Smoked escrita por CoelhoBoyShiper


Capítulo 1
Smoked pillowtalk (Capítulo Único)


Notas iniciais do capítulo

Atenção: os créditos dessa fanfic não são 100% meus, eu me inspirei muito pela fanComic criada pelo artista @ask-826-e no tumblr, eu basicamente peguei a ideia de ter os dois personagens conversando na cama com alguns diálogos e os expandi, adicionei mais detalhes e profundidade ao conto. Espero não ter nenhum problema com isso. Escrevi por diversão e também porque DipFord não é um tabu o suficiente no meu perfil (haha), tava carecendo de um RickMorty por aqui.

Dito isso, boa leitura.



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Às vezes eu me pergunto como eu cheguei nesse ponto.

É uma tarefa frustrante tentar ajustar os resquícios dispersos de memórias da minha vida numa ordem cronológica que me permita estudar com clareza os eventos que desencadearam essa sucessão calamitosa de infortúnios. É, literalmente, como uma avalanche — se você já esteve em uma, você sabe do que estou falando: só é possível se lembrar de quando a neve estava caindo brandamente e de quando já havia se tornado uma tempestade, você nunca inteiramente acaba por entender o que houve no meio que tenha explicado tamanha tragédia.

Eu também não consigo entender o motivo de estar tentando achar alguma explicação para as infelicidades da minha vida, não é como se eu ligasse... não mais. Tudo no mundo é insignificante. Se dispensarmos as meras concepções e fraquezas humanas em que constantemente insistimos (muitas vezes de maneira irracional) em nos sustentarmos, vamos ver, claramente, que o universo é nada mais do que uma máquina burlesca de fins e começos que não levam a lugar algum. Do que adianta nascer se você vai morrer um dia independente das suas vontades e esforços? Do que adianta morrer se vai ter sempre mais alguém nascendo depois?

Quando eu era mais novo, eu costumava achar que cada um de nós tinha um propósito especial nesse misterioso mundo em que fomos colocados, e que, um dia, eu acharia o meu sentido e poderia viver e partir realizado. Mas isso foi há muito tempo, antes dele. Quando ele apareceu na minha vida e tudo mudou.

O mesmo ele que está deitado ao meu lado na cama, ainda ofegante e coberto de suor.

As persianas do quarto do hotel estão entreabertas, feito pequenos pentes-finos que escovam as mechas do sol alaranjado que perpassam para dentro da escuridão do ambiente, ressaltando em sua luz as partículas de poeira que pairam no ar rançoso. O cobertor em cima do meu peito desnudo está encharcado de suor e esperma. A noite foi longa. Afinal, Citadel é uma cidade que nunca dorme.

— Valeu à pena...? — mesmo ainda fisicamente exausto, sou capaz de, além de perguntar, pegar um cigarro e acendê-lo. A fumaça sobe, fazendo a alcova adquirir rapidamente a fragrância do tabaco... bem melhor do que o costumeiro cheiro de mofo.

— ... huh? — Rick hesita à minha questão.

— Eu disse: valeu à pena? — engrosso o tom.

Sinto os braços dele se retesarem ao meu lado.

— ... foi. — os seus pontos finais soam como os de interrogação.

Agora, as reticências entre nós dois são tão intensas que sinto ser capaz de vê-las se materializando tangivelmente em pleno ar esfumaçado.

. . .

— Eu pareço com ele? — não consigo segurar a dúvida, tampouco encará-lo enquanto a solto.

— Quê?

— O seu Morty. Eu pareço com o Morty da sua dimensão?

A cabeça dele se afasta mais ainda da minha antes das molas do colchão rangerem grosseiramente assim que ele se empertiga num rompante, ficando sentado.

— Eu nunca faria... isso... com o meu Morty.

Suprimo uma gargalhada. Quem ele está pensando em convencer com isso? Quantas vezes ele acha que eu ouvi esse mesmo discurso? A última coisa que eu sou nesse ramo é um amador.

— É o que todos dizem. — me impressiona saber que a maioria dos Ricks, seres desprovidos de éticas humanas “ultrapassadas”, ainda se reprimam ao sentirem atração física por Morties. Parece que eles esquecem que humanos são apenas animais com necessidades fisiológicas naturais livres de morais ou regras, reflito. — É só sexo, pelo amor de deus. O pau do seu neto é o mesmo que qualquer outro pau. — permito-me curvar meus lábios num sorriso-sem-dentes ácido depois de dar mais uma tragada. Pela primeira vez desde quando começamos a transar, esquadrinho o olhar para analisá-lo. Ele é um Rick razoavelmente mais novo do que a maioria, tem bem menos de 50 anos. Os cabelos ainda preservam grande parte da cor e o corpo é menos franzido em rugas, sem contar que ele utiliza o vocabulário de alguém que mal saiu dos vinte anos. As suas roupas, que aliás ele começa a vestir uma vez de pé, também são menos “formais”. — De que dimensão é você, afinal? Novo desse jeito, quantos anos ao menos ainda tem o seu Morty? Sete?

