Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 12
Fogo encontra gasolina




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116 dias antes.

Marina acordou com som de risadas. Ela se sentou assustada, o coração acelerado. Não tinha ideia do que estava acontecendo, será que um grupo de assaltantes entrara na sua casa e estava rindo? Ou algum assassino tinha destroçado o corpo do seu pai e seus companheiros riam ao ver a cena? A loira caminhou lentamente pelo corredor em direção ao quarto dos pais e se surpreendeu com o que viu.

Se tivesse visto assaltantes ou assassinos não teria ficado tão surpresa. A mãe estava rindo enquanto dava o último pedaço do bolo do dia anterior na boca de seu pai. Marina não conseguiu conter um sorriso, era algo que fazia tempo que não acontecia. O seu pai tinha o queixo sujo de glacê e a mãe estava vermelha de tanto rir.

—Você é ridículo! – ela gritou enquanto ele se esforçava para abocanhar o pedaço do garfo.

—E você é uma egoísta! – ele sorriu, a cobertura se espalhou pelas suas covinhas –Comeu o bolo inteirou enquanto eu estava fora e não deixou nem um pedacinho pra mim... Isso é um absurdo! Acho que vou pedir o divórcio...

—Pode pedir – ela provocou –A Marina gosta mais de mim e vai trazer bolo para a mãe dela, não pra você.

—Vamos ver para quem ela vai dar bolo quando eu te expulsar dessa casa – em um esforço desesperado para pegar o último pedaço, ele se lançou pra frente e derrubou tudo no lençol da cama. A mãe de Marina tentou parecer irritada mas podia-se ver um esboço de riso na sua voz:

—Eu não vou limpar isso!

Marina sorriu enquanto ia em direção ao banheiro para tomar banho e ir à escola.

***

Luana mal conseguia respirar enquanto esperava Eli chegar com o carro para irem juntos à escola. Ela quase contara para Rafaela na noite passada...

Quase abrira totalmente seu coração, quase dissera as coisas ruins que haviam acontecido com ela mas algo também havia acontecido, algo havia mudado... Elas tiveram uma conversa profunda e com tantos significados que pensar naquilo ainda a deixava tonta mas isso fez com que confiasse ainda mais nela. Talvez ela não devesse confiar, sua experiência com pessoas havia a ensinado a não confiar em ninguém, mas na noite passada é como se Rafaela tivesse derrubado mais um dos muros que Luana construiu para se proteger. E ela gostou disso...

A buzina do carro de Eli a assustou e embaralhou seus pensamentos novamente.

—Ei, vai entrar ou prefere ficar aí com essa cara de idiota? – ele sorria.

Luana mostrou o dedo médio para o garoto e entrou no carro.

***

Rafaela estava sentada na arquibancada da quadra de basquete, sozinha. Ela chegara muito cedo na escola. Luciana estava de plantão e ela não queria ficar sozinha então simplesmente levantou da cama e saiu mas, ao perceber que estava tão sozinha nesse colégio quanto em sua própria casa, se arrependeu. A luz do sol fazia reflexos estranhos dançarem no piso da quadra causando muito desconforto nela. O desconforto passou ao se lembrar do que acontecera naquela mesma quadra há algumas semanas...

Rafa riu sozinha ao lembrar das líderes de torcida com os peitos de fora. Ela adorara aquilo, por mais que não fosse admitir e por mais que ela e Marina repreendessem Luana. Na verdade, Rafaela já estava até ficando curiosa para saber qual seria a próxima pegadinha de Luana. A loira era a melhor nesse tipo de coisa e, como era o último ano, havia boatos de que ela estava preparando a melhor pegadinha da história da cidade. Claro que ela não abria o bico para comentar com ninguém mas todos estavam curiosos, ou com medo, ou os dois!

—Ei – Guilherme entrou no ginásio e parecia surpreso de ver Rafa ali –Chegou cedo! E sem as meninas...

Rafa apenas abaixou a cabeça.

—Ok – ele parecia sem graça –Tiago estava te procurando. Olha, sei que isso não é da minha conta e ele não quis me falar o que aconteceu entre vocês dois mas acho que você devia dar outra chance pro cara...

Rafa estremeceu. Ela não gostava de lembrar daquela noite, da noite que Tiago a embebedou e tentou transar com ela. Ela não tinha ideia do que teria acontecido se Luana não estivesse lá para salvá-la...

