A Cor Que Me Traz Dor escrita por My frozen heart


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Um quarto cinza. Cinza. Cinza. Cinza. Diferentes tons de cinza cobriam tudo. As paredes, o chão, os objetos e até mesmo a garota. Confusa. Ela não sabia como prosseguir, aquelas simples palavras, aquelas pequenas imagens, tudo havia jogado ela num mundo completamente novo com nada além de um guia em branco.

“Não te amo mais.”

Os mesmos lábios que um dia entraram em contato com os dela agora soltavam aquelas pequenas palavras. Olha de pena. Era tudo o que ele tinha em seu rosto. Ele sabia que não havia escolha então decidiu ser sincero e simplesmente virou as costas pra ela em silêncio. Insistir foi inútil, ela se agarrou em pequenos e inúteis argumentos e os protegeu com a própria voz rouca até que fossem destruídos. Ele tinha um arsenal enorme de motivos nada clichês, porém repetitivos, nenhum deles envolvia ela ter mudado ou até mesmo amar outra. Ele manteve-se firme em cima das próprias palavras: “Não te amo mais.” e assim o assunto se encerrava mais uma vez.

A primeira conversa que eles tiveram aconteceu em um cinema, ela havia marcado um encontro com um garoto e ele com uma garota, todos os quatro eram da mesma escola e todos se conheciam de vista. Ele tinha corpo encurvado, voz rouca, olhos baixos e cabelo espetado que pareciam completamente fora de controle. Ela, por sua vez, tinha a posição direita, voz animada, cabelo curto como o de um garoto. Eram completamente diferentes dos que eles esperavam para o encontro, mas naquele breu em que o cinema se encontrava antes do filme começar eles simplesmente concordaram em voz baixa que estavam em um encontro. O mal entendido só foi notado ao final do filme, quando as luzes foram acesas e ela se virou com voz alta para comentar sua cena favorita, não era ele quem deveria estar ali. A primeiro momento ambos tiveram um acesso de fúria, algo como “Vocês são amigos e combinaram isso para me enganar?” ou até mesmo “Eu perdi o encontro da minha vida”, mas terminaram rindo daquela situação, os esperados sequer estavam naquela sala. Se tinham ido embora por não se encontrarem ou se simplesmente não foram ficou fora do conhecimento deles, e eles nem chegaram a cogitar alguma dessas opções.

Logo descobriram ter o mesmo gosto por filmes e então se uniram, voltaram ao cinema várias vezes como amigos, mesmo que no fundo desejassem que aquilo fosse diferente. Seus assuntos eram sempre completamente aleatórios, então nunca chegaram a realmente comentar um desses filmes que haviam visto juntos. A memória que mais rolava por sua mente, completamente vívida, foi do segundo filme que viram juntos depois de se conhecer. Estavam em um silêncio agoniante antes do filme começar, então, ela aleatoriamente comentou: “Você sabia que nós não somos uma geração desbotada?”
“Minha irmã disse que eu nasci na era em que nenhum tem cor viva.”
“Todos são até o momento que conseguem finalmente se colorir novamente com um forte sentimento.”
“Qual seria esse sentimento?”
“Amor. Depois que você encontra o amor, só desbotará novamente quando passar a ignorar ele.” Foi como ela finalizou a única conversa daquele dia.

Num desses filmes ela contou que amava ele, sua resposta foi um simples: “Aham, eu também te amo”, afinal, ambos já tinham conhecimento daquele fato, só aguardavam que alguém tomasse coragem para falar. Terminaram o filme e voltaram para casa como sempre fizeram, para no dia seguinte darem o primeiro beijo de suas vidas parados na frente do portão da escola, bloqueando o caminho. Seus colegas não reclamaram, apenas ficaram parados alguns do lado de fora e outros dentro encarando a cor que deslizava lentamente sobre eles. Uma cor de pele vívida, olhos vívidos, cabelos vívidos, cores brilhantes. O relacionamento se desenrolou rapidamente, sem vergonha ou, até mesmo, surpresas. Passaram o colegial e a faculdade juntos, ambos fizeram a mesma faculdade e até mesmo encontraram empregos no mesmo prédio. Eles lentamente se tornaram dependentes um do outro, não havia desconfiança e qualquer desavença era resolvida com algumas piadas seguidas de uma conversa calma. Todos os dias levantavam juntos, iam dormir juntos e comiam juntos.

