Orientações de um tubérculo escrita por DiAngelo


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Ei, pessoinhas que não vejo há um tempo! Aproveitei o Halloween pra levantar da tumba e postar essa fanfic pra vocês. Quem acompanha a page no facebook que Nonna e eu fizemos viu que há uns dias anunciei que estaria postando em breve uma história que escrevi para o meu TCC, pois bem, eis ela aqui! Depois da leitura nos encontramos nas notas finais, ok?



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Início do último ano do curso e os alunos só tinham um pensamento em mente: finalmente terei meu diploma! Isso, claro, se eles conseguissem concluir as atividades complementares, estágios, disciplinas (regulares e optativas) e o adorado de todos: TCC, vulgo ‘tô completamente cansado. Não passou por isso? Então senta e escuta à narrativa de algumas situações nas quais você irá passar. Ou não.

O centro universitário do vale do Ipojuca, Unifavip para os íntimos, localizado na cidade de Caruaru, ficava justamente em um ponto no universo onde galáxias e mundos diferentes se encontravam, e era muito conhecido pelo acolhimento de personalidades das mais diversificadas, uma infinidade de raças, semideuses, ninjas, animais intelectualmente desenvolvidos e o que mais se puder imaginar. Um verdadeiro caldeirão de divergências que convergiam em um único objetivo, conseguir finalizar seus respectivos cursos sem enlouquecer, o que muitos diriam que “não está sendo fácil!”.

O hall de entrada era conhecido como o “salão dos portais”, muito semelhante a uma estação de trem com seu teto abobadado cheio de janelões de vidro, por onde era possível a entrada de raios solares durante o dia e a vista das estrelas a noite, tinha o tamanho aproximado de cinco campos de futebol juntos, de onde funcionários e estudantes de todas as partes do universo perambulavam de um lado para outro de bicicleta, bonde, a pé e até patins, almejando chegar o mais rápido possível a seus destinos. Em um dos extremos do salão ficava o portão de acesso ao mundo humano, enquanto no outro localizava-se a secretaria, as coordenações dos cursos e a biblioteca, já a passagem para os blocos se davam entre um portal e outro aqui e acolá.

O bloco de psicologia ficava entre o portal de Squornshellous Zeta, planeta conhecidíssimo pelos colchões que vivem em seus pântanos, e o da terra dos dragões. Esse bloco em particular era um dos mais falados dentro da Unifavip devido às atividades diferenciadas em que os alunos se envolviam, pessoas fantasiadas para apresentações de peças teatrais, outras sentadas em rodas enquanto discutiam qual abordagem de psicoterapia era melhor, divulgação de campanhas através de músicas e mais uma infinidade de representações artísticas era o que se via diariamente por seus corredores. No geral, o bloco fazia jus à imagem de curso de humanas.

E para complementar essa imagem, não se pode esquecer dos alunos do último ano correndo de um lado para outro atrás de um professor para orientar seu TCC. Não que essa seja uma tarefa muito difícil, o problema é que quando se escolhe um orientador, não se tem a menor ideia de como se dará o relacionamento entre professor e aluno durante todo o processo criativo, e infelizmente, às vezes, o que se idealiza está longe da realidade. Exatamente o que aconteceu com o professor Cabeça de Batata, ele, em sua imensa loucura sábia, decidiu que aquele ano orientaria doze alunos. Isso mesmo, DOZE! Os pobrezinhos ficaram muito assustados com a quantidade de colegas que participariam de suas orientações. Seria o professor Cabeça de Batata capaz de dar conta de dez trabalhos (tinha duas duplas, por isso dez e não doze trabalhos)? Esse foi um questionamento feito por muitas pessoas, considerando que a fama de louco o acompanhava desde sempre. A questão é que ele mostrou-se muito mais do que capaz de acabar com todas as idealizações feitas acerca de si.

Para começar, as orientações foram marcadas para acontecer em uma sala de estudos da biblioteca. Quando a atendente falou que só era permitido que a sala abrigasse oito alunos, os orientandos até então presentes entreolharam-se, deram de ombros e foram aguardar o professor na sala. Resultado final: treze criaturas espremidas como sardinha em lata, entretanto ansiosíssimas para o que viria a seguir.

— Cartografia! – berrou de repente o professor Cabeça de Batata, batendo uma das mãos no tampo da mesa com tanta força que o braço desconectou do corpo de tubérculo. – Vamos criar territórios através de mapas de experimentação nos trabalhos de vocês!