—Não sei se o que ele fez tem perdão... – Rafa comentou com raiva. Guilherme pareceu profundamente abalado por isso mas logo se recompôs e disse:

—Todos os garotos fizeram alguma coisa ruim e precisam de perdão.

Rafaela o encarou assustada. O que diabos ele estava falando? E por que estava falando isso pra ela?

—O que quer dizer?

—Quero dizer – ele pareceu pesar as palavras com cuidado –Que me importo com Marina e, se me importo com ela, também me importo com quem anda com ela. Só quero que vocês tomem cuidado com o Eli, a gente não conhece ninguém de verdade...

Guilherme virou as costas e foi em direção à sala do treinador que ficava nos fundos do ginásio. Rafaela se colocou de pé e gritou:

—Talvez a gente também não te conheça de verdade!

Ele continuou caminhando sem olhar para trás.

***

Quando o sinal tocou, Eli, Rafa, Marina e Luana decidiram que era uma boa ideia passar a tarde no lago. Foi um dia estressante com provas e tudo mais e eles acharam esse descanso merecido.

Marina se encostava no tronco de uma árvore enquanto Eli estava deitado na sua coxa. Luana apoiava a cabeça na barriga de Eli e Rafaela estava sentada com as pernas cruzadas de frente para os três.

—Eu estou tão cansada que nem consigo arrumar forças pra pular no lago – Luana disse olhando para o céu –E olha que eu adoro pular no lago em qualquer ocasião!

—Uau, você está acabada mesmo, hein, Luana? – Marina riu.

—Não é só ela – Eli comentou –Eu estava tão preocupado com essas paradas de escola, notas e trabalho que nem consegui ficar com raiva do Tiago quando ele falou aquelas coisas de mim no corredor...

—Que coisas? – Rafa perguntou.

—Falando que eu queria comer todas vocês, um negócio assim – Eli respondeu rindo –Mal ele sabe que pra mim vocês são piores que homens...

—Homens? Sério? – Luana fingiu estar com raiva –Você que é muito mulherzinha pra gente!

—Vai nessa... – ele encarou a loira –Você sabe muito bem que não tenho nada de mulherzinha.

Marina e Rafaela fizeram uma cara que tornou impossível para Luana e Eli segurarem o riso.

—Virgens... – Luana sussurrou.

—Ei! Como se isso fosse uma coisa ruim... – Marina protestou –Aliás, a única virgem aqui é a Rafaela.

—Obrigada por me expor desse jeito, Marina – Rafa disse rindo.

—Como se ninguém soubesse – Luana riu.

—Ok, podemos mudar de assunto? – a castanha começou a ficar sem graça.

—Olha só, a virgem não gosta de falar de sexo. Que surpresa! – Luana exclamou –Mas a gente pode resolver isso. Que tal uma suruba comigo, o Eli e a Marina? Podemos chamar o Guilherme também...

—Aí eu não topo, não faço coisas com um homem na mesma cama que eu... – Eli interrompeu a loira.

Eles continuaram essa brincadeira por um tempo mas Marina estava distraída demais pra prestar atenção. Tudo em que ela conseguia pensar era no cabelo platinado de Eli que estava a centímetros de sua mão. Ela sabia que, depois de pintar o cabelo muitas vezes, ele deveria ficar ressecado mas os cabelos dele pareciam tão macios que ela se perguntava o que aconteceria se os tocasse, se iam simplesmente se desmanchar nas suas mãos.

“O que diabos eu estou pensando?”, ela pensou consigo mesma. Ela ainda amava Guilherme, estavam juntos há anos, tinham feito planos, o que estava acontecendo agora? Ela não largaria tudo por um menino que ela mal conhecia e todos julgavam não confiável. Eli tinha uma aura tão leve, diferente de Guilherme que despertava o que havia de mais urgente nela. Eli era calmo mas ao mesmo tempo incerto e emocionante. Era um mistério que ela nunca tinha vivido antes mas quem precisa de mistério quando se tem amor, certo?

Ela censurou seus pensamentos e forçou-se a prestar atenção no que diziam.

***

—Bom, eu já vou indo – Eli se levantou, passou as mãos pelos cabelos bagunçados e sorriu para as meninas –Alguém vai querer carona?

