Ano 2123, 2 de abril.

— Keb! Pare com isso, pelo amor de Deus! Não é tão ruim assim!

O menino que não parava de andar em círculo pela última hora, finalmente plantou seus pés no chão e olhou com tanta profundidade nos olhos da irmã que ela  agradeceu a tudo que era mais sagrado por estar sentada.

— Não é tão ruim, Cassi? NÃO É TÃO RUIM? EU VOU TER QUE VIVER EMBAIXO DO M A R! Do M A R, Cassi! Eu vou ter que me casar! Com alguém que eu NEM CONHEÇO!

A menina de cabelos tão loiros quanto se podia ser mudou seu olhar de chocado para o mais puro desdém.

— Como se não conhecer uma garota jamais tivesse sido problema para você, não é?

— Não é hora para julgar meus hábitos sexuais, Cassi! Eu estou falando sério! Por que diabos eles precisavam ter escolhido um de nós? Por que não simplesmente escolher um dos ministros ou algo assim?

O garoto desabou na cadeira mais próxima no quarto enorme, enfiando a cabeça nas mãos, de modo que só se via seus cabelos castanhos definitivamente precisando de um corte (que já teria sido feito se não fosse pelos chiliques do príncipe).

— Você sabe que não é assim que as coisas funcionam. A lealdade de quem é pago para se ter confiança é muito mais frágil do que o compromisso familiar.

— Já sei! Eu posso convencer as pessoas que eu tenho um problema psicológico ou algo assim, não é?

A princesa se jogou para trás, deitando na cama do irmão.

— Eu estou quase acreditando que você tem um sério problema mental, Keb. Tá, você convence eles que você é desabilitado, e aí o que? Eu vou para Atlantis e quem fica com Nova Europa? Nossa família é tão dissimulada que é capaz que haja uma quinta Guerra Mundial no primeiro mês.

Keb estava prestes a ceder a seu orgulho e concordar com a irmã, quando foram ouvidas batidas na porta.

—  Sim?

A porta alta de Sândalo se abriu e uma criada de uniforme impecavelmente limpo e o coque tão apertado que se sentia dor só de olhar entrou na suíte.

— Vossa Alteza, nossas Majestades vossos pais a chamam.

— Pelo amor do bom Deus, Martha! Quando você vai parar de falar com tanta formalidade? Você nos conhece desde que éramos fetos!

A governanta só olhou para Cassiopeia, sem nenhuma intenção de mudar seu modo de falar.

— Okay, tudo bem! Eu já estou indo. Vou só terminar o assunto com Keb, pode ser?

— Nossas Majestades insistem que é um assunto extremamente importante.

A princesa se levantou sem a menor vontade.

— Está bem, vamos lá.

~~~

Martha, a governanta, não ficou na sala onde o Rei e a Rainha estavam, e foi aí que Cassi sabia que algo estava errado. Ela fez uma rápida reverência antes de sua mãe começar a falar:

— Cassiopeia, temos um assunto de certa importância para tratar com você — a rainha Loretta ajeitou os óculos de leitura em seu rosto perfeitamente simétrico. — Na verdade, não temos nada o que tratar com você. Visto que não é algo sobre o qual você tem poder decisivo, estamos mais passando uma informação. Achamos que seria melhor nós dizermos que através de uma criada.

Ah, nada como o amor caloroso de seus pais, não é mesmo?

— Talvez você queira se sentar, Cassiopeia.

A princesa rejeitou a sugestão do pai e apenas apoiou uma mão na cadeira em sua frente.

O Rei e a Rainha se olharam por longos segundos, claramente deliberando sobre o melhor jeito de dizer isso através de sua telepatia assustadora de gente casada.

Aparentemente, Loretta ganhara, porque Cassi pode ver uma leve decepção nos olhos do pai.

— Cassiopeia, você terá uma Seleção.

A princesa desejou que tivesse aceitado a sugestão do Rei, porque ela quase caiu no chão, com o invisível e dolorido tapa daquela notícia.

— O que? - ela conseguiu fazer sair de sua boca, com muita dificuldade.

— As projeções visam que só a Seleção de Keb não será suficiente para manter o povo entretido. Aparentemente não mostra que estamos devotados o suficiente com a felicidade e bem estar da população — o Rei dissera isso de forma tão exausta e robótica que Cassi teve a impressão de que ele havia lido essa frase em algum relatório muitas e muitas vezes.

A princesa sentia sua cabeça girar e teve que se segurar na cadeira com as duas mãos.

— Sei que parece um castigo — a Rainha olhou fundo nos olhos da filha, olhar este que foi perfeitamente herdado pelo filho: sempre atingindo a princesa com força. — Mas você deve lembrar que foi para isso que você nasceu; Não nascemos para sermos felizes. Nascemos para servir o povo.

Cassi já havia ouvido aquela frase tantas vezes que se tivesse amnesia alguma vez na vida, essa seria a uma coisa da qual se lembraria.

Ela conseguiu murmurar um pedido de permissão para sair, mas não teve a capacidade de ouvir a resposta dos pais. Esperava que tivesse sido sim, mas a essa altura ela nem se importava mais. Cambaleou até a porta do escritório e a abriu para dar de cara com Keb, que tentava ouvir algo, com a cabeça colada na porta pesada.

A última coisa que ela sentiu foram ou braços de seu irmão a segurando e seus gritos chamando por guardas.