Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 6
Lindamente Vazios - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Música: Pretty Vacant - Sex Pistols



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— Vocês entenderam o que temos que fazer, certo? — sussurrou o gênio dos Karas para Chumbinho e Magrí, os três escondidos atrás de uma árvore alta próxima à entrada do Blitz Arcade, o letreiro em neon vermelho piscando de forma berrante naquele fim de tarde.

— Certo, Crânio — disse a menina — Eu vou entrar primeiro como quem não quer nada e procurar o dono, seguindo a descrição do Chumbinho. Você vem atrás de mim e se mistura no meio dos garotos suspeitos para coletar informações...

— E eu vou ficar aqui escondido para dar cobertura — Chumbinho resmungou — A melhor parte.

O mais novo dos Karas não escondeu o desagrado e a ironia na voz, mas por mais que argumentasse, nem Crânio e nem Magrí iria deixá-lo se arriscar a ficar na mira dos garotos brigões de novo. Não era apenas pela segurança dele, o que era o pequeno conforto do garoto em toda aquela situação, mas também porque os três Karas não queriam causar confusão e chamar a atenção.

A ideia era tentar saber o máximo possível sobre quem eram aqueles meninos que estavam causando problemas no estabelecimento. Crânio esperava que um pouco de persuasão e conversa mole, convenceria aqueles garotos de deixarem as crianças em paz para brincarem no fliperama como bem entendessem. Mal sabia que o problema se apresentaria muito mais grave do que sua percepção inicial...

As cores do fim de tarde na capital paulista deixavam a figura de Magrí translúcida, quase como se não fizesse parte daquele mundo, enquanto ela o olhou carinhosamente com o seu sorriso mais bonito como se dissesse “cuide-se, meu querido”. Ela então se dirigiu à entrada do estabelecimento, e o coração do rapazinho acelerou no peito.

Crânio esperou cerca de dois minutos antes de também se dirigir ao Blitz Arcade para dar prosseguimento ao plano, a cabeça no entanto, ainda distraída pela menina dos Karas. Não era segredo para ele que a relação dos dois estava tomando um caminho além do da mera amizade e companheirismo.

Ainda podia sentir o gosto dos lábios dela e não era cego para perceber que Magrí o olhava de forma diferente, o que sempre ocasionava dele ter muita ciência do próprio sangue correndo nas veias.

Mas Crânio, por mais inteligente que fosse em diversos assuntos, não conseguia entender o que se passava na mente e no coração da menina, e aquilo tirava o sono do garoto de vez em quando.

Ela gostava dele... Mas? O que vai acontecer? Teria ele que dar algum passo? E o que de fato sentia por ela? Apenas uma atração por achá-la bonita como tantas outras garotas no Colégio Elite ou ela era de fato especial para ele?

O gênio dos Karas não tinha mais dúvidas em relação ao último cenário. Magrí era até aquele momento dos seus quase quinze anos de vida, a única menina que fazia o coração do garoto bater mais forte, não sendo apenas a paixonite que teve com outras garotas ao longo da vida, que logo se desvanecia como água corrente, se esquecendo da existência delas, pelas distrações dos estudos e das coisas que gostava.

A única paixonite que nunca acabou, essa que o rapaz possuía desde quando era criança, era por uma atriz de Hollywood muito famosa que sempre o fazia suspirar, a belíssima Grace Kelly.

A atriz não era apenas bonita fisicamente, mas havia um ar de elegância e graciosidade nos seus modos; uma candura na voz e nos gestos em tela que eram dela mesma, não apenas dos personagens que representava.

Ao mesmo tempo, era nítida a força de espírito daquela jovem atriz, que passou por  situações difíceis em sua biografia antes de chegar ao estrelato. A primeira vez que viveu o mais próximo de um coração partido, foi a notícia da morte da Princesa de Mônaco dois anos antes, em 1982.

O garoto tinha um gosto, uma preferência quando o assunto era garotas, e a imagem de Grace Kelly e a sua Magrí, estavam cada vez mais gravadas e misturadas no coração dele.

