Um conto de destino e morte escrita por magalud


Capítulo 14
Capítulo 14 - O truque de Ariadne e a jogada de Lúcifer




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Capítulo 14 – O truque de Ariadne e a jogada de Lúcifer

No fim, fazia sentido, Hermione admitiu para si mesma. Como ela ainda estava em período probatório, qualquer erro que ela cometesse no Vácuo poderia ser perdoado. Infelizmente, os outros aspectos de Destino foram extremamente vagos sobre os materiais que Hermione deveria coletar.

Lá no fundo do Vácuo, havia um material, "algum tipo de treco da alma", descreveu Lachesis, a fibra que Hermione deveria coletar e usar para fiar os fios no fuso. Então elas decidiram ir na primeira oportunidade que tinham.

Era também uma chance de praticar aquele troço de viajar com os fios da teia. Hermione foi quem fiou o fio e subiu nele com agilidade. Havia fios de tempo e fios de espaço, num mundo de novas magias que ela adoraria estudar. Também havia o Fio da Vida, o primeiro e único, e esse era o fio que a guiaria dentro do Vácuo.

— Mas por que vocês não podem entrar no Vácuo? - perguntou Hermione, mais uma vez.

É mais uma questão de não conseguir lidar com ele, explicou Lachesis. Nossas mentes não são equipadas para isso. Nem todas as Encarnações conseguem lidar com o Vácuo.

— Quais delas conseguem?

Marte, Gaia, respondeu Atropos. Talvez outros. Não sabemos ao certo.

E Clotho, é claro, disse Lachesis. Marlene costumava pegar seu manto amarelo - o mesmo que você está vestindo agora - e fazer isso pelo menos uma vez por mês.

Ela disse que cada vez ficava mais fácil, acrescentou Atropos.

— Então a primeira vez é a mais difícil - estremeceu Hermione.

Estaremos com você, mas hibernando. Será como tirar uma pequena soneca.

Hermione não tinha certeza se a soneca seria curta nem pequena. Ela pegou o fuso para captar as fibras e começou a trilhar o caminho. Parecia que ela tinha uma longa caminhada à sua frente.

Até o local tinha uma aura vaga. O Vácuo ficava em algum lugar além do Purgatório, não para cima nem para baixo. Apenas além.

— Tem uma floresta adiante - ela disse aos outros aspectos.

Isso é verdade. E é nesse ponto que nossas consciências começam a falhar. Boa sorte, irmã.

E Hermione sentiu as duas outras ficarem em silêncio. Ela estremeceu um pouco internamente e pegou o Fuso Dourado, aquele com o Fio da Vida. Como a heroína grega Ariadne, ela usaria o fio para não se perder dentro do Vácuo.

Era mais complicado do que ela tinha imaginado. Já que o Vácuo não podia ir para cima rumo ao Céu nem para baixo rumo ao Inferno, Hermione presumira que fosse um ambiente plano. Ela estava errada.

As leis da física e da lógica passavam longe daquele lugar. A trilha era constantemente bloqueada por uma floresta de árvores impossíveis cujas raízes cresciam para cima e tinham uma casca própria. A cada passo, o ambiente ficava mais escuro.

Hermione continuava a desenrolar o Fio da Vida do fuso mágico e aquilo continuou por muito mais tempo do que ela previra. Mas ela não tinha intenção de desistir. Aquilo a lembrou da tarefa impossível de resgatar uma das horcruxes de Lord Voldemort do cofre da família Black em Gringotts. Ela fora capaz de fazer aquilo, então ela tinha que ser capaz de fazer isso também.

A trilha estreita ficou ainda mais escura e ainda mais impossível a cada passo, porque ela foi para cima e depois para trás como se fizesse um loop. Hermione olhou para trás e percebeu que na verdade era uma espiral. Mesmo quando ela pensou estar de cabeça para baixo, a espiral prosseguia.

Muito gentilmente (e bem impossivelmente), a espiral foi se transformando numa espécie de riacho. Era fluido, e a mera impossibilidade do fato fez Hermione perceber como eram esquisitas as coisas neste estranho mundo novo. O ambiente escuro não a ajudava nem a se orientar nem a amenizar a sensação onírica do lugar.

