Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 2
Capítulo 2 - Desde o início




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Capítulo 2 – Desde o início

A conversa com Dumbledore deixou Severus de mau humor um longo tempo. “Esse bode velho sabe jugar sujo”, pensou. Até Mort parecia um pouco apreensivo sobre seu mestre. Mas Severus não podia evitar.

Dumbledore levantara o exato motivo pelo qual a vida de Severus virara de cabeça para baixo. Velhote intrometido tinha que lembrar o dia em que tudo mudara, o dia em que o mundo enlouquecera.

O dia em que Lily morrera. O dia em que ele se tornara Morte.

Às vezes Severus rememorava os eventos sem sentir coisa nenhuma. Eram as vezes que seus sentimentos estavam amortecidos, quase anestesiados. Mas havia vezes em que a intensidade da dor e do arrependimento pareciam ser insuportáveis.

No dia de Halloween de 1981, Severus correu até Godric’s Hollow após ouvir os planos do Lord das Trevas em derrubar o garoto da profecia. Severus dissera tudo que sabia a Dumbledore. Afinal das contas, só aquele velho seria capaz de enfrentar o Lord das Trevas. Só Dumbledore poderia proteger Lily.

Só que ele não protegeu.

Severus ainda se lembra de suas pernas, mecanicamente levando-o até a casa semidestruída, um fedor de morte no ar. Em seus ouvidos, havia um tipo de zumbido que não tinha nada a ver com o vento frio de novembro que chegava. Não, seus ouvidos estavam surdos para o mundo, como se quisessem se aguçar na esperança de captar o som da voz que ele amava, por mais fraca que estivesse. Havia também o som da corrente sanguínea rumo a seu coração, oh, aquele coração traiçoeiro, que tinha esperança mesmo sem esperança de ver Lily com vida uma vez mais.

Na escada, Severus viu James, os olhos abertos e vazios testemunhando a desolação da casa. Deveria subiu os degraus, rumo quarto do bebê, rumo à confirmação daquilo que ele tinha esperança de que não tivesse acontecido.

E então o coração de Severus se despedaçou em milhões de pedacinhos.

Lily, sua preciosa Lily, jazia morta no chão, bem ao lado de um bercinho onde uma criança se esgoelava de tanto chorar. Severus não deu a mínima para o bebê, pois o choque foi tão forte que ele teve que se apoiar na parede mais próxima. Mas ele não foi capaz de se manter de pé, porque seus joelhos se dobraram por vontade própria. Quando deu por si, ele estava no chão, Lily em seus braços, sua preciosa Lily, sua doce Lily, e ele soluçava, forte e ruidosamente, dor e aflição se esvaindo por cada poro de seu ser.

Severus não sabia dizer quanto tempo ele ficou lá, segurando Lily, tentando enxergar algum sentido no mundo. Tudo que ele sabe era que o amor de sua vida morrera a despeito de todos os seus esforços, a despeito de todas as súplicas para Dumbledore.

Foi por isso que ele foi direto para o bode velho.

— Você disse que os protegeria!

Dumbledore aparentava ser ainda mais velho do que nunca, mas estava calmo - ou seria exausto?

— Eles preferiram depositar sua confiança em outra pessoa.

Severus estava fora de si. Simplesmente não conseguia pensar direito.

— Ela se foi...! Para sempre...!

Dumbledore disse alguma coisa sobre o filho de Lily e como o Lord das Trevas provavelmente sobrevivera, mas Severus não ficou para ouvir. Tudo que ele sabia era que Lily morrera porque ele tinha ouvido aquela maldita profecia e dissera ao Lord das Trevas. Severus implorou que ele a poupasse, mas então ele de deu conta que o Lord não considerava Lily digna de ser salva por causa de sua herança Muggle. Então ele tinha ido até Dumbledore, e o velhote fracassara. E agora ele vinha pedir favores? Como ele ousava pedir que protegesse o menino? O garoto era o motivo de Lily ter morrido!

A culpa consumia Severus por dentro de uma maneira que ele jamais sentira antes. Ele tentou avaliar aa perspectivas.

