Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 25
Adolescentes Exemplares


Notas iniciais do capítulo

Olá Karas! Esse conto tem spoilers de um dos contos de A Droga da Amizade. O enredo deste conto foi um dos primeiros que eu tive para essa fanfic e fiquei muito feliz quando finalmente eu consegui usá-lo!

Boa leitura!



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Magrí não esperava que o recém instalado telefone tocasse tão cedo. Haviam somente duas caixas para ela abrir, mas sabia que se tratava de mais lembranças dos anos do Colégio Elite. O som do aparelho fez com que ela desse um pulo de surpresa, quase deixando cair o bolo de fotos da velha Polaroid que segurava.

— Alô?

O aparelho fazia chiados horríveis do outro lado da linha, e ela ouviu uma tosse antes da pessoa responder ao longe.

— Magrí? Você está me ouvindo?

A pulsação da jovem acelerou. Mesmo com aquele barulho na ligação, ela reconhecia aquela voz. Sentiu-se boba por querer chorar, não de tristeza, mas sim de alegria. Por mais que o tempo passasse, ela gravou na memória muito bem o som da voz dele. Ouvi-la depois de tantos meses, porém, era como se finalmente ele se tornasse real, não uma mera lembrança.

— Estou sim, está um pouco barulhento aí — ela riu — Mas estou ouvindo você, querido.

— Estou ligando de um orelhão aqui perto do campus — Crânio riu também — Só que está chovendo muito forte aqui desde ontem. Se a ligação cair de repente...—

Um chiado mais forte atrapalhou a última frase do garoto.

— Crânio?

— Oi? Consegue me ouvir agora? Eu perguntei se você está bem e se já terminou a mudança.

— Sim, eu estou bem... Bem exausta também. Sabe o que eu encontrei aqui nas minhas coisas?

— O quê?

— As fotos daquela quase festa de aniversário na Casa Branca em 85, lembra? Já faz dez anos!

— Caramba, dez anos? Passou tão rápido assim? Mas eu me lembro bem — Magrí percebeu que ele sorria — Queria ver essas fotos, porém acho que eu verei você antes...

Mais um barulho de trovão e pé d’água atrapalhou a ligação e por alguns instantes, Magrí não pode ouvir a voz de Crânio do outro lado. Ela ficou extremamente frustrada e se segurou para não praguejar. Malditas linhas telefônicas que não faziam ligações internacionais decentes! Justo naquela hora! O que ele tinha dito? Que ele a veria?

— Crânio? Crânio, você ainda está aí?

— Estou, desculpe por isso, meu amor — ele suspirou — O tempo de ligação está acabando, eu queria falar mais, porém vou ser direto: semana que vem eu volto para o Brasil, vou ficar quinze dias na casa dos meus pais.

Magrí mal estava acreditando no que ouviu. Ela tapou o bocal do telefone para ele não ouvir que ela estava rindo que nem uma criança de tão feliz. Eles iram se ver! Finalmente matariam a saudade! Ela respirou fundo e respondeu:

— Eu estou tão feliz que eu não sei nem o que falar, querido — riu —Você vem mesmo?

— Vou sim, eu mal posso esperar. Eu estou morrendo de saudade de você e mal conseguimos conv...—

Um barulho ensurdecedor e silêncio do outro lado da linha. Pelo jeito, a ligação caiu de vez. Se Crânio não tivesse dito à ela que estava voltando para o Brasil, Magrí ficaria muito frustrada e mais desanimada pela má sorte. Contudo, a notícia revigorou o ânimo da jovem. Olhou para as fotos que tinha nas mãos.

Seria tudo tão perfeito se conseguisse reunir todos os Karas naquele momento para festejarem! O aniversário de Miguel e Chumbinho foi no mês anterior, e ela enviou cartões de parabéns e felicidades para os dois. Chumbinho apareceu junto com Natália na porta do apartamento dela para agradecer (e para comer). Já Miguel... Ela não sabia dizer se enviou para o endereço certo dele em Londres. As fotos eram do aniversário de ambos... Como as circunstâncias eram tão diferentes.

Ok, não se podia ter tudo na vida de uma vez só. Ela sorriu calidamente, o seu sorriso mais bonito. Pelo menos o seu amor, que começou como uma quedinha boba de adolescente, estaria de volta para ela...

***

A viagem dos Karas para os Estados Unidos causou um reboliço já no Brasil. A notícia que a filha do Presidente Americano levou cinco estudantes brasileiros para a Casa Branca virou manchete nos jornais de todo o país.

