Leon não sabia ao certo há quanto tempo já estava observando a figura adormecida de Kamui ao seu lado. Mas sabia que poderia ficar daquele jeito por horas a fio. Havia despertado quando as primeiras luzes do alvorecer começaram a invadir o quarto e a visão que era aquele homem maravilhoso deitado ao seu lado o impedira de fazer qualquer outra coisa.

Os fios escuros e desgrenhados que cobriam o travesseiro brilhavam ao menor toque da luz e ela já começava a  incomoda-lo, já que não demorou muito para que o habilidoso mercenário cobrisse seus olhos levando um de seus braços até os olhos.

O peito pálido e todo marcado por cicatrizes de batalha se movia em movimentos calmos e relaxados, contudo, o que realmente se destacava em toda aquela perfeição, imperfeita, era a marca que havia deixado perto de sua clavícula.

A marca que fazia daquele homem sua alma-gêmea.

A flecha seguia por toda a extensão da clavícula, seu corpo era todo desenhado com linhas delicadas e delgadas e ao final de algumas curvas, pequenas folhas brotavam dando um ar mais natural ao desenho. Por fim, uma especie de aura lilas que ia da ponta da flecha até a base, dava o toque final.

Aquela era a sua marca. E ela estaria para sempre no corpo de seu amado.

Claro que as coisas nem sempre foram harmoniosas entre os dois. Leon sempre fizera questão de deixar bem claro para Kamui que ele nunca seria, nem sequer um terço do homem que Valbar o era.

Valbar era seu ícone, seu homem ideal, sua alma-gêmea. Ou pelo menos, era nisso que gostava de acreditava e que rezava todas as noites para que a grande mãe Mila atendesse seu humilde desejo.

Contudo, qual não foi sua grande surpresa e raiva quando, durante um ataque daqueles malditos Terrors, a recém recrutada Sonya havia deixado uma bela marca de alma-gêmea no peito ensanguentado do SEU amado Valbar?

Tudo ocorreu bem depressa, aparentemente a maga estava prestes a receber um golpe letal de um Bonewalker que havia se aproximado sorrateiramente e como o bravo cavaleiro que era, Valbar nem sequer pensou duas vezes  antes de se atirar na frente do ataque que havia destruído sua armadura e deixado um grande e doloroso corte em seu torso.

Sonya rapidamente ajoelhou-se ao lado do homem caído enquanto gritava por socorro, Boey e Mae correram para finalizar o Bonewalker e Genny foi em direção ao quase inconsciente Valbar para ajuda-lo.

Assim que a mulher de longos cabelos magenta usou suas mãos na tentativa de estancar o sangramento, algo a mais aconteceu. Uma suave luz envolveu todo o ferimento e em seu lugar apareceu suaves círculos e inscrições magicas.

Leon ainda lembrava-se de como todos os outros se reuniram em volta do novo casal. Como assim que estavam certos de que ambos estava bem e viveriam para lutar novamente, os vários desejos de felicidade e vida longa foram direcionados a ele.

Mas o que realmente deixou seu coração destruído, foi o grande sorriso de felicidade e o intenso brilho nos olhos de Valbar e na forma em quem ambos se olhavam.

Desse dia em diante Leon foi se afastando cada vez mais do grupo, a dor que sentia era imensurável e não conseguia achar mais nenhum motivo para ficar vivo. Estava feliz pelo amigo, realmente estava, mas o fato de não ser ele a sua alma-gêmea, era como se nada mais fizesse sentido.

No dia em que Leon descobriu que, na verdade, era Kamui a sua tão desejada pessoa especial, o mercenário havia ido conforta-lo a respeito do como estava agindo. Ele havia dito que estava se comportando como uma criança mimada e birrenta, que não era justo com todos os outros do grupo e que provavelmente ele seria o culpado caso algum de seus amigos viesse a se machucar gravemente ou, na pior das hipóteses, acabasse morrendo.

E em um súbito momento de raiva, Leon se atirou em Kamui a fim de machuca-lo e foi exatamente isso que tinha feito. Aquela briga de criança havia durado horas, cabelos foram puxados, roupas foram rasgadas e até narizes saíram sangrando depois de tudo.

E foi bem depois de um soco na clavícula descoberta do mercenário que o brilho apareceu.

E logo em seguida a marca.

Pela primeira vez havia visto Kamui com os olhos comicamente arregalados. Ele traçava o intricado desenho com tanta delicadeza que era quase como se ele tivesse medo de apaga-lo sem quere.

Leon não sabia dizer como estava se sentindo naquele momento, ele queria gritar de raiva, dizer que aquilo era mentira, que Kamui nunca seria o homem certo para ele. Mas por algum motivo, um calor e um grande orgulho inundaram o seu peito.

E antes que Kamui pudesse sequer dizer alguma coisa, Leon já havia se certificado de selar seus lábios com o dele.

—Você não se cansa de ficar olhando pra essa coisa?- a voz rouca e sonolenta do mercenário o havia trazido de volta para o presente.

—Mas é claro que não.- Leon respondeu em um tom maroto, enquanto permitia que seus dedos passeassem por aquele torso desnudo.- Eu tenho orgulho dela.

Kamui tirou o braço da frente do rosto e passou a fitar sua pessoa preciosa. Claro que nunca havia admitido para ninguém, e nunca o faria, mas sempre fora apaixonado pelo arqueiro. E ter que lidar com sua incessante adoração para com Valbar era sempre uma tortura.

—Eu te amo.- Kamui murmurou enquanto aninhava Leon em seu peito.

Havia tanto amor naquela declaração que o rapaz de fios lilases não conseguiu evitar que um sorriso se desenhasse em seus lábios.

—Eu também. - murmurou baixinho antes de beijar com ternura aquela bela marca. -Eu também te amo.

Kamui era o exato oposto de tudo aquilo que procurava em um parceiro ideal. Mas era assim, com todos esses defeitos, que Leon o adorava e ele não desejava que fosse diferente.

Kamui era sua alma-gêmea e isso já era o suficiente.