Ele não responde, apenas se vira para mim ao passar a camiseta através da cabeça. Colocando os ombros para trás e elevando o queixo, ele diz:

— E você? Você tem ao menos um Rick?

Se eu ainda fosse aquele garotinho que preservava a ideia de que todos tinham um sentido no mundo, e fosse apegado às minhas emoções, a pergunta provavelmente teria dilacerado o meu coração e feito minhas entranhas queimarem. Mas, como eu disse, isso foi há muito tempo, então, tudo que eu sinto é um frio aconchegante.

— Não. — tamborilo o dedo no funil do cigarro para deixar que as cinzas se desprendam da sua bituca e voejem junto com o resto da poeira que corusca nas nesgas de luz provocadas pela persiana. — Sou o Morty da realidade b-625. E você?

Após um breve instante de teimosia e orgulho, ele me revela:

— E-214.

Paro, me entretendo com os desenhos amorfos proporcionados pela linha branca tremeluzente que sai do fogo entre os meus dedos. Todas as fumaças providas de um cigarro são formas indefinidas que são jogadas ao relento para serem apreciadas e ficarem pairando até se dissiparem e deixarem de existir... assim como eu, você, e todo o resto.

— Hum. — murmuro, esperando que ele considere isso uma resposta.

— O que aconteceu com o seu Rick?

É. Não foi o bastante para ele.

Dou um último trague e estico o braço em direção ao criado mudo que reside ao meu lado da cama. O cinzeiro está transbordado de bitucas apagadas, deixando nenhum espaço para que se coloque uma nova, despontadas como uma pequena floresta de cilindros amassados. Deixo o meu fumo apoiado por cima de tudo. Eu ainda vou limpar isso, penso, mesmo não estando realmente planejando uma hora para fazê-lo.

— Sei lá. — dou com os ombros. — Ele me deixou. Faz tempo.

— Mas como você veio parar nessa?

— Ele me vendeu. — respondo, fingindo não perceber os ombros dele caindo instantaneamente. — Nem me venha perguntar porque, assumi que fossem por drogas ou algo assim.

— Quantos anos você tinha? — o olhar dele se amplia sobre mim quando ele se abaixa ao meu nível para pegar a calça, a fivela do cinto a tilintar. Fuzilo-o com um revirar de olhos. — Pergunto isso porque você só tem catorze anos, e disse que havia sido há muito tempo.

— Isso importa?

— Depende de quem você esteja se referindo.

Nunca senti um estrondo mais escandaloso do que o do próprio silêncio que se estabeleceu agora.

Eu não me importo.

Ele termina de afivelar a calça e fica parado, me fitando com intenções que ao meu ver são impenetráveis.

— Vai dar meu dinheiro ou não? — retruco, já de saco cheio.

Lacônico, Rick coloca a mão dentro do bolso e retira um maço de notas do dinheiro de Citadel da carteira, jogando-o despretensiosamente ao espaço vazio da cama. Assim que ele dá as costas para mim, retirando a sua arma de portais do bolso de trás, pronto para abrir uma passagem e sair daquela dimensão, eu o relembro rispidamente:

— Está esquecendo o seu jaleco. — meneio com a cabeça para indicar o mesmo que jaz embolado ao final do tálamo.

— Não estou. — ele diz e aperta o gatilho contra a parede de pintura apodrecida, um portal se abre por sobre ela, uma luz esverdeada tênue emana das ondulações sedutoras da porta, trazendo-me uma lembrança abominavelmente querida. — Fica com ele... você precisa mais do que eu.

O ectoplasma dimensional tremula no copo dele assim que Rick dá um passo em frente para atravessá-lo, consumindo-o por inteiro até ele sumir e a passagem se contrair para dentro de si mesma, fechando para sempre.

Levo um tempo para me ajustar do que acabou de acontecer. Quando me vem o reconhecimento de que estou sozinho, engatinho até a beirada da cama, puxando o jaleco branco com os dedos para mim.

Eu o visto.

E volto a deitar.

Meu memento objetificado dura pouco, pois um novo cliente – mais provável um outro Rick – aperta a campainha do quarto.

Eu jogo o colete para debaixo da cama, o dinheiro para a gaveta da cômoda, viro os lençóis do avesso e digo:

— Pode entrar.

A porta se abre.

Às vezes eu me pergunto como eu cheguei nesse ponto.

É uma tarefa frustrante tentar ajustar os resquícios dispersos de memórias da minha vida numa ordem cronológica que me permita estudar com clareza os eventos que desencadearam essa sucessão calamitosa de infortúnios . . .


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