Todos aqueles pensamentos correram pelo cérebro do rapaz nos segundos que levou para entrar no Blitz Arcade, já lotado devido ao horário. Sentiu-se um menininho de novo ao ver aquelas máquinas barulhentas cheias de vida, ocupadas pela garotada que gritava e vibravam com Galaga, Elevator Action, Pac-Man e tantos outros jogos que Crânio adorava.

Foi difícil para o gênio dos Karas se manter focado na tarefa que precisava executar, distraído por todas aquelas máquinas brilhosas implorando pelo dinheiro dele. Esperava que Magrí estivesse em vantagem e já tivesse informações úteis àquela altura.

— Legal esse jogo, né cara? Estou quase conseguindo chegar no último nível dele, coisa que ninguém conseguiu até hoje nessa máquina!

Crânio, que olhava com interesse para um máquina vazia com o Elevator Action pronto para ser jogado, virou-se para o dono da voz, que se tratava de um rapaz da mesma altura dele, aparentemente mais velho, talvez uns três anos.

O que chamou a atenção do gênio dos Karas, no entanto, era a aparência esquisita que o garoto tinha: calça jeans rasgada completamente suja, uma regata preta com buracos com palavras garranchadas em inglês que ele não conseguia ler direito.

O garoto tinha tatuagens nos braços nus, piercing no nariz e na sobrancelha, e o cabelo em um corte bizarro que parecia uma crina de cavalo gigante, todo espetado para cima com mechas vermelhas e as laterais da cabeça carecas.

— Maneiro, faz tempo que eu não jogo — respondeu Crânio disfarçando o seu exame minucioso na aparência do seu ouvinte — Quanto tempo você está jogando o Elevator Action?

O garoto esquisito deu de ombros com arrogância.

— Somente alguns dias. Como eu disse, ninguém consegue bater o meu recorde de pontos nesse jogo e eu faço questão de continuar assim.

Crânio deu o seu melhor sorriso zombeteiro, como se concordasse com o rapaz. Era óbvio que o cara estava frequentando o local há pouquíssimo tempo, porque do contrário, ele saberia que só um jogador bateu o recorde e chegou no último nível do Elevator Action, que se tratava dele mesmo!

Porém não ia compartilhar essa informação comprometedora, e resolveu entrar no jogo do garoto esquisito, sendo o mais falso que conseguia.

— Puxa vida, que demais, cara! Eu acho que vou jogar um pouco para desenferrujar... Nem lembro qual foi último nível que cheguei. Quer competir?

— Ha! Até parece que eu vou competir com um perdedor como você – zombou o rapaz — E eu faço apostas altas, mas não nesse lugar de f**. Em outro lugar bem mais maneiro, sim...

Crânio, mordendo a língua para não dar uma resposta grosseira ao desconhecido e estragar o disfarce, engoliu o orgulho. Estava se aproximando da razão dele estar ali aguentando a conversa daquele idiota.

— Ah, mas se você joga e faz aposta em outro flíper melhor, porque joga aqui também?

— Porque eu posso — o garoto deu um socou de forma amigável no ombro de Crânio, rindo — E é mais divertido ver essa escória de moleques chorando porque perderam para mim!

Ele gargalhava com gosto e o gênio dos Karas forçou um riso, o alarme soando na sua cabeça. Não havia mais dúvidas que o garoto tatuado era parte da gangue que Chumbinho descreveu, então poderia sondá-lo mais.

Não passou despercebido para o rapaz que o seu novo amigo escondia alguma coisa que o perturbava, pelo modo como seus lábios tremeram como se estivessem com medo quando mencionou o outro fliperama. Precisava saber mais.

— Esse outro flíper que você faz apostas não tem crianças, certo? Queria visitar um dia desses...

O garoto tatuado parou de rir, fechando um pouco a cara.

— Não é qualquer merdinha que pode entrar lá, meu irmão, e esse seu jeito aí não me parece que você é um dos nossos.