O Lord das Trevas estava morto, e seus seguidores tinham sumido ou se escondido. Severus precisava manter a cabeça no lugar para não cair em Azkaban, já que ele poderia muito bem ser apontado como um Death Eater. As probabilidades de sobreviver eram escassas e as melhores significavam vender-se numa aliança com Dumbledore. Viver o resto da vida sob a batuta do bode velho não era algo que ele estivesse disposto a considerar. Severus ainda teria um mestre, alguém que praticamente seria seu dono. Ele vivera uma vida deste tipo sob a correia do Lord das Trevas. Ele não tinha razão para supor que Dumbledore seria diferente. Uma vida assim não valia a pena ser vivida.

Com sinceridade, Severus simplesmente não queria mais viver.

Como seria a vida sem Lily? Como seria o mundo sem Lily? Por que Severus teria qualquer vontade de viver num mundo sem Lily?

As respostas a essas perguntas não eram promissoras, e ele vislumbrava suas perspectivas, em geral como bem desoladoras. Sua pobre mãe se fora. Ele não tinha família. Ele não tinha amigos em quem confiar, pois eles também estavam fugindo, e Severus sabia muito bem que não existia nem honra nem generosidade entre seus colegas. Não havia simplesmente ninguém a quem recorrer.

E a ausência de Lily...

Foi com grande dificuldade que Severus encarou o que ele percebeu como sua única opção: autodestruição. Não era uma opção fácil nem simples. A dificuldade era que a magia proporcionava aos bruxos ainda mais energia de autoconservação. Matar um bruxo requeria tremendos níveis de energia, e era por isso que suicídio bruxo era praticamente inexistente.

Para Severus, porém, este imenso esforço era perfeitamente desejável e coerente com sua vontade de morrer. O doce esquecimento era um objetivo muito elevado em sua existência pífia.

Num momento de vaidade, ele usou um feitiço de sua própria lavra.

— Sectumsempra!

Sangue começou a jorrar de seu corpo à medida que o terrível encantamento se apossava dele. Não demoraria muito até ele estar num ponto sem retorno e a morte recebê-lo em seus braços.

Severus usou os últimos momentos de sua vida para cogitar a existência de uma vida após a morte. Ele não acreditava naquilo, então ele pensou que seria melhor relembrar os momentos mais felizes de sua vida miserável: os momentos passados ao lado de Lily. Seu cabelo avermelhado, seu sorriso franco, sua alma límpida... Tudo parecia tão presente para ele, os tempos em que eles eram amigos. Ele era tão escuro e sua vida tão triste, e Lily fora a melhor coisa que lhe acontecera. Mas agora ela se fora.

Se existisse uma vida após a morte, ele gostaria de poder estar perto dela. Porém, de acordo com os atos da vida que ele estava para deixar, o destino de sua eternidade dificilmente ficava no Paraíso.

Ele podia sentir sua consciência já falhando... Talvez não demorasse muito agora.

E então, no momento em que ele agonizava, pelo canto do olho, ele viu um capuz negro.

Um Death Eater.

"Eles me acharam", pensou ele, alarmado.

A figura se aproximou dele, e Severus estava tão fraco pela perda de sangue que não reconheceu o homem. Mesmo que conseguisse saber quem era, Severus não seria capaz nem de chamar por ele. Ele estava pior do que pensava. Sua varinha ainda estava em sua mão, mas ele não tinha certeza de que seria capaz de usá-la.

O vulto encapuzado tinha um ar misterioso sobre si mesmo, e Severus repentinamente deu-se conta de que aquele não era um Death Eater. À medida em que ele se aproximava, Severus podia ver suas feições – ou melhor, a falta delas.

Ele viu uma caveira no lugar de um rosto. Não havia carne, olhos ou pele. Mas a criatura parecia olhar diretamente para ele.

De repente, num clarão de lucidez (ou de alucinação), ele entendeu. Era a Morte, vindo recolher sua alma.

O insight o fez perceber que lá no fundo ele não tinha desejo de morrer. Contudo, pela quantidade de sangue que ele perdera, podia ser tarde demais para mudar de ideia.

E a Morte se aproximava.