Não havia jeito de Hermione conseguir evitar passar pelo riacho estranho, então ela usou o manto para não se molhar. Para seu espanto, o tecido do manto enrijeceu. Ficou completamente rígido. E era a única coisa visível no escuro, por causa da cor amarela brilhante.

"Essa deve ser a resposta: o manto é uma balsa", adivinhou a moça. Mas ela hesitou. Podia a corrente de tornar violenta e aí virar a canoa ou romper o fio, deixando-a totalmente encalhada no coração do Vácuo? Foi quando ela se deu conta de que ela estava usando o Fio da Vida. Ninguém além de Atropos podia cortar o Fio da Vida.

"Que moça esperta você é, Marlene", disse Hermione, com admiração.

E seu barquinho improvisado continuou a correr rio abaixo. Ou acima, aparentemente, pois havia uma espécie de cachoeira de um fluido que não era água, e ela corria para cima. Hermione tentou não entrar em pânico, pois era uma piscina feita de fibras grossas com pequenos pontos brilhantes cintilando por todo o lugar, como se fosse noite e a piscina acima de sua cabeça fosse o céu estrelado. O medo deu lugar à admiração, e ela se vou boquiaberta diante do espetáculo. Era lindo e impossível de descrever.

Foi aquilo que Van Gogh vira em sua mente nos campos da Provence há tantos séculos?

Então Hermione olhou em volta e percebeu. Era ali, era isso. Ali era o coração do Vácuo. E aquela diante dela era a Fonte da Vida, a matéria mais pura. Era aquele material que Hermione precisava para fabricar o fio de vida das pessoas mortais. Ela não perdeu tempo.

Com todo o cuidado do mundo, Hermione recolheu um pouco da substância e a coletou gentilmente no fuso, criando um punhado de fibras como um novelo. Não era tão macio como algodão nem grudento como algodão doce, e certamente era bem maleável para não embaraçar enquanto ela o colhia e coletava no fuso.

Isso é quase divertido, animou-se Hermione internamente. Ela também se sentia muito empoderada por ser capaz de completar tal tarefa. Aquilo lhe deu uma sensação de ser realmente uma Encarnação da Imortalidade. Ela teve vontade de compartilhar o momento com suas duas irmãs de ofício.

Não demorou até que o fuso parecesse apropriadamente completo, e ela declarou a tarefa completa. Agora era hora de voltar para a Morada e ver se o truque de Ariadne com o Fio da Vida funcionara no fim das contas.

Hermione puxou o fio e passou a se rebocar pelo riacho incomum. Quando a trilha sólida reapareceu, ela foi capaz de retraçar o caminho por pontos espiraladas e estradas esquisitas, graças ao Fio da Vida.

Quando ladeiras e aclives se amainaram um pouco, Hermione retornou a seus sentidos normais o suficiente para perceber que havia algo errado. A trilha estreita e escura parecia a mesma, mas a jovem pôde sentir os pelos da nuca se eriçando agudamente.

De repente, havia um homem bem na frente dela, bloqueando a trilha.

— Ora, ora, ora - disse ele, maliciosamente. - Vejam quem é. Mal assumiu o cargo e já está pegando no pesado, jovem Clotho?

Estava tão escuro que Hermione não podia ver direito o rosto do homem. Ele parecia estar de terno, mas a pouca luz não a deixava ter certeza.

— Quem está aí? Como você pode estar aqui?

Ele se riu gostosamente.

— Ah, belezura, você pode ser novata, mas certamente deve saber que não é a única Encarnação capaz de entrar no Vácuo.

— Eu não me lembro de termos nos encontrado antes.

— E esse é um erro que faço questão de corrigir agora, doce Clotho, bem como outros erros cometidos contra mim. Vim limpar meu nome maléfico, ó criatura deliciosa.

Hermione sentiu um choque atravessando todo o seu corpo imortal.

— Satanás...!

O homem nas sombras se curvou diante dela da forma mais dramática.

