Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 48
Quem era você de verdade?




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41 dias depois.

Rafa caminhava por uma estrada deserta, as estrelas e a lua acima de sua cabeça eram as únicas coisas que iluminavam o caminho. A garota sorriu ao sentir o vento gelado bater em seu rosto, uma sensação de calma e serenidade tomava conta de seu peito. Pelo menos até avistar uma pessoa caminhando à sua frente...

A garota começou a caminhar mais depressa, não sabia por que mas sentia a necessidade de alcançar quem estivesse lá. À medida que se aproximava, percebia cada vez mais detalhes da silhueta. Viu que era uma garota pois tinha o cabelo preso em um coque e a cintura fina, caminhava com confiança, os quadris indo de um lado para o outro como se tivessem o objetivo de hipnotizar quem estivesse olhando e...

Rafa reconheceu o começo da tatuagem de lobo aparecendo através da regata que usava. A garota se virou, os olhos cinzentos encontraram os de Rafaela e pareciam confusos por um instante mas Luana logo sorriu e disse:

—Tem um lugar que eu quero te mostrar, um dia. É pra onde eu fujo quando as coisas ficam ruins demais na minha cabeça. A gente pode fazer desse o nosso lugar.

Rafa acordou com o coração acelerado e a pele gelada por causa do suor. O quarto ainda estava escuro, o dia ainda não chegara. A garota sentou na cama tentando controlar a respiração sem sucesso, ela finalmente entendeu, entendeu o que deixara escapar...

“Ela estava indo para o lago”

***

Eli e Marina esperavam por Rafaela apreensivos, receberam uma mensagem estranha logo cedo dizendo que precisavam se encontrar, que a garota tinha algo importante para dizer a eles. Ambos não tinham a menor ideia do que poderia ser, já haviam pensado em tudo e discutido inúmeras possibilidades mas nada parecia fazer sentido.

A lanchonete estava praticamente vazia e os dois agradeceram por isso, quem sabe qual seria a bomba que Rafaela iria soltar em cima deles. Pelo menos não teria uma plateia para assistir...

Ouviram o barulho da porta se abrir com força e lá estava ela, a garota parecia sem fôlego. Os olhos castanhos percorreram o lugar até encontrar os dois sentados em uma mesa no canto, ela se aproximou rapidamente e desabou em uma das cadeiras na frente deles.

—Ela estava indo para o lago.

—O que? – Marina não entendeu do que ela estava falando.

—Luana – Rafa disse um pouco irritada pela lentidão da loira –Na noite da festa, ela estava indo para o lago e não sei como não pensamos nisso antes...

—Bom, era óbvio que ela estava indo para o lago, era o único lugar naquela direção – Eli comentou, ele não compreendia a importância daquela informação –Mas, por que você está pensando nisso agora?

—Ok – a garota se inclinou para frente, os olhos tinham profundas olheiras, sua respiração ainda estava ofegante, ela definitivamente não parecia bem –Tenho pensando nisso desde o dia em que recebemos a notícia da morte dela. Para onde ela ia? O que ia fazer? Acho que entendi tudo!

—Ia ser muito bom se você explicasse então, porque não faço ideia do que uma coisa tem a ver com a outra – Marina disse erguendo uma sobrancelha.

Rafa suspirou.

—Lembra daquelas vezes em que ela sumia? E nunca conseguíamos acha-la?

—Claro – a loira concordou.

—E íamos na casa dela e seu pai não sentia sua falta, ela provavelmente dizia que ia passar um tempo na casa de uma amiga. Mas ela não estava em lugar nenhum, nunca a encontrávamos. A questão é, ela desaparecia quando coisas ruins aconteciam e a noite da festa definitivamente foi uma noite ruim...

—Certo... – Eli ainda parecia confuso mas começava a entender o que ela queria dizer –Então ela estava indo na direção do lago naquela noite, isso te faz supor que o “esconderijo” dela seja perto do lago?

—Exato – Rafa concordou com entusiasmo –Mais do que isso. Em uma das vezes que ela fugiu, Marina e eu fomos até o lago, depois que Marina foi embora eu fiquei... E ela apareceu. Não faço ideia de onde ela veio, mas estava por perto. É definitivamente em algum lugar por lá!

—Tudo bem, entendi – Marina olhava pela janela da lanchonete pensativa –Mas por que isso é importante? Por que temos que achar esse lugar?

Rafa congelou, essa parte da história ela não havia pensando em como falar.

“Por que ela me beijou e disse que queria me levar até lá, tenho que chegar até lá, por ela”

A garota engoliu em seco antes de responder:

—Ela disse que ia me levar lá um dia...

Marina e Eli a olharam com uma expressão estranha, parecia que ambos haviam levado um soco no estômago. Rafa desviou o olhar, talvez não fosse importante para eles mas ela sentia que precisava fazer isso, precisava descobrir o que tinha lá. Talvez não fosse nada demais, não haveria uma revelação incrível nem nada do tipo mas era algo que tinha que ver. Mesmo com Luana morta, ainda queria entender a amiga, ainda queria fazer parte da vida dela. E esse lugar talvez dissesse algo sobre ela.

