Made of Stone escrita por littlefatpanda


Capítulo 27
XIX. De todos os beijos do mundo - Pt. I


Notas iniciais do capítulo

MEUS PANDICÓRNIOS,

Eu postei 2 capítulos juntos da última vez, ENORMES, e vocês simplesmente SUMIRAM dos reviews ahahhahah. Eu tô muito mal acostumada, porque o sumiço de vocês foi bem gritante pra mim ahahhahaha.
MAAAAS ENTÃO A INTELIGENTE AQUI se deu conta de que estamos no final do ano e que é final de semestre procês que estudam. Até me senti culpada de surgir com - agora - 4 capítulos em menos de um mês JUSTO nesta época do ano.
Então, aos que estão em época de correria, provas, trabalhos, TCCs, estágios finais, esvaziamento de bolsos para o natal, etc: IGNOREM OS CAPÍTULOS E VÃO ESTUDAR! AHAHAHAHAHA (claro né, se estão fazendo uma pausadinha básica, tá de boas também). Vai continuar aqui quando vocês voltarem, passados/formados/conquistados ♥

Toda a sorte do mundo procês, tô mandando energias positivas ♥

Boa leitura aos demais!



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Quem soubesse do que aprontamos no colégio e das broncas que vieram após, diria que ficaríamos comportados ao menos por um mês antes de aprontar mais uma vez. 

Ledo engano. 

O aniversário do Ian ocorreu menos de três semanas depois do incidente com o Bruce. Ele completaria quinze anos, e segundo Alex - sempre o Alex -, aquele era o momento perfeito para a primeira balada dele.

De certa forma, no entanto, isto incluía todo o nosso grupinho. 

Apesar de ser o aniversário de quinze anos do Ian, ele é mais velho que o restante de nós. Grace e eu tínhamos catorze e Mason sequer os havia completado, ainda tendo treze. Mesmo que Alex tentasse nos enfiar em uma boate, mesmo que desenhasse o número dezoito na nossa testa, nenhum lugar desses deixaria a gente entrar. 

Sinceramente falando, eu sequer queria entrar.

Qual a graça de um lugar desses? 

— É um ritual de passagem — explicou Alex, jogando um dos braços por cima dos ombros de Annelise. — Eu passei por isto, e todos eles vão passar também — frisou, apontando para a gente. — Não tem a ver com o lugar, tem a ver com a idade. 

Alex não queria ouvir os protestos de ninguém sobre essa maluquice e sobre sua irresponsabilidade, e isso incluía os seus amigos, em específico, a Annelise. Também negou a ideia de fazermos isto na festa deles, porque já havíamos estado em uma festa "caseira" antes - na casa do Ben, no ano anterior - e não seria novidade nenhuma para o ritual de passagem do Ian. 

Essa discussão se aprofundou quando estávamos na casa do amigo dele. 

Grace, Mason, Ian e eu havíamos sido arrastados para ali, ao invés do costumeiro futebol de sempre, para ajudar a panelinha do ensino médio a ajeitar a casa do Jake. No sentido de guardar tudo que era valioso, trancar alguns cômodos, ajeitar as bebidas e os lanches pela cozinha, e mais. 

A festa do Jake ocorreria porque seu aniversário também havia sido naquele mês, e seus pais eram bem liberais com isto - apesar de que algo me dissesse que a “junção de amigos” do filho não era nada do que os pais pensavam. 

Sinceramente, dar festa em casa é muito coisa de adolescente rico. O que me surpreendia mesmo era a quantidade de adolescente rico dentro daquele colégio de bairro pobre e acabado como o nosso. Se eu fosse rico, estudaria em um colégio de rico, com nada faltando e com uniforme bonitinho para que ninguém perceba que sempre uso as mesmas roupas velhas. 

Mas este sou apenas eu. 

— Tá, então leva o seu primo lá, deixa os outros aqui e depois que terminarem seu ritual — debochou Annelise — de quinze, terminem a festa aqui com a gente. 

Arqueei as sobrancelhas, gostando mais dessa ideia. 

Eu poderia ficar na cozinha, comendo e bebendo refrigerante, enquanto converso com meus amigos e observo a juventude em forma de adolescentes se perdendo diante dos meus olhos.

Perfeito.

Mais perfeito que isto só se eu estivesse em casa, no meu quarto, ouvindo música e desenhando, mas isto certamente estava fora de cogitação na cabeça do Alex. 

Foi assim que, por insistência da Annelise, e por Alex ainda ter um resquício de consciência, ficaríamos sob a tutela — eles continuaram usando esta palavra o resto do dia — dos seus amigos, na casa do Jake, até que ele e Ian retornassem. 

— Todos vocês tem obrigação de cuidar dos meus terroristas — instruiu Alex, pela primeira de diversas vezes, dirigindo-se aos amigos. — Quando eu e Ian voltarmos, eles tem que estar inteiros, intocados, sóbrios e felizes. Entendido?

Inteiros?

Intocados?

Felizes?

A única parte que fez sentido para mim foi a sobriedade, e apenas em parcelas, porque Alex não é lá muito preocupado com alcoolismo na adolescência.

*

Devo admitir que até mesmo eu já estava ficando experiente em traquinagens, porque formados neste curso ardiloso, não fugimos no dia do aniversário do Ian, mas dois dias depois, para não levantar suspeitas. 

Era um sábado à noite, e o que adolescentes normais estariam fazendo?

Isto mesmo, traquinando, e era exatamente por isto que não levantaríamos suspeitas. Nós nunca fomos adolescentes normais, e nossas famílias bem sabiam disto, mesmo após os dois últimos escândalos no qual nos envolvemos. Estes dois isolados incidentes não haviam sido o suficiente para desmanchar a nossa imagem de pré-adolescentes bons, nerds e comportados.

Não ainda.

Quando bateu meia-noite e todos já estavam dormindo, eu escapei pela janela após a mensagem do Maze e corri até a esquina de onde o táxi esperava. 

Me senti a própria Cinderella atualizada: não estava voltando à meia-noite, mas recém saindo.

Fomos os cinco apertados em um táxi de confiança do Alex, e ele esperou descermos em frente à casa do amigo para distribuir as identidades falsas entre a gente, antes de adentrarmos no pátio cujo portão estava aberto.

