Sala 7 escrita por KiaHeronstairs


Capítulo 5
Capítulo 4 - O Adeus




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Minha mãe lançou-me um olhar furioso e ao mesmo tempo confuso, parecia estar ofendida.

— Sabe o que? – Indagou
.
— Tudo! – Respondi. – Não, não tudo. Tenho certeza que o maluco da bilheteria não contou a história toda. – Completei com um tom de sarcasmo
.
Cruzei os braços enquanto assistia o rosto da minha mãe se contorcer numa careta ilegível. A pouca luz vinda do corredor era a única que iluminava a sala, deixava tudo com um ar meio misterioso e de filme de suspense, mas não tanto quanto aquela sala escondida no subterrâneo do shopping Kingston. Na verdade, na jamais seria tão sinistro quanto aquele lugar. Os pelos dos meus braços se eriçaram só com a lembrança.

— Você está se envolvendo com a turma dos drogados do Colégio Gold de novo? – Ela apontava o dedo indicador acusadoramente da minha direção.

Levei uma das mãos até a cabeça massageando o local e suspirei. Com certeza ela referia-se a turma da Luella, com quem tive o maior desprazer de encontrar mais cedo aquela noite. O que ela não sabia era o quanto eu os desprezava. Certa vez fui azarada o suficiente para ser vista próxima a eles, supostamente conversando, quando o idiota do Adam estava jogando conversa fora com a sua “peguete”.

— Mãe, eles não são meus amigos. Eu nem gosto daquela gente, já falei!

Ela levantou-se do sofá apressadamente mexendo nos longos cabelos malcuidados e caminhou em direção a mesa de centro onde localizava-se o telefone, lista telefônica, alguns bibelôs, revistas aleatórias de moda e, finalmente, a agenda telefônica. Ela folheou algumas vezes, correu o dedo pela página e apanhou o telefone, já começando a discar.

— O que está fazendo? – Perguntei com a voz esganada. – Mamãe, pode falar comigo? Pare de fugir do assunto! – Supliquei.

Fui ignorada.

— Oi! Eu gostaria de falar com a Marta. – Pediu ela ao telefone com seu mais educado tom de voz. – É a Clara Max. – Pausa curta acompanhada de bochechas coradas e uma leve balançada de cabeça em concordância. – Sim, sou eu. – Respondeu enquanto enrolava o dedo impacientemente na linha solta de sua blusa.
Estava de punhos fechados grudados junto ao meu estômago como se estivesse prestes a vomitar. E sentia que estava.

— Mãe! – Gritei.

Se ligasse para o Adam agora ele jamais acreditaria no que estava acontecendo. Todos odiávamos a tia Marta – carinhosamente apelidada de tia Morta –, apesar dela só ter nos visitado três vezes. Era irmã mais velha da mamãe. A mulher era a mãe de Lúcifer. Ex-Governanta, atual milionária, viúva, mandou as três filhas para um convento e seu único filho homem morreu misteriosamente. Aparentemente ela repudiava tudo o que respirava, principalmente se o que respirava possuía um pênis.

Minha mãe ligava para tia Marta só por educação e geralmente uma vez por ano, ás vezes nem isso. Ou quando o assunto era vida ou morte, e mesmo assim ela só era contatada em último recurso, o que, eu tinha certeza, estava acontecendo naquele momento. Isso só provou minha teoria de que ela, de fato, não queria que eu descobrisse algo.
Uma onda de adrenalina correu pelo meu corpo fazendo eu pular em frente à minha mãe e arranquei o aparelho de suas mãos trêmulas já escondendo o mesmo atrás das minhas costas. A encarei com um olhar raivoso e magoado. Ela permaneceu estarrecida e congelada como se ainda segurasse o telefone.

— Eu não acredito que prefere me mandar para a Rússia em vez de me contar a verdade! – Deixei todo o meu aborrecimento transparecer em minhas palavras, queria que ela se sentisse culpada.

— Não temos nada para falar, Lorena. – Retrucou.

Suas mãos trêmulas e sua cor meio verde me diziam o contrário, eram os sinais mais óbvios de que ela estava mentindo. Era uma péssima mentirosa. Ela avançou um passo em minha direção e eu recuei. Ela tentou novamente e eu fui distanciando-me cada vez mais. Primeiro pensei, ingenuamente, que ela estava tentando me tocar para me confortar, mas logo me lembrei que segurava o telefone firmemente com ambas as mãos atrás das costas. Engoli seco em desgosto.

— Onde está o anel? – Sussurrei. – O anel do papai. Eu preciso dele. – Expliquei ao notar sua confusão.

Ela se encolheu inconscientemente à mínima menção dele. Senti-me culpada por trazer o assunto à tona e fazê-la reviver a dor de ter perdido o amor de sua vida sem nem saber o porquê. Meus olhos encheram-se d’água, tive que piscar algumas vezes para afastar as lágrimas que insistiam em voltar e isso só pioraria a situação. Pelo menos a Marceline estava na casa da Monique e o Tommas já estava na cama, não teriam que presenciar aquela cena.
Ainda um pouco aérea ela tocou seu pescoço onde repousava o anel em uma corrente de prata. Ela não me olhava.

