Bela Morta escrita por Eloá Gaspar


Capítulo 31
Capítulo 30




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Para sua frustração não era Ana.

Tiago passou pela porta devagar, ele tinha medo. Não medo de ser expulso por Bruno, ou até mesmo por decepcioná-lo ainda mais por não ser Ana abrindo aquela porta, era medo de ver seu melhor amigo, o irmão que a vida havia lhe dado, totalmente devastado e sem nenhuma ideia do que fazer para mudar isso. Mesmo com todo o medo, Tiago passou pela porta e a fechou atrás de si, e assim que subiu seus olhos para encontrar o que restava de seu amigo, sentiu uma vontade de chorar que não lhe era comum.

— Bruno. - chamou hesitante se aproximando.

— Ela se foi. - aquela resposta não era para Tiago.

Sem falar mais nada, Tiago fez a única coisa que poderia fazer, sentou-se ao lado do amigo, sobre o tapete verde e fofinho, encostou a cabeça no sofá como se procurasse algo no teto, passou o braço pelos ombros do amigo e escutou os soluços virem ao mesmo tempo que apertava os próprios olhos para não chorar.

Tiago era o tipo de homem que não chorava, além de julgar ter uma vida quase perfeita e levar qualquer problema na brincadeira, ele acreditava que demonstrar emoções chorando era algo comum as mulheres. Porém, naquele momento, apesar de todas implicâncias e brincadeiras de garoto, um dos caras que ele mais considerava homem, estava chorando ao seu lado e ele sabia que não existia outra alternativa para ele a não ser chorar.

O chamava de sensível demais, dizia que sua pele e seus modos eram de uma menininha, mas, no fundo, Tiago sabia que não eram essas coisas que definiam um homem de verdade. Um homem de verdade tinha palavra, respeitava as mulheres, corria atrás de seus sonhos e objetivos com honestidade e retidão, todas características que Bruno possuía desde criança e chorar ao seu lado não diminuía nenhuma delas. Então Tiago se permitiu chorar, aquilo não o tornaria menos homem, na verdade talvez o ensinasse a ser mais homem.

— Ela foi embora. - Bruno falou mais uma vez entre soluços.

— Eu sei, mas você vai sobreviver... nós vamos sobreviver. - Tiago estaria ao seu lado para sempre.

Bruno chorou por um longo tempo e Tiago permaneceu ao seu lado em silêncio, já começava a amanhecer quando o choramingo de Bruno tornou-se mais baixo, quase inaudível e logo após só era possível escutar o barulho de uma respiração pesada e cansada, ao mesmo tempo que a cabeça do jovem pendia para o ombro de seu melhor amigo.

Tiago esperou um tempo até que Bruno firmasse no sono, antes de ajeitá-lo sobre o tapete para que dormisse em paz, ou pelo menos, mais em paz que ele conseguisse. Conferindo mais uma vez o sono de Bruno, Tiago se levantou e caminhou em direção ao banheiro sentido seu coração mais pesado que o normal.

xxx

Ana tinha ido até Tiago antes de seguir seu caminho para a rodoviária. A primeira parada dela seria Pinheiral e depois só ela e Deus sabiam. Mas, não era isso que importava no momento. Era sábado e Tiago estava no quintal de casa encaixando uma espécie de suporte para vasos de planta, na parede para sua mãe. Ana havia conseguido o endereço do melhor amigo de Bruno, através do banco de dados da empresa.

Para sorte da ex Bela Morta, que apesar de voltar a sentir, tinha a expressão apagada e pesada até mais do que quando não podia sentir, não precisaria fazer muito barulho para conseguir falar com Tiago, ele estava próximo, muito concentrado em seu serviço para vê-la ali diante do seu portão, mas próximo o suficiente para ser chamado em um tom de voz baixo. Mas mesmo assim, Ana hesitou em chamá-lo, ele provavelmente a odiaria depois que falasse as coisas que vinham a seguir.

— Tiago. - era como um sussurro, não tinha sido algo eficiente.

— O ser humano é falho, hoje mesmo eu falhei - Tiago começou a cantarolar, totalmente alheio a presença de Ana.