Entretanto, o que causou um grande alvoroço nas agências de notícias do mundo inteiro foi o atentado contra a vida do presidente em sua chegada a Washington. Peggy Mcdermott roubou todos os holofotes, com a ajuda dos amigos brasileiros, ao salvar a vida da pobre garotinha surda e ainda desmascarar o responsável, o pérfido General Noland. Ela e o resto dos Karas, em especial, sentiram-se finalmente vingados pelo sufoco que o general fez a turma passar semanas antes no “interrogatório sem fim” como Chumbinho apelidou. De fato, eles não ficaram tão surpresos pelo envolvimento dele no atentado, ficaram apenas espantados pela ousadia dele em fazer isso às claras.

A situação aos poucos foi se acalmando e normalizando. Em uma manhã ensolarada e bonita do verão americano, Magrí e Crânio andavam de mãos dadas discretamente por uma das alamedas do belo jardim, conversando com vozes suaves e baixas —apesar de usarem o português nativo não era boa ideia arriscar que alguém os entendessem, afinal haviam falantes de português na Casa Branca.

— Eu achei que teríamos folga quando viéssemos para cá — Magrí suspirou — Mas pelo o que me parece, a gente atrai problemas que nem ímãs.

Crânio sorriu pelo comentário, porém a expressão do garoto tornou-se séria enquanto refletia.

— Sobre esta história da menininha, não posso deixar de me preocupar sobre as escolhas da família da Peggy...

Os dois pararam perto de um belo cascalho e sentaram-se debaixo da bela árvore entre as folhas secas. Ali ninguém que passasse poderia vê-los, pois estavam protegidos por longos arbustos. Magrí abraçou-se ao namorado e encostou a cabeça no ombro do garoto com um leve suspiro.

— O que você quer dizer, querido?

— Não pense mal de mim, mas eu acho que eles estão se colocando em um risco desnecessário ao proteger demais essa menininha desconhecida...

Antes que Magrí protestasse, Crânio foi mais rápido e pediu com os olhos que ela o escutasse primeiro o que tinha a dizer.

— É claro que a garota não tem culpa, coitada e se por acaso ela sair daqui, é bem capaz da vida dela correr risco, nunca se sabe. O problema que eu vejo é muito sério e se dá fora dos muros da Casa Branca, entende? Os Estados Unidos não tem uma relação amigável com o Oriente Médio há anos, e todo mundo sabe que o país apóia o Iraque na guerra contra o Irã desde o começo da década.

Magrí franziu a testa tentando seguir a trilha de raciocínio de Crânio.

— Mas a menina não é realmente árabe. Peggy e eu achamos que ela seja mesmo americana, e ela me contou que já começaram as investigações sobre a família dela. Há uma pista de que ela tenha parentes em Nova Jersey.

Crânio passou a brincar com uma mecha de cabelo de Magrí. Balançou a cabeça.

— Isso não prova e nem ajuda em nada na diplomacia americana com o Oriente Médio, Magrí. Lembre-se que a história está em todos os jornais do mundo, e às vezes a notícia chega como um telefone sem fio. Os iraquianos podem acusar os iranianos de estarem envolvidos nesse complô, enquanto que os iranianos acusariam os Estados Unidos de forjar atentados para colocar a culpa neles. Sabemos que o presidente quer mais do que qualquer um que a guerra termine de uma vez, mas qualquer ideia de “passividade” que ainda resta já foi por água abaixo depois do que aconteceu.

Crânio suspirou pessimista, enquanto observava os belos olhos de Magrí que refletiam a desolação de ambos.

— Além do mais, a proteção dessa garota exigida pela Peggy pode colocá-la em risco se por acaso a família da menina estiver envolvida com o terrorismo. Como o General Noland a encontrou? Alguém deu essa garota a ele para usá-la como vítima, e tenho quase certeza de que eram pessoas que veriam na morte do presidente uma grande vantagem. Como não deu certo, eles podem querer se vingar.

Magrí segurou as mãos do rapazinho.

— Peggy está correndo perigo? Temos de avisá-la, então. Eu entendo agora o que você quer dizer, mas eu no lugar dela eu faria a mesma coisa. Não ia abandonar esta garotinha e iria sim protegê-la, qualquer que fosse as consequências.

Crânio beijou as mãos de Magrí com um leve sorriso.

— Eu sei que sim, querida. E acho que Peggy chegou às mesmas conclusões do que eu, talvez até além, mas eu sinceramente pensaria duas vezes antes sobre o que fazer com esta menina.

