Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 24
Eu estive procurando por você




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93 dias antes.

—Caixa postal de novo! – Rafaela disse soltando o celular e deitando na cama de Marina. A loira estava em pé andando de um lado para o outro enquanto trocava mensagens com Eli. Luana não aparecia na escola a alguns dias e, quando ela e Rafaela passaram casualmente na casa dela no caminho para a aula mais cedo, o pai dela tinha dito que ela já saíra de casa. Nenhuma das garotas comentou que a amiga estava indo para algum lugar que não era a escola, apenas se limitaram a sorrir e fingir que estava tudo certo.

—Ok, Eli falou com alguns amigos e aparentemente não teve nenhum incidente em nenhuma festa ou bar com alguém com a descrição da Luana – Marina comentou enquanto lia o celular –Onde você acha que ela pode estar?

—Não faço ideia – Rafa respondeu cansada, eram coisas demais acontecendo nos últimos dias tanto para ela quanto para Marina e agora Luana tinha arrumado mais um problema para elas –Que merda... Eu não tenho cabeça pra continuar com isso agora...

Marina se sentou na beira da cama enquanto a amiga esfregava a têmpora.

—Quer conversar sobre a sua mãe? É uma coisa bem pesada pra aguentar sozinha...

—Não quero, Marina – Rafa respondeu com calma –Você tem seus próprios problemas, eu consigo lidar com isso sozinha... Mas temos que achar Luana, quem sabe o que ela deve estar fazendo...

—Realmente – a loira concordou –O que acha que ela está fazendo enquanto deveria estar na escola?

—Não faço a mínima ideia mas aposto minha vida como coisa boa não é.

***

Luana olhava as fotos que colocara nas paredes há muitos anos, logo que encontrara a casa na árvore. Fotos da sua família, na época em que ainda eram uma família de fato, fotos suas de quando era criança, na escola, com Marina e Rafaela, com outros amigos dos quais já se distanciara havia tempo... Era estranho a sensação de olhar aquelas coisas, parecia que já havia se passado mil anos, que cada ano que passava ela envelhecia mais do que apenas alguns meses.

“E ainda assim continuo lutando com os mesmos problemas”, pensou mas logo afastou o pensamento. Não queria voltar a ter aqueles surtos que tivera no último dia e sentia que essa sua crise já estava passando, como tantas outras que já teve.

“Marina e Rafaela devem estar loucas, só espero que não tenham feito nada demais como ir até minha casa e alarmar meu pai. Ele acha que estou indo assistir às aulas e, por mais que eu odeie chegar todos os dias em casa e ter que fingir ter ido pra escola, preciso que ele continue pensando isso. Mas acho que talvez eu vá pra escola amanhã, vou ter que enfrentar a ira das meninas alguma hora...”

Ao ver que já estava anoitecendo, Luana pegou suas coisas, colocou suas tudo na mochila e começou a caminhar em direção à sua casa. Não pôde evitar sorrir enquanto caminhava e o sol se punha conforme chegava mais perto, achava engraçado a sensação de ser a única andando por aí sem horário exato para chegar onde queria.

Gostava de observar os pequenos detalhes de por onde andava como por exemplo o lixo na beira da rua ou a forma como as árvores se curvavam com o vento frio do fim da tarde ou como a garota que entrava no carro da esquina esfregava os braços para se aquecer... Luana às vezes sentia como se o mundo fosse uma imensa obra de arte e ela fosse a única capaz de ver toda a beleza que tinha nele apesar de seus problemas, apesar de todos acharem que ela fosse uma ignorante que não ligava para nada... Não, ela se considerava uma artista e como todo bom artista ela era incompreendida.

Ou pelo menos era nisso que queria acreditar. Ela conseguiria suportar a ideia de ser apenas mais uma pessoa comum? Sem nada que a destacasse? Provavelmente não. É por isso que ela tinha inventado a dose violenta de qualquer coisa. Em algum lugar por aí, tinha algo que iria transformá-lo para sempre e ela tinha que achar isso junto com as amigas pois ela sentia que Marina e Rafaela também viam a beleza do mundo. Talvez não com o alcance que ela via mas sabia que elas podiam enxergar e também sabia que elas podiam ser muito mais.