— Tiago! - Ana chamou bem mais alto sentindo-se obrigada a continuar.

— Ana? - ele estava surpreso, largou o martelo no chão e andou até o portão com a testa franzida.

— Eu preciso muito conversar com você, mas você tem que me escutar até o final. - sua fisionomia melancólica e combalida ganhou um ar de apreensão.

— Tudo bem, pode falar.

— Eu estou indo embora.

— Como assim indo embora? - a interrompeu descumprindo o combinado.

— Você tem que me escutar até o final, lembra?

— Desculpa, pode continuar.

— Eu amo o Bruno, mas eu não sei até aonde isso vai, ou o quanto sou dependente dele e isso não é normal. Eu preciso ir embora para descobrir quem eu sou, mas tenho medo de como Bruno vai ficar, preciso que cuide dele para mim. - ela se afastou um pouco do portão ao terminar, enquanto Tiago a mirava inexpressivo.

— Você não precisa deixá-lo. - ele tinha medo de como Bruno ficaria.

— Posso e eu preciso.

— Ele já sabe?

— Sabe, eu estou vindo da casa dele, ele não sabe que estou aqui. Você só tem que ficar do lado dele. - ela precisava ter certeza de que alguém estaria segurando a mão de seu amado.

— Eu não tenho que fazer nada! Você que não deveria ir embora! - começou a gritar de repente, fazendo Ana se afastar ainda mais do portão.

— Eu preciso ir. - ela falou por fim, se afastando de vez.

— Você não pode fazer isso! - Tiago gritou, mas ela não deu ouvidos e entrou novamente no táxi que a esperava.

Tiago sentiu seus músculos tencionarem. Como ele cuidaria de Bruno? Como Ana podia fazer isso? Ele sabia como o melhor amigo estava completamente e irreversivelmente apaixonado por Ana, ele sabia que ele estava sofrendo e chorando. Tiago odiava ver Bruno sofrendo e chorando, ele não tinha estrutura para isso, lembrava da vez que o amigo tinha sido atropelado por uma bicicleta na saída da escola e quebrou a perna, Tiago mal podia olhar para o seu rosto sem sentir seu mundo inteiro cair. Ele não ia atrás de Bruno, estava decidido, mas, ao mesmo tempo, ele iria até Bruno, isso era fato.

Tiago terminou seu serviço, fez suas coisas, foi ao cinema com uma garota e sentiu sua cabeça latejar durante todas essas ações. Enrolou mais um pouco, tomou banho, deitou na cama para dormir e sentiu sua cabeça latejar mais forte. Era impossível prosseguir, Bruno era seu melhor amigo, ele tinha que ir até ele, mesmo que isso partisse seu coração.

xxx

Tiago ficou com Bruno todo o domingo, e melhor do que ele pudesse prever conseguiu cumprir sua função de cuidar dele. Bruno parecia deplorável, olhos inchados e perdidos, rosto pálido e abatido, e quando raramente falava a voz saia arrastada e apática.

Na segunda-feira, Bruno estava um pouco melhor, seu semblante ainda demonstrava a derrota de sua alma, mas, pelo menos, conseguira ir trabalhar e isso se devia ao apoio de Tiago. O jovem conquistador, também cumpria a função de despistar Dona Omara, ele sabia que seria muito difícil para Bruno ver a mãe naquele momento, ela tinha sido contra o envolvimento com Ana desde o começo e mesmo que não falasse com todas as letras o famoso "Eu te avisei" ele estaria impresso em seus olhos.

O resto da semana foi lento e monótono, Bruno parecia reagir lentamente, as emoções continuavam a existir na sua vida, afastando o risco de entrar em um coma emocional como Ana e ele parecia cada dia mais conformado, pelo menos era isso que Tiago pensava.

Era sexta-feira, Tiago iria para uma festa com uma nova garota e como de costume convidou o melhor amigo, e como de costume Bruno negou, mas dessa vez Tiago não insistiu, ele sabia que não poderia insistir. Então, Tiago saiu do trabalho indo direto para festa, deixando Bruno seguir seu caminho para casa sozinho, pelos avanços não havia mais chances de Bruno fazer alguma besteira enquanto estivesse só.