— Crânio, você não pode estar falando sério! — Magrí fechou a cara — Ela é inocente, você sabe disso.

— Magrí, eu pensaria primeiro no risco que eu estaria colocando a minha família — ele apertou as mãos dela — Valeria a pena o risco que você colocaria todas as pessoas que você ama?

Magrí baixou os olhos e pensou por alguns instantes antes de responder. Sorriu fracamente.

— Eu acho que a família de Peggy deve estar tão acostumada com ameaças, que para eles já é normal.

Crânio a abraçou com carinho e deu um beijo na testa de Magrí.

— Eu entendo agora o que você quer dizer e não o culpo por pensar assim — disse ela fazendo carinho na palma da mão dele — Porém, eu acho que está sendo frio demais para o meu gosto.

O rapazinho riu com gosto pelo comentário. Em seguida levantou o rosto da menina e segurou a bochecha dela com uma das mãos.

— Bom, pelo menos você me torna mais humano.

Eles encurtaram a distância com um beijo doce e apaixonado. Quando se separaram, Magrí sorriu animada enquanto fazia carinho nos cabelos de Crânio.

— Por isso que todos nós estamos precisando de uma festa! Temos que aproveitar que estamos todos os juntos para comemorar o aniversário do Miguel e do Chumbinho. Só que eles não podem saber de nada.

Ele colocou um indicador nos lábios do rapazinho.

— Nem ouse abrir a boca, mocinho. Nem meia palavra.

— Eu quero ver como a gente vai conseguir dar uma festa surpresa para esses dois, Magrí — Crânio riu — Esqueceu que os dois são xeretas?

Ela se recostou de novo no namorado.

— Confie em mim, você vai ver.

***

— Félixch Anilvelsariu... Félixch Anilvelsariu... Ah — Peggy suspirou — Portuguese is too hard, darling. I can’t do this this.

Calú riu do seu lugar esparramado no tapete chique, que deveria custar mais do que toda a sua casa no Brasil, na bela sala de estar da Casa Branca. Peggy estava há mais de meia hora tentando aprender a falar feliz aniversário para a festinha surpresa mais tarde dos amigos, mas a garota não estava se saindo muito bem.

Quando ela estava prestes a fazer uma terceira tentativa de falar português, Calú deu um pulo igual a gato para o sofá, colou Peggy ao seu corpo e tascou-lhe um beijo digno de cinema.

Peggy a princípio ficou muito surpresa, mas logo correspondeu ao beijo daquele garoto lindo e maravilhoso. Era possível que se cansasse dele? Não, jamais. A ideia de se separar dele a deixava desolada, por isso o abraçou com fervor e quando se separaram, os dois estavam sem ar e vermelhos que nem tomate.

— Well... — ela sorriu — It seems that I’m not the only canguru here.

Calú deitou o corpo nas pernas da garota com o seu famoso sorriso galanteador.

— You’re so lovely, I can’t resist you.

— Mas eu tenho que aprender a falar isso em português! Você tem que me ajudar, não distrair... Felixchu Anilvasario...

— F-E-L-I-Z A-N-I-V-E-R-S-Á-R-I-O não chu, querida — o ator dos Karas gargalhou — Você sabe Espanhol?

Peggy balançou a cabeça.

— Muito pouco, quase nada.

— E Francês?

A expressão de Peggy se iluminou:

— Eu sei mais! Consegui tirar A na última prova.

Calú segurou as duas mãos dela junto a suas e as beijou com todo o seu charme. A menina deu um leve suspiro.

— Muito bem então, gatinha. Preste atenção, aula quase grátis de Português aqui. No Espanhol se fala feliz cumpleaños. Repita comigo: feliz cumpleaños.

— Félix cumplianos. Félix cumplianos.

— Quase lá. Como você ainda não acertou totalmente, me deve um beijo agora.

Peggy gargalhou e deu um beijo estalado nos lábios de Calú.

— Espero que continue errando para eu ganhar mais beijos — brincou, mas Peggy fez um beicinho — Muito bem. Guarde esse som: feliz, feeeeeeliiiiiiiz esse som é igual ao Português.

Ela acenou.

— Fééééééélizzzzz.

— Melhorou, hein? Que pena, não ganharei mais beijos...

A americana o abraçou e deu-lhe outro beijo para a alegria de Calú.

— Muito melhor agora! Vejamos, como se fala happy birthday em francês, Peggy?

