— A Biblioteca Municipal?- eu perguntei ao loiro assim que chegamos ao nosso destino.

— Você tem alguma ideia melhor? - Jack devolveu - Por acaso conhece algum lugar melhor para obter conhecimento e informação?

— Internet? – sugeri.

— Também, mas não é 100% confiável. A biblioteca tem uma área de livros mitológicos. Fica perto da área com computadores. Faremos uma pesquisa dupla. - ele respondeu meio irritado.

— Certo. Bom plano. – disse tentando evitar mais conflitos - Vou perguntar à bibliotecária onde fica a sessão de livros mitológicos - completei indo em direção ao balcão.

Jack levantou a mão parecendo que ia me dizer alguma coisa, mas a esse ponto eu já havia me afastado demais.

— Bom dia! - eu me dirigi à simpática senhora no balcão.

— Bom dia, meu jovem. Em que posso ajudar? - ela perguntou exibindo um amistoso sorriso.

— Eu estou procurando a área de… - fui interrompido.

— Olá, Rachel! - Jack disse aproximando-se.

— Jack! Há quanto tempo - a senhora respondeu - O que aconteceu menino? Faz meses que não te vejo por aqui.

— Sabe como é, ocupado em casa durante esse tempo. Como vão as coisas por aqui? - ele perguntou.

— Calmas como sempre! Enfim, o que te traz aqui? E com um amigo? - seu olhar mudou dele para mim.

— Sou o Will, muito prazer - disse cumprimentando-a.

— Eu sou Rachel! Adoro ver jovens interessados em leitura! Jack é um dos poucos que vem aqui frequentemente. - ela exibiu outro sorriso.

— E desde que venho tenho a melhor bibliotecária para me orientar - ele retribuiu o sorriso - Enfim, estamos indo a área de mitologia antiga!

— Ah! Claro. Sintam-se a vontade. Você sabe onde fica! - a senhora disse.

— Sei sim, obrigado, Rachel! - Jack disse acenando e me puxando para o meio das prateleiras.

Caminhávamos por entre as áreas de livros de História Antiga e História da Arte quando comecei a perguntar a Jack:

— Você sabia onde ficava? Não podia ter me contado? - eu perguntei.

— Eu tentei! Mas você se precipitou e saiu quase correndo para o balcão - ele respondeu.

— Desde quando frequenta essa biblioteca?

— Desde sempre! – Jack disse - A conheço como a palma da minha mão!

— Claro!

— Chegamos. - ele exclamou assim que alcançamos a área de computadores.

Olhei para a esquerda onde uma enorme prateleira se encontrava. Em cima, o letreiro trazia: ”Mitologia Antiga”.  Na direita, três fileiras se encontravam: duas mesas, uma de frente para outra com computadores dos dois lados. Deveria ter uns 18 no máximo.

— Então, você procura os livros e eu me ocupo de pesquisar na internet – sugeri.

— Justo o que eu ia dizer. - ele disse dirigindo-se a parte de traz da prateleira – AH - ele colocou a cabeça pra fora - Não se meta em encrencas!

Ele desapareceu de minha vista. É incrível como ele não confia em mim. Como eu me meteria em encrenca em uma biblioteca? A qualquer sinal de barulho alto indicando violência Rachel provavelmente chamaria a polícia. Sentei frustrado no computador. O aparelho era bem velho, e o teclado estava um pouco empoeirado, o soprei na esperança de limpa-lo um pouco e comecei a tossir logo em seguida.

— Droga! - eu dizia entre minha forte tosse.

— Eu sei! Esses computadores estão mesmo um horror. Há quanto tempo será que não limpam isto? - uma voz feminina disse do computador de frente ao meu.

— Nem me fale - eu respondi.

Eu não sei por que, mas algo naquela voz me soava familiar. Tentei ver quem era a dona da voz, mas ela estava exatamente atrás do seu computador. Se eu tentasse olhar pelos lados ela provavelmente estranharia. Resolvi deixar quieto e centrar-me no que estava fazendo. Fiz o log-in e me surpreendi ao ver que o wi-fi tinha potência máxima. Isso sim foi inesperado. Abri uma página no Google e comecei a colocar tudo no que podia pensar na barra de pesquisas: ”Como se livrar dos poderes de um Guardião”, “Transferência de poderes entre Guardiões”. Mas nada dava certo. Todos os resultados apareciam relacionados ao filme “A Origem dos Guardiões”.

