Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 21
Capítulo 21 – Um dia no tribunal




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Capítulo 21 – Um dia no tribunal

Ir até seu destino não seria fácil, porque Severus/Morte não tinha permissão de ir até lá. Então ele foi ao Purgatório e, da forma mais discreta possível, ele procurou por um intermediário e pediu uma reunião. Ficou acertado.

— Ora, ora, ora. - A voz soou tão convencida quanto o sorrisinho no rosto da entidade. - Vejam quem está aqui. Thanatos em pessoa. Eu me sinto honrado.

Severus rangeu os dentes.

— Eu teria ido ao seu covil, mas isso não foi possível.

O sorriso de Satã só aumentou, revelando muitos dentes.

— Que pena, não é mesmo? Você poderia ter visto seu lar para a eternidade. Mas não importa. Entendo o motivo pelo qual deseja segredo.

— Você sabe o motivo de minha vinda.

— Suponho que você vá implorar— disse ele, com desprezo.

— Achei que você preferiria negociar.

— Negociar? O que você poderia me oferecer que eu ainda não possuo?

— Você sabe o que eu quero.

— Sim, com certeza eu sei. Mas o que você tem a me oferecer que eu ainda não possuo?

— Eu lhe darei minha alma - garantiu Severus se maneira tensa.

— E qual é o negócio?

— Você reconhece o seu truque e desiste da alma dela. Liberte-a por toda eternidade.

Satã riu-se da maneira mais abjeta.

— Sabe, Severus, eu sempre o considerei um sujeito inteligente. Por isso é que não acredito que vou perguntar pela terceira vez: o que você tem a me oferecer que eu ainda não possuo? Porque, até onde eu sei, eu já tenho a sua alma, bem como a dela.

Severus não se abalou.

— Isso não é verdade, e você sabe. Não precisa fingir. Até onde eu sei, você só tem expectativas, e eu lhe ofereço certezas. E, numa demonstração de boa-fé, não vou mencionar suas inclinações para traição, trapaça, mentiras e perfídia. Confio que vá manter sua parte na barganha.

— Agradeço muito - disse Satã, sem sinceridade. - Mas não vejo sentido em fazer este negócio. Ainda vejo duas almas amaldiçoadas em meus domínios. Talvez não hoje, nem amanhã, mas no futuro. Diferentemente de você, eu tenho uma visão mais ampla. - Satã abandonou a farsa de sujeito simpático e tornou-se agressivo e desafiador, quase colérico. - Você vai ser meu no final, Morte. Mas a Deliciosa? Ela já é minha.

Enraivecido, Severus cuspiu:

— Ela jamais será sua!

A Encarnação do Mal voltou a sorrir, dizendo:

— Ah, posso sentir: ódio. Eu adoro o cheiro de ódio de manhã cedo. Além do mais, você deveria repensar sua estratégia. Se ela for lá para cima por toda a eternidade, vocês ficarão separados, já que você certamente vai para baixo, meu amigo. Mas se eu tomar a alma dela, vocês dois estarão no mesmo lugar. Vocês podem ficar juntos. Sev, meu bróder, eu estou lhe fazendo um favor! Fala aí: eu sou ou não sou um cara legal?

Severus rosnou:

— Você vai se arrepender. Eu prometo. Não vou esquecer isso.

A única reação de Satã foi uma gargalhada sonora e um aceno, antes de dizer:

— Vejo você no tribunal, cara!

E então ele sumiu, deixando um cheiro pútrido atrás de si.

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— Como vai ser essa audiência? - Severus viu a tensão de Hermione quando ela fez a pergunta.

— Você precisa se acalmar - disse Mãe Natureza. - Uma audiência não é um julgamento. Observadores celestiais estarão presentes para assegurar que tudo seja justo.

Chronos lembrou:

— A Senhora Justiça em pessoa estará presidindo os trabalhos, então não haverá necessidade de advogados de defesa ou acusação. Tudo está sendo programado para ser justo, simples e rápido.

Severus disse:

— Tem uma coisa que me incomoda. Hermione é acusada de corromper a Fonte da Vida, mas ela não sabia nada a esse respeito. Ainda assim, ignorância da lei não serve como desculpa para desobediência da lei.

Mãe Natureza assentiu:

— Isso é verdade. E não sei como ninguém nunca disse isso a ela.

Hermione explicou:

— Como meus aspectos-irmãs não podem entrar no Vácuo, elas não saberiam a esse respeito para me falar.