— Easy. Joyeux anniversaire!

— Aha! Estamos próximos. Anniversaaaaire. A grafia é parecida com o Português, o som muda só um pouquinho. Ao invés de você falar anniversEEEIR com o som de E como no francês, você faz um som de A (ou melhor, Y para você que fala inglês) no final: a-n-i-v-e-r-s-á-r-i-o. Tente.

— Anniversaireee... Aniversaeerieee... Aniversaeeerio. Aniversaaaeeiro.

Calú a abraçou orgulhoso.

— Você está próximo, agora junte os dois: feliz aniversário.

— Féeeliiiz Aniversaaeiro.

— Muito bem, minha única aluna! — Calú sorriu arteiro — Já que agora você aprendeu, eu mereço outro beijo né?

Peggy não teve coragem de negar aquele pedido. Quando os dois se separaram, Calú a fitou com carinho. O que sentia por ela era diferente de qualquer coisa que sentiu por qualquer outra garota, até mesmo Magrí. Havia uma doçura em Peggy que o atraía como uma abelha para o pólen de uma rosa. 

Era fácil estar com ela, ele não precisava se preocupar em ser alguém que ele não era, apenas ele mesmo, um garoto brincalhão de quinze anos que não tinha medo nenhum de passar vergonha e fazer os outros rirem. Peggy parecia adorá-lo por isso, e ele sabia que a amava para valer.

— Eu amo você, Peggy.

Ela arregalou um pouco os pequenos olhos, mas depois sorriu.

— I love you too, Calú.

— Agora me explica uma coisa — Calú sorriu brincalhão — Como você sabe falar francês, mas não consegue aprender português e nem espanhol?

Peggy riu sem graça.

— Eu estudei em Paris por alguns anos, meu bem. Minha mãe também sabe francês, então boa parte do que sei aprendi com ela. Então o português é uma mistura do espanhol com francês? Você deveria ter me dito antes.

— Mais ou menos, eu diria... — a cabeça de Calú pendeu um pouco para o lado — Mas são próximos.

A menina fez um carinho na nuca do rapazinho com os dedos.

— E você? Já visitou algum lugar diferente?

— Humm... Já conheci Nova York e Amsterdã em uma das minhas férias. Você ia gostar de Amsterdã, é cheio de cafés e restaurantes românticos, lembre um pouco Paris.

— Nas minhas férias, eu gosto de ir para a fazenda de papai no Kansas e andar com Bobby.

Calú fechou exageradamente a cara e a olhou desconfiado.

— Quem é esse tal de Bobby?

Peggy gargalhou de novo pela expressão indignada dele. Fez um leve charminho ao responder.

— Bobby é o meu cavalo de estimação, you silly boy. Eu o tenho desde os dez anos, foi um presente de aniversário dos meus pais. Oh, I almost forgot!

Ela deu um grande pulo do sofá para a porta da sala para o espanto do Calú.

— Eu preciso ajudar a fazer a comida para a festinha! Magrí talvez esteja me esperando na cozinha...

— Opa, comida? Tô dentro!

Peggy o segurou pelo peito com uma expressão de comando.

— Nope, você e Crânio irão cuidar de distrair Miguel e Chumbinho. Nada de comida agora.

Calú fez uma cara tão desolada que quase convenceu Peggy a levá-lo junto com ela para a cozinha. Por fim, ele se resignou e sorriu de forma conspiratória:

— Eu tenho uma ideia para deixar esta festa mais interessante...

***

Crânio e Calú conseguiram arrastar Miguel para um fliperama aos arredores. Com Chumbinho não foi nem necessário usar muito de persuasão, assim que os amigos o convidaram ele já ficou a postos e mal conseguia conter a ansiedade. No entanto, o garoto era esperto e estava um pouco desconfiado sobre a repentina vontade de Crânio e Calú de saírem juntos, mas sem as meninas.

Miguel estranhou um pouco toda aquela disposição e a ausência de Magrí e Peggy, porém deixou para lá. Quanto tempo mesmo que não saíam juntos só os quatro? Tinha se esquecido quando foi a última vez. Refletindo enquanto caminhavam animados para o fliperama, Miguel notou que ele estava muito distante dos amigos, e que Crânio e Calú estavam muito mais próximos do que antigamente.

O líder dos Karas não era aquele amigo ciumento, mas sentiu algo ruim no estômago ao perceber que Crânio mantinha uma distância respeitosa dele, como se o garoto achasse que a própria presença dele incomodava Miguel. Estaria o presidente do Grêmio sendo tão desagradável assim? Por quê?

