Akai Ito escrita por cass tavares


Capítulo 1
Capítulo Único




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Existe uma lenda japonesa que diz que as almas gêmeas são conectadas umas as outras por um fio vermelho, amarrado na ponta do dedo mindinho e invisível aos olhos. Segundo ela quanto maior for o fio mas longo e tortuoso será o caminho percorrido ate que essas duas almas se encontrem. Poucas pessoas conhecem essa lenda, claro, morávamos nos Estados Unidos, não no Japão, mas eu a conheço desde criança. Descobri sobre ela quando percebi que via algo que ninguém mais via, eu enxergava os fios vermelhos.

Já passei por maus bocados por causa disso, tive que ir em vários psicólogos quando criança, tive que ver que o fio no dedo da minha mãe não estava ligado ao do meu pai, mas principalmente, tive que lidar com o fato que eu não possuía um fio.

Sim, isso acontece, é raro, mas eu encontro vez ou outra vejo pessoas que possuem nada amarrado ao seu dedo. As lendas nunca me deram uma explicação para isso, não que fosse preciso, a resposta era bem obvia. Essas pessoas, pessoas como eu, estavam destinadas a ficar sozinhas.

Depois que aceitei isso minha vida se tornou bem mais fácil, já não precisava me preocupar com relacionamentos, poderia apenas ficar cantando pessoas aleatórias sem precisar me preocupar em namora-las. Pode ate parecer solitário, mas é algo com o qual já me acostumei.

Mas devo admitir que ver os fios não era algo de todo ruim, me passava uma sensação de que eu estava sempre um passo a frente de todos (mesmo que em outros assuntos fosse exatamente o contrario). Eu não fiquei surpreso quando Keith e Shiro finalmente assumiram namoro após o quase sacrifício de Keith, nem se quer arregalei os olhos quando Hunk falou estar apaixonado pela Shay. Mas as vezes ainda sou pego de surpresa, como quando vi que a Allura estava ligada ao Lotor. E tenho compaixão pela Pidge, cuja a linha ainda é enorme e eu não faço ideia de quem está do outro lado, e pelo Coran, que tinha seu fio cortado (sinal de que a outra pessoa havia morrido).

Mas foi quando conheci Matt que realmente me surpreendi. Ele era como eu, alguém sem alma gêmea. Devo dizer que senti um pouco de pena dele. Ele claramente ainda tinha esperança de encontrar alguém, e eu sabia que isso não ia acontecer (teria tido mais compaixão se ele não tivesse dado em cima da Allura)

Desde que Matt apareceu, se tornou alvo de minha atenção. Observei tudo nele, como agia, como comia, como falava. Só queria um sinal, alguma coisa que me indicasse o que deveria ser feito. Não sabia se deveria deixar o assunto quieto ou se deveria contar para ele... quer dizer, não poderia simplesmente chegar falando sobre fios vermelhos e destino, eu iria parecer louco desse jeito, mas também não conseguia ficar calado, sentia que não era certo fazer isso.

O problema é que de alguma forma Matt percebeu que estava sendo observado (ainda não sei como, eu sou um ninja! Discrição é minha principal qualidade!) e resolveu me confrontar.

— hum... Lance, não é?- perguntou e eu assenti- então, eu meio que notei que você vem me observando a um tempo e queria saber qual o problema. Tipo, você acha que eu não sou confiável ou algo assim? Por que eu amo minha irmã e nunca trairia a confiança dela.

— o... o que? E... eu não estou te..  te observando, a...apenas te achei... diferente- menti- e... eu sei que você não... não trairia a Pidge... dá.... dá para perceber que você a ama muito.

Claro que eu menti perfeitamente bem, por que sou o Lance, consigo enganar qualquer um. Ele, inocente como era, apenas abriu um sorriso como quem havia entendido a situação e falou:

— ahh, tudo bem, desculpe pelo transtorno- sorriu se virando para ir embora- e eu também acho você diferente Lance.

Eu não entendi direito o que aquilo queria dizer, mas resolvi tomar como um elogio.  

Depois desse dia Matt começou a cantar Allura cada vez menos, também estava ficando mais próximo de mim ao ponto de nos divertirmos trocando piadas as vezes (devo admitir que ele era muito engraçado). O único problema era que ele gostava de me provocar. Vez ou outra, enquanto conversávamos, ele ficava incrivelmente perto de mim (a ponto de eu sentir sua respiração) ou então ele dava em cima de mim e saía sem falar nada, enquanto eu ficava lá corado sem saber o que falar ou como agir. Esse cara realmente gostava de mexer comigo.