Ele não deu muita atenção ao ocorrido, apenas colocou o membro de volta e continuou a falar. Os alunos também não fizeram alarde, acostumados com os desarranjos do corpo do professor. Aquilo era tão comum quanto ver o professor Don Juan, e sua rosa de estimação alojada no bolso dianteiro de sua camisa, andando de Crocks para lá e para cá nos corredores do bloco de psicologia.

— Mas o que geografia tem a ver com o TCC da gente? – cochichou Alice, visitante assídua do País das Maravilhas, para a ave Papa Léguas, na esperança que a outra soubesse do que o professor estava falando, já que era a mais próxima dele entre os alunos ali presentes.

— Geografia? – a Papa Léguas pendeu a cabeça para o lado, naquele tique engraçado das aves, claramente confusa. – Ah! – exclamou, antes de produzir um som estranho ao qual as pessoas acreditavam ser uma risada. – A cartografia vem do texto “O labirinto”.

Elionina, felina do planeta Thundera, e a gata jamaicana Milombra se entreolharam nervosamente após a resposta da colega, elas já haviam discutido aquele texto em uma aula do professor Cabeça de Batata e sinceramente, não haviam entendido vinte por cento deste. Era filosofia demais para os cérebros mal treinados delas. Quase se deu para ouvir o suspiro geral dos pobres orientandos.

— Eu quero que essa semana vocês leiam o texto “O labirinto” de Gueleuze e Dattari para a produção da metodologia de pesquisa, mas por enquanto vamos nos prender aos objetivos. – falou o professor, antes de pedir um papel e uma caneta a Kimberly, mais conhecida como a Power Ranger rosa. – Agora quero que cada um me fale do seu tema. – apontou para Barry Allen, vulgo Flash. – Começando por você.

Barry se remexeu desconfortavelmente na cadeira, não que necessariamente tivesse problemas em falar em público, só estava nervoso, e o professor ainda olhava com grande expectativa para si. Uma linha fina de suor desceu por sua têmpora esquerda enquanto tentava explicar, sem se enrolar, a produção do adoecimento na sociedade do consumo através da metáfora do cartão de crédito. Após algumas tentativas, ele obteve sucesso e ninguém o julgou por não ter sido exatamente claro de início, considerando que havia sido o primeiro a expor seu tema.

Um a um, os orientandos explicaram o que queriam abordar em seus trabalhos, desde a morte e o luto até novas produções de subjetividade da modernidade. Os olhos e a boca do professor Cabeça de Batata já haviam caído umas duas vezes durante o rodízio de fala dos alunos, devido à surpresa de ouvir temas tão interessantemente diferentes do habitual. Ele estava em êxtase! Há muito tempo não se sentia empolgado com um grupo de orientandos, tendo em vista que geralmente os alunos escolhiam assuntos que já estavam saturados de tanto que eram discutidos. Sinceramente? Isso era muito chato, não existia desafio nenhum. Era até meio triste, tanta diversidade na faculdade e aparentemente o cérebro dos alunos funcionava exatamente da mesma forma! É, talvez esse fenômeno fosse o que Pedro Levi chamava de cérebro coletivo.

— Para construirmos os objetivos precisamos pensar em disparadores. – começou a falar a boca do professor de algum lugar debaixo da mesa, enquanto seus braços e um dos olhos, segurado por uma das mãos, iam em busca dela. – Por disparadores podemos entender gatilhos, propulsores que irão impulsionar os questionamentos dos trabalhos de vocês. – alguns alunos até tentavam prestar atenção no que o orientador falava, mas a busca pela boca o estavam distraindo. – Achei! – a boca gritou de repente, o que de certa forma soou estranho, já que não tinha como ela se perder dela mesma.

— O senhor poderia dar um exemplo? – Stanley, o garoto do planeta Lorien conhecido como Número Nove e dupla de Marina, a Número Sete, perguntou, tentando voltar a se concentrar nas palavras do orientador.

Com a boca, olho e braços no lugar, o professor Cabeça de Batata podia novamente dar atenção aos seus alunos. Era engraçado que mesmo que as pessoas estivessem acostumadas a ver ele se desmontando - literalmente - algumas vezes ainda ficavam absortas com essa situação. Isso sempre o divertia.

— Me fale algumas palavras-chave que assaltam a sua mente quando pensa em seu trabalho. – pediu a Elionina.