Ele sabia porque, mas são aquelas brincadeiras que a nossa mente faz quando não quer aceitar uma realidade: finge que o fato não existe e não o encara de frente. Era assim que Miguel estava lidando com certas coisas…

O rapazinho balançou a cabeça para espantar os pensamentos e sorriu amarelo. Pelo menos por algumas horas deixaria os problemas para lá e seria apenas um adolescente normal se divertindo com os amigos.

— Calú, presta atenção naquele alienígena ali, ele está vindo para a nossa nave! — Chumbinho gritou enquanto segurava um joystick como se a sua vida dependesse disso.

— Estou tentando Chumbinho, mas tem mais de um!

Crânio e Miguel assistiam os dois amigos jogarem Defender enquanto esperavam a vez deles. Os quatro praticamente tomaram conta de uma das máquinas, e ninguém mais ousava se aproximar dela para jogar.

— Chumbinho tem que ir mais para frente para atacar para deixar o Calú defendendo os astronautas na base — Miguel comentou com maior naturalidade — Por isso eles estão com dificuldade de avançar de fase.

Crânio encarou o amigo como se o estudasse. Sorriu complacente.

— Concordo com você, mas eles estão bem indo no improviso…

Calú e Chumbinho xingaram um alienígena mais esperto com todo o repertório de palavrões que eles conheciam. Miguel e Crânio gargalharam.

— Chumbinho, não deixa essa gosma verde fedorenta chegar perto de novo!

— Eu sei! Mas estamos ganhando, vamos passar de fase!

— Joga a nave mais para lado!

— Vocês não bater se virar mais essa nave — Crânio opinou.

— Cuidado com os humanos abduzidos, eles estão vindo para atacar a nave! — Miguel alertou com preocupação.

Calú apertava os botões com tanta força que parecia que ia quebrar o arcade (como os americanos chamavam) só com os dedos.

— Quase lá! Falta pouco, Calú!

— Ah!!

Depois de muita tensão, os dois finalmente respiraram e desafrouxaram os dedos quando a máquina mostrou que passaram de fase. Os dois bateram as mãos em um high five bem alto. Alguns meninos que estavam no fliperama até pararam para assistir o final do jogo.

— HA! Quero ver agora vocês dois bateram os meus pontos e o do Calú! — Chumbinho sorriu orgulhoso.

Crânio e Miguel nada responderam, mas o espírito competitivo deles estava nas alturas, e os dois estavam muito dispostos a superar a marca dos dois amigos. Miguel ficou no comando do joystick, enquanto Crânio tomou o lugar de Calú nos botões. Os dois não haviam combinado quem iria fazer o quê.

Miguel ficou surpreso, no entanto, por Crânio ter dado a ele o comando principal da nave. O garoto jogava Defender tão bem quanto Chumbinho, enquanto que o líder dos Karas jogava mais casualmente, não era tão viciado. Mas não comentou nada, apenas sorriu para Crânio e o rapazinho sorriu de volta. Os dois acenaram e deram início ao jogo.

Os dois eram excelentes jogando juntos, muito bem sincronizados nos ataques aos alienígenas invasores e dos humanos abduzidos. Os outros meninos que estavam por perto apenas assistindo começaram a fazer torcida por eles, animada por Calú e Chumbinho. Os inimigos continuavam se aproximando aos montes.

— Miguel, avança mais rápido que eu vou atirar!

— Estou tentando, mas são muitos!

— Vocês dois precisam acelerar mais! Vai! — Chumbinho gritava.

As mãos de Miguel suavam e Crânio nem piscava, os dedos comando os botões com uma destreza impressionante. Para vencerem, eles teriam de pensar e agir o mais rápido que pudessem, antes que os humanos abduzidos e alienígenas destruíssem a nave.

Miguel imaginou que os dois estavam mesmo dentro daquela nave que sacudia para cima e para baixo, soltando raios lazer adoidada para todos os lados. Crânio, o co-piloto da nave ao lado de Miguel, o piloto principal, acertava todas as naves inimigas, mas precisavam de um plano. A voz dele saiu abafada pelo barulho da nave:

— Miguel, a gente não vai conseguir sair daqui desse jeito!

— Eu sei, só há um jeito de avançarmos na próxima missão, Crânio — Miguel gritou — Mas você vai ter que confiar em mim!