As três juntas, podiam ser muito mais...

***

Eli dirigia e parava em frente a todos os bares e boates que enxergava enquanto Marina se inclinava para fora do carro e procurava algum sinal de Luana. Às vezes, ela parava alguém no meio da rua e perguntava se a pessoa tinha visto alguém com a descrição da amiga mas ou a pessoa não tinha visto nem a sombra da loira ou estava bêbada demais e se limitava a ir embora rindo. Marina já estava ficando irritada com a falta de resultados.

—Calma – Eli falou quando reparou no quanto ela estava ficando nervosa –Nada de ruim deve ter acontecido. Vocês falaram com o pai dela, certo? Isso significa que ela deve estar voltando para casa todas as noites...

—Sabemos disso – ela disse com o rosto voltado para a janela analisando incessantemente as pessoas na rua –É por isso que Rafaela ficou de “plantão” na rua dela. Caso ela volte essa noite, vai levar um belo esporro...

—Vocês conhecem a garota, isso não devia ser surpresa – Eli tentou amenizar a situação.

—Sim, conhecemos mas essas não são circunstâncias normais! Olha o que aconteceu nas últimas semanas: a minha mãe ficou louca, a mãe da Rafa resolveu aparecer! Estamos no limite, nós duas...

—E por acaso vocês nunca se tocaram que ela vive no limite?

—Ela faz essas coisas porque quer...

—Não, não quis dizer isso – ele a interrompeu –Não quis dizer no limite nesse sentido, de ir em festas, arrumar confusão, ficar com qualquer garoto que encontra... Quis dizer dentro da cabeça dela. Toda a cidade a vê como uma garota que não vale nada, irresponsável, encrenqueira, promíscua e ela tem que fingir que não está nem aí pra isso. Fora o pai que teve câncer e a mãe que a abandonou e ela tendo que cuidar sozinha dele... Acha que a mente dela é igual a de uma pessoa normal? Muita merda aconteceu e eu sinto muito que você e Rafaela estejam passando por momentos difíceis mas não esqueçam que Luana não apenas passa por momentos ruins, ela está presa em momentos ruins.

Marina encarou o garoto em silêncio, não era capaz de pensar em palavras para responde-lo, nunca tinha parado pra analisar a situação dessa forma. Nunca tinha parado pra pensar que, comparando a vida das três, Luana era a que de longe tinha mais problemas e se sentiu idiota por nunca ter entendido isso. Achava que a amiga era só alguém que não conseguia lidar muito bem com as coisas mas compreendeu naquele instante que se passasse por metade do que ela passava provavelmente enlouqueceria.

—Você tem razão – ela admitiu envergonhada sem coragem de olhar diretamente para Eli mas sentindo todo o peso do olhar dele nela –Me sinto estúpida por ser tão dura com ela agora... Eu devia ter sido mais paciente.

—Ainda dá tempo de consertar – ele comentou e Marina apenas concordou balançando a cabeça.

Voltou novamente a prestar atenção na rua e a procurar qualquer sinal da loira.

***

Rafaela estava sentada no meio-fio, do outro lado da rua encontrava-se a casa de Luana. Alguns minutos atrás, Rafa viu a luz da cozinha se apagar e a casa ficar no completo escuro, provavelmente foi o pai da amiga indo dormir. Ele estava tão acostumado com a loira chegar tarde em casa ou mesmo passar a noite fora que nem se dava mais o trabalho de brigar com ela. Rafa achava isso ruim.