Ela pensou um pouco, antes de responder.

— Mídias sociais? – perguntou. O professor assentiu e fez um gesto com a mão para encorajá-la a continuar. – Fanfictions. – a felina acrescentou, desta vez se sentindo mais segura, afinal aquele era o núcleo de seu tema.

— Tente adicionar mais alguns. – ele a aconselhou, depois se voltou para os outros. – Como eu já disse, quero que leiam o texto “O labirinto” de Gueleuze e Datarri para a nossa próxima orientação e também me tragam disparadores para o tema de vocês. – enquanto falava, o professor ia juntando os papéis onde havia feito anotações sobre o que seria abordado no trabalho de cada aluno. – Na semana que vem estaremos construindo os objetivos gerais e específicos.

Em seguida, o professor Cabeça de Batata levantou-se e saiu da sala de estudos. Milombra olhou a porta por um bom tempo e depois se virou para a Papa Léguas e Alice, que também já estavam se levantando.

— Ele foi embora? – perguntou Milombra, claramente chocada. – Assim, do nada? Sem se despedir?

— Sim. – respondeu a Papa Léguas e deu de ombros. – Vou dar baixa no empréstimo da sala. – completou e saiu também.

Milombra ainda parecia atordoada quando a puxaram porta afora e resmungou algo sobre não ter ideia do que poderiam ser seus disparadores. Comentário este que foi repetido por Shizune, uma das ninjas médicas de Konoha e por Daphne, aspirante a detetive da Mistérios S/A nas horas vagas. Por fim, alguns seguiram para suas atividades seguintes e outros voltaram para casa, por não ter mais nada para realizar naquele dia.

Durante a semana pós-primeira orientação, os alunos foram logo se articulando para criar conexões entre o grupo, de modo que foi feito um email e um grupo no WhatsApp onde eles poderiam trocar informações entre si e às vezes, até com o professor Cabeça de Batata. Leram o texto solicitado e discutiram com os colegas, tentando entender o que diabos os autores queriam dizer com aquela viagem louca. Velocidades diferentes? Corpo sem órgãos? Raiz pivotante? Erva daninha? Aquilo não fazia o menor sentido! A única erva que eles tinham conhecimento era a que Gueleuze e Datarri tinham fumado para escrever aquela insanidade! Alguns até já começavam a se desesperar, sem saber como iam escrever uma metodologia de pesquisa baseada naquela teoria sem pé nem cabeça.

— Será que ele vai demorar para chegar? – perguntou Flash, referindo-se ao orientador. Alguns alunos já estavam na sala de estudos da biblioteca o aguardando.

— A gente viu ele mais cedo no espaço VIP comendo tapioca com o filho. – Alice respondeu e Elionina e Milombra concordaram.

Enquanto o dito cujo não chegava, os orientandos ficaram jogando papo fora, tentando deixar a ansiedade que sentiam de lado. Aparentemente, toda orientação seria recheada desse sentimento de insegurança por partes dos alunos, afinal ninguém ali havia feito um TCC antes e principalmente nas condições de metodologia que o orientador havia sugerido. Após uns bons dez minutos, o professor chegou, naquele seu jeito afobado de andar.

— Desculpem o atraso, eu tive um compromisso antes. – justificou-se, sentando numa cadeira em um dos extremos da mesa. – E então, leram o texto? – perguntou, antes de pegar um papel e uma caneta emprestados de Shizune.

Os alunos assentiram, Número Nove até comentou que teve dificuldade de entender alguns conceitos, o que foi um alívio quase geral, considerando que a maioria dos presentes não entenderam o sistema criado pelos autores do “Labirinto”. Já o professor Cabeça de Batata chegou a sorrir, pois já esperava essa reação de seus orientandos, não que ele duvidasse da capacidade intelectual destes, só compreendia que a linguagem era difícil para quem estava começando a ler filósofos agora e por esse motivo passou a explicar pacientemente o texto. Os alunos, talvez intimidados pelo tamanho da sala, ouviam com atenção tudo o que era dito. Através da ajuda do comentário de um colega ou outro, no fim da “aula”, todos já entendiam a teoria o suficiente para conseguir discuti-la e com o auxílio de mais algumas releituras poderiam até escrever sobre esta. Notícia fantástica para eles, considerando que isso seria feito na metodologia.