Inclinei meu corpo para frente e apoiei meus cotovelos na mesa. “Pense direito, Will! Os Guardiões são quase secretos, ninguém sabe sobre eles. Como você espera que tenha algo sobre eles no Google?” eu pensava comigo mesmo. Na certa Jack me disse para pesquisar nos computadores para que eu não o atrapalha-se em sua pesquisa, que provavelmente é a que daria algum resultado.

Bom, se ele quer se ocupar de fazer o trabalho sozinho eu é que não vou reclamar. Tenho a sensação de que a qualquer mínima discordância entre nós, um episódio como o da base poderia ocorrer novamente. Inclinei-me para trás na cadeira e comecei a encarar o teto: o cumulo do tedio! A biblioteca estava completamente silenciosa. Com o tempo, meus olhos começaram a pesar. Nem reparei como estava cansado. Esse treino intensivo com Eric havia me mantido muito ativo durante esses dias. Acho que eu precisava descansar um pouco. Estava quase caindo no sono quando uma pilha de livros é jogada em cima da mesa. Fazendo um barulho alto o suficiente para me acordar.

Virei-me pensando que era Jack voltando com os livros da pesquisa, mas era apenas um garoto qualquer. Ele aparentava ter seus 18 anos, possivelmente uns dois centímetros mais alto do que eu. Seus olhos eram marrom claro e seu cabelo castanho escuro, assim como sua barba que cobria apenas seu queixo, e andava um pouco bagunçado. Na verdade, ele todo tinha um aspecto um pouco bagunçado. Ele utilizava uma calca cinza em estilo moletom que ficava larga. Sua blusa também era solta, listrada preta e vermelha. As mangas eram completamente pretas e iam até seu cotovelo, e marcavam seus musculosos braços. Por último, ele usava um tênis Vans vermelho que estava com os cadarços desamarrados. E não pude deixar de notar que sua sobrancelha direita tinha um corte no estilo do Charlie Puth.

— Voltei Elize! - o garoto disse.

Ao ouvir isso, a garota que estava no computador em frente ao meu se levantou. Ao vê-la, eu dei um pulo da minha cadeira. 

— Você está bem? - o garoto despojado me perguntou.

Mas eu não consegui responder, pois fiquei perplexo encarando a garota. Esta dá uma risada antes de me dirigir à palavra:

— Ora, ora! Quem temos aqui? Se não Will, o mais novo Guardião? - a garota disse.

Sabia que aquela voz me era familiar. Ela era a garota que eu havia encontrado na floresta há quatro dias. Ela também era uma Guardiã, se me lembro bem do que Leo me contou, ela era a Guardiã da Energia. Da última vez que nos encontramos, eu a confundi com Thea, devido a escuridão que havia no local. Mas agora que a vejo claramente, percebo que ela e Thea não têm nada a ver.

Ao contrário de Thea, essa tal Elize era negra e aparentava ter minha idade. Em altura, acho que ela chega a ser do tamanho do garoto ao seu lado, ou talvez seu sapato com salto a fizesse ficar alguns centímetros mais alta. Seus cabelos eram negros e muito encaracolados. Ela os usava em um estilo Black Power, fazendo com que ficassem bem altos. A menina usava uma blusa preta de alcinha e uma calça jeans colada, também preta. O cinto que ela utilizava era prata e bem cintilante, o que combinava com as pulseiras e anéis que usava nas mãos. Sua bota era preta e batia abaixo do joelho. Ela possuía um leve salto, que era o que fazia com que sua altura se igualasse a do garoto.

— Então esse é o grande Will? Ha! Que prazer finalmente te conhecer! - o garoto deu um sorriso.

Eu definitivamente não estava gostando do rumo em que aquele encontro estava seguindo.

— E você seria? - eu perguntei tentando demonstrar alguma confiança.

— Mas que falta de educação a minha. - ele disse abrindo os braços - Pode me chamar de Dan, o Guardião do Passado!

Eu paralisei. Durante os quatro dias em que estive com Eric, ele me explicou sobre a história dos Guardiões e me contou um pouco sobre cada um dos Guardiões que estão vivos atualmente. Se não me engano, Dan tinha um gêmeo, os dois eram Guardiões, um do Passado e outro do Futuro. Os dois extremamente poderosos e perigosos, que deveriam ser evitados sempre que possível. E logo no meu primeiro dia após meu treinamento eu dou de cara com um deles. Um belo começo, realmente. Será possível que eu só faço besteira como Guardião?

— De qualquer forma você não tem que se preocupar comigo. Não serei um Guardião por muito mais tempo! - eu soltei sem querer. E me arrependi logo a seguir.