Crânio sentiu que estava sendo examinado da mesma forma que fez com o seu colega quando ele chegou. Era visível o contraste absurdo entre os dois rapazes, como se fossem de fato de mundos diferentes. A aparência do garoto tatuado se mesclava com as das crianças bem arrumadas e limpas do Blitz Arcade, mas ele não era o único.

Durante aquela meia hora, outros garotos de mesma aparência entraram no local e dominaram o lugar, as crianças ficando cada vez mais sem máquinas para jogarem e algumas até deixando o fliperama.

Rapidamente, Crânio viu a figura de Magrí conversando com o dono do estabelecimento de forma animada. Porém, um dos rapazes da tal gangue se aproximava dela de um jeito que fez o sangue do gênio dos Karas ferver e os dentes trincarem.

Na entrada do fliperama, quase escondido pelo enorme boné enfiado até as orelhas, Chumbinho fez o sinal com os dedos de perigo para Crânio e Magrí, voltando ao seu esconderijo.

Não havia mais tempo a perder. Os dois precisavam sair dali o quanto antes com o objetivo atingido. Era hora de improvisar, e mesmo os dois Karas não sendo atores talentosos como o amigo Calú, sabiam fingir muito bem, principalmente quando estavam juntos, quase como se conseguissem ler a mente um do outro para entrar no jogo de fingimento.

Crânio virou-se para o garoto tatuado com um sorriso enigmático.

— Tem razão, talvez eu não seja mesmo. Mas aquele seu amigo ali, próximo da minha namorada, talvez pense diferente.

Sem esperar pela resposta dele, o gênio dos Karas se aproximou dos dois com a melhor áurea de confiança e rebeldia que conseguiu reunir. Ajudava o fato de que gostaria de socar a cara do outro garoto tatuado pela forma como ele olhava Magrí.

Diferente do seu novo amigo, este usava um corte de cabelo todo arrepiado, com um colete por cima da regata. Magrí parecia surpresa pela aproximação repentina de Crânio, acompanhado por outro membro da tal gangue.

Sem nenhuma cerimônia, Crânio ignorando inicialmente a presença dos dois garotos, principalmente o que estava paquerando Magrí, abraçou a garota pelas ombros dando um beijo rápido, mas apaixonado nos lábios dela. Ela não teve tempo de reagir e o garoto, como se sussurrasse palavras de amor no ouvido da menina dos Karas, disse:

— A gente precisa dar o fora daqui.

Ele fitou Magrí antes de soltá-la um pouco do seu abraço e ela estava com os grandes olhos um pouco maiores e parecia zonza, como se estivesse apenas presente de corpo.

No entanto, ela se recuperou da surpresa, e com um brilho diferente nos olhar, entrou no jogo de Crânio o abraçando de volta.

— Ah meu amor, eu já ia te chamar! Fomos convidados para uma festa de rock hoje à noite aqui mesmo pelo Sid Vicious!

Ela gesticulou para o garoto de cabelos arrepiados. Crânio não era um expert em rock and roll como Miguel, Chumbinho e Calú, mas ele sabia que aquele nome não era estranho para os fãs do gênero. Só não conseguia se lembrar de onde era aquele apelido – porque só podia ser um apelido, por quem se chamaria Sid Vicious?!

O tal do Sid Vicious parecia um pouco sem jeito, o que Crânio achou muito engraçado.

— Ah bem... Eu te convidei, gata, mas eu não sabia que você tinha um namora—

— Ah mas meu namorado adora rock, não é querido? — Magrí o cortou, abraçando Crânio com mais força — E eu também, então é perfeito! Vamos nos divertir muito!

— Sim, claro, por que não? — o gênio dos Karas se dirigiu ao garoto de moicano — E você pode aproveitar e me mostrar essa sua habilidade no Elevation Action. Eu e o meu irmão mais novo vamos adorar.

Crânio sabia muito bem que Chumbinho não ia querer ficar de fora daquela oportunidade de ouro.