—Vou arrumar algumas coisas para nós, amanhã a gente se encontra no lago – Marina disse séria –Vamos chegar lá cedo e não vamos sair até encontrar alguma coisa...

Eli balançou cabeça concordando. Rafa encarou os dois e sorriu com tristeza.

***

42 dias depois.

Marina encarava Eli e Rafaela com satisfação, os dois parecia surpresos com o empenho dela nessa “missão”. A loira reunira algumas provisões como lanternas, barracas (já que não sabiam quanto tempo iam ficar ali), comida e até walkie-talkies visto que o sinal de celular não pegava bem naquele lugar.

—Uau, você realmente se empenhou nisso, hein? – Eli comentou sorrindo.

—Temos que estar preparados, certo? – a loira sorriu de volta e continuou –Certo, eis o que vamos fazer: vamos começar pelas trilhas. Soube que existem alguns postos de guardas florestais abandonados dentro desse bosque, vamos olhar todos. Se não encontrarmos nada de Luana, vamos sair da trilha e começar a investigar os bosques. Rafa, você fica com as duas trilhas daquele lado. Eli, você vai voltar para a entrada e cobrir a trilha maior que está lá. Eu fico com as três menores que restaram. Vamos nos comunicando o tempo todo, ok?

—Sim, senhora – Rafa riu –E devo imaginar que se não encontrarmos nada, voltamos para o lago?

—Sim – Marina concordou –Então vamos nos juntar para explorar o bosque, não acho que seja uma boa ideia nos separarmos lá dentro. Alguma pergunta?

—Não, senhora – Eli e Rafa disseram em coro.

A loira sorriu novamente.

—Ótimo, então vamos começar.

***

Marina sentia a camiseta grudar nas costas por causa do suor e os mosquitos, apesar do repelente, pairavam em volta dela e incomodavam a garota com seu zumbido. Ela os espantava com as mãos mas logo retornavam, a loira simplesmente desistiu de espantá-los e aceitou que seriam seus companheiros nessa busca.

A loira estava verificando a última trilha, já recebera notícias de Eli e Rafaela que declararam não ter encontrado nada além de alguns postos vazios. Nenhum deles parecia conter os vestígios de uma adolescente, a não ser que fezes de animais contassem como vestígios adolescentes. Marina torcia para encontrar alguma coisa, não gostava da ideia de ter que se enfiar no meio daqueles bosques com Eli e Rafaela. Perguntou-se como Luana tivera coragem de se enfiar naquele lugar, ainda mais por vários dias.

Marina avistou o final da trilha e um posto abandonado caindo aos pedaços.

“Ou é isso ou vamos passar bastante tempo no meio do bosque”

A garota empurrou a porta, estava trancada mas a fechadura era tão velha que se fizesse um pouco de força iria arrebentar a porta. Foi exatamente o que aconteceu.

A loira tossiu enquanto entrava. A poeira levantada pela queda da porta e o cheiro de madeira apodrecida era demais pra ela, ninguém conseguiria ficar em um lugar como esse, nem mesmo Luana. Marina verificou rapidamente o lugar apenas para se certificar de que não havia nada ali. Estava completamente vazio.

Suspirou, teriam uma longa tarde pela frente. A garota tirou o walkie-talkie do bolso e apertou um botão, o aparelho chiou enquanto ela falava:

—Acabei de verificar a última trilha, nada aqui. Estou voltando para o lago e vamos decidir como verificar o bosque.

A resposta chiada não demorou para chegar, reconheceu a voz de Eli:

—Tudo bem, estamos esperando.

Marina enfiou o aparelho no bolso e voltou pelo mesmo caminho que viera se sentindo completamente desanimada. Tinha a sensação de que não encontrariam nada e sabia o quanto isso era importante pra Rafa, ela parecia tão empolgada no dia anterior, a loira se perguntou se ela ainda estaria assim quando chegasse no lago, quando as horas começassem a passar e não houvesse nada no meio daquelas árvores. Enquanto chutava as pedrinhas no meio da trilha, desejou encontrar o que procuravam, talvez isso finalmente trouxesse paz para todos eles.

Enxugou o suor da testa e suspirou, o que estavam fazendo era totalmente insano! Ouvia os zumbidos dos mosquitos em seus ouvidos e começava a ficar irritada, voltou a tentar espantá-los com as mãos mas eles eram muitos. Em um acesso de raiva, Marina pegou uma pedra grande do chão e jogou em uma direção aleatória.

—Pelo amor, me deixem em paz! – gritou com os mosquitos, eles pareceram se dispersar. A loira viu sua pedra rolar até a base de uma árvore grossa, um pouco afastada da trilha. Marina não soube explicar por que mas caminhou até lá.

Quando se aproximou, viu que era uma árvore muito diferente de todas as outras. Parecia muito mais forte, tocou o tronco com as mãos e olhou para cima impressionada quando seu coração pareceu pular uma batida.

Acima de sua cabeça, no topo daquela árvore, havia uma construção de madeira escondida pelas folhas, parecia uma casa na árvore. A loira foi tomada pela sensação de que aquele era o lugar, tinha que ser. Deu a volta no tronco e viu degraus improvisados com algumas ripas de madeira presas à árvore, sorriu consigo mesma.