Bruno fez um caminho diferente naquele dia, um caminho mais longo e demorado, um caminho onde o obrigava a passar pela igreja que por vez frequentava junto com sua mãe. Não haveria culto naquele dia, mas a igreja estava aberta e sem saber muito bem o que estava fazendo, Bruno entrou.

A igreja era grande e o templo estava completamente vazio, dando a impressão de que ele era apenas um ponto no meio daquele alto e grande lugar. No meio da parede principal, estava presa a cruz enorme e vazia, naquele momento Bruno sentiu seu coração se encher de raiva.

— Qual é o seu problema? - aquela pergunta tinha um receptor bem específico.

Bruno passou no meio das fileiras de bancos, chegando mais próximo do altar e gritou.

— Qual é o seu problema? Acha divertido me ver sofrer? Por que deixou ela entrar na minha vida? E por que deixou ela ir embora? Não é o Senhor que manda em tudo? Por que não fez ela ficar aqui comigo. Se você existe mesmo, traga ela de volta! Agora! - ele gritava com Deus.

— Você é bem corajoso, rapazinho! Ou bem desequilibrado. - uma voz vinda do fundo do templo o respondeu.

Bruno se assustou de tal maneira que tropeçou nos próprios pés e caiu sentado no chão.

— Calma, rapaz! Não é o Senhor. Sou só eu mesmo, o pastor Fabrício, lembra? - o simpático sacerdote informou indo até Bruno e se sentando no banco próximo, enquanto ele permanecia no chão assustado.

— Desculpa pelos gritos. - o rapaz respondeu voltando um pouco a si e se levantando.

— Senta aqui. - Fabrício ofereceu, se afastando da ponta e oferecendo o espaço para Bruno. - Conte-me o que aconteceu. - continuou enquanto Bruno se levantava.

— O amor da minha vida foi embora. - aquilo soou um tanto melodramático, mas realmente não existia uma forma melhor de dizer aquilo.

— Interessante. - o pastor falou simplesmente.

— Interessante? - aquela não era a resposta que Bruno esperava.

— É, não é incomum encontrar pessoas chorando e gritando por terem ficado sem seu grande amor, mas elas normalmente não vêm a uma igreja gritar com Deus sobre isso. - ele parecia se divertir com a situação.

— Isso é divertido para você? Eu estou sofrendo! Ana foi embora, me deixou aqui sozinho e dependente dela. - Bruno começava a se exaltar novamente.

— Eu sei que está sofrendo e não estou me divertindo, só estou achando interessante.

— Isso não é interessante, é triste!

— Pode ser, mas é interessante sim. Contudo, eu acho que você não veio aqui discutir comigo se isso é interessante ou não.

— Eu nem sei porque eu vim até aqui. - confessou abaixando a cabeça.

— Porque está perdido. Me conte mais sobre o seu amor que partiu. - Bruno considerou o pedido por um tempo antes de respondê-lo.

— O nome dela é Ana, eu a conheci no trabalho, ela não tinha emoções e eu acabei entrando em uma corrida louca para recuperá-las, eu até caí de um telhado para isso, ela chegou a me agredir, e quando tudo foi resolvido e achei que ficaríamos juntos para sempre ela foi embora. Em- bo -ra. Depois de tudo que eu fiz para ficarmos juntos. - não precisava ser esperto para saber que ele estava revoltado.

— Bruno, você sabe o que significa o amor? Quer dizer, o que significa o amor para nós aqui da igreja? Sei que você vem de vez em quando aqui na igreja, mas não sei até onde é vontade própria ou o incrível poder de persuasão da sua mãe. - Fabrício conhecia bem Dona Omara.

— Eu venho porque quero, já devo ter ouvido falar sobre essa definição de amor. Mas aonde você quer chegar com isso? - Bruno não parecia ver muito sentido no rumo daquela conversa, mas para sua defesa desde que Ana fora embora, ele não via muito sentido em nada.