— Espera aí, eu só convidei a garota... — O tal do Sid Vicious parecia bravo e olhou de forma zangada para o garoto de moicano.

Crânio e Magrí deram de ombros, e a menina arrastou o suposto namorado pela mão, acenando alegremente para os dois garotos.

A noite já havia caído, e todo o Blitz Arcade estava completamente tomado pela gangue do garoto de moicano e do Sid Vicious, todos da mesma aparência exótica, incluindo as garotas.

Uma mesa de bilhar foi montada nos fundos do estabelecimento; o dono, um senhor quase careca, apareceu de novo dos fundos com uma caixa que os meninos tatuados atacaram com risadas.

Logo os dois Karas descobriram que se tratava de vodka. Alguém trouxe um som que passou a tocar um rock barulhento e rápido. De uma hora para outra, o local não se parecia em nada com o fliperama que Crânio e Chumbinho conheciam.

Precisavam entrar em contato com o garoto, mas não sabiam como o iriam fazer. Magrí contou de forma rápida para Crânio o que descobriu, o melhor que conseguia para ser ouvida no meio daquela barulheira infernal.

— O seu Abílio, o dono do flíper estava com dificuldades financeiras. Daí ele recebeu uma proposta de umas pessoas para manter o local funcionando, em troca de deixar essa galera livre por aqui para fazer o que quisesse.

Crânio, quase sendo empurrado para longe de Magrí quando um grupo de garotas risonhas começaram a dançar, não via sentido em toda aquela narrativa.

— Mas porque esses garotos? Quem são essas pessoas endinheiradas que estão bancando o flíper?

— Eu tentei perguntar mais para o seu Abílio, porque eu percebi que ele queria falar — Magrí suspirou e fez um beicinho — Porém aquele tal de Sid Vicious chegou e atrapalhou tudo!

O próprio se reaproximou do casal de Karas um pouco trôpego, segurando uma garrafa de vodka e a roupa mais amassada e suja que o normal. Agarrou Magrí como se fosse beijá-la, mas antes que Crânio reagisse, a menina o empurrou com toda a força e o garoto caiu de costas no chão, rindo no meio de um roda de malucos, que balançavam a cabeça e gritavam palavras desconexas.

Magrí e Crânio recuperados do susto, zanzaram pela festa que já estava ficando fora de controle. O que viram não souberem explicar com facilidade.

Garotos e garotas, alguns da idade dos dois Karas, outros mais velhos, estavam fora de si, bebendo, cheirando drogas, gritando, rindo e batendo as cabeças ao som do rock e das máquinas de fliperama que zuniam, como se protestassem aquela algazarra.

Um garoto sem camisa, com o peito magrelo exposto, estava enrolado numa bandeira vermelha com uma caveira escrita em letras pretas “punks contra a p*** da ditadura!”.

Na parede aos fundos, alguém havia escrito “viva a anarquia!”. Era o caos completo, de fato, uma anarquia instaurada num lugar frequentado por crianças, que agora era tomado também por crianças sem controle.

A música berrava nas caixas de som. Um rock desconexo e cantado de forma ruim, mas com um refrão que marcou a memória do gênio dos Karas daquela noite surreal.

Oh we’re so pretty

Oh we’re so pretty

We’re vacant

Tontos em meio à balbúrdia, os dois Karas avistaram o seu Abílio, que parecia querer correr dali o quanto antes.

Sem perderem tempo, Crânio e Magrí correram atrás dele até os fundos do estabelecimento, sem perceberem que o garoto de moicano — o mesmo que abordou Crânio quando chegou — os seguiam com um sorriso maldoso nos lábios.

Para a sorte dos dois, Chumbinho se enfiou no meio da festa acompanhando os passos dos dois Karas mais velhos, sem esconder o horror de ver o flíper que tanto amava transformado naquele inferno.

Crânio e Magrí encurralaram seu Abílio no depósito do estabelecimento. Os lábios do velho tremeram quando encarou os dois Karas.