— Will? - Jack saiu detrás da prateleira - Dan e Elize?

— Jack! Há quanto tempo! - o moreno exclamou - Como vai seu trabalho com os relâmpagos? Ah, é mesmo, você não tem um! - ele começou a rir.

— Quieto! - Jack se controlou para não gritar muito alto.

— Ou o que? - Dan provocou.

—Ou nada! - Elize interferiu.

Ela puxou a cabeça de Dan para baixo e sussurrou algo em seu ouvido. Depois de solta-lo ela se virou para nós e disse:

— Não acho que seja necessário criar uma briga dentro de uma biblioteca. Sejamos racionais!

Jack e Dan trocaram um olhar de ódio e depois se acalmaram. Percebendo isso, Elize continuou:

— Enfim, Will estava nos dizendo que não será um Guardião por muito mais tempo. Por acaso pensa em desistir dos poderes?

— Você contou a eles? - Jack se virou para mim furioso.

— Foi sem querer. Você não sabe o quão difícil é guardar isso! - eu devolvi.

— Espera um pouco! Jack, você está envolvido nisso? - Elize voltou a perguntar - Não me diga que está tão desesperado para conseguir esses poderes a ponto de dizer a Will que realmente há uma forma de se livrar deles.

— Não tem jeito? Nem sequer de transferir de uma pessoa para outra? - eu soltei.

Não parecia que Jack fosse responder minhas perguntas mesmo. Então quem melhor do que um dos mais poderosos Guardiões para me dizer?

— Transferir? - Dan disse e fez uma pausa, como se estivesse raciocinando, antes de prosseguir – Oh, Jack! Não me diga que esse era seu plano.

— Eu não tenho que aturar isso. Vem Will, vamos embora - ele disse me puxando.

Passamos por Dan e chegamos às prateleiras que estavam atrás dele. Já estávamos na metade desta quando Elize disse:

— É uma pena que tenham que ir. Eu poderia ajudar vocês!

Jack parou subitamente e começa a encarar o chão.

— Ahn, Jack? - eu tentei chama-lo - Temos que ir, certo? Não podemos confiar nesses caras!

— Vamos lá, Jack, você sabe que é verdade - Elize continuou - Pelo visto você sabe que não é digno de ser um Guardião!

Uma raiva absurda deve ter consumido Jack até a alma. Ele saiu correndo até onde eles estavam e deu um forte tapa na mesa:

— Jamais! Eu sou o mais digno desse título. - ele sacou uma adaga e a pressionou contra o pescoço de Elize - Como eu consigo?

A garota começou a rir histericamente:

— Sabe que você poderia ter só pedido, não é? - ela disse irônica.

Jack parou de pressionar seu pescoço e guardou a adaga novamente, tentando recuperar o controle.

— Enfim, eu sou a Guardiã da Energia. Nossos poderes não são mais do que energia! Especialmente o seu Will! - Elize disse - Se quiserem, eu posso tirar os poderes de Will e transferi-lo para você.

— Isso é sério? - eu perguntei esperançoso enquanto me aproximava.

— Claro que é! - Dan disse.

— E o que vocês ganham com isso? - eu perguntei um pouco desconfiado.

Eric tinha me dito para tomar cuidado com os inimigos. Eu não confiaria neles tão rápido. Por mais que o que eles estavam oferecendo fosse tentador e exatamente o que estávamos buscando.

— Honestamente? - Dan disse - Um Guardião contra quem vale a pena lutar!

Essas palavras me feriram como uma facada. Era duro ouvir a verdade de outra pessoa. Eu não era bom o suficiente nem para um vilão? Nem sei mais o que pensar.

— Tudo bem! Nós topamos - Jack disse decidido.

— Ótimas notícias! - Elize exclamou - Nos encontramos em frente a biblioteca as 20 horas.

— Daí os levaremos para a nossa “base” e fazemos a mágica - Dan a completou.

— Certo! Até lá - Jack disse ainda com certa raiva nos olhos.

Ele se afastou da mesa e começou a andar em direção a saída. Eu fui atrás dele, tentando seguir seu passo firme e rápido. Fazer um acordo com os caras contra quem estamos lutando não é exatamente meu estilo. Mas Jack era inteligente e ainda assim tinha topado, o que só pode significar que era seguro. Além do mais, eu não me importava em como, mas iria me livrar dos meus poderes de um jeito ou de outro. Mesmo que minha única opção seja através dos caras maus. Não importa! Saberei se realmente valeu a pena hoje às 20 horas, quando minha vida vai finalmente voltar ao normal.