Crânio girou a cabeça em um estalo para o seu líder com preocupação. Calú e Chumbinho apareceram dentro da nave gritando um monte de coisa sem sentido para os dois, mas Miguel os calou com um aceno.

— Prestem atenção! Nós vamos enganar os alienígenas e os humanos abduzidos. Vamos todos fingir que estamos mortos e a nave está caindo. Crânio, não atire mais!

O garoto encarou Miguel com a boca escancarada. Aquele plano era arriscado demais e maluco demais até para os padrões do Miguel. Ele pigarreou:

— As chances da nave cair de verdade é de 70%, a chance de sermos acertados é de 95,7%, de sermos sequestrados pelos humanos inimigos é de 86,5 %, Miguel. Você tem certeza?

Calú fez uma careta:

— Já perdi todas as contas, tem certeza de que você não é o alienígena aqui, Crânio?

Antes que o rapazinho retrucasse a provocação do amigo, Miguel mandou ele se calar.

— É um único jeito, não há outro. Crânio — ele virou-se para o amigo — Para de atirar, por favor. Você confia em mim ou não?

O gênio dos Karas piscou ao encarar o seu líder. Ele conhecia bem aquele olhar, significava que ele estava ponderando tudo o que poderia dar errado naquele plano doido. Por fim, ele parou de apertar os botões e as alavancas da nave. Miguel agradeceu silenciosamente. Sentou-se de novo, pegou a manche de comando da nave com toda a força e deu um mergulho mortal para o chão, enquanto os outros se seguravam como podiam.

O plano estava funcionando, pois os alienígenas pararam de atirar de repente. A nave continuou avançando direto para morte, e Miguel estava perdendo a força, ficando pálido e suado.

Quando achou que perderia o controle da nave, Crânio colocou as mãos no manche e os dois juntos conseguiram salvar a nave de um impacto violento ao chão e, melhor ainda, passaram por todos os alienígenas e humanos abduzidos ilesos. Crânio, numa rapidez extraordinária, conseguiu acertar e derrubar todas as naves, pegas de surpresa, numa rapidez impressionante.

Miguel despertou para a realidade com o grito de vitória de Calú e Chumbinho. Eles bateram o recorde do jogo. Crânio deu um tapinha nas costas do líder dos Karas.

— Muito bem, chefe.

Calú e Chumbinho estava comemorando tanto que parecia que foram eles que bateram o recorde.

— Puxa vida, que jogada foi aquela, Miguel?! — o menor dos Karas mal conseguia ficar parado — Eu nunca tinha visto alguém fazer aquilo com a nave! Como que o Crânio sabia a hora certa para atirar?! Quando você falou para ele que eu não vi?!

Crânio ria da excitação de Chumbinho, enquanto que Miguel apenas deu de ombros misterioso, olhando de soslaio para o gênio dos Karas:

— Não sei, Chumbinho. Acho que foi sorte...

***

— Puxa, Magrí! Foi uma excelente ideia você ter mandado os meninos irem passear enquanto arrumamos o jardim para festa — Peggy sorria ao decorar uma das mesas para a festa surpresa.

Magrí riu do comentário enquanto colocava delicadamente o papel decorativo.

— Só assim para conseguirmos fazer uma festa surpresa, Peggy. Se eles ficassem aqui eles iriam comer todos os doces antes da hora.

Peggy gargalhou. Ainda sabia pouco dos seus novos amigos. Estava muito contente por Magrí ter esperado para fazer a festa enquanto estavam visitando-a para que ela não ficasse de fora da comemoração.

A americana não se sentia mais tão solitária, mesmo sabendo que eles voltariam para casa antes do verão acabar por causa das aulas. Com eles, sentia que era oportunidade de ser uma adolescente como qualquer outra, o que lhe dava um sentimento gostoso de gratidão.

Magrí colocou a mixtape que havia gravado para tocar no toca-fitas de Peggy, e as duas terminaram de arrumar o jardim para festa dançando e beliscando cupcakes. O bolo estava muito bonito, todo decorado de glacê com recheio de chocolate e duas velinhas.

Sem contar nada a Miguel e Chumbinho, os outros Karas juntaram o que tinham para comprarem presentes para os amigos, já que não tiveram tempo de comprar enquanto estavam no Brasil.

As duas amigas voltaram para a casa para se arrumarem. Chumbinho chegou logo em seguida todo eufórico e com fome depois de uma tarde tão incrível com os amigos.