“Encontrei”

Tirou o walkie-talkie do bolso e disse ainda sem acreditar:

—Vocês precisam vir aqui agora, acho que encontrei alguma coisa.

***

Eli e Rafa olhavam para cima parecendo surpresos, Marina sorria consigo mesma.

“É realmente uma vista impressionante, entendo o motivo de Luana vir se esconder justamente aqui”

—Então, quem quer fazer as honras? – a loira perguntou.

Eli olhou para Rafa.

—Acho que tem que ser eu, né? – a garota perguntou apreensiva, Eli apenas sacudiu a cabeça –Tudo bem...

Rafaela encaixou os pés na escada improvisada e começou a subir, era mais fácil do que pensou que seria. Empurrou o alçapão na parte de baixo e se viu lá em cima. Aproveitou para examinar o lugar com atenção enquanto escutava Eli e Marina subindo logo depois dela.

Não era muito espaçoso, mas deveria servir bem uma pessoa. Havia um colchão no canto com um lençol por cima, várias fotografias enchiam as paredes, a maioria eram das três amigas mas algumas tinham Eli, o pai de Luana e até mesmo sua mãe embora, como percebeu ao examinar com mais cuidado, apenas fotos antigas da mãe estavam ali.

“Lembranças de uma época mais feliz”

Um aparelho de som movido a pilhas estava no canto perto do colchão, Rafa sorriu ao imaginar a amiga escutando música ali, devia ser tranquilizador. O que chamou a atenção da garota, entretanto, foi uma escrivaninha improvisada no outro lado do lugar. Em cima da mesa, haviam vários cadernos e CDs, mais algumas fotos, papéis com rabiscos aleatórios e até mesmo alguns desenhos. Rafa se aproximou para olhar no momento em que Eli entrou e começou a puxar Marina pelo braço, logo estavam os três parados ali.

—Uau... – foi tudo que Marina conseguiu falar.

—É – Rafa concordou abrindo um dos cadernos, viu que se tratavam de diários pois tinham datas no topo das folhas. Todos os momentos ruins dela deviam estar documentados ali, exceto um que ela não teve a chance de escrever pois não conseguira chegar até seu esconderijo naquela noite...

A garota fechou o caderno abruptamente e se virou para os dois:

—Não vamos ler isso, ok? Ela não ia gostar que bisbilhotássemos os segredos dela...

—Concordo – Marina disse com um olhar triste –E não sei se aguentaria ler essas coisas, de qualquer maneira.

—Gente – Eli chamou enquanto pegava um dos cadernos, esse era todo preto e menor que os demais –Sei que vocês não querem ler as coisas dela e tudo mais, só que... Esse aqui acho que vão querer ler.

Ele estendeu a primeira página para elas, em letras grandes estava escrito: TROTE FINAL.

Marina e Rafa sorriram mas logo sentiram um peso no peito.

—É a última pegadinha, a que ela planejava fazer no último dia de aula – a loira falou com a voz cheia de tristeza –Ela estava preparando isso há meses. Sempre comentava com a gente que ia fazer alguma coisa mas disse que ia ser surpresa, que queria que assistíssemos junto com todo mundo...

Rafa pegou o caderno da mão de Eli e começou a ler com Marina ao seu lado. Era tudo muito elaborado, havia um mapa da escola desenhado a mão, horários, tudo... E era genial.

—Dá uma olhada nessas CDs, Eli – Rafa pediu enquanto folheava as folhas –Aqui diz que ela deixou um CD gravado com uma mensagem...

O garoto obedeceu e logo estendeu um CD branco com as palavras “ALTO FALANTES” riscadas nele.

—Ela deixou uma mensagem gravada, parece até que ela sabia que não ia estar aqui pra poder fazer a pegadinha... – Marina comentou com tristeza.

Rafa encarou aquelas folhas por mais alguns segundos, seria um trote incrível. Uma despedida à altura de Luana, todos teriam adorado.

—Então nós vamos fazer – a garota anunciou, Eli e Marina a olharam –Devemos isso à ela.

Marina ia falar alguma coisa mas Eli a impediu:

—Não, eu faço – as duas garotas o encararam confusas –Ela queria fazer tudo sozinha, queria que vocês assistissem. Deixa eu fazer isso, ok?

—Acha que consegue? – Marina perguntou.

—Por ela, eu consigo – o garoto garantiu. Rafa estendeu o caderno para ele, Eli aceitou e colocou junto com o CD na sua mochila –E o que nós fazemos com todas essas coisas?

Rafa olhou tudo por alguns segundos, o que ia dizer doía mas sabia que tinha que ser assim.

—Lembra que você me prometeu que faríamos um funeral para ela, Marina? Um funeral divertido?

—Claro que lembro – a loira confirmou.

—Então vamos fazer esse funeral, depois do trote final, no lago. E então vamos queimar essa casa. Esse era o lugar dela, só dela, e vai continuar sendo.

Rafa virou as costas e começou a descer. Pelo silêncio de Marina e Eli ao longo do caminho, soube que eles concordavam com ela.


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