— Bem, a Bíblia diz em I Coríntios 13. 4-8, "Quem ama é paciente e bondoso. Quem ama não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Quem ama não é grosseiro nem egoísta; não fica irritado, nem guarda mágoas. Quem ama não fica alegre quando alguém faz uma coisa errada, mas se alegra quando alguém faz o que é certo. Quem ama nunca desiste, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência. O amor é eterno." Tem traduções que falam que "O amor é sofredor e que ele tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta."

— Você vai mesmo recitar a Bíblia para mim.

— Eu sou um pastor, o que você esperava? Que eu recitasse o Kama Sutra? E qual o problema? Não gosta da Bíblia? É um ótimo livro, contém boas respostas, quer dizer livros costumam conter respostas, tipo 42.

— 42? - Bruno estava bem perdido sobre o rumo daquela conversa.

— É, a resposta sobre o Universo e tudo mais. - Fabrício tinha um ar leve e um pequeno sorriso nos lábios, mas não parecia deboche.

— Guia dos Mochileiros das Galáxias?

— Exato, uma resposta de um livro. Livros contém respostas, mesmo que muito dos seus fãs distorçam isso e criem antipatia nas outras pessoas, os livros sempre conterão respostas. A Bíblia sempre terá uma das melhores definições de amor, mesmo que seus "fãs" sejam extremamente insuportáveis por vezes. - aquilo começou a fazer sentido para Bruno.

— Mas já que essa é a definição de amor, isso não parece justo. Sofredor, sofre e espera com paciência. Isso não é justo! Eu tenho que sofrer pela falta dela e esperar ela se decidir, como se eu fosse um brinquedo que espera seu dono voltar a ter interesse por ele? Isso não parece divertido.

— Sabe por que Katniss se tornou símbolo da revolução? Porque antes de acreditarem que ela conseguiria vencer a Capital, ela acreditou mesmo que não totalmente, que ela era capaz de vencer a Capital. E sabe por que Tobias conseguiu fazer todo mundo acreditar que era um divergente, mesmo não sendo? Porque ele acreditava que podia ser muito mais do que haviam determinado a ele geneticamente.

— Jogos Vorazes? Divergentes? Sério?

— Não entendo sua implicância com minhas referências. Mas, isso não importa agora. Voltando para Bíblia, já ouviu falar de amar o próximo com a ti mesmo?

— Claro, todo mundo já ouviu falar.

— Repare que para amar o próximo, você tem que amar a si mesmo. Ninguém vai acreditar em você, ou você vai acreditar nos outros como deve, se você não acredita em si mesmo. Da mesma forma, ninguém vai te amar e nem você vai amar alguém da maneira correta, se não amar a si mesmo.

— Acho que estou começando a entender.

— Ana foi atrás de seu amor próprio, de se autoconhecer e você deveria fazer o mesmo. - Bruno sabia que Fabrício estava mais do que certo.

— Você está certo, mas como sabe que ela foi fazer exatamente isso. - para Bruno ele tinha ouvido pouco da história para saber disso com tanta certeza.

— Talvez sua mãe tenha gritado algumas reclamações comigo, enquanto seu melhor amigo te ajudava a fugir dela. - e pela primeira vez desde que Ana fora embora, Bruno soltou uma curta risada.

— É a cara dela. E obrigada pela conversa, isso me ajudou muito, mesmo sem eu saber direito o que vou fazer agora.

— Bem, eu tenho duas alternativas para você. Primeira, encontre o seu real amor próprio e peça a Deus, já que você me pareceu acreditar no poder dele enquanto gritava, para ficar apenas com as boas lembranças sobre Ana e encontrar um novo grande amor. Segunda alternativa, encontre o seu real amor próprio e peça a Deus que um dia ela volte e vocês possam se amar da maneira correta, sabendo que são seres independentes que não precisam realmente um do outro para viver, mas se amam muito e pretendem ficar o resto da vida juntos. - concluiu com tom romântico.

— Eu acho que já fiz a minha escolha... Eu me sinto cansado e dolorido demais, não posso continuar com essa obsessão.

 


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