— E os disparadores que o senhor pediu para a gente trazer hoje? – James, dupla de Jessie, ambos integrantes da equipe Rocket, questionou, parecendo cansado e ansioso para ir embora. Ele trabalhava durante o dia e ia para a faculdade à noite, assim como outros membros do grupo ali presentes.

— Vamos trabalhar com eles agora. – o professor respondeu, antes de fazer um comentário fugidio de que os orientandos deveriam trazer um cafezinho e bolo para eles comerem durante as orientações, o que todos sabiam ser impossível, pois não era permitida a entrada de qualquer tipo de alimento na biblioteca.

Após o rápido momento de descontração, o orientador se prontificou a ajudar os alunos a escreverem o objetivo geral de acordo com os disparadores que cada um havia pensado e logo em seguida as falas dos orientandos, todos já tinham definido seu objetivo.

— Consegui dar a devida atenção a todos vocês? – o professor perguntou, assim que terminou de fazer uma anotação qualquer no monte de papel que provavelmente ele perderia nas próximas horas.

O grupo assentiu, mas era evidente que alguns pareciam mais satisfeitos que outros e por a hora já estar avançada, o tubérculo comentou que podiam voltar a discutir na semana seguinte.

— Vou mandar um material de suporte do “Labirinto” para o email de vocês. – e como na orientação passada, o professor Cabeça de Batata juntou seus papéis e levantou-se. – Quero que vocês me tragam pelo menos três objetivos específicos na semana que vem.

E com essa bomba lançada sobre a cabeça dos pobres orientandos, ele foi-se. Os estudantes entreolharam-se, tentando encontrar respostas uns nos rostos dos outros e finalmente se deram conta do inevitável.

— Começamos a fazer de verdade o trabalho de conclusão de curso. – disse a Papa Léguas, verbalizando a certeza que pairava sobre eles naquela pequena sala.

— É... – resmungou Alice, desanimada.

Passaram mais algum tempo se lamentando e depois cada um seguiu seu caminho, sabiam que gostando ou não, aquilo era só o início da saga e desanimar agora não ia ajudar em absolutamente nada.

Após algumas orientações os alunos começaram a entender a dinâmica de trabalho do professor Cabeça de Batata, além de ouvir boatos sobre outros professores: eles trabalhavam de formas diferentes dentro da sala de aula e enquanto orientadores. Alguns dos orientandos sentiam-se especialmente surpreendidos, achavam que teriam dificuldades de lidar com o tubérculo, considerando seu jeito desleixado de ser e de toda liberdade que ele concedia aos seus alunos, mas logo perceberam que sempre que precisavam ele os ajudava e encorajava, mostrando os pontos fortes de suas ideias e trabalhos. No fim, ele fazia algo que muitos professores deveriam fazer, responsabilizava o estudante por seu material, o deixava trilhar o caminho que desejava, afinal ele estava ali para orientar, não escrever no lugar do aluno.

“Gente, não vou poder ir para orientação hoje, tenho consulta com o médico mais tarde.”, foi a mensagem que Jessie enviou para o grupo de WhatsApp e que Elionina leu em voz alta para os colegas que já esperavam consigo a chegada do orientador. A felina olhou para a Papa-Léguas e revirou os olhos.

— Ela realmente acha que a gente acredita que vive doente, ocupada e não sei mais o que? – perguntou à colega, num esgar de sarcasmo.

— Provavelmente. – a outra resmungou, ajeitando os óculos em seu bico.

Elionina bufou e pegou um espelho para se ver enquanto passava batom em seus lábios finos, depois arrumou a juba até se dar por satisfeita com o resultado. Nisso, Milombra e Alice entraram na sala às gargalhadas.

— Vocês estavam fumando não era? – cochichou Elionina para Milombra, que havia sentado a seu lado.

— E nem me chamaram! – acusou a Papa-Léguas, fingindo-se de ofendida.

— Dá para perceber? – a gata jamaicana questionou, ainda rindo.

Elionina cheirou o ar e cobriu o nariz com uma pata felpuda.

— Sem falar dos olhos vermelhos de Alice, o cheiro já diz tudo. – comentou com a voz abafada, em seguida se juntou as risadas da outra.

Antes que algo mais fosse dito o professor Cabeça de Batata entrou na sala com uma montanha de livros nos braços.

— O que vocês estão esperando? Me ajudem! – reclamou o tubérculo da porta.