Antes mesmo que pudesse pensar, Marina respondeu:

—Eu quero.

—Ok – o garoto se despediu das meninas e foi em direção ao carro com Marina andando ao seu lado –Acho que nunca fui até sua casa. Finalmente vou descobrir onde você mora. Talvez um desconhecido possa começar a deixar bolos por lá...

—Minha mãe os comeria antes mesmo de eu conseguir abrir a porta – ela disse rindo –Ela adorou e ajudou muito, na verdade. Obrigada.

—Sempre que você precisar.

Eles chegaram ao carro. Eli segurou a porta para Marina entrar, isso a fez corar. Nem mesmo Guilherme fizera isso no começo do namoro e olha que ele era um namorado carinhoso e gentil. Ela agradeceu com um sorriso tímido e entrou.

O que nenhum deles percebeu foi o carro que estava parando no acostamento e as pessoas dentro os observando.

***

Já que não havia mais a barriga de Eli para se deitar, Luana estava com a cabeça na perna de Rafaela que fazia cafuné nela distraidamente.

Rafa não conseguia parar de pensar na noite passada e em todos os quases que poderiam ter acontecido naquele momento. Se ela tivesse tido coragem, as duas poderiam ter se beijado. Se Luana tivesse tido coragem, Rafa poderia finalmente saber o que tanto a atormentava mas as duas foram covardes e agora estavam ali, um milhão de coisas não ditas entre elas e uma curiosidade que esmagava o peito.

—Lu – ela disse baixinho, Luana levantou o olhar para ela. Estavam caladas há tanto tempo que o som de voz humana causava estranhamento –Não consigo parar de pensar em ontem...

A expressão de Luana era indecifrável. Era impossível dizer se estava com raiva, triste ou qualquer outra coisa. Isso deixava Rafaela aterrorizada.

—Sinto muito se te assustei, me sinto uma merda – a loira finalmente respondeu –Odiei ter chorado como um bebê ontem, queria poder esquecer essa parte...

—Considere esquecido – Rafa sorriu ao ouvir a amiga rindo, isso era um bom sinal pelo menos. Rir era sempre bom.

—Tem muitas coisas sobre as quais eu não consigo falar – Luana continuou, dessa vez mais séria –Um dia vou te contar tudo, juro!

—O que você está esperando?

—Quero ter certeza de que você não é como todo mundo – a loira voltou a fixar seus olhos nos de Rafaela, seus olhos cinzentos deram à Rafa a impressão de ser analisada minuciosamente –Quero ter certeza de que você não vai me rotular e colocar em uma caixa assim que eu me abrir pra você.

—Pode ter certeza de que eu nunca farei isso – Rafa respondeu e o silêncio entre elas voltou, mas não tão esmagador quanto antes. Era quase reconfortante.

Depois de alguns minutos, Luana suspirou e se levantou. Ela disse:

—Já vai ficar tarde – estendeu a mão para a amiga e a ajudou a levantar –Vou com você até sua casa, depois volto pra minha.

E caminharam juntas enquanto escurecia.

***

—Marina, aquele carro definitivamente está nos seguindo – Eli comentou enquanto olhava discretamente pelo espelho retrovisor. Ele percebera o veículo há alguns minutos e comentou com Marina que achou aquilo um absurdo. Mas depois de dar algumas voltas e até dirigir em círculos por alguns minutos ficou claro de que aquele carro tinha um objetivo bem claro.

—Isso não faz sentido – ela disse –Quem nos seguiria?

—Não faço ideia, mas vamos descobrir – ele parou o carro. O carro de trás também parou. Marina sentia o seu sangue gelar. Eli respirava fundo como que para tomar coragem.

—Não acho que isso seja uma boa ideia, Só precisamos ir até uma delegacia e estaremos seguros...

—Não tem nenhum lugar nessa cidade seguro – ele respondeu.

—Como sabe?

—Eu só sei – ele parecia pensar em algo enquanto dizia isso, Marina estremeceu ao ouvir essa declaração mas nada a assustou mais do que o que ouviu a seguir –Tem uma faca no porta-luvas, se eles começarem a me bater. Só por precaução. Mas se você ver que esses caras estão armados, dirija pra longe, ouviu?

