenas que não queria que eu me casasse com Daniel. 

—Eu falei para seu pai que você ainda é muito nova para casar. Ele disse que você já tem quase 17 anos. 

—Continua sendo muito nova para casar. 

—Sim, pedi para ele esperar até a maioridade, mas ele não parece muito disposto a ouvir. 

—Bem, ele não ouve ninguém. Além disso, minha mãe tinha 17 anos quando eles se casaram.

Alicia tirou todos os produtos do cabelo de Miranda e enrolou os fios em uma toalha branca. -Pronta. Pode sair.  

*****

A reunião estava marcada para às oito da noite. Miranda estava no restaurante pelas sete, ajudando os empregados a deixar a mesa e o local perfeitamente em ordem. Ela apreciava fazer esse tipo de atividade. O assessor do pai, um homem alto, com cabelos e bigode brancos chamado Júlio, também estava lá, escrevendo em um tablet com uma caneta.

—Está muito frio aqui, Júlio. –Miranda reclamou, apontando para um dos aparelhos de ar condicionado. –Diminua o ar, por favor.

—Sim senhora. –Ele disse com um pequeno sorriso. –Vinte e quatro graus está bom?

—Que tal vinte e cinco? –Ela sugeriu e Júlio balançou a cabeça positivamente.

—Parece razoável.

Miranda se sentou em uma das cadeiras arrumadas em volta de uma mesa comprida. A toalha que cobria a mesa era branca, com uma preta por cima. Cada prato estava milimetricamente colocado em frente a uma das diversas cadeiras. –Ei, Júlio. –Ela chamou.

—Diga?

—Você sabe com quem meu pai quer me casar?

Júlio franziu a testa. Miranda suspeitava que ele reprovasse a decisão do pai de Miranda de querer casá-la com essa idade. Júlio desaprovava várias coisas a respeito da educação e vida da garota, mas não costumava falar disso com ela, pois não queria perder o emprego. –Sei que ele estava conversando com alguns sócios sobre essa possibilidade.

—Alguns sócios tipo quem? Você sabe?

—Sei, mas você sabe que eu não posso lhe contar.

Miranda fez um bico. –Espero que ele não ache ninguém.

—Você sabe que ele é persistente.

—Ele podia esperar até eu completar dezoito anos. Ou eu me apaixonar por alguém de verdade.

Júlio passou a mão pelo bigode bem aparado. –Tente convencê-lo disso então.

—Como se ele escutasse alguma coisa que eu digo. Só posso torcer para ele escolher um bom marido.

—Qual é a sua definição de ‘um bom marido’?

—Não sei também.

—Alguém como Daniel?

—Acho que não. Daniel tem 18 anos, e ele age como um garoto de 18 anos de fato. Não é uma idade para casar.

—Bem, todos os candidatos, se posso chamá-los assim, estão nessa faixa etária.

—Então teria que ser alguém de 18 anos, mas que age como alguém mais velho.

—Como Victor?

Miranda não percebeu que estava descrevendo Victor. Victor tinha 18 anos como Daniel, mas era responsável como um adulto. Agia como um adulto e trabalhava como um. Mesmo assim, não achava que queria se casar com ele. –Não sei. Somos amigos.

—Não seria melhor se casar com um amigo do que com um desconhecido? –Júlio perguntou, chegando perto de um ponto da mesa para arrumar um garfo fora do lugar.

—Acho que sim. Mas Victor não iria querer se casar comigo.

—E por que não?

—Porque somos amigos. –Miranda disse, olhando para o teto.

Ela não queria mais falar sobre casamentos e garotos. Tudo o que queria no momento era sair para dar uma volta.


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