Severus tentou aplacar sua ira ao dizer:

— Bom, alguém deveria ter dito a ela.

Gaia virou-se para ele, observando:

— Temo que isso agora seja imaterial. - Então ela se dirigiu para Hermione. - Podemos treinar você adiantando prováveis perguntas e ensaiando uma linha de defesa razoável. Por exemplo, você provavelmente vai alegar que Satã a atraiu para cometer o crime.

— Isso é verdade - confirmou  Hermione. - Eu estava cuidando da minha vida, na verdade, estava fazendo meus deveres, e ele apareceu, sugerindo fazermos sexo.

— E você não achou estranho?

— Sim, e falei para ele. Ele apenas disse que gostaria de tentar coisas novas. Eu perguntei se havia regras contra isso, e ele não me respondeu; só desconsiderou minhas preocupações. Ao ver a reação dele, pensei que não houvesse problemas, e concordei.

Chronos fechou a cara.

— Espere aí. Você pensou que podia haver regras? Mas acabou de dizer que não conhecia as regras.

— Eu estava mais preocupada com atentado ao pudor, ou outro delito menor. Certamente não em conspurcar a Fonte da Vida - ela respondeu. - Eu não fazia ideia de que isso fosse um pecado capital.

Severus disse:

— Ela foi enganada para cometer um pecado. Isso não é o suficiente para anular as acusações?

Mãe Natureza repetiu:

— A ignorância da lei não pode ser usada para desculpar a quebra da lei.

Chronos deu de ombros.

— O velho demônio provavelmente vai alegar que ela não foi forçada a fazer nada que não quisesse. É assim que ele age: ele faz as pessoas implorarem a ele por coisas que vão amaldiçoá-las.

Gaia disse ao aspecto jovem do Destino.

— Acho que podemos presumir que você continuaria a fazer o ato mesmo sabendo que era ilegal.

— Mas ele não era Severus! - argumentou Hermione. - Eu jamais faria aquilo com outra pessoa. Nem lá, nem em qualquer lugar!

— Então, você teria feito de qualquer jeito se Severus lhe pedisse - mesmo que fosse ilegal, não é?

— Severus jamais me pediria para fazer algo ilegal! Ele é um homem bom!

Gaia foi gentil, mas firme:

— Mas se ele pedisse, você atenderia seu pedido?

Ela corou.

— Sim. Se fosse Severus, eu não negaria a ele esse desejo.

Chronos franziu o cenho.

— Aquele lugar é tão escondido. Como alguém poderia descobrir?

Severus respondeu:

— Um pecado grave imediatamente mancha a alma. Ninguém pode esconder seus atos errados de si mesmo. Na contabilidade da alma, tudo isso é revelado.

Mãe Natureza acrescentou:

— Também devo dizer que uma das habilidades do meu cargo é o alerta instantâneo de qualquer corrupção de recursos naturais e também sobrenaturais. Quando a Fonte de Vida se corrompeu, eu fui imediatamente atraída para o local.

Chronos ficou impressionado.

— Você tem conhecimento de todo ato de corrupção, mal uso e poluição dos recursos naturais?

— Sei de tudo.

— Isso é impressionante. Os mortais sabem disso?

Ela ponderou por dois segundos antes de responder:

— Estou quase certa de que, embora alguns deles tenham uma forte intuição a esse respeito, apenas um punhado deles é capaz de sentir. Mas a vasta maioria prefere ignorar isso.

A Encarnação do Tempo ergueu as duas sobrancelhas, cada vez mais admirado. Exasperado, Severus pediu:

— Podemos nos concentrar no assunto presente, por favor? O que podemos fazer para ganhar o caso?

Com dureza, Gaia declarou:

— Não há certeza de vitória. Um pecado foi cometido, não há como negar. A melhor opção Clotho é dizer a verdade e lidar com as consequências.

— Eu tenho certeza, Mãe - disse Chronos - que ela não terá a opção de mentir na audiência.

— Por que diz isso?

— Justitia é a incorporação da justiça na sua forma mais pura - lembrou ele. - Ela com certeza recrutou ajuda da Encarnação da Verdade. Esta é uma das razões pelas quais Satã está tão irritado com a audiência. Ele não será capaz de contar mentiras deslavadas. Mas a verdade pode ser distorcida. E ele é mestre nisso.

Hermione empalideceu ao ouvir estas palavras. Severus viu sua angústia e garantiu:

— Farei de tudo para resolver isso, ouviu? Tudo, meu amor.

Ela sorriu.

— Obrigada, Severus.