— Seu Abílio, por favor, relaxe. Não vamos machucá-lo — Crânio aproximou-se de forma suave — Sente-se nessa cadeira e não pense em mais nada. Está tudo bem e tranquilo, nada vai lhe acontecer, porque não vamos permitir.

O velho sem compreender, obedeceu as instruções do gênio dos Karas e sentou-se, tentando ficar tranquilo, mas sem muito sucesso.

— O que querem saber sobre toda essa loucura eu não posso dizer — disse ele ainda trêmulo — Por favor, me deixem voltar para casa.

Magrí aproximou-se dos dois sem questionar Crânio sobre o que ele iria fazer.

— Está tudo bem, meu namorado só quer ver com o senhor se a sua pressão está boa, seu Abílio. O senhor está muito agitado.

Ouvir ser chamado de namorado por aquela garota maravilhosa fez o coração de Crânio pulsar com mais força mais uma vez. Mas controlou-se e prosseguiu com o seu plano.

— O senhor está bem relaxado e não está pensando em nada. A única coisa que o senhor escuta é a minha voz e a da mais ninguém.

O velho relaxou pesadamente na cadeira, as pálpebras caindo como se quisesse dormir. Os dois Karas sorriram. Até ali tudo bem, mas tinham que ser rápidos.

— Certo. Quero saber quem está financiando o seu fliperama e essa festa e por quê.

O velho resmungou.

— Não sei quem eles são realmente. Parecem serem importantes empreendedores com muito dinheiro, mas só... Eles têm suas razões.

— Algum nome que o senhor saiba? Qualquer nome?

O velho resmungou de novo de forma desconexa até finalmente responder:

— Sid Vicious...

— Mas isso não faz sentido... — Magrí sussurrou — Aquele garoto financiando tudo isso?

— A festa acabou, seus bostinhas. Hora de ir para casa.

O garoto de moicano apareceu na entrada do depósito com os olhos fora de órbita e um porrete balançando nas mãos. Crânio, sem se deixar intimidar, exigia respostas:

— Onde está o Sid Vicious, aquele filho da mãe que tentou agarrar minha namorada?

O garoto de moicano caiu na gargalhada para a raiva dos dois Karas. Quando conseguiu se controlar, falou:

— Vocês são muito burros mesmo, hein?! Não percebem? Todos nós somos o Sid Vicious! Porque somente um pode ser o Sid? Não é muito justo! Então todos igualmente são uma estrela do punk!

— Mas o que vocês querem? — Magrí indagou com firmeza — Qual é a razão de tudo isso?

— Anarquia. Mudar o mundo! — os olhos do garoto giraram mais ainda nas órbitas — É hora de tomar todo o controle do que é nosso.

Ele avançou para cima do gênio dos Karas, os dois caindo no chão com um estrondo forte. O garoto de moicano tentava levantar o porrete para bater em Crânio, enquanto Magrí o tentava segurar pelas costas sem muito sucesso — por mais magrelo que fosse, o garoto de moicano tinha muita força, e o fato de estar fora de si não ajudava a menina dos Karas.

Crânio tentava segurá-lo pelo pescoço como se fosse enforcá-lo. O brilho nos olhos do menino tatuado era uma mistura de ódio e medo.

— Vocês não vão estragar tudo. É tudo o que tenho, se não eles...

O menino não teve tempo de terminar a frase. Chumbinho de forma valente, tirou o porrete das mãos do garoto, aproveitando que Magrí conseguiu imobilizá-lo, e o acertou na cabeça. O garoto de moicano caiu mole, desmaiado no chão.

Os três se entreolharam ofegantes e com adrenalina no corpo. Queriam se abraçar para assegurar que estavam seguros, mas precisaram adiar, porque a balbúrdia no fliperama aumentou ao som de garrafas que se quebravam e corpos que caiam.

Crânio despertou seu Abílio da hipnose forçada, e o apressaram para que os quatro deixassem o local o quanto antes. Evitaram a porta que levava de volta ao estabelecimento e saíram pelos fundos.