Quando adentrou o jardim, deu de cara com um belo bolo, grande e suculento que chamava por ele. Sem pensar muito e sem o jeito certo de cortar a fatia, o garoto pegou a faca em cima da mesa e tascou o objeto na camada fofa do bolo tentando tirar um pedaço. Contudo, ele usou de muita força e o bolo espatifou no chão com um baque.

***

As meninas voltaram rapidamente conversando e rindo para o desespero de Chumbinho. Quando chegaram, as bocas das duas caiu ao chão.

— Chumbinho, o que você fez com o bolo?! — Magrí gritou.

O garoto olhou para um lado e para o outro sem saber o que fazer com as mãos sujas de glacê.

— Eu, bem... Err, na verdade... Olha Magrí, foi um acidente, eu juro!

A menina parecia furiosa com o amigo. Peggy olhava desolada para o bolo que ajudou a fazer e que custou uma tarde inteira de trabalho.

— Era o bolo do seu aniversário e do Miguel! Eu não acredito!

— What a waste! What now?

Os três ficaram em silêncio contemplando o bolo despedaçado. A música da playlist de Magrí era o único som do jardim, além dos grilos. Logo Miguel, Crânio e Calú chegaram e as vozes dos três ecoou pelo jardim. Eles pararam quando viram Chumbinho, Magrí e Peggy com as expressões murchas. Calú foi o primeiro a falar indignado:

— Vocês já começaram a comer sem a gente?!

Magrí revirou os olhos ao encarar o amigo.

— Derrubaram o bolo de aniversário.

— Que aniversário? — Miguel franziu a testa — Eu não estou sabendo de nada.

— O seu aniversário, Miguel — Crânio riu — E o do Chumbinho também. Era para ser uma surpresa, mas pelo jeito não deu muito certo...

Miguel sentiu-se bobo por esquecer do próprio aniversário. Magrí parecia que queria enforcar alguém, mas a expressão risonha do namorado por toda a situação fez com que ela relaxasse mais. Crânio sorriu:

— Bom, posso deduzir facilmente que pelas mãos sujas o culpado por derrubar o bolo foi um dos aniversariantes, né Chumbinho?

O garoto estava muito vermelho, mas teve a cara de pau de lamber o glacê dos dedos sujos.

— Ah bem... Foi sem querer, eu só queria um pedaço.

— Well, podemos pelo menos entregar os presentes — Peggy animou-se e pegou as duas caixas de presente em cima da mesa.

A primeira ela deu para o Chumbinho que riu de animação. A segunda caixa foi para as mãos de Miguel. O Kara mais novo praticamente rasgou o embrulho de tão curioso que ele estava.

— Espero que gostem — Magrí já estava mais calma e com a Polaroid na mão pronta para as fotos — Foram escolhas unânimes de todos os Karas.

Calú (que estava mais próximo da mesa de comida beliscando os brigadeiros) deu um sorriso zombeteiro para Miguel e Chumbinho. O menor dos Karas arregalou os olhos.

— Olha só! Um controle de videogame novo! Puxa! O controle do meu Atari estava muito ruim — ele sorriu especialmente para Magrí — Obrigado. Desculpe de novo pelo bolo.

A menina não se aguentou e o abraçou com carinho, seguida por Calú, Peggy, Crânio e o próprio aniversariante, Miguel.

— Ainda tem mais coisas na caixa, Chumbinho — Calú cantarolou.

Crânio estava vermelho de tanto rir, e logo Magrí, Peggy, Calú e Miguel se juntou a ele quando Chumbinho tirou algo colorido da caixa.

— Err, isso é sério?

— É sim, é para você colocar agora — mandou o gênio dos Karas.

— Uma fantasia de palhaço? Isso é coisa sua, né Calú?

O menino fez a expressão mais inocente do mundo.

— Eu? Sei de nada... Sua vez, Miguel.

O garoto olhou apreensivo para a caixa de presente. Abriu e tirou primeiro uma caixa menor.

— Puxa vida, eu estava precisando mesmo de um relógio novo. Obrigada a todos.

Magrí o abraçou timidamente, mas com aquele carinho e respeito que somente Miguel despertava nos amigos. O garoto achou bom e ruim ao mesmo tempo senti-la por tão perto, mesmo que por poucos segundos. 

Logo veio Peggy, que falou um feliz anniversaire engraçado, depois Calú, Chumbinho e por último Crânio. Aquele abraço do primeiro amigo que fez daquele grupo comoveu Miguel de uma forma que ele não sabia explicar. Toda aquela festinha quase improvisada dos seus amigos deixou o garoto com uma sensação tão boa no peito que ele sorriu da forma mais sincera, aberta e feliz possível.