Logo ele começou a perceber que aquela dependência chegava a ser assustadora, que na falta de um o outro ficaria sem rumo e perdido.
“Precisamos desgrudar um pouco.”
As palavras doeram como um soco para ela. Sim, o relacionamento era sustentado pelos dois, mas ela parecia estar com a ponta mais leve, dependendo dele para carregar o resto. A recusa veio logo depois, seguida de gritos, lágrimas e um emaranhando de sentimentos. Eles faltaram no trabalho por quase uma semana, ambos com atestados que ela tirou de “Deus-sabe-onde”, trancados naquela casa. Apenas aquela pequena ideia tinha tirado a vontade dela de até mesmo se mover sozinha, algo como “Eu dependo completamente de você” e ele a carregava pela casa toda assim que percebia alguma necessidade. Claro, era uma simples birra. Logo ele retirou o que disse, não aguentava mais testemunhar aquilo de perto. A alegria dela recarregou novamente a rotina da qual eles já haviam se enjoado.

De volta ao trabalho surgiu o planejamento de um filho, ela queria e insistia em querer dizendo que era o que faltava para mudar aqueles dias repetitivos. Ele tentou enfiar um não na garganta dela, mesmo sabendo que seria vomitado logo em seguida. As discussões pouco a pouco se tornaram mais intensas até o ponto final, onde ele disse que não era a rotina que o enjoara, e sim, ela. Disse tudo o que realmente estava prendendo, que estava cansado dela, de seus dramas, de sua dependência e até mesmo de tudo o que tinha feito até aquele dia.
“Mentiroso. Mentiroso. Mentiroso. Mentiroso. Mentiroso” foi o que ela pronunciou por vários minutos, mesmo sendo em vão.
“Eu não te amo mais.”
“Claro que ama, você só está passando por uma fase, lembra como você cuidou de mim mesmo quando disse que estava cansado?”
“Eu não te amo mais.”
Ela se ajoelhou e segurou as pernas dele, como em súplicas e então olhou para cima, retomando a calma. Era como se tivesse visto uma explicação escancarada no rosto dele
“Eu entendo, entendo tudo agora, você está desbotando.” Foi o que ela soltou, antes de voltar a chorar.
Claro, ela estava ciente de que era tudo um papo idiota que dois adolescentes comentaram dentro de um cinema num dia qualquer. Nenhuma grande tragédia havia ocorrido naquele dia, nenhuma maravilha incrível tinha acontecido naquele dia, apenas uma conversa trivial que ela achou que resolveria algo.

Ele simplesmente ajuntou suas coisas e saiu da casa naquele mesmo dia, ignorando a mulher deitada em súplicas na grama recém-cortada daquela casa.

 

Vários dias se passaram até ela conseguir voltar ao trabalho. Cabelo emaranhado, roupa suja e a magreza de um cachorro de rua em seus dias finais. Era um estado deplorável, impossível até mesmo de se olhar. Seus olhos se mantiveram focados nele o trabalho inteiro, mesmo cobertos de vermelho e secos de tanto chorar ela continuou sem piscar com o olhar sobre ele. Durante o horário de almoço algumas colegas dela foram atrás dele, perguntando o que ele havia feito naquela situação. Todos do prédio sabiam que ela já tivera um surto e desistido completamente de si. Durante aquela época, todos os dias, uma mulher diferente ia visitar eles, sempre em nome do escritório. Mas nenhuma delas ousava entrar naquela casa, devido o cheiro forte que exalava. Porém, houve uma única mulher conhecida por sua curiosidade que arrumou coragem para passear pelos cômodos da forma que desejava. Ela tinha traços de boneca, cabelo sempre em um coque e medidas impecáveis, quase como uma deusa grega da informação. O estado dela só piorou ao ver aquela colega lá e imaginar que logo ele se apaixonaria e a deixaria lá, para morrer. A colega era inteligente, ela sabia que se não fingisse direito a mentira poderia ser revelada e todo aquele sofrimento seria inútil. Para sua sorte o interesse daquela mulher era somente espalhar o estado dela para todos seus conhecidos. Ele respondeu para as garotas que não era possível fazer nada além de esperar e foi embora coberto de xingamentos.