— Por que a Marcy não tem o gene? Por que eu?

Essas perguntas martelavam na minha cabeça desde que deixei a sala de Elias. Eu não era a filha mais velha. Normalmente quando algo dessa magnitude acontecia, como quando o pai se aposenta ou morre e deixa a empresa para o filho, era sempre o filho mais velho o escolhido. Por que eu? A Marceline era vivida. Quer dizer, não tínhamos muita diferença idade, mas ela tinha atitude, ela vivia intensamente, sabia das coisas. Eu só ficava em casa sessenta por cento do meu tempo quando não estava na escola, nas aulas de teatro ou com o Adam. Tinha certeza que ela não tinha a menor ideia no tamanho da bagunça que era nossa vida.

— Nem todos têm. – Respondeu mamãe com a voz fraca e deu de ombros.

Não acreditei nem por um segundo.

Bufei de frustração e dei-lhe as costas levando o telefone comigo. Corri pelo corredor passando direto pela cozinha e subindo as escadas pulando os degraus de dois em dois. Entrei no meu quarto e peguei uma mochila vermelha gasta escondida estrategicamente no fundo do guarda-roupas, dentro dela havia meu dinheiro para emergências. Enfiei algumas peças de roupas ali, uma bateria extra para o celular e um mini kit de primeiros socorros que eu ganhara quando fui acampar. Joguei a mochila no ombro esquerdo e desci correndo as escadas adentrando imediatamente a cozinha. Apanhei alguns pacotes de biscoito, água numa garra térmica e uma faca – não me pergunte porquê.
Quando cheguei na sala minha mãe estava no sofá cor de caramelo, ela ergueu a cabeça para me olhar e seu queixo caiu.

— Onde vai? – Perguntou.

— Resgatar o papai.

Ela me olhou como se eu fosse um alien e levantou-se.

— Pare de ser ridícula. Volte para o seu quarto. – Gritou.

Ela passou a manga da blusa no nariz e fungou. Não havia notado que ela estava chorando.

— Ele não morreu, mamãe. – Falei calmamente. Eu queria consolá-la.

— Isso é ainda pior. – Sussurrou ela para ninguém em particular.

Tomei fôlego e avancei através da sala, parando na sua frente e puxei o colar de seu pescoço com agilidade, pois após muita reflexão me lembrei que ela sempre usava uma corrente prateada no pescoço, então ficou bem claro que era a última lembrança do meu pai que ela se agarrara com todas as forças. Corri segurando o objeto firmemente nas mãos
e abri a porta antes que fosse impedida.

— Se sair por essa porta não precisa voltar! – Avisou ela visivelmente magoada, mas determinada.

Sai pela porta sem olhar para trás ou dizer uma palavra.

Assim que fechei o portão de casa as lágrimas vieram e não tentei impedir…. Não até me deparar com Adam. Ele estava encostado despreocupadamente no muro com as mãos nos bolsos da blusa de moletom. Virei-me discretamente para o lado oposto e enxuguei as lágrimas com as costas das mãos. Sabia que meu rosto estava vermelho, mas corri as mãos pelos cabelos para arrumá-los e fiquei de frente para ele.

— Ela parecia bem… transtornada. – Comentou, fingindo não notar que eu estava chorando.

— Nem me fale! – Suspirei, entrando no jogo de agir normalmente. – Ela nem reparou que eu voltei do shopping com
outras roupas. – Desabafei.

Adam assentiu compreendendo e me fitou com olhos calmos, tentando esconder a preocupação. Quis abraça-lo. Ele apontou para a mochila que eu carregava e sorrio tristemente.

— Preciso encontrá-lo, Adam. – Disse. Ele sabia exatamente do que eu estava falando.

— Confia mesmo naquele homem, Lori? – Sua voz era cautelosa.

— Não tenho muitas opções. – Dei de ombros.

— Ok. Então vamos logo. – Disse ele aproximando-se de mim enquanto ajeitava a alça da mochila nas costas.

Mochila?

— Não! – Repreendi. – Não mesmo! Essa bagunça é minha, não sua.

— Eu garanto que você não vai sair daqui se não for comigo. – Ele usou sua voz grave e o olhar assustador para me intimidar.

Odiava quando ele fazia isso.

— Não! – Repeti.

Virei para a esquerda contornando a esquina da minha casa em passos rápidos dirigindo-me ao ponto de ônibus, tentava ignorar a dor no corpo e nos ferimentos, internamente torcendo para ele voltar para a casa dele e esquecer essa história, mesmo ouvindo claramente o som de seus passos logo atrás de mim.

Eu amava Adam e sua companhia, mas precisava fazer isso sozinha, seria arriscado demais e não queria metê-lo em perigo, mas acontece que, na nossa relação, eu era a que temia o desconhecido, não ele. Eu queria sair gritando de volta para minha mãe e implorar por seu perdão. Queria nunca ter ido naquele shopping. Mas, acima de tudo, eu queria meu pai de volta e estava pronta para enfrentar todas as dimensões se fosse preciso.


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