Eu, claro, não ia deixar as coisas ficarem assim para sempre, resolvi responder, agir da mesma forma que ele agia comigo. Não é como se algo de ruim fosse acontecer por causa disso, nós dois estávamos destinados a ficar sozinhos mesmo.

Devo admitir que fiquei triste quando ele teve que sair para continuar a sua missão eu senti falta dele, e, quando foi a hora do ataque, fiquei muito preocupado e não entendia o motivo. Quer dizer, sim, eu achava ele legal, na verdade ele era incrível, mas não o conhecia tão bem a ponto de me sentir dessa forma. Eu realmente fazia a menor ideia do que estava acontecendo.

Felizmente, apesar de muitos contratempos e reviravoltas chocantes (quem iria imaginar Lotor passando para o nosso lado?), nós conseguimos superar os desafios e sobreviver a mais uma batalha.

Houve muita confusão quando nos reunimos em nossa base para discutir as situação. Tivemos muitas baixas, o Keith quase se sacrificou e não sabíamos o que fazer quanto ao nosso aliado (?) inesperado. Acabamos decidindo ao menos ouvir o que Lotor tinha a dizer, ele meio que tinha salvado nossos traseiros e era melhor não tê-lo como inimigo. Mas claro que deixamos soldados o escoltando, não podíamos arriscar mais um ataque.

Foi uma negociação complicada, mas acabamos decidindo que o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo (mesmo que ainda não confiássemos nem um pouco nele). Não iriamos ser idiotas e confiar cegamente nele, mas por hora possuíamos um inimigo em comum e isso era mais que o suficiente.

Após todo esse clima tenso veio a hora do drama. Vimos o Keith e fomos correndo ate ele, nenhum de nós acreditava que ele quase havia morrido. O primeiro a chegar ate o dono daquele mullet horrível foi o Shiro que imediatamente o puxou para um beijo. Como eu já disse antes, aquilo não me surpreendeu, então apenas observei a expressão chocada que toda a equipe estava fazendo, contendo os risos.

— pelo menos finja surpresa-sussurrou Matt ao meu lado com uma voz brincalhona. Eu me fiquei muito confuso. Por que ele estava prestando atenção em mim e não nos dois pombinhos. Será que ele era como eu?

Não, eu não podia começar a ter esperanças.

— v...você também não parece chocado- respondi no mesmo tom de voz.

— digamos que eu já estava esperando por isso- falou e eu arregalei meus olhos tentando entender o que estava acontecendo- por que não conversamos depois, quando estivermos sozinhos? Eu acho que temos muito em comum e podemos nos dar muito bem.

Depois de dizer isso ele saiu e foi conversar com a Pidge.

Levou alguns dias até tudo se acalmar e, nesse tempo, eu e Matt não tínhamos nada mais que conversas superficiais que aconteciam na presença de todos, o que me deixava muito nervoso. Eu precisava saber a verdade, tinha que descobri se ele via os fios ou não.

Eu estava jogado na cama quando ouvi alguém batendo na porta. Me levantei cansado e a abri, me surpreendendo ao ver quem estava do outro lado.

— podemos ter nossa conversa agora?- perguntou Matt com um sorriso calmo no rosto.

Eu assenti abrindo espaço para ele entrar, estava muito curioso para descobrir a verdade.

Ele entrou e se jogou na minha cama como se o quarto fosse dele, sem se importar com nada.

— então- falou depois que eu fechei a porta- quem foi que te contou?

Eu pisquei confuso, não estava entendendo nada.

— qual dos dois te falou sobre o namoro secreto? O Shiro ou o Keith?- disse ele ao perceber minha expressão.

Meu desapontamento não poderia ter sido maior. Por um momento eu realmente havia acreditado que não estava sozinho, que a ausência do fio podia significar algo além de solidão.

— e então, quem te contou?- insistiu.

— ninguém- respondi encarando o chão- na verdade eu nem sabia que eles estavam juntos antes daquele beijo.

— mas parecia que você já estava esperando que algo assim acontecesse

— não é difícil ver a tensão sexual entre os dois- dei de ombros

— jura? Então você deve ter uma boa visão,  nenhum dos outros desconfiavam de nada e eu não saberia se o Shiro não tivesse me contado.

— fazer o que? Eu sou um ninja, percebo qualquer coisa- sorri me gabando.

— a Pidge me disse exatamente o contrario- ele riu- ela falou que você é o mais desligado e que era bobo

Fiz cara de ofendido.

