Desabafos escrita por Yurie


Capítulo 3
Pequeno recado ao mundo (e a mim mesmo)




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Parece tão fácil, né?

...

Já é a terceira vez que abro esse mesmo desabafo. 

Que reviso meus pensamentos de novo e de novo e de novo...

Não por alguma espécie de capricho, de orgulho de escritor (ok, talvez um pouco...)

Mas porque esse é meu diário. Aberto, público, exposto. Mas, sim, um diário. Algo onde eu possa realmente derramar minhas lágrimas, segredos e inseguranças. Onde eu posso um dia olhar de novo e entender exatamente pelo qual eu 'tava passando. O que eu 'tava sentindo. 

E não acho que meu primeiro desabafo foi tão fiel aos meus sentimentos quanto deveria ter sido. 

Então, vamos começar de novo, okay? 

Assisti um filme hoje. Na Netflix (~paga nóis).

Three Generations, ou Meu Nome é Ray. 

Lindo. 

No começo, achei que estava tão ansioso porque o filme era bom. Porque cativa. Porque te joga na pele das personagens e te faz viver ali. 

Mas não - não apenas. 

Percebi que eu sou Ray. Em muitas coisas. 

Percebi que quero mudar assim como ele. Que quero virar outra pessoa. Mudar de voz, de vida, talvez de escola (por um novo começo, por que não...?). De corpo. 

Tudo o que Ray queria era ser normal. Tudo o ele queria era parar de ser uma exceção. 

Tudo o que eu queria era não ser tão confuso e fodido e estranho quanto sou. 

Mas também percebi uma coisa que estava clara, tão clara, mas ainda assim tão confusa...

Ray tinha 16 anos. Mais novo que eu. 

E ainda assim, ele tinha tanta certeza

Ele sabia o que queria. Sabia como queria ser chamado, o que queria fazer com o próprio corpo, o quanto estava disposto a sacrificar por isso, como deveria se sentir, o que deveria fazer... 

E eu? 

Estou aqui, largado na minha sala à meia-noite de uma sexta-feira (sábado, whatever), escrevendo um desabafo idiota em um diário virtual público, exposto para qualquer um ver, o quanto eu não sei nada sobre mim mesmo.

Quem sou eu, de verdade? O que eu quero? O quanto o meu corpo 'tá errado? 

Insisto em dizer que tô bem, que sei o que tô fazendo, que não preciso de rótulos e tudo mais... E, ainda assim, continuo dizendo a mim mesmo que tenho que parar de ser indeciso, que tenho que escolher como vou me identificar, que eu tinha que ter noção de alguma coisa já, nessa idade. 

Mas eu não sei porra nenhuma

Quem sou eu? 

Qual meu nome? 

Qual é a dessa corpo? 

O que eu faço quanto a isso?

Há alguma coisa que eu possa fazer? 

Eu não sei. E não tem ninguém que saiba. Ninguém com quem eu possa falar, pelo menos. 

Ninguém parece me entender. 

Todos os que poderiam, são velhos demais, distantes demais. 

E todo mundo parece que tem tanta certeza

Eles sabem o que são. O que querem. Como funciona. 

Todo mundo diz que é claro. Que você já sabe desde pequeno. Que é instintivo. 

Não para mim. 

O que foi, eu perdi o manual de instruções? Meu guia prático não chegou? 

Ou eu estou simplesmente quebrado? A vida me bateu muito forte? Ou foi a minha família? Meus amigos? Todo mundo? 

... Eu mesmo? 

Gente, socorro. 

Alguém chama um mecânico, por favor. 

Acho que quebrei, ó, perdi todas as minhas certezas. 

Elas caíram ali, na frente do espelho. 

Uso um binder. Cabelo curto. Digo a todo mundo que só sou mais tomboy. Queer. Não sou um garoto. Só não sou uma garota. 

A verdade? 

Eu não tenho mais tanta certeza. 

Minha voz podia ser mais grossa. Meu peito podia ser mais achatado. Eu não acho que me importaria em parar de menstruar - nem um pouco. 

Mas... 

Eu não sei. 

Simplesmente não sei. 

Como eu disse, perdi minhas certezas. 

Bem ali, na frente do espelho. 

...

Deveria ser.


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