Quinze de dezembro. Malu abriu os olhos e sorriu, encarando o calendário que ficava acima da escrivaninha. Nem podia acreditar que já estava de férias! O ano letivo havia se encerrado na noite anterior, com uma junção para os amigos mais íntimos e, agora, estava oficialmente livre do segundo ano. Estava ansiosa para a última etapa do Ensino Médio, é claro, mas naquele momento, queria focar toda a animação na viagem que faria no dia seguinte com sua mãe e suas duas melhores amigas. Passariam quase um mês na praia e a garota mal podia imaginar quantas festas, bebidas e surfistas bronzeados encararia naquele verão. Tudo isso longe do pai, do namorado da mãe, do irmão mais velho e seus amigos idiotas e claro, longe de todas as pessoas que ela não gostava naquela cidade. Suas férias de verão teriam a sua cara, sem ninguém mais para dar palpite ou julgá-la por algo.

Novembro, o mês de seu aniversário, não havia sido da forma que a garota planejara. Suas amigas haviam escondido segredos dela, sua mãe trouxera, oficialmente, o namorado para morar em casa, sua madrasta estava grávida e seu irmão assumira o namoro com Carolzinha, uma de suas colegas e responsável por infernizar sua vida no Ensino Médio. Também havia, é claro, o fato de que Malu era a única garota da turma que iniciaria o terceiro ano sendo virgem. Fora obrigada a ouvir piadinhas – inclusive em sua própria casa, graças aos amigos do irmão – por quase um mês.  Mas naquele momento, nada daquilo importava mais. Deixaria tudo para trás e se esforçaria para terminar o ano da melhor maneira possível.  Contava as horas para, enfim, sentar-se no carro da mãe e deixar Campinas para trás, rumando à Porto Seguro.

— Malu, querida, desça aqui. — a menina ouviu sua mãe gritar e pôde imaginá-la parada ao pé da escada. — E não demore. É importante. — jogou o fino lençol que a cobria para o lado levantou-se da cama imediatamente, alarmada pelo tom de voz da mãe. Sabia o quanto dona Ana Cláudia era calma e tranquila com tudo, por isso, qualquer seriedade vinda da mãe era preocupante. Malu nem se deu ao trabalho de trocar de roupa ou calçar o chinelo, apenas passou a mão pelos cabelos e desceu as escadas correndo, trajando seu pijama preto com bolinhas brancas. Estava tão preocupada em puxar o short para que cobrisse sua bunda e ajeitar a alça para que não mostrasse os seios que, ao passar em frente a grande janela da sala, nem sequer notou o carro de Caetano, amigo de seu irmão, estacionado na calçada. Apenas quando entrou na cozinha e deu de cara com mais rostos do que imaginava foi que Malu notou que algo estava realmente errado.

— O que foi, mãe? — indagou.

Ana Cláudia suspirou, já prevendo o chilique da filha. Encarou Flávio, seu namorado, que sorria docemente para ela, como se a encorajasse. Em seguida encarou Henrique, seu filho, que direcionava um olhar extremamente inocente à irmã. Arriscou ainda uma rápida olhada para Paulinho e Caetano. O primeiro, sempre muito amigo de Malu, apesar de toda a implicância de Henrique, olhava com pesar para a garota. Sabia que ela não ficaria satisfeita com aquilo. Caetano, por sua vez, parecia alheio a toda a situação.

— Mãe? — Malu chamou mais uma vez. Ana havia até esquecido que a garota a encarava com um belo ponto de interrogação entre suas sobrancelhas escuras.

— Nós vamos viajar juntos, filha. — Ana murmurou, num fio de voz. — Todos nós.

— O que...? — Malu deixou sua voz morrer, encostando-se no balcão da cozinha. Achou que poderia desmaiar.

— Os garotos querem ir também, Malu. E não seria justo deixa-los de fora. — Flávio explicou, usando seu tom de voz mais simpático. — Consegui mudar minhas férias então vou com vocês, você sabe, apenas para ajudar sua mãe a cuidar de toda essa garotada. — ele tentou sorrir, nervoso, mas Malu não esboçou nenhuma reação.

A garota apenas encarou a todos, por muitos minutos. Até mesmo Caetano estava agora prestando atenção nela.

—Você fez isso de propósito, não foi? — ela indagou de repente, olhando para Henrique. — VOCÊ FEZ DE PROPÓSITO!

— É claro que não, Malu! — foi Paulinho quem respondeu. — Nós apenas queremos curtir as férias também e...

— Não se atreva a falar comigo, Luís Paulo! — a garota rugiu, apontando um dedo acusatório em direção ao rosto do amigo. — Você sabia o quanto essas férias são importantes pra mim!

— Malu, querida, se acalme. — Ana pediu. — Nada vai mudar, você ainda terá suas férias, do jeitinho que quer. Vai ser divertido, meu amor. Aproveitaremos em família!

— Divertido, mãe? — a Malu indagou, chorosa. — Nem você acredita nisso!

A garota deu as costas a todos e subiu as escadas correndo, trancando-se em seu quarto. Aquilo não era justo com ela. Sentou-se na cama, decidida a fazer algo que a acalmasse. Malu tinha, desde sempre, um potinho de vidro com vários pedaços de papel rabiscados com palavras que a garota gostava e que a atraiam. Desdobrou um papelzinho rosa para ler a palavra "sina" brincando em sua frente. Fechou os olhos, buscando o significado da palavra. Sorriu ironicamente ao lembrar que, na maior parte dos casos, o termo "sina" é usado para descrever uma situação que já estava "escrita nas estrelas" e que não é agradável para a pessoa que está sujeita a essa condição.

Ana sentou-se na cadeira mais próxima, sendo amparada por Paulinho, que dizia que logo Malu estaria mais calma e poderiam conversar. Flávio encarava com pesar o local onde a garota estivera segundos antes. Aprendera a gostar muito de Malu nos últimos três anos, mesmo que o temperamento forte da garota ainda a fizesse recusá-lo e trata-lo apenas como “o novo namorado da mãe”. Henrique se esforçava para não sentir pena da irmã, afinal, ela precisava parar de fazer tanta birra.

Caetano permanecia em silêncio, perguntando-se até quando Malu insistiria em agir daquela forma. Não conseguia deixar de sentir que, no fundo, aquilo tudo era culpa dele. Sabia o local exato onde ainda guardava a cartinha de Malu e sabia também que aquilo o faria ficar com a consciência pesada durante cada dia daquelas férias.