A gente se acostuma...

...

‘Tô cansado.

Exausto.

De acordar sempre na mesma hora. De ir sempre ao mesmo lugar. De ver sempre os mesmos rostos. As mesmas coisas.

Nada nunca muda. São sempre os mesmos assuntos, as mesmas fofocas, o mesmo vazio.

A mesma incerteza em saber por que estou aqui (?)

Dia a dia a dia a dia a dia... Rotina.

Todo dia a mesma. Sempre a mesma coisa.

Presa. Confinada nas mesmas horas. Nas mesmas cenas.

Como é possível viver se não há o que sentir?

Tem um texto para fazer na segunda. E aquele questionário na terça. Depois tem a lista de exercícios na quarta, a correção da prova na quinta, o fichamento na sexta.

Fim de semana, esquece. A cabeça tá cansada demais.

Deixa pra sair no outro. No outro... No outro... No outro...

Ah, mas aí tem prova.

Deixa pra depois das provas... Das recs... Dos vestibulares...

“Quando eu terminar a faculdade eu descanso!”.

E a faculdade cansa. E o trabalho cansa.

E a vida cansa.

E a gente vai.

Cansando.

Pra quê?

Não há mais grandes legados. Foi-se o tempo dos descobrimentos, das revoluções.

A História cansou.

O mundo cansou.

A gente cansou.

Eu cansei.

Vamos parar um pouco.

Olhar o céu à noite. Caçar aquelas constelações de quando eu era criança. Deixa a prova pra lá. Pensa na faculdade depois. Esquece dos exercícios extras.

Só um pouco.

A vida vai seguindo e a gente vai cansando. Vai largando.

Vai estudando. Trabalhando. Tentando ser alguém.

Tentando fazer alguma coisa que importa.

O mesmo uniforme dia a dia a dia.

A mesma rotina semana a semana.

As mesmas cenas todo mês.

E o tempo passa.

Os relógios vão seguindo. Tiquetaqueando.

Contando o dia, a hora, o segundo que a gente tá desperdiçando.

Os batimentos que o nosso coração não vai bater de novo.

Trabalha. Cansa. Dorme. Acorda. Trabalha.

Mas não descansa.

Só segue. A vida. As ordens. O dinheiro.

E a gente cansa. Cansa tanto que se a acostuma.

A não dormir.

A dormir e não descansar.

A ter pesadelo. A rolar na cama pensando na conta que não pagou. No exercício que não sabia fazer. Cansado.

Sempre tão cansado.

“Aproveita agora, porque depois vai ser pior.”

Aproveitar o quê?

O Can-Can no recreio?

O churrasco na casa da Gi?

Aquele ínfimo fim de semana que vocês não me enterraram em lição de casa?

Tem tão pouca coisa para aproveitar – e dá para aproveitar tão pouco – que é melhor nem tentar.

Se acostuma.

A não ter tempo. A não ter vida. A não ter descanso.

Vai se acostumando com o cansaço.

Deixa pra descansar depois.

Faz os exercícios, as provas, as recs, os vestibulares, a faculdade, o trabalho que te passaram.

Deixa pra descansar depois.

Desse mês. Desse trimestre. Desse curso. Desse emprego.

Dessa vida.

...

... um pouco demais, eu diria.