Arqueei as sobrancelhas quando Alex deixou o documento nas minhas mãos.

— Você ainda fez uma para mim? Não vamos precisar — apontei, vendo-o distribuir as demais. 

— Não vão precisar hoje.

Com uma careta, dei uma olhada na minha, com uma foto atual que eu desconhecia. Alex soltou um riso quando percebeu minha cara confusa, então eu percebi que ele é quem havia tirado, sem que eu percebesse, a julgar o cenário de trás de seu quarto.

Assustador, no mínimo. Isto sem falar nos dados pessoais!

Caleb Augustine Jones, nascido em 16 de junho de 2000 — verdadeiramente em 2004 -, filho de Sarah Keith Jones e Hugh Williams Jones. 

— Credo, Alex — falei, girando a identidade nas mãos, vendo que até o número em série estava correto. — Onde é que você conseguiu os nomes dos meus pais?

Ele deu de ombros.

— Na sua identidade verdadeira.

— E onde conseguiu as nossas identidades verdadeiras? — questionou Mason, no meu lugar, ao sacudir a identidade dele na cara do Alex.

— Eu entreguei a ele — revelou Grace, dando de ombros, já que não tinha por que esconder o quanto se identificava com o espírito arteiro do Alex.

Francamente, dois destes em um mesmo grupo!

Alex mexeu com as mãos como se fizesse magia, misterioso. — Um mágico nunca revela seus truques — declarou a frase pronta, depois de haver dirigido um sorriso agradecido a Grace.

Mason pareceu verdadeiramente ofendido com o ato, já que apenas ele podia dar uma de perseguidor, e eu soube que ele não deixaria aquilo quieto pelos próximos cinquenta anos. 

Revirei os olhos, enfiando a identidade no bolso da calça jeans - jurando nunca usá-la! - conforme via os demais fazerem o mesmo, incluindo o próprio Alex. 

— Deixa eu ver a sua — pedi, tentando alcançá-la ao ver que ele a segurava junto do celular, prestes a enfiá-los no bolso. Alex, no entanto, alargou os olhos e se esquivou, com rapidez.

— Não — falou, firme, me olhando como se o tivesse ofendido. — Pra quê?

Arqueei as sobrancelhas, surpreso. — Eu só quero ver.

Alex soltou um resmungo, negando mais uma vez, antes de enfiar a identidade no bolso com tanta vontade que fico surpreso que ela não houvesse saído pelo lado contrário.

— Por quê? — questionei, intrigado. — É por causa da foto?

Alex estalou a língua, dando um sorriso preguiçoso em seguida, ao passo que todos esperávamos por uma resposta que fizesse sentido.

— Por favor, Caleb, eu saio lindo em toda foto que apareço — gabou-se, obtendo outro revirar de olhos por minha parte. 

Ian soltou um riso pelo nariz, involuntário. — É por causa do nome — riu-se, antes que pudesse prender a língua, recebendo um olhar muito cortante por parte do primo.

Dei um passo na direção deles, no automático.

— Que nome? — questionei, curioso até a medula.

Para a nossa agonia, porém, Ian aquietou-se ao sentir a ameaça no olhar escurecido do primo.

— É, que nome? — perguntou Mason, rápido, ativando o espírito de detetive.

— Também quero saber — intrometeu-se Grace, intrigada.

Alex revirou os olhos, vendo que de nada adiantava o primo ficar calado depois de já ter soltado a bomba. Parecia que havia sido encurralado, e teria que desembuchar alguma coisa para a gente para que pudesse sair dali.

Suspirou, impaciente, antes de virar as costas e adentrar pela passagem do portão, seguido de todos nós. — Meu primeiro nome é a maior ofensa que minha mãe já dirigiu à mim — declarou, finalmente, bem na hora que eu abriria a boca para pedir mais uma vez. — Um castigo que já durou dezessete anos.

Primeiro nome?

Arregalei os olhos, olhando ao redor para ver se eu fui o único, e com alegria, concluí que não. 

— Alexander não é o seu primeiro nome? — verbalizou Mason, interessado, a pergunta que rondava na cabeça de todos. 

Não consigo imaginar o Alex não sendo o "Alex", porque não havia outro nome do mundo que representasse o espírito arteiro que víamos à nossa frente. 

— Não — reclamou, estalando a língua. — É o segundo. Este foi cortesia do meu pai, o único presente valioso que me deu na vida — murmurou, rancoroso.  

Alexander deve ser o mais famoso segundo nome do mundo. Até meu irmão o carrega! 

— Qual é o seu primeiro nome? — perguntei, quase pulando no lugar ao segui-lo, nos seus calcanhares.

— Por que não sabíamos disto? — questionou Mason, ao mesmo tempo em que Grace:

— Seus amigos sabem?

Bombardeado de perguntas, Alex soltou um resmungo alto, automaticamente caminhando mais rápido em direção à mansão que já vibrava com a música alta e as conversas das pessoas presentes.

— Não, eu não conto pra ninguém — resmungou, louco para encerrar a conversa. — Eu falei pessoalmente com cada professor para que eles riscassem meu primeiro nome da chamada — especificou, crítico — pra não correr o risco de esquecerem meu pedido e acabarem lendo em voz alta.

Credo. 

À esta altura, eu já estava esperando um nome que nem sequer dá para pronunciar.

— Seu nome é de um cantor famoso dos anos 50? — Riu Grace, achando graça ao imaginar.

— Não, é de um personagem famoso de um livro antigo — retrucou ele, emburrado.

Entendi no mesmo instante o que ele quis dizer.

— Você tem um nome bíblico?

Alex assentiu, desgostoso.

— É um dos comuns? — tentei, mas a careta dele já respondia por conta própria.

— Nope, minha mãe é uma mulher excêntrica.

— Qual é, Ian, nos conta aí — pediu Grace, vendo que Alex não cederia.

Só que Ian não cederia, tampouco, e Alex nem precisou ameaçá-lo mais uma vez. — Eu nem sei — mentiu, baixinho.

— Você nem sabe mentir — provocou Mason, levando um safanão de Ian na mesma hora. — Sai!

Alcancei Alex, que já praticamente corria na frente, antes que chegássemos na porta aberta de entrada, por onde transitavam algumas pessoas. Puxei-o pela blusa, vendo-o virar para mim.