 

Os dias continuaram se passando e a insistência dela não acabava, suas horas livres se baseavam em limpar a casa e telefonar para ele. Mesmo sendo odiado profundamente pelo pessoal do seu trabalho no dia em que a carta de demissão foi encontrada sobre a mesa dela, ele continuava ajudando-a em silêncio. Todos os dias esperava pela ligação dela, e então começava um discurso de ódio. Ele tinha conhecimento do quanto ela dependia dele e que a sua gentileza não serviria nada enquanto eles estivessem separados, então o máximo que podia fazer era dizer coisas como “Eu nunca ficaria com alguém sujo e subnutrido como você” ou “Se eu quisesse limpar as fezes de alguém, compraria um cachorro” e lentamente ela começava a mudar, tentando arrumar aqueles defeitos para ligar novamente e receber mais uma das acusações.

Todos os dias ela se perguntava o quão desbotado ele estaria, e terminava concluindo que diante de todos aqueles sinais e tempo, ele logo começaria a perder completamente a cor, até se tornar algo cinza e uniforme, passando então, a contaminar o seu ambiente.

Mas claro que ela não continuou sua vida inteira tendo aqueles pensamentos enquanto ignorava os fatos. O dia em que ela finalmente perceberia tudo chegou. Em mais uma de suas faxinas, ela abriu uma caixa de papelão que estava sobre o guarda-roupa. Lá encontrou os vários presentes que havia recebido dele na época em que ainda moravam na casa dos pais e se encontravam todos fins de semana, ela sentiu uma pontada no peito liberando adrenalina e rasgou a caixa rapidamente. Assim que os objetos caíram no chão, ela sentiu seus olhos queimarem, cores diferentes das que ela estava acostumada estampavam a superfície dos objetos, mas isso só durou até o momento em que ela os puxou para perto. Diante do toque da garota, todas suas cores clarearam a um tom desbotado e lentamente se tornaram cinzas. Ela passou vários minutos tentando entender o que estava acontecendo, o porquê daquilo ter ficado daquele jeito. Ela ignorou o amor?
“Impossível. Impossível. Impossível” foram os sussurros dela por vários minutos. Não, ela não tinha ignorado o amor, ela estava atrás dele, não estava?
O dia dela foi completamente desperdiçado por somente aqueles pensamentos rondarem sua mente, deixando seu corpo inutilizável. Chegando o horário em que ela normalmente ligaria para ele, a cama foi seu destino.

Ele tinha percebido tudo. Ele tinha visto a dependência que havia nela e sabia que aquilo era ruim, por isso estava assim. O que ela fazia era simplesmente continuar buscando alguém que ficaria ao lado dela, se o encontro tivesse sido diferente, se ela tivesse se sentado com a pessoa certa, provavelmente teria sido a mesma coisa. Ela só escolheria o primeiro garoto que quisesse passar a eternidade apoiando ela. Diferente dela, ele estava realmente apaixonado por ela, ele havia escolhido ficar longe dela, mesmo que doesse, para que ela pudesse dispensar aquela necessidade de cuidados. O tempo todo era ela quem estava desbotando. Só após conseguir compreender isso, ela pode soltar seu corpo e dormir, seus olhos pesaram e de relance ela pode ver as paredes rosas de seu quarto tão vívidas como eram antes.


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