Severus sorriu de volta, imaginando se e como ele poderia cumprir o que acabara de prometer.

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Finalmente o grande dia chegou. Grande era uma palavra muito apta, porque as preparações foram extensas. Chronos foi chamado para suspender o tempo e permitir que todas as encarnações pudesse comparecer aos trabalhos. A Encarnação da Verdade, chamada Veritas, colocou um laço sobrenatural ao redor do Salão para que ninguém pudesse mentir na tribuna.

A bem da verdade, não havia tribuna. O salão redondo preparado para a audiência tinha uma mesa mais alta com três assentos (dois observadores e a juíza), no centro. Formando um T perfeito com a mesa do juiz, havia uma longa mesa retangular com quatorze lugares divididos em duas fileiras de sete assentos cada uma, e uma  fileira de frente para a outra. Ao redor dessas mesas, um anfiteatro circular foi arranjado para acomodar a plateia.

Era uma aglomeração e tanto nas galerias. Espíritos errantes, encarnações menores, estafetas e burocratas de vários níveis no Purgatório, todos correram para assistir ao momentoso evento. Nunca antes houvera uma contenda judicial entre uma das duas entidades maiores e uma das maiores Encarnações da Imortalidade. Aquele era considerado provavelmente o fato do milênio, perdendo apenas para o Fim dos Tempos, é claro. Mas todo mundo pensava que o Armageddon seria muito chato em comparação a isso.

Severus estava desolado pelo modo como ambos os lados estavam dispostos. Eles iriam se encarar um ao outro, num confronto contínuo. Ele se sentou ao lado de Hermione, que tentava aparentar calma, embora Severus soubesse que ela estava frágil e vulnerável. Gaia se juntou a eles na mesa, e Chronos também.

E aí entraram Satanás e seu grupo.

Eles eram sete demônios no total. Todos príncipes, como Lúcifer e Belzebu. Severus reconheceu-os como os demônios presidentes dos Sete Pecados Capitais: Lúcifer (orgulho), Leviatã (inveja), Belzebu (gula), Asmodeus (luxúria), Belfegor (preguiça) e Satanás em pessoa, que preside a ira. Eles entraram fazendo um genuíno escarcéu, com gritos e piadinhas em voz alta.

Hermione cochichou:

— Eu pensei que Lúcifer e Satanás fossem a mesma pessoa.

Gaia observou:

— É um erro muito comum. O Diabo se apossa de seus demônios tantas vezes que a humanidade os confunde. Satanás é também um demônio, aliás. O Diabo jamais se mostra realmente. Como Deus, sua forma verdadeira não pode ser compreendida pela humanidade - por razões diferentes, é claro.

Severus ergueu uma sobrancelha. Ele também não sabia daquelas informações. É só que ele jamais tinha dado muita atenção à Encarnação do Mal antes disso tudo acontecer.

Uma espécie de gongo sobrenatural soou, e em seguida um aviso:

— Por favor, todos de pé para a entrada da Senhora Justiça, hoje presidindo esta sessão especial in lieu de um Tribunal de Almas. A Meritíssima será assistida por dois observadores, ambos representantes das entidades maiores do Bem e do Mal: Sua Alteza, Príncipe Demônio Belial, o Sem-Valor; e Sua Alteza, Arcanjo Metatron, Chanceler do Paraíso, Príncipe da Presença Divina e Sustentáculo da Humanidade!

O trio adentrou o salão de forma positivamente régia. A Senhora Justiça estava em traje de gala completo, incluindo uma vestimenta grega e uma peruca parecida às usadas pelas cortes britânicas. Metatron estava de camisolão branco, asas e auréola, enquanto Belial usava um estiloso terno preto que contrastava com sua pele vermelha escura e seus chifres retorcidos.

Todos os três se sentaram solenemente na mesa principal. Houve um movimento nervoso nas galerias, agora que a esperada sessão iria começar. A voz sobrenatural anunciou:

— Todos podem se sentar, enquanto Madame Justiça declara a sessão aberta.

As galerias abarrotadas obedeceram à ordem e a Senhora Justiça proclamou:

— Bom dia a todos. Esta sessão está agora aberta para julgar a queixa envolvendo o destino de uma alma. Como envolve uma das Encarnações Maiores da Imortalidade, a justiça será feita mais apropriadamente com uma audiência, ao invés de um Tribunal de Almas. A alma em questão é a parte mortal de Clotho, um dos três aspectos do Destino. O pecado mortal a ser examinado aqui será a conspurcarão da Fonte da Vida.