— Depois você me conta — tentei, uma última vez, ao cochichar. — Só pra mim.

Alex frisou os lábios para não rir, mas apesar de haver relutado, negou pela vigésima vez. Abaixou-se para também cochicar, debochado: — Nem pra você, Caleb.

— Ah, por favor!

Alex negou, entrando na casa.

— A curiosidade matou um gato, Caleb.

— Argh!

*

Alex frisou cinquenta mil vezes, ao que me pareceu, para que todos mantivessem um olho na gente. Toda vez que eu pensava que ele arrastaria Ian para a festa deles, ele voltava para enfatizar a mesma coisa. Por fim, quando os dois saíram, me senti mais observado do que uma estrela de cinema. Na base do terror e da ameaça, todos estavam nos cuidando a cada cinco minutos. 

A casa estava cheia, todos os amigos do Alex estavam ali, mais um tanto de alunos que reconheci do colégio e outros desconhecidos que eu não fazia a menor ideia de quem fossem. A música estava tão alta que mal dava para conversar, a não ser nos cômodos mais reservados, como a cozinha ou o pátio, que também foi aproveitado por nós.

Todo o pátio era coberto por grama e folhagens perfeitamente cuidadas. Ao contrário da casa do Ben, a qual também conhecemos no ano anterior, o pátio era todo murado, o que tornava o local mais seguro e mais difícil de haver algum penetra, apesar do portão aberto.

Ficamos a primeira hora variando entre a cozinha e o gramado, comendo e bebendo refrigerante ao conversar - com o detalhe de sempre aparecer um amigo do Alex diferente dar uma espiada na gente.

Apesar do Ian não estar ali, Cristina havia chegado e estava no seu lugar, sempre grudada no Mason. Bom, não sempre. Grace puxava assunto com ela e por vezes, tão sutil quanto uma granada, literalmente puxava o braço enroscado no do Mason para puxar sua atenção novamente. 

Ri, vendo-a desnorteada e Mason sequer dando bola, porque a todo assunto que Grace puxava, ele tinha uma opinião diferente para dar, em forma de monólogos hiperativos, como de costume. 

A interação entre as duas gartoas, infelizmente, não durou muito, perdendo-se por exaustão. Elas eram simplesmente muito diferentes. 

Enquanto Grace era a nerd fanática dos livros e séries, Cristina era a fanática dos jogos e do mundo virtual, como o Mason. Enquanto Grace gostava de falar pelos cotovelos, Cristina dava algumas respostas monossílábicas, sem saber muito bem como continuar o assunto. Enquanto Grace tem um senso de humor e um espírito meio troublemaker por detrás da carinha de anjo, Cristina é séria e introspectiva, e na realidade tem um espírito bem caseiro por detrás de toda a faixada traquineira na qual a conhecemos.

No fim, Grace acabou desistindo.

— Ela não faz por mal — garanti, baixinho, percebendo que era o jeito da Cristina mesmo.

— Eu sei — resmungou ela, puxando as gramas do chão, e enrolando-as nos dedos.

Seu desânimo não durou muito, porque logo que uma música agitada começou, ela me encarou com olhos pidões e implorou para irmos lá para dentro, de onde vinha a barulheira. Mal esperou minha resposta - negativa! - antes de me puxar como se quisesse deslocar meu braço e me arrastar para lá, deixando os dois pombinhos sem entender nada. 

Adentramos na sala escura, com as luzes de LED piscando incessantemente, antes que Grace se jogasse na pista, sem inibição alguma, e começasse a dançar ao som da música latina que eu não fazia ideia de que se tratava. 

Movimentei meu corpo, desajeitado, tentando fazer o mesmo, sem parecer uma galinha chocando ovo. Não deve ter surtido muito efeito, porque Grace mais gargalhava do que dançava, puxando meus braços para me fazer movimentar do jeito correto.

Para o meu completo desespero, passada a música que ela declarou amar, ficamos ali na próxima, e na próxima, e na próxima. Ela amava todas as malditas músicas. A garota não cansava em momento algum, enquanto eu já estava morrendo, inclusive de sede. 

— O que você tá fazendo? — questionei, vendo quando ela olhou para os lados antes de puxar uma garrafa de cerveja ao invés do refrigerante e virá-la em um copo plástico.

— Ah, eu não acho que eles se importem — disse ela, dando de ombros, antes de encher outro copo e entregá-lo a mim. 

Olhei ao redor, vendo que a maioria dos amigos do Alex acabara fazendo exatamente o que ele acusou que fariam: se distraindo na festa ao dançar, beber, conversar com seus amigos. Eles ainda nos cuidavam, vez ou outra, mas com menos frequência.

"Inteiros, intocados, sóbrios e agradados", Alex havia pedido. Mas ao pensar em Alex, e no que ele e Ian estariam fazendo naquele momento - certamente não seria bebendo refrigerante e negando toques dos outros -, eu só conseguia imaginar que ele sequer se importava com isto. 

Após encarar o copo com álcool, acabei por dar de ombros também. 

Ora, se eles podiam estar, neste momento, se embebedando em algum lugar suspeito, fazendo coisas sinistras que não quero nem saber, eu também podia me divertir de forma parecida. 

Eu não havia conseguido me livrar daquela noite planejada por ele, então por que ficaria comportado em um canto como se houvesse? 

Grace soltou um gritinho animado, jogando-se em mim em um abraço brusco, antes de pular com animação e me puxar para dançar de novo. Sorri com isto, largando o foda-se de vez para o Alex e o que ele queria que fizéssemos ou não fizéssemos desta vez. 

Desta vez, não é mesmo? 

Porque ele é um maldito bipolar. Todo dia uma ideia diferente. Hoje, álcool. Amanhã, não. Hoje, irresponsabilidade. Amanhã, não. Hoje, desregrado. Amanhã, não. 

Ninguém merece. 

Enquanto estamos aqui bebendo e dançando, eu não consigo deixar de pensar que se ele não está fazendo o mesmo, só está fazendo pior. Nem sei do que se trata a tal comemoração dos quinze, se de fato tem a ver com festa, bebidas e afins, ou se tem algo a mais. Tudo bem que não parece ser a cara do Alex querer introduzir o primo à vida sexual aos quinze, como se fazia em tradições antigas e bizarras, porque apesar do Alex ter tudo a ver com "bizarras", nada tem a ver com "antigas".