— com licença, eu sou incrível! Sou o favorito do espetáculo Voltron!

— na verdade o favorito é o Shiro

Apenas bufei indignado.

Continuamos conversando por um tempo sobre coisas aleatórias enquanto eu tentava me manter animado, mesmo estando meio triste no momento.

— mas é sério Lance, como você sabia sobre o Shiro e o Keith?- ele resolveu voltar ao assunto principal.

— você não acreditaria se eu contasse.

— estamos no meio do espaço, lutando contra alienígenas roxos. Você pilota um gato robô vermelho que se junta com outros para formar um robô gigante- ele fez uma pausa- você pode me falar que descobriu por que um unicórnio cor-de-rosa montado em uma zebra te contou, que eu vou acreditar.

Eu suspirei sem saber o que fazer. Ele parecia ser confiável, mas eu não conto sobre isso para as pessoas desde que aprendi que era o melhor jeito de evitar ser chamado de louco. Nem o Hunk, meu melhor amigo, sabia sobre isso.

— ei, sei que não nos conhecemos a tanto tempo, mas você pode contar comigo

Respirei fundo pensando bem na situação. Se eu não contasse ele iria ficar insistindo no assunto, mas se eu contasse... bem, ele poderia contar para o resto da equipe, todos passariam a me achar louco e talvez eu ate perdesse o direito de ser um paladino. Quer dizer... eu sabia que isso era improvável, no máximo ele acharia que era uma piada e esqueceria o assunto, mas mesmo assim não conseguia deixar de ficar receoso quanto a isso.

Respirei fundo tomando minha decisão.

.     .     .

— então todo esse lance de almas gêmeas existem, e você consegue ver a quem cada pessoa é destinada?- perguntou Matt aparentando estar confuso. Eu assenti, já esperando pelo pior- cara, isso é tão incrível!

Arregalei meus olhos, ele estava zoando com a minha cara? Era uma piada, né? Ninguém acreditaria no que eu falei tão facilmente, mesmo que fosse a verdade.

— quer dizer que você é tipo um cupido? Sai juntando casais por ai?- perguntou animado.

— não é bem assim... as pessoas já estão destinadas a se encontrar, no seu próprio tempo, eu apenas fico na minha e deixo as coisas seguirem seu fluxo.

— então você nunca interfere?- ele parecia meio desapontado.

— nunca- afirmei.

Continuamos conversando por um tempo. Matt ficava me fazendo perguntas sobre meu “dom” e eu respondia. Contei para ele praticamente tudo, falei sobre minha infância passando de psicólogo em psicólogo, todos tentando me “curar”, falei das más experiências que tive por ser assim e falei das boas também.

Eu nunca havia imaginado que me sentiria tão bem falando sobre esse assunto com alguém, sempre imaginei que fosse me sentir desconfortável falando sobre isso, mas não era assim com Matt. Ele me fazia querer falar mais e mais e parecia não se incomodar que eu estivesse tagarelando sem parar, parecia até estar gostando, na verdade.

Nos dias que se passaram nós ficamos mais próximos ainda, conversávamos o tempo todo, trocávamos piadas e ele me perguntava as vezes quem era ligado a que pessoa, só para se divertir.

Fiquei aliviado que em nenhum momento ele chegou a me perguntar quem era sua alma gêmea, não sei o que iria fazer se isso ocorresse, só sei que não ia ter coragem de falar a verdade.

Não demorou para que nós nos beijássemos. Foi em um dia qualquer, após uma missão, ambos estávamos exaustos e feridos. Eu olhei para seu rosto, estava suado, sujo e com o cabelo grudando na testa, mas para mim ele não poderia estar mais perfeito. Foi ai que nossos olhares se encontraram e eu simplesmente soube o que ia acontecer. Não lembro quem foi que avançou, se fui até ele ou ele foi até mim, mas quando percebi nossos lábios já estavam se tocando. Foi incrível.

O que eu sinto por Matt hoje me faz questionar tudo que eu um dia pensei saber sobre os fios vermelhos. Não acredito que eu esteja destinado a ficar sozinho e não acredito que meu amor por ele não seja verdadeiro. Gosto de imaginar que a ausência de um fio tenha um significado único, talvez indique que nosso futuro vai ser mais turbulento, talvez signifique que não temos apenas uma alma gêmea ou talvez queira dizer que somos uma combinação tão boa que não precisamos de um pedaço de barbante para ficarmos juntos.

Gosto particularmente desse último.


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