— Rei de todas as Maldades, Príncipe das Trevas e outros títulos horrendos, em carne e osso sobrenaturais. Sinto-me honrado em finalmente encontrá-la finalmente.

Hermione explodiu de raiva muito reprimida, aos gritos:

— Mas eu não! Seu assassino nojento! Você matou Ron!

O Mais Maligno fez uma expressão debochada de tristeza irônica:

— Ah, sim, o marido sacrificial. Posso oferecer minhas mais insinceras condolências por sua perda?

As palavras e seu tom só deixaram Hermione ainda mais irada:

— Sua barata nojenta! Odeio você, está me ouvindo? Eu odeio você!

Ele não desfez o sorrisinho.

— É claro que me odeia, sua coisinha mais suculenta. Eu sou o Mestre de todo o Mal e das emoções destrutivas. Percebe? Eu influencio as pessoas a vibrarem no mal. E aí está você, odiando a mim com todas as suas forças. Modestamente, estou orgulhoso.

Hermione percebeu que ele tinha razão. Mas o ódio por estar diante do responsável pela morte de Ron era demais para ela. Nojo e ira destilavam por seus poros, e ela espumava diante da Encarnação do Mal.

Ela acusou:

— Você pensou que eu ficaria tão transtornado de dor que eu daria fim à minha própria vida, condenando minha alma ao Inferno.

Satanás teve a audácia de aparentar surpresa. Na verdade, ele parecia insultado.

— Oh, foi isso que os outros lhe disseram? Eles disseram que iriam pôr a culpa em mim, mas ao menos poderiam inventar uma desculpa melhor. Eles realmente acham que eu não sou capaz de um plano mais elaborado?

— Outros? Que outros? Do que é que você está falando?

— Eu já falei: vim aqui para limpar meu maléfico nome. Estou sendo indevidamente acusado pela morte de seu marido. As outras Encarnações conspiraram para matar seu marido e fazer você aceitar o cargo. Obviamente quiseram me culpar. Eu aceitei a culpa porque todos os atos malévolos estão sob minha jurisdição. - Ele deu de ombros. - É meu trabalho.

Hermione estava confusa.

— Não estou entendendo. As outras Encarnações fizeram isso? Por quê?

Satanás deu de ombros e suspirou, com aquele risinho sarcástico.

— Ah, a inocência dos mortais. Deixe-me explicar como são as coisas por aqui, queridinha. As Encarnações podem ser imortais, mas são humanas, com gostos humanos e necessidades humanas. E a maioria é do gênero masculino. Com necessidades masculinas, se é que você me entende.

Hermione não pode evitar corar. Mesmo no escuro, o Príncipe do Mal percebeu.

— Posso ver que você entende perfeitamente o que estou dizendo. Então, quando a oportunidade se apresentou para atrair uma coisinha deliciosa como você para cá, todos participaram. A antiga Clotho já estava, afinal, velha, tendo perdido toda sua inocência e frescor. Ela foi a primeira a agarrar a chance de se livrar dos deveres de cortesã.

— O QUÊ?

Satanás manteve o sorriso irônico.

— Desculpe o palavreado, mas vamos ser sinceros, boneca, mas é um nome bem delicado para a realidade de ser puta. Tenho certeza de que os outros aspectos explicaram que você era a única capaz de atender o pobre Chronos, mas logo o viril Marte lhe fará uma visita, e também o sorumbático Thanatos e aí... Você sabe como são essas coisas.

Hermione estava chocada.

— Cale a boca! Cale essa sua boca imunda!

Satanás parecia totalmente orgulhoso e satisfeito consigo mesmo.

— Você sabe que tenho razão. Todos eles conspiraram contra você, princesa. Vão negar tudo, claro, dizer que foi minha ideia. E já que estou levando a fama, por que não deitar na cama? Ops - será que escolhi as palavras erradas de novo?

— Seu nojento!

— Não precisa ser desconfortável, Hermione - disse Satanás. E de repente ele se transformou em Ron. Seu Ron apareceu diante dela, com seus cabelos ruivos e seus olhos doces e brilhantes, um sorriso nos lábios. E veio até ela com um olhar sedutor. - Você não sente falta dos beijos de seu amado marido, minha Mione?