Mesmo assim, não consigo deixar de pensar que, se ele está sozinho em uma boate com o primo, certamente não vai ficar cuidando do Ian o tempo todo e, consequentemente, tampouco sozinho. 

Retornei à cozinha mais uma vez, enchendo mais um copo. 

Não sei o motivo, mas depois que o Alex assumiu de vez sua sexualidade, tanto para ele próprio quanto para os amigos, eu me incomodo muito mais em pensar nele em uma festa destas. Por algum motivo estranho, eu me incomodo muito mais com a imagem do Alex com o Jillian do que a imagem dele com a Mary Jane - ambas as únicas vezes em que o vi beijando alguém. 

Jurava que era o preconceito, fazendo-me invalidar a relação dele com outro garoto. Mas agora só consigo pensar no contrário, que a sua sexualidade parece invalidar a relação dele com uma garota e assim, validar o que o preconceito não permitiria. E me incomoda. Me incomoda muito. 

Principalmente, me incomoda que a cada dia que passa, mais e mais torna-se evidente que nada tem a ver com preconceito. Afinal, eu não tenho isto em mim. 

O que só pode significar que, em mim, há outra coisa.

— Vai ficar só bebendo agora? — Grace chamou minha atenção, ao me cutucar, ainda na cozinha. Irônico era que ela também fazia o mesmo. 

Uma voz ao nosso lado nos pegou de surpresa, no susto. 

— Vocês não deviam estar bebendo! — acusou Bruno, puxando-nos para o seu abraço, um em cada braço. — Alex vai acabar nos matando!

Dei de ombros, emburrado com a simples menção dele.

— Alex só disse isso porque a Annelise passou sermão nele — contrapus, porque era verdade. — E se não quisesse que a gente bebesse, não teria nos tirado do conforto de casa pra uma festa adolescente com álcool — acrescentei, o incômodo aumentando a cada palavra. Bruno abriu a boca, mas eu finalizei: — E ele não é pai de nenhum de nós.

Grace arqueou as sobrancelhas, antes de virar o copo mais uma vez, deixando-o no balcão com uma batida teatral, como se fizesse das minhas as palavras dela. Assentiu, feito uma soldada, ao passo que Bruno achava graça, olhando dela para mim. 

— Quanta revolta — disse ele, estranhando, antes de focar os olhos em mim, me olhando da cabeça aos pés. — Olha, eu te garanto que o Alex não quer ser pai de nenhum de vocês — disse, irônico, embora os olhos estivessem fixos apenas em mim, como se falasse de uma piada interna que não entendi.

Abri e fechei a boca, mas não soube o que responder, confuso. Bruno nos largou, abanando como se não fosse nada.

— Quer saber? Eu não vi nada — disse, teatral, daquele jeito dele. — É um par de bebidas, não vai fazer mal — garantiu, olhando-nos com atenção dessa vez. — Vocês tão sóbrios ainda — concluiu, ao nos analisar com os olhos castanhos e checar o relógio de pulso —, e daqui um pouco eles chegam.

Dito isto, Bruno sumiu dentre a multidão, não antes de olhar por cima do ombro uma última vez e piscar um dos olhos, sorrindo.

Grace e eu nos olhamos, relanceamos a bebida e começamos a rir. 

Pode-se dizer que exageramos um tanto, depois disto. Não na quantidade, mas na escolha de bebidas, já que misturamos cerveja com mais alguma coisa doce que me fez querer largar a cerveja de vez. 

Demorou um pouco para dar pane no sistema do meu corpo desacostumado, mas eu já havia chegado no mesmo estado de tontura que havia chegado da última vez, aquela em que descobri que Alex gosta de garotos. Deduzi, então, que eu ficaria bem, como fiquei daquela vez. 

Eu pensava nisto enquanto me movimentava na sala, mais leve e menos preocupado, com a Grace. Descobri que ela gostava mesmo de dançar, e que no fim, tinha aproveitado a festa mil vezes mais do que qualquer um do restante de nós. Eu havia parado para sentar algumas vezes, e até ido ao gramado para tomar um ar fresco, arrastando Cristina e Mason para dentro comigo quando retornei, mas Grace havia permanecido na pista. Vez ou outra, dançou com Annelise, Emily, Faye e Mia, que pareceram adotá-la naquela festa.

Mason e Cristina também haviam participado, mas por pouco tempo, antes de ficarem sentados na cozinha, conversando, onde ficaram a maior parte do restante da festa. 

Os minutos estavam passando rápido demais, e eu me questionava onde diabos Alex e Ian estavam e o que faziam para demorar tanto a retornar. Minha mente foi a lugares indesejados e foi durante a fertilidade da minha imaginação que aconteceu: de todos os beijos do mundo, o primeiro deles. 

Como Grace estava junto da panelinha do ensino médio - ou ao menos, de parte dela, já que metade não estava ali -, fiquei no grupo deles mexendo os pés - é de se espantar que dançar e mexer os pés não é a mesma coisa. Gostei que eles mais bebiam do que mexiam os pés também, então não me senti tão deslocado, só que estávamos no meio da pista improvisada. Muita gente se aglomerou à nossa volta e, aéreo nos meus pensamentos irrefreáveis, eu os perdi de vista.

Quando me dei por conta, me desloquei entre as pessoas para me aproximar de Grace, que fez sinal para mim quando me viu perdido, mas antes que a alcançasse, dei de cara com uma garota, quase virando sua bebida. 

Ela tinha a mesma altura que eu, apesar de ser mais velha, então supus que ela era simplesmente baixinha. Tinha os olhos e os cabelos castanhos, também supus, devido a ausência de claridade. Usava um piercing no nariz e vislumbrei uma tatuagem em seu braço.

Pedi desculpas, não a reconhecendo do colégio, embora conhecesse as duas garotas que estavam com ela, do ensino médio.

Ela falou alguma coisa, colocando a mão em meu braço, mas não consegui ouvir. Franzi o cenho, aproximando meu rosto dela para escutar melhor, mas não entendi de novo.

— Não tô ouvindo — senti a necessidade de esclarecer, fazendo um gesto para que ficasse claro.

