Quando acordo, o lado da cama que deveria estar quente e sendo ocupado pelo corpo de Peeta está, na verdade, frio e vazio. Posso ver, pela pouca luz que entra por uma brecha na janela, que ainda está cedo e, pelo aroma de panquecas que posso sentir no ar, sei que ele deve estar na cozinha preparando o café da manhã, o que não é tão surpreendente assim.

Saio da cama após uns minutos e sinto-me arrepiar quando a brisa fria da manhã primaveril vem de encontro ao meu corpo nu. Logo capturo algo para vestir — a primeira coisa que encontro de confortável no guarda-roupas — e, após usar o banheiro para fins de higiene pessoal, desço as escadas rumo ao cômodo ocupado por meu marido.

A visão das costas de tez leitosa cobertas por uma camiseta básica é o que me salda e faz um sorriso abrir em meu rosto. Caminho em passos rápidos e não demoro a rodear meus braços pelo tronco de Peeta, espalmando minhas mãos em seu peito e deixando minha cabeça tombar contra sua estrutura forte. Minha necessidade de contato para com ele é algo que não possui explicação. Se ele se assusta com minha chegada silenciosa, não demonstra.

— Bom dia — eu murmuro.

Ele deixa a louça que estava enxugando de lado e se vira para ficar cara a cara comigo, permitindo que eu veja de perto as poucas sardas espalhadas em seu rosto, seus cabelos loiros charmosamente bagunçados do sono e seus olhos, de tom inigualável e profundamente azul da cor do mar em um dia de sol alto. Me me deixo afogar nos sentimentos expostos por eles por um instante e, envolvida em uma onda de amor, felicidade e calmaria, sinto-me leve.

— Bom dia — ele responde. — Como dormiu?

— Bem, sem dúvida alguma. Mas teria acordado infinitamente melhor se você estivesse comigo.

Peeta ri e beija minha têmpora, continuando a segurar meu corpo contra o seu.

— Desculpe não estar lá hoje para acordá-la melhor, mas você sabe, há dias em que não posso simplesmente permanecer deitado após despertar. De qualquer forma, estou fazendo o que você mais gosta de comer no desjejum para compensar minha falta.

— Nada pode compensar sua falta, nunca — ressalto, encarando-o diretamente. — Mas você está perdoado.

Me coloco na ponta dos pés e alcanço seus lábios rosados e quentes em um beijo casto que me deixa levemente tonta. Ansiando mais contato, enlaço o pescoço do meu marido com os braços e aumento a intensidade da nossa conexão, minha língua provando morangos e hortelã e minha mente ficando totalmente fora de órbita com seus toques.

Beijar Peeta Mellark é algo com a qual eu, definitivamente, nunca me cansarei de fazer.

Separamo-nos sem fôlego e com sorrisos em ambos nossos rostos corados. Encosto minha testa na dele somente para deixar mais um beijo em sua boca antes de ir sentar-me para desfrutar dos alimentos que estão dispostos na mesa de quatro lugares. Em meu prato, coloco uma pequena porção de ovos mexidos, uma panqueca com geleia de frutas vermelhas e ervas, alguns pãezinhos de queijo e encho uma xícara com chá. Tudo parece muito saboroso e só percebo que estou faminta quando sinto minha boca começar a salivar.

Comemos sem muita conversa, mais concentrados em ingerir o suficiente para nos satisfazer do que em preencher o silêncio confortável com palavras. Uma de nossas mãos está conectada à do outro por cima da mesa em um gesto claro de necessidade de união, e de vez em quando, nos observamos sem um motivo certo além do de certificar que tudo ali é, de fato, real. Porque quando se passa por tantos momentos ruins na vida, acreditar que tudo pode ser bom novamente é uma tarefa difícil e que demanda paciência.

Ouço o cantar dos pássaros lá fora e me permito apreciar o som familiar. Depois de arrumar a cozinha com Peeta, nos direcionamos para a varanda e lá, sentamos em uma grande cadeira para apenas observar o dia calmo que o Distrito 12 está tendo. Não vou para a floresta hoje.

Como sempre fazemos durante aquela que é a nossa estação favorita do ano, paramos para apreciar o milagre do renascimento da natureza após a temporada que mais a castiga como forma de incentivo para nossas próprias existências. Afinal, a vida pode ser árdua, mas nunca o tempo todo.

Respiro fundo e, com o rosto enterrado no pescoço do meu marido, posso sentir claramente seu cheiro único ao repetir o ato: é uma mistura de canela, limão, sabonete e algo mais somente dele. É inebriante. Esfrego meu nariz na pele lisa e beijo uma porção dela que me está disponível, depois apenas ficando quieta em meu lugar.

Quando o sol começa a ficar mais alto e voltamos ao interior de casa, o dia começa a passar rápido por nós. Organizamos os cômodos, almoçamos uma ótima refeição feita em conjunto, passamos a tarde trabalhando no livro de memórias e, então, quando percebemos, já é noite.

Tomo um longo banho antes do jantar, sendo imitada por Peeta logo após que disponibilizo o banheiro para seu uso. Antes de vestir-me com uma camisola qualquer, permito-me observar meu corpo no espelho sob somente a luz do luar que entra livremente pela janela aberta do quarto. Corro os olhos pelas curvas e cicatrizes que formam quem eu sou, pela primeira vez depois de um bom tempo, sem um total olhar de repulsa. A sensação é nova e inegavelmente cômoda.

Penteio os cabelos e prendo-os em uma trança simples, que não leva mais de dois minutos para ser feita. Em seguida, desço para a sala e sento-me no sofá para esperar por Peeta. Quando ele desce com um livro em mãos, preparo-me feliz para ouvi-lo ler um pouco enquanto esperamos por Haymitch para jantar.

Não demora muito para que nosso ex-mentor chegue e compartilhe conosco de uma mesa composta por caldo, suco de uva, pães e bolo de baunilha. Comemos até estarmos saciados enquanto conversamos sobre coisas aleatórias e nos despedimos de Haymitch rindo quando o mesmo sai levando o que havia restado do bolo. A cozinha é arrumada rapidamente depois disso.

Acomodada nos braços de Peeta, passo as horas seguintes distraída com um programa qualquer que está passando na televisão quando ela é ligada e, quando o relógio marca quase onze horas da noite, meus olhos começam a fechar-se sem que eu perceba. Decido ir deitar e meu marido, também já se sentindo sonolento, resolve seguir-me.

A cama se mostra mais macia que o normal quando me deito nela e não posso deixar de suspirar ao relaxar de verdade. Viro meu corpo e posiciono minha cabeça no peito de Peeta, exatamente no ponto onde posso ouvir seu coração bater ritmicamente. É o som mais calmante que já ouvi.

Um beijo é deixado em minha testa e sorrio já com os olhos fechados.

— Boa noite, Katniss. Eu te amo.

— Boa noite, Peeta. Verdadeiro.

Ele sorri audivelmente com o modo com a qual expresso meu sentimento recíproco (por ainda não conseguir ser capaz de dizer as três palavras diretamente) e aperta-me mais entre seus braços. Pouco a pouco, vou caindo em um sono que torço para ser tranquilo, ainda que não espere por isso; os demônios do meu passado são imprevisíveis e, portanto, nunca sei quando agirão e me deixarão à mercê do perigo. Mas sei que ao que parece, ao menos por enquanto, não tenho com o que me preocupar verdadeiramente.

Estamos todos sãos e salvos.