Os alunos atrapalharam-se tentando todos se movimentarem ao mesmo tempo na pequena sala, mas por fim conseguiram espalhar os livros sobre a mesa.

— Peguei esses livros para ajudar vocês. – ele disse, ajeitando os braços que estavam tortamente conectados ao seu corpo. – Shizune e Papa Léguas, vocês conseguiram se situar melhor em relação aos seus temas depois da nossa última discussão?

Ambas as orientandas estavam passando por algumas dificuldades porque queriam mudar o foco de seus trabalhos e há umas duas semanas matutavam para conseguir descobrir a melhor forma de trabalhar com o mesmo tema, só que através de outro ponto de vista.

— Está indo... – Papa Léguas respondeu e Shizune concordou.

O professor assentiu e olhou para Milombra e Alice que cochichavam e riam.

— Parece que alguém está feliz hoje. – observou, rindo daquela forma meio boba que ria às vezes. E todos gargalharam, pois sabiam o porquê do estado de felicidade das colegas. – Sabe o que a gente devia fazer? – antes que pudesse concluir o pensamento, o professor espirrou e seu nariz saiu voando, caindo mesmo em frente à Daphne, que o pegou e devolveu ao dono. Milombra e Alice, nesse momento, só faltavam morrer de tanto rir. – Obrigado. – o tubérculo agradeceu, depois voltou a olhar para as duas alunas alucinadas. – Então, como o labirinto não tem início nem fim e vocês fazem a festa do fim do mundo no final do ano, poderíamos fazer a festa do meio do mundo agora em julho! Seria uma festa “labiríntica”!

Flash arqueou uma de suas sobrancelhas e trocou um olhar cúmplice com Elionina. Lá vinha o professor Cabeça de Batata com as doidices dele... E para completar a loucura daquele dia, alguns alunos até ajudavam no imaginário da tal festa do meio do mundo. Passaram um bom tempo a fantasiando, até que os estudantes começaram a distribuir os livros de acordo com os temas abordados.

— Jessie pediu para avisar ao senhor que não pode vir hoje. – Shizune comentou, lembrando-se de dar o recado da colega.

O professor bufou e negou com a cabeça.

— Eles vão acabar se prejudicando. – disse, levemente irritado.

De fato a dupla Jessie e James faltava muito e quando alguém aparecia, era somente um dos dois. Os boatos que corriam pela faculdade diziam que eles brigavam com um tal de Ash e depois sumiam por dias. Se era verdade ou não, ninguém sabia.

E foi nesse caminhar, aos trancos e barrancos, que todos fizeram sua parte, de modo que se passou o primeiro semestre do ano e os pré-projetos foram finalizados e apresentados. Estava tudo indo nos conformes, ou pelo menos foi o que os alunos pensaram. Até que os bombardeios do segundo semestre começaram.

— Vou direto ao ponto... – interrompeu-se o professor Cabeça de Batata, querendo fazer suspense enquanto fitava seus alunos.

Ninguém na pequena sala da biblioteca ousava se mexer, sentindo a tensão que emanava uns dos outros. O orientador chegara naquela segunda semana de orientação dizendo que tinha uma notícia muito triste e ruim para anunciar. E pela cara dele, não era brincadeira.

— O senhor está arruinando os nervos da gente. – admitiu Número Nove, se segurando para não roer as unhas.

— A faculdade decidiu tornar o TCC opcional, ele acaba de entrar na grade de vocês como disciplina optativa. – falou desanimadamente o tubérculo e talvez tenha sido por isso que os estudantes não comemoraram a notícia. – Vocês estão desobrigados de prosseguirem com seus trabalhos...

— O que o senhor não está nos contando? – James perguntou, desconfiado.

O professor Cabeça de Batata suspirou e esticou suas mãos em cima da mesa, posição que lhe concedia um ar de abandono, principalmente com a tristeza expressa em seu rosto.

— Vocês não entendem, não é? O TCC não é apenas um trabalho obrigatório que o aluno tem que fazer para obter o diploma, ele serve também como ponte de acesso para possibilidades que a pessoa nem sabe que gostaria de experimentar. – mesmo que o professor não estivesse falando alto, era perceptível que ele estava levemente exaltado, algo raro de se ver. – Universitários descobrem que querem seguir carreira acadêmica como pesquisadores, que suas descobertas têm importância para o meio social e dão início a mudanças. Sem falar que a forma na qual o estudante lida com um trabalho desse nível diz muito da preparação que ele teve na academia. – concluiu, pesaroso.