Ela sorriu, exibindo duas covinhas em ambas as bochechas e outro piercing no freio da boca. Sorri também, no automático, ao perceber que o sorriso havia a deixado mais bonita. Desta vez, sequer ouvi o timbre da sua voz, o que me fez pensar que ela falou baixo de propósito, ao combinar com o sorriso arteiro. 

Engoli em seco, me aproximando uma vez mais, o que pareceu ser exatamente o que ela queria, e quando percebi, o gosto dela já havia se juntado ao meu. 

Tudo tão rápido, mas tão lento. 

O beijo me pegou de surpresa, mesmo que eu já estivesse esperando por ele. O que surpreendeu de verdade foi a sensação desconhecida por mim de ter meus lábios junto de outros lábios, e as demais sensações que se seguiriam. 

Ela jogou os braços em meu entorno, puxando-me para mais perto, até que estivéssemos colados um no outro. Desajeitado, abracei-a também, a mente trabalhando ao me informar o quanto é estranho abraçar e beijar uma pessoa que você conheceu um minuto atrás. 

Em um minuto, aquela garota já havia me tocado mais do que meus amigos o fizeram a vida toda. O abraço era íntimo, seus dedos nos meus cabelos eram íntimos, sua boca na minha era íntima. Mas antes que os devaneios e a estranheza continuassem, ela abriu a boca e no instante seguinte eu podia sentir sua língua na minha. Aquilo, mais íntimo ainda.

Fechei os olhos pela primeira vez, os pensamentos sendo jogados para o fundo da minha mente conturbada, porque nada mais importava. Me deixei levar, surpreso que eu parecesse saber como desempenhar um beijo, mesmo sem nunca havê-lo feito. Imperfeito, é claro, mas feito. 

Aquilo era bom.

Ora, então é disto que se trata!

É isto o que todo mundo sente quando beija alguém?

É isto o que o Alex...

Abri os olhos, hesitante, ao encarar o rosto da garota, colado ao meu.

Senti o peito apertar e o estômago revirar no mesmo instante, pensando nele. 

Um desgosto egoísta que se espalhou por todo o meu corpo ao imaginá-lo sentindo o mesmo que eu estava sentindo, só que com outras pessoas. Desfrutando de mais do que apenas isto: sentindo o dobro, o triplo disto, quando beijava o Dean, por ser apaixonado por ele. E ainda, o triplo do triplo por fazer mais do que beijá-lo, o que provavelmente fazia. 

Fechei os olhos novamente, me convencendo a não estragar meu primeiro beijo pensando em todos os beijos que o Alex havia dado.

Mas por quê?, pipocava na minha cabeça. Por que logo ele a tomar conta da minha cabeça justo agora?

Forcei-me a manter a mente em branco, desprovida de uma resposta, mais empenhado nisto do que no próprio beijo. Subitamente, já não estava mais tão glorioso quanto antes. Desajeitado, bati os dentes nos dela o que pareceram infinitas vezes, mas isto não a fez desistir de mim, e eu quis agradecê-la por isto.

Por quanto tempo a beijei, não faço ideia. Talvez segundos, talvez minutos, talvez meia hora. Minha mente já não registrava nada até o momento que nos separamos. 

Forcei um sorriso para ela, incomodado com meus pensamentos, mas certo de que se não fossem eles, o sorriso seria verdadeiro. Beijar é, certamente, uma das oito maravilhas do mundo. Ela retribuiu o sorriso, deixando em aberto minha oportunidade de dar as costas como se minha vida dependesse disto. Aproveitei, porque não sabia de que outra forma proceder. 

No entanto, antes que o fizesse, deixei um beijo casto em seu rosto, atrapalhado, vendo-a arquear as sobrancelhas e sorrir mais largo, como se aquele fosse uma atitude curiosa da minha parte.

Então as pessoas simplesmente beijam e dão as costas mesmo?

Desajeitado, sorri uma última vez e caminhei para longe, envergonhado por haver deixado nítida a minha inexperiência. 

Meus lábios ainda formigavam em uma sensação boa, mas isto não durou muito, sendo eles esquecidos. Foram sobrepostos pelos movimentos que o meu estômago faria em seguida, quando eu me deparasse com olhos profunda, temida e misteriosamente escuros, focados em mim. 

Alex.

Ele não só havia retornado, como também estava me observando de longe, como o verdadeiro perseguidor que eu o acusei, mais cedo, de ser. Estava sério, sozinho e alheio ao redor, com os olhos fixos em mim, como se pudesse ver minha alma. 

Um calafrio percorreu minha coluna, arrepiando-me.

A expressão indecifrável que estava estampada na sua cara não durou mais do que dez segundos, mas eu tinha certeza que duraria muito mais na minha memória. Dificilmente eu me esqueceria.

O coração chegou a errar as batidas, e as pernas, que caminhavam justamente para aquela direção, travaram de supetão, até sua expressão mudar. Alex piscou, parecendo religar antes de relaxar o rosto e voltar ao normal, ao típico Alex. 

Forcei minhas pernas a continuarem a caminhar, abrindo espaço entre as pessoas dançantes, e o vi sorrir de longe. Ergueu ambas as mãos para fazer sinal de aprovação, como se aquele momento minúsculo naquele espaço-tempo jamais houvesse existido se não na minha imaginação.

Ele estava logo em frente à passagem para a cozinha, e lá atrás eu podia ver Mason, Cristina e Ian conversando animadamente. Um tanto mais para o lado do Alex, como se houvessem se afastado de propósito, estavam Grace e uma parte do grupinho do Alex, rindo e conversando.

Fiquei com vergonha assim que parei na frente dele, querendo desviar para qualquer um dos lados, mas já era tarde. Alex ainda sorria, mais fraco desta vez, quando me encostei na parede, ficando lado a lado com ele, tentando respirar direito. Desconfortável, não soube o que dizer, e ele tampouco, ao julgar pelo tempo em silêncio.

Eu não queria soar paranoico comigo mesmo, mas francamente: dez segundos daquele olhar estranho com ele haviam feito com que eu me sentisse mais extasiado do que toda a duração do meu primeiro beijo com outra pessoa. Isto é profundamente estranho, e minha mente gritava ao me informar que tinha uma explicação muito maior do que o preconceito do qual eu me convenci sentir.

Eu queria muito, mas eu também não queria ouvi-la.

— Tudo bem? — perguntou ele, por fim, inclinando-se para que eu ouvisse.