Luana era o tipo de pessoa que tinha que ter alguém cuidando dela o tempo todo pra compensar os anos que passara sem ninguém além do pai. Normalmente, Rafaela desempenhava esse papel sem reclamar mas tinha muita coisa com que se preocupar e não estava com paciência para esperar a loira decidir aparecer. Sabia que Eli e Marina tinham ido verificar alguns bares e festas atrás da amiga e torcia para que eles ligassem logo com a notícia de que a tinham encontrado pra ela poder voltar pra sua casa e dormir em paz. Pelo menos Luciana estava de plantão novamente, era menos uma coisa com que se preocupar...

Um vento gelado soprou e obrigou a garota a abraçar o próprio corpo tentando se aquecer. Ainda estava cedo, passava pouco das nove da noite, mas o frio ficava mais intenso a cada minuto que passava e ela quase começava a amaldiçoar Luana por ela ter que ficar no escuro e no frio sozinha esperando... Se não fosse uma noite tão bonita, talvez estivesse xingando a amiga mentalmente mas quase valia a pena enfrentar o frio e a solidão para olhar as estrelas essa noite. Era como se, apesar do mundo parecer errado pra ela devido os acontecimentos dos últimos dias, ainda houvesse esperança em algum lugar...

Seus pensamentos foram interrompidos quando ouviu passos ao longe e viu uma sombra se aproximando. Saiu do alcance da luz do poste e decidiu esperar o vulto chegar mais perto para ter certeza de que não era ninguém perigoso. Mesmo morando em uma cidade pequena era preciso ter certos cuidados...

Suspirou aliviada ao ver Luana caminhando calmamente na rua deserta mas logo seu alívio se transformou em raiva ao lembrar o motivo de estar ali. Ficou calada esperando a garota estar ao alcance dela antes de falar:

—Que merda você andou fazendo?

Luana se assustou mas logo deu uma risada nervosa e disse:

—Caramba, Rafa, você me assustou! O que está fazendo escondida aí? Queria me assustar? Tenho que admitir que você fez um bom trabalho...

—Eu estava esperando você! – a garota se levantou da sarjeta e continuou irritada –Porque eu e Marina estamos que nem loucas nos últimos dias tentando entender onde diabos você estava!

—Ora, você sabe que eu faço isso às vezes – Luana tentava sorrir e parecer despreocupada mas Rafaela sentiu que havia algo escondido na sua voz e não conseguia definir o que sentia nesse momento, se sentia-se irritada com a loira ou se estava curiosa –Não precisa ficar preocupada, só estava dando um tempo. Vou pra aula amanhã...

—Luana – Rafa respirou fundo, não queria ficar mais irritada do que já estava mas não conseguia segurar todos os sentimentos que estavam se acumulando dentro dela a semanas –Nós temos mais o que fazer do que ser sua babá.

—Você está falando como a Marina – a loira alfinetou –E eu achando que você tinha começado a ficar mais legal...

—Talvez eu fosse legal se eu tivesse minha amiga por perto quando minha mãe biológica resolveu aparecer na cozinha de casa, ou quando a mãe da Marina foi transferida para uma ala mais intensiva e ela ficou arrasada por isso... É, talvez eu fosse mais legal se isso tivesse acontecido!

Luana a encarou totalmente sem palavras. Rafaela sentia as lágrimas brotarem de seus olhos mas não queria chorar na frente da amiga, estava cansada de ser tão fraca.

“Talvez eu fosse mais legal se você conseguisse enxergar o que eu sinto por você, se eu tivesse a chance de te beijar e pedir para você parar de me deixar preocupada”, ela pensou mas balançou a cabeça em uma tentativa de afastar o pensamento e evitar que as lágrimas caíssem.

—Rafa... – Luana tentou se aproximar dela mas a garota estendeu o braço e a parou.

—Não, tudo bem... Vou pra casa, deixa que eu aviso a Marina e o Eli de que você está bem. Eles também estão procurando por você.

—Rafa, é sério... – a loira insistiu tentando se aproximar mais.

—Eu também falo sério – Rafaela a encarou séria –Preciso ir pra casa...

Com isso ela virou as costas e deixou Luana sozinha na rua.


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