Fez-se silêncio pelo tempo que a informação ia se fixando à mente dos alunos, uns até começavam a entender os agravantes daquela decisão. Muita coisa ia se perder no caminho, isso era certeza. Outra percepção que tiveram dizia respeito ao fato do orientador estar expondo a situação de forma clara. Como tudo na vida, as coisas não eram tão simples como preto no branco. Ele queria que seus orientandos tomassem uma decisão consciente, que tivessem certeza do que estavam escolhendo para si.

— Podemos escolher não continuar com as pesquisas? – Shizune questionou.

— Se assim desejarem. – resmungou o professor.

Papa Léguas assentiu, pensativa e de repente alçou voo bruscamente, levantando-se da cadeira. Alice e Daphne, sentadas ao lado da ave, sobressaltaram-se, assustadas com o movimento violento.

— Mas espera aí! Como seria a avaliação de aptidão agora? – a ave questionou, ação que deixou os outros pálidos. Ninguém ainda tinha pensado nesse “pequeno” detalhe.

O tubérculo sorriu, sorriso este que no mínimo os estudantes classificariam como assustador.

— No curso de vocês vai ser através de uma prova colegiada de trinta questões de múltipla escolha, aludindo as principais abordagens da psicologia. – respondeu de imediato.

Somente nesse momento os orientandos se deram conta do grande trunfo do professor. Os trabalhos deles já estavam com meio caminho andado e o tempo que tinham disponível não era favorável para estudar calmamente para uma prova desse nível. O mais sensato era continuar com o TCC. E foi essa a escolha que eles anunciaram para o orientador.

Naquela mesma semana a Unifavip estava um caos, a maioria dos alunos haviam concordado com a decisão do trabalho de conclusão de curso ser opcional, mas uma pequena quantidade não havia gostado desta. Professores e monitores foram acionados para dar aulas de reforço de última hora e alunos enlouquecidos formavam grupos de estudos para dar conta de todo o conteúdo da prova que aconteceria no fim de novembro. Os poucos que preferiram continuar com suas pesquisas mantinham-se focados em fazer trabalhos que os deixassem orgulhosos. Assim acontecia com o grupo do professor Cabeça de Batata.

A cada dia que se passava, ficava mais evidente para algumas pessoas o quanto aquilo tudo se parecia com o apocalipse, pairava uma aura de estresse e ansiedade sobre a faculdade, como se uma bomba nuclear estivesse prestes a explodir a qualquer momento. Quem não participava do caos, apenas olhava e se perguntava por que as pessoas se deixavam passar por isso. Era insano e não fazia o menor sentido! Já quem participava, começava a se questionar se tinha feito a escolha certa para si, tendo em vista que o cansaço só aumentava com o passar dos dias, assim como o material para estudar.

No dia da entrega do primeiro capítulo o grupo de orientação do professor Cabeça de Batata ouviu mais uma notícia desestabilizadora, na qual nenhum dos alunos sequer tinha imaginado a possibilidade. Aparentemente as coisas não seriam fáceis para eles. Não seriam mesmo!

— Infelizmente, por motivos de interferências de agenciamentos pessoais, eu acabo de pedir demissão da instituição e estou de aviso prévio. – falou o tubérculo, dessa vez sem suspense algum, de modo que o choque nos orientandos foi imediato. – Vocês têm pouco menos de um mês para acabar o TCC, já que nessa altura do campeonato é impossível que outro orientador aceite os ajudar com seus respectivos materiais, principalmente com a metodologia de pesquisa nada tradicional de Gueleuze e Datarri.

— O senhor está brincando? – a Ranger rosa questionou, num tom preocupado.

— Jamais brincaria com uma coisa dessas. – foi tudo o que o professor respondeu.

— Não vai dar tempo! Ainda nem acabei o primeiro capítulo. – exclamou Milombra, já entrando em pânico.

— Vai ter que dá! – Elionina comentou, prevendo que a colega ia surtar em breve e tentando reduzir o estrago.

— Eu também não acabei... – admitiu Flash.

Alguns colegas repetiram o mesmo e de repente, todos os orientandos estavam nervosos. E agora? O que seriam deles? Como lidariam com essa nova situação? Seriam eles capazes de vencer mais esse obstáculo que surgia? Bem, não tinham muitas escolhas, precisavam conseguir.