Assenti, olhando para ele, mas evitando olhá-lo nos olhos.

Vi que ele esperou um pouco antes de continuar: — Tá gostando?

Forcei um sorriso, assentindo pela segunda vez.

— Gostou?

Ergui os olhos para ele, de forma involuntária, vendo-o se afastar milimetricamente devido a proximidade dos rostos, já que se inclinava toda vez para que eu ouvisse.

Engoli em seco, vendo o vestígio de sorriso sumir aos poucos, enquanto ele esperava por uma resposta.

Gostou?, havia perguntado, se referindo ao que vira.

Mordi os lábios, me sentindo quinhentas mil vezes mais envergonhado desta vez, esquecendo completamente dos sentimentos ruins acerca do Alex que eu senti a noite toda. Me esquecendo das suas imposições contraditórias, da sua demora ao chegar, da sua invasão aos meus pensamentos. 

O tom da voz, o jeito como perguntou, a postura corporal, tudo nele demonstrava respeito e carinho para mim, como se realmente se importasse com a resposta, abrindo mão das brincadeiras e piadas. E bastou este gesto bonitinho para que todos os feios fossem anulados. 

Assenti mecanicamente antes de desviar o olhar, sentindo as orelhas arderem. De relance, vi que ele assentiu antes de desviar o olhar também, murmurando: — Que bom. Isto é bom.

Engoli em seco, tornando a ficar quieto.

Passados poucos instantes desconfortáveis, na primeira oportunidade que encontrei, me juntei aos meus amigos como um vulto assim que Alex se juntou com os dele quando o chamaram. Me arrependi no minuto seguinte, ouvindo piadas e desaforos na minha cara sobre eu haver beijado alguém na festa, enquanto Ian, perdido, tentava acompanhar o que havia acontecido.

Tornei a beber um drink doce com gosto de abacaxi, sentando-me em frente ao balcão da cozinha, junto dos outros, já que ficou claro que todos estávamos mesmo bebendo, como foi relatado previamente ao Alex. Grace disse que ele não pareceu se importar nem um pouco, como imaginei. 

Ian relatou, enrolando as palavras devido ao álcool que afetava seu cérebro - já normalmente lento -, sobre o lugar que haviam ido, o que fizeram, o que beberam, com quantas garotas ficou, desmitificando basicamente toda a minha imaginação fértil. Grace interrompeu a última parte, gargalhando ao dizer que era mentira sobre ele haver beijado cinco garotas em uma mesma festa.

— Nem aqui nem em outro continente vão haver tantas garotas babando seu ovo — garantiu ela, fazendo todos rirem juntos.

— Ainda mais se a maioria era maior de idade — apontei, apenas para provocar.

— Cala a boca, Caleb! — resmungou ele, quase me derrubando da cadeira com o empurrão. Mostrei a língua como resposta, embora tenha tido que segurar-me com mais força do que o normal, tonto. — E você — chamou nossa garota, estreitando os olhos —, aposto que nem sabe o que é beijar.

Grace tornou a rir.

— Mesmo que eu não soubesse, você é que não vai chegar perto desta boca, meu bem — provocou ela, apontando para seus lábios.

Ian fez cara de nojo para disfarçar a prévia expressão provocante que havia dirigido à ela. — Graças a deus!

Balancei a cabeça, vendo-os entrarem em uma discussão mais acirrada. Mason e Cristina estavam praticamente atirados em cima do balcão, mortos de sono, e nenhum dos dois parecia ter força sequer em participar da conversa, o que gerou reclamações dos outros dois.

Massageei as têmporas, tentando aliviar a dor de cabeça, antes de pegar o copo esquecido no balcão. Um nojo me subiu pela minha garganta ao encarar o resto de bebida, já morna, no fundo do meu copo. No instante seguinte, o vi ser puxado da minha mão com certa delicadeza e senti outra uma mão fechar-se em meu ombro.

Ergui a cabeça, tonto, para me deparar com os olhos negros de Alex. Ele tinha o cenho franzido, preocupado, ao desviar os olhos de mim para os demais, e deles para mim.  

— As garotas me fizeram sentir meio culpado de trazer vocês aqui. Não bebe tanto — pediu, preocupado, dando as costas rapidamente apenas para virar o resto da bebida na pia e deixar o copo lá antes de voltar ao meu lado. — Não quero metê-los em problemas. E não saiam da minha vista — apressou-se em acrescentar, mais alto, para a movimentação à minha frente.

Olhei para ver o que era. 

Grace retornava à sala para a pista de dança, arrastando Cristina com ela. Arqueei as sobrancelhas, surpreso, embora tenha me dado vontade de rir a forma como Cristina parecia inclinar seu corpo para trás para não segui-la e Grace apertar ainda mais sua mão na dela para puxá-la. 

— Ela roubou minha garota — disse Mason, ao gesticular de uma forma lenta e engraçada, enrolando as palavras antes de voltar a deitar a testa no balcão. 

— Sua garota roubou a Grace — corrigiu Ian, bebendo mais um pouco. — Não estrague nosso momento de paz. 

— Isso tudo é de vocês? — interrompeu Alex, nem aí para a conversa, ao chamar nossa atenção de novo. Limpava o balcão à nossa frente, referindo-se à quantidade de latinhas, garrafas abertas e copos plásticos, além dos vestígios de comida por ali. — Puta merda — xingou, com a testa franzida, o que causou riso em nós três. Ele revirou os olhos, tirando todo o vestígio de álcool de perto da gente, inclusive puxando o copo das mãos do Ian.

— Ei! — reclamou, com um beiço, ao ver a cerveja ser levada para longe.

— Vocês não tavam assim quando eu cheguei — acusou Alex, estalando a língua.

— Eu tava — brincou Ian, gargalhando, e Mason riu com ele.

Alex revirou os olhos, mas sorriu, dando um peteleco nos cabelos escuros do primo. — Não tava falando de você, jumento — provocou, olhando para mim e para o Mason, ainda deitado nos próprios braços no balcão, piscando lentamente.

Quebramos o hiperativo Mason, ponto para nós!

— Parece que me esperaram chegar pra ficarem desse jeito — reclamou, olhando ao redor, como se procurasse alguém. — E onde diabos tá o Bruno, que devia estar cuidando de vocês?