A escuridão foi um grande auxílio para os três Karas e o velho senhor, porque a cena na calçada da entrada do Blitz Arcade parecia um cenário de guerra: jovens se batendo, garrafas voando, carros aos arredores sendo vandalizados e algumas máquinas de jogos sendo jogadas ao chão.

Seu Abílio olhava tudo aquilo com lágrimas nos olhos.

— O que essa juventude está fazendo de si mesma? O quê...?

Sirenes ecoaram pelas ruas próximas ao fliperama e logo a polícia chegaria para controlar a situação, mas a destruição era eminente.

Seu Abílio foi ao encontro dos policiais, sem nenhum temor, para contar o que disse para Crânio e Magrí no depósito. Sabia que não escaparia de se complicar com a Justiça, mas ainda havia vestígios de coragem naquele velho.

Crânio, Magrí e Chumbinho ainda permaneceram vendo o desenrolar da pancadaria, como se vissem um filme, impossível de intervir. Estavam verdadeiramente chocados com toda aquela realidade tão distante deles, milhas e milhas de distância do que já viram e estavam acostumados a ver.

O gênio dos Karas estava muito perturbado. Não estava errado em sua intuição inicial de aquela gangue, aqueles garotos fora de si estavam sendo usados, controlados pelas drogas e a bebida.

Porém não era somente isso. Um sentimento de tristeza de ver aqueles jovens quase da idade deles se matando — seja na pancadaria, seja nas drogas — não saía da cabeça do garoto.

Aquele seria o futuro da juventude? Jovens rebeldes sem causa, financiados por gente rica, para causar problemas?

Os três andaram para suas casas em inicial silêncio, incapazes de dizerem qualquer coisa. Crânio e Magrí estavam de mãos dadas, e continuaram daquela forma, enquanto caminhavam e tentavam narrar para Chumbinho os detalhes do que aconteceu antes dele entrar no depósito.

O menor dos Karas, ao mesmo tempo que absorvia toda aquela história maluca, tentava não se sentir tão sem jeito na presença dos dois, porque não entendeu a razão deles estarem de repente, se tratando como se namorassem, sem mais e nem menos. Ele realmente perdeu muita coisa naquele flíper!

Já sozinhos, após Chumbinho entrar em casa, Magrí brincou ao ver a jaqueta de Crânio:

— Sua jaqueta tem um rasgo na lateral, Crânio. Acho que aconteceu na hora que aquele garoto te atacou. Aqui — ela tirou do bolso alguns adesivos que estavam sendo distribuídos na festa e colou no rasgo da jaqueta.

Brincou:

— Pronto! Agora você pode sair por aí dizendo que é o Sid Vicious também!

Ela deu sua risada musical, mas Crânio não a acompanhou. Com tristeza confessou a Magrí o que o incomodava, enquanto caminhavam pelas ruas desertas:

— Nós não somos muito diferentes deles, somos Magrí? Os Karas também querem mudar o mundo...

A menina, com carinho, parou a frente do garoto, ainda com aquele brilho diferente nos olhos.

— Nós somos sim, Crânio. Estamos fazendo o que é certo, e é isso que importa.

Os dois se abraçaram em meio a escuridão. Magrí parecia tão irreal para Crânio, que por um momento enquanto a abraçava, a imagem da menina se misturou com a bela figura de Grace Kelly, como se as duas fossem uma só.

De forma automática, sem pensarem muito no que estavam fazendo, os lábios de ambos se tocaram em um beijo suave...

Ao longe, a música que embalou quase toda aquela festa macabra, ainda soava:

Oh we’re so pretty

Oh we’re so pretty

We’re vacant


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Notas finais do capítulo

No próximo conto: Já entrando naquele climinha de Natal, finalmente teremos uma prévia de todos os Karas no futuro (ou seria passado?) e um pouco de como anda a relação entre eles após deixarem o Colégio Elite. Além disso, Crânio necessita tomar um decisão sobre Magrí, que afetará para sempre a vida dos dois...



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