— Primeiro, se acalmem. – o orientador chamou a atenção para si, tentando sossegar os ânimos. – Segundo, me mostrem o que vocês fizeram para que possamos nos organizar melhor.

Os estudantes calaram-se e tentaram relaxar novamente os corpos sobre as cadeiras, depois fizeram o que foi pedido e finalmente o professor Cabeça de Batata pôde apontar as melhorias e o que eles estavam fazendo certo em seus escritos.

— Eu entendo que vocês estão se sentindo pressionados e que as coisas não estão acontecendo da forma que tínhamos combinado, mas se vocês se dedicarem exclusivamente ao TCC nessas próximas semanas, vai dar tempo de terminar. – o tubérculo tentava animar seus orientandos, pois sabia o quanto algumas palavras de consolo podiam funcionar em momentos como o que estavam vivenciando. – Tenho certeza também que vocês podem produzir trabalhos com boa qualidade, mesmo nesse curto espaço de tempo. – sorriu e se levantou, encaminhando-se para a porta da sala de estudos. – Agora terminem esse capítulo e me tragam o segundo na próxima semana.

Por fim, ele acenou e falou uma despedida qualquer antes de sair.

— Ele acabou de dizer “Até mais”? – perguntou Milombra, espantadíssima.

— Aham... – resmungou Shizune, tão besta com a situação quanto à colega.

Os outros também pareciam surpresos com aquela nova perspectiva de fim de orientação, mas logo tiveram suas atenções demandadas para o fato de Papa Léguas, Número Nove e Flash praticarem sumirem de suas vistas, devido à alta velocidade com a qual saíram correndo da sala. Aparentemente resolveram seguir o conselho do orientador de terminar logo o trabalho.

Durante aquele último mês de encontros com o professor Cabeça de Batata, os alunos dedicaram-se tanto ao TCC que alguns chegaram a não ir trabalhar em seus empregos ou faltar o estágio, além de outras atividades que não foram executadas por não ser exatamente prioridade naquele momento. Foi difícil, claro, muitas noites de sono perdidas, descanso e boa alimentação negligenciadas, mas no fim, conseguiram! O orientador os felicitou no dia da entrega final, orgulhosíssimo por vê-los cansados, contudo felizes com o resultado de seus esforços e admitindo que valera a pena toda a dedicação daqueles últimos dias. Aos seus olhos, pareciam brotinhos que tornaram-se árvores frutíferas.

— Agora, o mais importante! – exclamou a Papa Léguas, enquanto o professor empilhava todos os trabalhos entregues. – Marcar a nossa confraternização!

Todos começaram a falar ao mesmo tempo, empolgadíssimos. Flash e Shizune se ofereceram para tocar, Alice, Milombra, Jessie e James de levar a bebida e os outros de levarem a comida e arrumarem um local para a festa acontecer. O orientador apenas olhava para seus brotinhos e já começava a sentir falta deles, haviam sido encontros e tantos durante aquele tempo que ficaram juntos. Assim como muitas vezes ele mesmo falou, “o que importa não é a quantidade, mas a qualidade” e aquelas “desorientações”, nome carinhoso que o grupo dera para os encontros semanais, tinham sido intensas para todos. Eles haviam ensinado e aprendido. Construído territórios juntos.

No fim daquele ano, o saldo resumia-se a uma tentativa falha de retirar o TCC da grade curricular, devido ao fracasso que a prova colegiada havia sido com a quantidade absurda de notas baixas, mesmo com os esforços de todo o corpo estudantil de fazer a experiência dar certo; e boatos de que o professor Cabeça de Batata tinha pedido demissão porque fora recrutado para ser membro da Sociedade secreta dos super filósofos viajadores das drogas pensativas. Uau, que honra!

Qual a moral dessa história? Esperem tudo e nada da experiência de construir um trabalho de conclusão de curso. Ah sim! Também sempre salvem seus arquivos em várias mídias, além da internet, porque nunca se sabe quando um computador pode queimar ou um pen drive ser perdido. Conselhos de uma pessoa que ainda possui um fio de juízo na cabeça após escrever um TCC.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Principalmente quem ainda não fez o tão temido trabalho de conclusão de curso. Deu pra entender o drama pelo qual todo universitário passa? Pois é, galerinha... É isso aí :''')
Dúvidas sobre os termos esquisitos, podem perguntar, tá bem? Enfim, até a próxima! o/

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