Ergui o braço para falar, como se estivéssemos em uma sala de aula, o que causou gargalhas no Ian.

— Ele nos viu beber e fingiu que não viu — delatei, em nossa defesa. 

Alex soltou um arquejo ofendido. — Mas que traíra!

No mesmo momento, Faye adentrou na cozinha, seguida de Ben e de uma garota que eu não tenho certeza se já vi antes. 

— Alex, você viu o Jake? — perguntou, parecendo cansada. — Acho que tá na hora de mandar todo mundo embora, já são quase cinco da manhã e metade do pessoal já deu no pé — apontou ela, suspirando.

— Não o vejo desde antes de sair com o Ian — comentou Alex, dando de ombros. — Também não vi o Bruno. Meu mexicano foi embora?

Ben coçou o pescoço. — Não, eles devem estar juntos — soltou, singelo.

— Por quê? — perguntou Faye, perdida, ao mesmo tempo que Alex tinha uma reação diferente:

— Você acha? — questionou, risonho.

Alex pareceu surpreso com aquilo, mas por algum motivo do além, aquilo trouxe um sorrisinho de criança ao seu rosto, como se fossem ótimas notícias. Trocou um olhar estranho com Ben, mas o outro deu de ombros, sem demonstrar nada.

— Eles tão sempre juntos agora — explicou, embora aquilo soasse mentira.

— Ah, tá com ciúmes? — provocou a garota loira ao seu lado, soltando um riso engraçado ao mexer com ele. — Ele foi abandonado pelo melhor amigo — explicou aos demais, fazendo-os rir.

— Lucy, nem te vi! — comentou Alex, surpreso, como se recém a enxergasse.

— Fui convidada de última hora — explicou, estreitando os olhos azuis para o Ben, que soltou um sorriso culpado.

Quando Alex a cumprimentou com um abraço despojado, fez um certinho para o Ben, como se aprovasse a provável namorada. 

Revirei os olhos.

Quem ele pensa que é, o pai de todo mundo? 

Logo após Faye sugerir que a festa acabasse, começou-se um movimento para dar um fim à festa, enquanto alguns procuravam pelo dono dela. 

Agradeci a tudo que era mais sagrado do mundo por isto, porque deste jeito, só chegaríamos em casa quando estivesse amanhecendo e minha mãe tem uma mania chata de acordar cedo mesmo quando não trabalha. Seria desastroso se eu não estivesse na minha cama quando ela acordasse.

Os minutos passaram voando, e eu me peguei perdido no tempo, me perguntando em que momento a casa havia esvaziado e em que momento a música havia parado. Embora, de certa forma, ela parecia continuar ressoando na minha cabeça.

Não soube dizer em que momento Jake e Bruno apareceram, nem em que momento todas as luzes foram ligadas — é possível que eu tenha ficado cinco vezes mais tonto quando as luzes incessantes pararam de piscar e as luzes foram acesas? —, e muito menos em que momento Grace e Ian começaram a discutir mais uma vez.

Minha cabeça latejava quando eu saí do banheiro pela vigésima vez, descendo para o segundo andar, com uma mão no corrimão para segurar-me. 

Quem diria que cerveja deixa a bexiga frouxa desta forma?

— E daí que você tem quinze anos? — reclamava ela, enrolando as palavras. — Você é o maior bebezão de todos nós!

— Meu deus, garota, quando é que você vai parar de encher meu saco? — resmungou, com as mãos na cabeça, como se fosse o fim do mundo.

Dois bêbados. 

— Quando você parar de encher o meu — grunhiu ela, enfiando o dedo no peito dele.

— Então pare!

— Pare, você — teimou, ficando na ponta dos pés para não parecer tão inofensiva.

— Pare, você!

Parei nos últimos degraus, arqueando uma das sobrancelhas para a cena que se desenrolava na minha frente. Subitamente quietos, guerreando com os olhares, não pareceram tão incomodados assim com a proximidade.

— Alex, suas crianças tão brigando de novo — alguém avisou, em tom de deboche, lá da cozinha.

— Que saco! — reclamou ele, antes de materializar-se na sala, também encarando-os com estranhamento. — Se beijem logo!

Isto, sim, causou o afastamento dos dois, como se levassem um choque. Separados por uns dez passos, Grace cruzou os braços e Ian virou para o outro lado da sala.

— Nunca!

— Você tá maluco?

Alex riu, mas passou a mão no rosto, cansado, antes de se aproximar de mim, que havia esquecido de descer o restante dos degraus.

— O que foi? — perguntei, referindo-me ao seu jeito pensativo.

Havia parado ao meu lado, em frente às escadas, ao encarar o restante da casa bagunçada com certa melancolia antes de suspirar. 

— Nada — disse, com um sorriso triste quando me olhou. — É só que eu fiz todo mundo prometer cuidar de vocês, e eles cuidaram. No fim, quem não cuidou foi eu — murmurou, parecendo decepcionado consigo mesmo.

Franzi o cenho, estranhando o que ele queria dizer com aquilo, antes de dar uma olhada ao redor também.

Mason estava no sofá, com a cabeça deitada no colo de Cris, que mexia em seus cabelos depois dele haver vomitado no banheiro umas três vezes. Ian e Grace estavam um em cada canto, mas ambos já tropeçavam nos próprios pés e tinham os olhos avermelhados pelo álcool.

Para ser sincero, estávamos bebendo desde antes do Alex chegar, então não queria dizer que ele não havia cuidado da gente.

— Você cuidou o tempo todo — falei, estranhando minha voz rouca pelo sono, referindo-me ao fato de que nos checava a todo momento depois que chegou. — E estamos bem.

Alex mordeu os lábios, balançando a cabeça negativamente.

— Não, Anne tem razão — contrapôs, a ruga entre as sobrancelhas me incomodando. — Eu nunca cuidei de vocês, eu sempre fiz o contrário. Eles cuidaram como podiam, mas fui eu que os trouxe aqui.

Pisquei algumas vezes, observando-o.

Alex é tão bipolar!

Fiquei me perguntando quantas vezes por mês bate crise de consciência nele. Mais do que isto, se aquele era o verdadeiro Alex ou se o que eu via agora era o verdadeiro Alex. Se aquele divertido, sem limites, sorridente e amigo de todos ou aquele metido a responsável, melancólico, nervoso, e que se sente culpado metade do tempo.