Foi a gota d'água. Ela surtou completamente. Com um grito, Hermione atacou Satanás usando o fuso como se fosse uma lança.  Ela gritou com uma oitava acima de sua voz:

— Sua criatura do Inferno! Deixe meu marido em paz!

Satanás voltou a ser o demônio de sempre e voltou ao ataque, sempre calmo.

— Você é quem sabe, delicinha. Eu só queria esclarecer os fatos.

— Isso não é verdade! Você matou meu marido!

— Pode continuar tentando se convencer disso, se faz você se sentir melhor, docinho. Mas não pense que eles deixariam passar a chance de ter uma gostosura assim como você para esquentar a cama deles.

— MENTIRA!

— Você é quem sabe. - Ele deu de ombros, imperturbável. - Preciso ir agora. Talvez possamos conversar de novo quando você se sentir mais... sociável. - Ele a comeu com os olhos tão ostensivamente que Hermione estremeceu de puro nojo.

Então ele desapareceu num nuvem de fumaça nauseabunda.

Hermione estava furiosa, magoada, espumando e chorando, tudo ao mesmo tempo. Sua disposição serena de sempre tinha ido para as cucuias.

Aquelas Encarnações..! Estavam todas envolvidas naquele plano horroroso! Ela se sentiu tão traída e desorientada que levou muito tempo até conseguir parar de chorar e gritar para o Vácuo. Então ela se esforçou para tentar se localizar naquele lugar estranho. Finalmente, depois de muitos minutos adicionais, Hermione pôde seguir adiante.

Não demorou muito até os outros dois aspectos acordarem e perceberem que havia algo errado com ela.

Posso sentir que está incomodada, irmã, disse Lachesis com gentileza. Aconteceu alguma coisa?

— Sim, definitivamente aconteceu - disse Hermione, possessa.

Mas ela não falou mais nada até chegarem à Morada. Hermione diligentemente colocou as fibras perto da roca de fiar e depois indagou, acidamente:

— Quando vocês iam me contar sobre a conspiração para matar meu marido?

Atropos detectou a raiva contida, Não estamos entendendo. Nós já lhe falamos sobre o plano de Satanás em obter uma alma.

— Bom - disse Hermione nervosamente -, parece que Satanás discorda de sua versão.

As outras duas ficaram alarmadas.

Você falou com Satã?

Quando? Como?

— Ele apareceu para mim no Vácuo e me contou tudo a respeito de seu plano de matar Ron! - A raiva dela estava de volta, três vezes mais forte.

Nosso plano? Foi isso que ele lhe disse?

Bom, isso é obviamente uma mentira, Hermione, disse Atropos. Você não pode acreditar nele!

— Por que não? Fez muito sentido para mim!

O que ganharíamos ao matar seu marido?, quis saber Lachesis.

— Assim vocês me convenceriam a assumir o posto e permitir que todas as Encarnações masculinas tivessem acesso a meu corpo. Deveres de cortesã, foi como ele explicou.

As outras duas estavam indignadas. É uma grande mentira!, reiterou Atropos. Como pôde acreditar nisso?

Somos mulheres exatamente como você, lembrou Lachesis. Não faz sentido conspirarmos contra você nestes quesitos.

— Faz sentido, sim, já que estes deveres caberiam a mim. - Hermione praticamente rosnou para ela.

Ai, minha nossa, disse Atropos, desanimada. Você acreditou nele. Ele é o Pai de todas as Mentiras e você acreditou nele.

— Vocês podem provar que é mentira? - desafiou Hermione. - Todas vocês disseram que eu teria que cooperar.

Lachesis suspirou. Você foi envenenada por Satã. Posso sugerir que você leve esse assunto até Chronos? Fale com ele, faça-o se explicar. Veja se consegue fazê-lo dizer a verdade.

Hermione estava tão alterada que seu primeiro instinto foi repudiar as palavras de Lachesis. Mas ela percebeu que era uma sugestão realmente lógica. Então ela foi direto para o lar da Encarnação do Tempo.


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