Tudo se tornava surreal demais a essa altura, e Severus já não tinha consciência exata da sucessão de eventos. Mas ele se lembrava do quão perto a Morte estava dele quando, num último fôlego, ele virou a varinha bem no rosto da criatura e pronunciou, o mais claramente que conseguiu:

Avada Kedavra!

A luz verde atingiu a cabeça do esqueleto como uma bala, despedaçando a maior parte da caveira. A Morte não tinha chance de sobreviver a tamanho impacto, e foi ao chão como se fosse um saco pesado de batatas. Sangue escorreu pelo chão, em silêncio.

Dizer que Severus estava apavorado era minimizar a situação. O que acontecera? A criatura morrera? Ele a tinha matado?

Pelo amor de Merlin, ele tinha matado a Morte!

A porta se abrira novamente. Uma mulher na casa dos cinquenta anos entrou na sala de estar dos Snape, olhou a cena tétrica e disse:

— Muito bem, vamos começar.

Ainda em choque, Severus balbuciou:

— E-Eu a matei... Eu matei a... Morte...!

Sem se abalar, a mulher se pôs de joelhos, examinando o corpo, e confirmou:

— Isso mesmo, rapaz, e agora você se tornou a Morte. Parabéns pelo novo emprego. Agora pode ficar de pé e me ajudar com o manto. Não vamos querer que ele fique ensopado de sangue, não é?

A mulher tinha um ar de tanta autoridade que jamais ocorreu a Severus não obedecer. Mas ele ainda não conseguira absorver uma coisa que ela dissera:

— Peraí, como assim, agora eu sou a Morte? E quem é você?

Os dois estavam retirando juntos a capa do defunto. Era um tipo de roupa preta pesada, que exalava a magia. A mulher não parou o que fazia para explicar:

— Eu sou Destino, você é Morte, e eu entendo que você deve estar confuso agora, mas não temos tempo para papear. Daqui para frente, você será o guia das almas rumo ao Céu ou ao Inferno.

— Eu sou o quê?!

Severus sentia que o que estava acontecendo, fosse o que fosse, NÃO podia estar acontecendo com ele.

— Você vai guiar as almas para a vida após a morte. Por favor, preste atenção.

— Eu? Por que eu?

Ainda sem parar o que fazia, a mulher respondeu, falando rapidamente:

— Porque você matou a Morte. É assim que funciona. Quem mata a Morte vira a Nova Morte. Agora coloque o manto. Enquanto estiver usando o manto, você estará protegido. Nada pode penetrá-lo. Você também fica invisível dentro dele. Ao menos para qualquer um que não seja o cliente, nem envolvido com o cliente, ou uma pessoa muito religiosa ou algum ser sobrenatural extraordinariamente poderoso. Cuide bem do traje, inclusive as botas. Enquanto ele estiver impecável, você será indestrutível. Foi assim que seu predecessor encontrou seu fim: ele se tornou relapso e não fechou o capuz. Algum dia você também vai se descuidar e será morto, aí teremos uma nova Morte.

— Mas por que eu? Não tenho nenhuma qualificação. É uma escolha aleatória?

A mulher agora media o traje da Morte em Severus.

— Acho que vai ficar bom. E embora eu não acredite em uma escolha aleatória, como você sugeriu, não estou preparada para discutir isso agora. Você vai aprender com o trabalho. É sua função até alguém matar você.

Severus foi sarcástico ao comentar:

— E isso provavelmente vai acontecer quando eu ficar velho e perder meus reflexos.

Ela sorriu diante da inocência.

— Velho? A Morte não envelhece. Nem qualquer um de nós nos outros cargos. Envelhecer não cai bem para uma Encarnação da Imortalidade.

— Encarnação de quê?

— Encarnação da Imortalidade - repetiu ela. - Posso ver que você é um daqueles muito novatos. Então preste muita atenção agora. Veja bem: são cinco Encarnações maiores e duas grandes entidades. Morte, Destino, Guerra, Natureza e Tempo cooperam entre si e com Deus e Satanás, mas não estão subordinados a nenhum deles. Se fizermos nosso trabalho direitinho, então tudo irá bem com o mundo. Existimos à margem do mundo, fazendo tudo acontecer de maneira invisível e ordenada.