No fundo, supus que ele fosse composto dos dois, em eterna guerra um com o outro. Para mim isto não importava, porque eu amo os dois da mesma forma.

Pisquei.

Amo?

Os dois?

O Alex?

Alex estalou a língua, me encarando de canto.

— Eu tô certo, não é? — perguntou, chateado, ao dar uma olhada em mim. — É por isto que ficou quieto.

Engoli em seco, tentando fechar as infinitas abas que abriram no meu navegador pessoal, influenciadas por um simples e curto pensamento. Conseguia até ouvir aquele barulhinho característico de quando abre uma janela dizendo: error

— Hum? — consegui murmurar, brilhantemente.

Alex franziu o cenho, parando de frente para mim ao inclinar o rosto para me observar melhor.

Que crime social ser tão bonito assim!

Quero dizer, de todas as pessoas que vi hoje, sendo elas maravilhosamente bonitas ou não, Alex ainda assim é o único que se destaca. Os demais rostos foram deletados da minha mente, e todos substituídos pelo rosto do Alex.

É como se ele fosse perfeitamente esculpido pelo universo, em um mundo onde não existe perfeição. É como se ele burlasse todas as regras da física, como se todos os detalhes que o impediam de ser perfeito, combinados, formassem a perfeição.

O rosto não era totalmente simétrico, a pele bronzeada tinha algumas marcas de sol, de cicatrizes, e até de catapora. Os olhos não eram os azuis de Hollywood, o nariz não era perfeitamente reto, os lábios não eram cheios. Ele não era tão alto e o corpo não era musculoso.

Ainda assim, ele era perfeito.

E por que ele continua bonito mesmo quando triste?

É como se não importasse a faceta, todas elas fossem bonitas. Não importa o lado, todos são bonitos. Não importa a personalidade, o estado de espírito, tudo nele é bonito.

Ele por inteiro é bonito.

Até os seus defeitos são bonitos. A forma como fala idiotices, como muda de humor, como consegue ser mais irresponsável que todos nós juntos, como faz e fala todas as coisas erradas, como escolhe ser totalmente sincero por vezes e por outras mente na cara dura.

A forma chateada como me encara neste momento, com as sobrancelhas unidas em uma expressão tristonha e a forma como isto o deixa tão bonito quanto o resto do tempo, e como me faz querer abraçá-lo e nunca mais soltar.

— Não cuidei de você — murmurou, chateado, ao pegar meu rosto em mãos.

Pisquei, sentindo-me tonto, fechando todas as abas.

Não pensa muito, não pensa pouco, não pensa em nada, repeti, como um mantra.

— Cuidou — retruquei, em um murmúrio, sabendo que era verdade, mas não sabendo como elaborar.

Eu devia estar dormindo agora, não devia estar elaborando nada.

Nada.

Muito menos coisas que não me foram pedidas para elaborar, como o porquê de eu não conseguir parar de filosofar sobre o Alex, e pensar no Alex, e debater sobre o Alex, e enxergar o Alex em cada canto da minha mente.

Quero dizer, quem foi que te perguntou, mente insana?

E por quê - por quê, universo - minha cabeça não para de girar em torno dele?

— Você ficou sozinho.

Pisquei quando ele tornou a falar, percebendo que não havia forma de ignorar aqueles olhos tão próximos aos meus, como se me engolissem.  

Mais tarde, quando eu me recordasse desta conversa, eu imaginaria que ele estava se referindo à pista de dança, único momento que minha mente registrou de eu haver ficado sozinho.

— Você bebeu — listou, também, e senti seus dedos fazerem carinho nos meus cabelos.

Engoli em seco quando ele se aproximou ainda mais, descendo os olhos para a minha boca. Prendi a respiração, me sentindo febril, quando ele passou o polegar pelo meu lábio inferior. 

— Você beijou — acusou, por fim, em um sussurro.

Encarei sua boca entreaberta, tentando forçar as palavras a saírem, quando percebi que aquilo não estava incluso na lista de cuidados que pediu aos amigos: — Não podia beijar também?

Alex mordeu o lábio inferior com força quando desviou o olhar, parecendo discutir, mais uma vez, com ele mesmo.

Será que todo mundo faz isto? 

Será que ele percebe que eu também estou discutindo comigo mesmo?

— Ugh — resmungou, colando a testa na minha. Balançou a cabeça negativamente, tão de perto, enquanto eu apertava com mais força o corrimão, me certificando de não cair. — Podia. Ugh, podia — resmungou, mais uma vez, antes de deixar o rosto cair no meu ombro e suspirar, pesado. 

O que isto quer dizer?

Alex balançou a cabeça algumas vezes, ainda no meu ombro, enquanto eu permanecia em choque. Seus cabelos cheiravam a shampoo, embora o cheiro não estivesse mais tão forte quanto o perfume, incrustado nas roupas.

Engoli em seco, ouvindo-o estalar um beijo no meu ombro.

— Vou buscar os outros pra eu levar vocês embora — pronunciou, rapidamente, antes de se afastar.  

Abri a boca para pedir que não me desse as costas, não agora, mas ele já estava longe. Sem ter a chance de reagir, fiquei ali, vendo-o convidar os demais para ir embora, apressado.

Sentindo-me sem ar, coloquei a mão no peito para massageá-lo com força, me certificando de não morrer do coração com os meus catorze anos de idade. 

Arma do crime: o Alex. 


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Notas finais do capítulo

É, minha gente, eu tive que DIVIDIR EM 2, e tô muito de cara. Cada vez mais me dá maior noção de que MOS vai ficar MUITO grande e eu já perdi total controle sobre isto. Pasmem: eu ainda cortei muita cena deste capítulo pra não ter que dividir em 3.

Sobre o capítulo:
1) Sim, o primeiro beijo dele NÃO FOI com o Alex ahahhaha. Mas não emburrem muito, vocês vão gostar mais da Pt. II. Corram lá!
2) Sim, o nome do Alex NÃO É Alex, choquem, mas ele sempre será o Alex pra mim, pra ti, pra todos ♥
3) E MAIS UM SIM: a festa do Jake não apareceu aí por acaso, nem alguns detalhezinhos relacionados à panelinha do ensino médio. O próximo extra vai se passar dentro deste capítulo aqui! :3

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam!
Att: 06/2021.



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