— Já que não compramos presentes um para o outro, Miguel — Chumbinho sorria de orelha a orelha — A gente pode jogar Defender com o meu controle novo e você me ensina aquela manobra que você fez hoje.

Miguel riu da animação do Chumbinho. Ele sabia que o garoto estava obcecado com o jogo.

— Mais tarde a gente joga, Chumbinho. Prometo.

— Agora vem a melhor parte — Calú sorriu malicioso.

Miguel olhou desconfiado para o amigo quando tirou um objeto estranho da caixa. Ele demorou para entender que se tratava de uma coroa de rei, dessas usadas em peças de teatro. O mais peculiar do presente? Na faixa branca da coroa estava escrito Poderoso Chefão.

Todo mundo já estava rindo da cara do rapazinho, e ele próprio acabou rindo logo em seguida. Magrí tirava diversas fotos e pegou o momento exato em que Miguel colocou a coroa na cabeça, para a satisfação geral do Karas que até bateram palmas. Chumbinho já tinha colocado por cima da roupa a fantasia de palhaço, que serviu perfeitamente nele.

Eles se espalharam e começaram a comer, quero dizer, atacar a mesa de doces e salgadinhos. Peggy contava animadamente uma história para Miguel fazendo o rapazinho rir mais ainda. A coroa ficaria ridícula em outra pessoa, mas por incrível que pareça, serviu bem no líder dos Karas.

Crânio e Calú pareciam conspirar alguma coisa enquanto ambos beliscavam os brigadeiros. O ator dos Karas logo em seguida sussurrou algo para a Peggy. A menina acenou risonha, pediu licença ao Miguel e foi buscar uma caixa que estava colocada perto da mesa. O gênio dos Karas também sussurrou alguma coisa para Magrí, que piscou e franziu a testa. 

Antes que ela respondesse, Peggy voltou com outra caixa, distribuindo alguma coisa nas mãos dos outros Karas, exceto os aniversariantes. Calú sussurrou alguma coisa para os outros, enquanto Chumbinho e Miguel tentavam entender o que eles estavam aprontando.

— Agora vamos pedir que os aniversariantes fechem os olhos antes de cantarmos o parabéns — Magrí mal conseguia conter o riso na voz.

Miguel e Chumbinho se olharam desconfiados, deram os ombros e fecharam os olhos. Houve um leve silêncio das vozes dos amigos, com apenas a música ecoando no toca-fitas de Peggy. Só poderia ser músicas da Magrí, porque só ela gostava de Party All The Time. Alguém tirou a coroa na cabeça de Miguel.

Quando Chumbinho estava para perguntar o que estava acontecendo, ele e Miguel sentiram que alguém jogou alguma coisa melequenta na cabeça deles entre gargalhadas. Os dois abriram os olhos e deram de cara com os amigos com as mãos cheias de ovos e farinha de trigo.

— Eca!

Eles se revolviam e tentavam se limpar e fugir das ovadas, mas Crânio, Calú, Magrí e Peggy eram muito rápidos e levaram vantagem, deixando os dois aniversariantes o mais sujos possível.

Aquele aniversário foi o melhor que Miguel e Chumbinho tiveram, com direito até serem jogados na piscina da Casa Branca de roupa e tudo logo em seguida.

Enquanto os outros Karas estavam distraídos tirando sarro dos amigos na piscina, Magrí sentiu Crânio se aproximar como quem não quer nada e sussurrou:

— Você é maravilhosa.

Aproveitando que ninguém estava olhando, o garoto deu um beijo estalado na bochecha de Magrí, que deu o seu sorriso brilhante. Ela sabia que ele estava animando-a mais pela festa não ter saído exatamente como ela esperava. Virou-se para ele e com a Polaroid na mão, brincou:

— Que lindinho todo sujo de farinha. Diga X, Crânio!

***

O jardineiro da Casa Branca passava quando viu toda a bagunça causada pela festa daqueles adolescentes barulhentos, amigos de Miss Peggy, e o bolo despedaçado no chão. Balançou a cabeça e riu.

— Those kids nowadays, tsk, tk...


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Notas finais do capítulo

No próximo conto: Magrí aceita fazer uma favor para uma tia para ficar de babá em pleno sábado à noite, abrindo mão de sair com o namorado. Crânio não fica muito contente no início, mas resolve ajudar a namorada com a tarefa, e acabam por descobrir fatos sobre si mesmos que desconheciam...



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