Severus normalmente não era uma pessoa lenta, mas ele estava com dificuldade para absorver tanta informação junta. Seu silêncio foi interpretado como aceitação, e ela continuou:

— Tire as botas dele também. Elas são impermeáveis a qualquer coisa na natureza e até fazem você caminhar sobre as águas. Nada impede a Morte de chegar até seu cliente.

— Isso não será necessário. Acredito que minha varinha me servirá melhor.

— Oh, que maravilha! - exclamou ela, com grande estardalhaço e ironia. - Um bruxo! Você ouviu o que eu acabei de falar, bruxo? Sua vida acabou. Esqueça. Você não tem mais poderes. Na verdade, você morreu para o mundo. Seja lá quem você tenha sido antes, morreu. Veja ali. A antiga Morte está assumindo suas feições.

Severus se virou e reparou, com grande desconforto, que seu cadáver jazia no chão de Spinner’s End, e metade de seu rosto tinha sido destruída. Poucas situações na vida eram mais perturbadoras do que a visão de seu próprio cadáver bem na sua frente.

A mulher decretou, quase com solenidade:

— Sua antiga vida se acabou.

— Mas então - como-?

Ela estava ficando cada vez mais impaciente e passou uma das botas, ordenando:

— Outras formas de magia vão permitir que você faça seu trabalho. É melhor você começar logo, porque todas as mortes estão suspensas até você começar a presidir seu cargo.

Todas as mortes? – Severus estava estupefato. – Tem mais de cinco bilhões de humanos neste planeta! É impossível eu presidir cada morte que existe! Cada uma delas demora vários segundos, e então-

A cinquentona parecia não estar disposta a ouvir a lenga-lenga dela e o interrompeu duramente:

— Você está perdendo tempo! Eu só aloquei 30 minutos para isso. Deixe-me explicar os detalhes. É claro que você não vai supervisionar cada morte no planeta. Aqueles claramente previstos para irem para o Céu ou Inferno seguem seu caminho para a vida eterna sem sua interferência. O problema é com aqueles indivíduos que têm idêntica quantidade de bons e maus atos e pensamentos. Só aqueles de coração com tons acinzentados recebem uma visita pessoal da Morte.

Severus ficou surpreso com as últimas palavras. Se a Morte veio até ele, então... Ele tinha cinza na sua alma? Mas ele tinha sido um Death Eater, uma pessoa muito má, por definição. Ele deveria ter ido diretamente para o Inferno, por tudo que fizera a serviço do Lord das Trevas.

Destino deve ter visto as dúvidas que ele tinha, porque seu rosto se suavizou quando ela lembrou:

— Você amou uma pessoa e tentou salvar sua vida. Isso conta como boa ação.

Ele sentiu uma mistura de vergonha, culpa e conforto, apesar do remorso que corroía suas veias. Lily...

— Agora vamos indo – apressou ela. – O primeiro cliente que libertar vai abrir o atraso de todas as almas. Desejo-lhe boa sorte, Morte.

Ela foi até a porta. Severus se apavorou:

— Não me deixe aqui! Nem sei como achar os clientes!

— Mort vai ajudar, tenho certeza.

— Quem é esse Mort?

— Oh, não se esqueça da parafernália. – Ela apontou para o cadáver. – Tem o relógio, a foice e outros objetos mágicos que você vai precisar. Eu não sei os nomes específicos, mas como eu disse, Mort pode ser capaz de ajudar nisso tudo.

Severus se abaixou, e com grande repugnância em roubar seu próprio cadáver, começou a retirar a chamada parafernália: o relógio, uma bolsa, um bolso, uma caixa pequena que estava pesada demais para seu tamanho, e não uma, mas duas foices de diferentes tamanhos, ambas a marca registrada do Grim Reaper, o Ceifador Maldito. Ele ainda não tinha certeza do que fazer.

A mulher que era o Destino parecia mais satisfeita.

— Vamos nos ver de novo, claro. Agora tenho a triste missão de dizer a Cronos sobre a partida do velho Thanatos. Ele era grande amigo da Velha Morte. Boa sorte no seu primeiro dia.

E ela saiu porta afora.

Severus ficou sozinho com a Morte morta. Ele não tinha ideia do que deveria fazer em seguida.


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