A loira apenas concordou aterrorizada enquanto o garoto de cabelos platinados saía do carro.

Ela viu três garotos saírem do carro mas, de onde estava, não conseguiu distinguir os rostos. Eli conseguia vê-los claramente...

—O que está fazendo, Guilherme? – Eli ficou surpreso ao ver Guilherme, Tiago e mais um garoto que andava com eles cujo nome ele não se lembrava –Você quase nos mata de susto. Isso poderia ter acabado mal...

—Vai acabar mal, Eli, pra você! – o garoto disse quase cuspindo as palavras.

—O que?

—Quem você pensa que é pra pegar a minha namorada? – ele deu um tapa no peito de Eli que o fez recuar para trás mas o garoto logo se recompôs –Acha que pode fazer o que quiser e ninguém vai fazer nada porque tem medo de você? Isso acaba hoje, Eli.

—Medo? Eu nunca falei de medo! – Eli respondeu com raiva –As pessoas me respeitam, ao contrario do que fazem com você, né? E eu não quero nada com sua namorada, ela é só minha amiga...

—Claro... – Guilherme riu mas era uma risada com raiva, com deboche –Quando eu arrebentar essa sua carinha ela não vai querer nada com você.

—Você não conseguiria encostar um dedo em mim...

Isso bastou para que Guilherme se atirasse para frente mas Eli se moveu rapidamente e o garoto tropeçou no vazio. Seus amigos estavam parados sem saber o que fazer mas Guilherme ficou furioso com a falta de respeito do loiro platinado. Ele tentou dar um soco mas Eli se abaixou e seu punho acertou o vazio, tentou dar um chute mas sua perna não atingiu nada. Infelizmente, Eli não podia lutar sozinho contra três.

Quando Tiago e o outro menino o seguraram, Eli soube que estava perdido. Guilherme riu e acertou um soco bem na sua cara. Eli sentiu-se atordoado mas soltou uma risadinha enquanto dizia:

—Só isso?

Guilherme ficou ainda mais furioso e deu um chute no estômago do rapaz. Ele gemeu baixinho mas aguentou firme. Sentiu outro soco mas dessa vez nas costelas. Um punho acertou seu nariz, o sangue jorrou e pingou no chão. Mais socos na costela, um tapa na cara. Ele estava tão tonto que a única coisa que o mantinha de pé eram os meninos que o seguravam. Mas escutou a voz de Guilherme ao fundo, como se fosse um rádio com interferência, e isso fez com que ele ficasse totalmente desperto:

—Onde foi parar toda a sua coragem?

Rápido demais para que qualquer um deles tivesse tempo de ver o que estava acontecendo, ele se atirou em direção ao Guilherme e o derrubou no chão. Não se distraiu, não brincou, apenas socou a cara dele até sentir os punhos doerem. Ouvia sua própria voz gritando mas parecia ser em outro mundo, outra realidade. Sentiu as mãos dos garotos sobre ele mas os afastou com um soco no queixo de Tiago e outro no joelho do outro garoto. Quando a dor nos seus punhos se tornou insuportável, ouviu uma voz de mulher gritando.

—Para, Eli! – logo sentiu as mãos de Marina o tirando de cima do seu namorado. Ela o encarava assustada, ele sentia vergonha e queria se esconder mas não deixou transparecer. Apenas saiu de cima de Guilherme e sentou no asfalto.

Os dois garotos já se levantaram e foram em direção a Guilherme. Marina o tocava com cuidado:

—Ai, meu amor. Vamos cuidar de você, ok? Tiago, me ajuda a levantá-lo.

Eles apoiaram o garoto e o levaram até o carro. Eli não queria esperar para ouvir o que Marina iria dizer a ele. Simplesmente entrou no seu carro todo sujo de sangue e foi pra bem longe.

***

Estava bem escuro mas Luana já estava dobrando na rua de casa então não se preocupava. Tinha sido um dia bom, diferente da noite anterior. A vergonha por ter chorado tanto na frente de alguém já se dissipara e ela quase acreditava que tudo ficaria bem em breve.

Entrou pela porta de casa e ficou paralisada no mesmo instante. Seu pai estava sentado na poltrona com uma expressão cansada, mas não fora isso que a surpreendera.

Sua mãe se encontrava em pé na sala de estar com uma expressão nem um pouco agradável.


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