Houve um burburinho que atravessou as galerias quando ela pronunciou essas palavras. Justiça ergueu a cabeça para calar o barulho e em seguida pegou uma série de pergaminhos. Na cabeceira mais longínqua da mesa alta, Severus notou uma figurinha pequena e frágil digitando tudo: certamente era a estenógrafa da corte, registrando todos os acontecimentos.

A Senhora Justiça continuou:

— Este procedimento vai determinar se esta alma pertence ao Céu ou ao Inferno- Uma gritaria irrompeu dos sete demônios, interrompendo a juíza, que gritou: - Silêncio! - A sala imediatamente se aquietou. - Se a plateia ou as partes forem incapazes de manterem o controle, serei forçada a esvaziar o recinto. Ficou claro?

Os demônios deram de ombros e balbuciaram desculpas insinceras, embora Severus ouvisse nitidamente um deles dizer, "Ah, tá", ou coisa parecida. Ele reparou na juíza: ela parecia bem irritada com eles. Então Severus pegou a mão de Hermione por baixo da mesa, para dar apoio emocional. Ela apertou a mão dele afetuosamente.

Justiça abriu os pergaminhos e dirigiu-se às partes:

— Esta sala de audiências foi selada pelo Tempo, para prevenir a passagem do tempo. Também foi selada pela Verdade, então nenhuma mentira poderá ser pronunciada. - Ruídos debochados vieram dos demônios. - Cabe a mim exarar a sentença. Ela será final e não haverá espaço para apelos ou recursos. Se vocês estão aqui, estão comprometidos a aceitar e a honrar estes termos. Isto está claro, Sr. Réu? - Ela recebeu um "sim" relutante de Satã e virou-se. - Está claro, Srta. Querelante? - Hermione assentiu.

A juíza continuou, dirigindo-se a ambos:

— E é assim que ambos serão chamados daqui por diante. Embora este caso tradicionalmente configure uma queixa criminal, devido à natureza do crime, serão utilizados os processos de uma simples queixa legal, apenas para determinar se esta alma deve ou não ser condenada ao Inferno. Por ser um litígio sem precedentes e sem paralelo, vou permitir uma margem de liberdade, portanto vocês podem pedir leniências durante o processo. Mas não haverá, porém, qualquer margem para a sentença, pois meu veredicto será simplesmente sim ou não. Isso também ficou claro? - Ambas as partes assentiram. - Estas condições já haviam sido discutidas com as partes bem como as autoridades que aqui estão acompanhando os procedimentos. Portanto, se estão todos de acordo, prosseguiremos para a disputa em questão imediatamente.

Uma onda de expectativa varreu a sala, especialmente na plateia. Severus podia ver que eles mal podiam esperar para ver o show começar.

— Chamarei a primeira testemunhas. A tradição manda que a vítima abra os procedimentos. Srta. Querelante, comecemos, pois?

Hermione até se mexeu na cadeira, mas foi interrompida por um grito indignado:

— Objeção, Madame Justiça! Eu sou a vítima aqui!

A audiência ficou boquiaberta diante da alegação de Satã. Madame Justiça o encarou e ergueu uma sobrancelha.

— Verdade, Sr. Réu? O senhor se incomodaria em explicar melhor?

Satã ergueu-se e respondeu, acaloradamente:

— Eu fiz meu trabalho de maneira correta e como tal espero ser recompensado! Ela cometeu um pecado mortal e merece ir para o Inferno! Esta audiência é uma farsa e um desrespeito à justiça sobrenatural! Essa mulher quer se safar de um crime sem ser punida!

Os demônios não gritaram, mas murmuraram alto, apoiando Satã. As galerias também pareciam nervosas. A Senhora Justiça nem sequer piscou.

— Como apontei antes, Sr. Réu, embora este local seja parecido com uma corte criminal, os procedimentos são de um processo civil. Não estamos julgando um assassinato. A Srta. Querelante se queixa de uma trapaça e acha que foi vítima de uma farsa. Esta queixa foi registrada contra você. Portanto, ela é legalmente a vítima. Objeção negada. E, aproveitando o ensejo, eu determino que você deva permanecer sentado o tempo todo. Ficou entendido?

Da maneira mais colérica, Satã voltou ao seu assento, como ordenado, fazendo muito barulho e bufando ruidosamente, mal contendo sua raiva.

Sem se abalar, a juíza virou-se para Hermione e indagou:

— Agora, Srta. Querelante, podemos começar, enfim?


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